Caçador Herdeiro Brasileira

Autor(a): Wesley Arruda

Revisão: Ângela Marta Emídio


Volume 1 – Arco 3

Capítulo 33: Conhecendo Venandi: a organização Ko-Ketsu

Eu percebi que não existiam carros em Firen, nem motos ou caminhões, apenas bicicletas e carroças, embora em pequeno número. As pessoas gostavam de andar, estava na cara. Caminhavam devagar pelas ruas estreitas e vielas de Firen, todas em um clima muito bom e animado. Até que, finalmente, deparamos com uma cena não muito boa.

Um homem robusto — postado ao lado de uma melancia esmagada no chão — ameaçava um rapaz magro que, provavelmente, vendia frutas, uma vez que ele estava atrás de uma barraca cheia de bananas, maçãs, uvas e melancias, em uma das ruas de cascalho. Muitas pessoas observavam a confusão com medo, sem fazer nada. O homem forte puxou o rapaz pela blusa de forma agressiva, com seu corpo inclinado acima da barraca, dizendo, em um tom selvagem:

— Quero meu dinheiro de volta!

— Não foi culpa minha ter caído, já que foi o senhor quem derrubou — defendeu-se o comerciante tentando soar calmo, o que não estava funcionando muito bem.

— Isso não importa! Eu paguei e quero a mercadoria!

— Mas senhor…

— "Mas" nada! — interrompeu-o o valentão.

O pobre homem ficou imóvel, seus olhos trêmulos e inquietos, até que o outro o largou. Este esperava que o comerciante lhe desse outra melancia ou o dinheiro de volta, mas nada aconteceu.

De repente, o grandalhão derrubou a barraca de frutas do comerciante para frente e avançou contra ele, sem se importar em esmagar algumas maçãs; e deu-lhe um soco na cara derrubando-o no chão. O cara magro murmurou de dor, com a mão sobre a bochecha, e quando ia levar outro soco, meu pai já estava à sua frente, bloqueando o ataque do homem agressivo.

— Acho melhor parar — disse Tony, calmo e ameaçador; o comerciante ficou visivelmente aliviado, enquanto sentava-se perante as frutas no chão e a barraca caída à sua frente.

O valentão olhou assustado para o meu pai.

— Senhor Kido, m-me desculpe, acontece que...

Antes que ele pudesse terminar de falar, dois policiais já seguravam seu outro braço, algemando-o com o braço que meu pai apertava.

— Acho que não é pra mim que você deve explicações — disse meu pai, ainda tranquilo.

Fiquei impressionado com o seu modo de agir. Não digo sua velocidade, mas sim a sua atitude, calma e serena.

Os policiais — que tinham seu fardamento completamente preto — conduziram o sujeito até uma simples viatura do outro lado da rua — o primeiro carro que eu havia visto — e o colocou no camburão, levando-o para, provavelmente, a delegacia.

— Muito obrigado, senhor — disse o bom homem, ainda assustado, ao Tony.

— Não tem de quê — sorriu meu pai, virando-se e o ajudando a levantar a barraca de madeira. Outras pessoas que estavam por perto também ajudaram o comerciante a colocar as frutas de volta no lugar, enquanto meu pai vinha até mim, como se nada tivesse acontecido.

— Vamos?

 

Depois de andar bastante pelas ruas estreitas preenchidas por pessoas, enfim chegamos em uma zona da cidade onde havia edifícios de três ou quatro andares, rodeados por belas árvores bem podadas, que deixavam o bairro com um ar de tranquilidade. Entre os prédios, um se destacava. E foi até ele que caminhamos.

— Essa é a organização — falou meu pai.

O edifício era maior que a BFM, tanto de largura quanto de altura. Tinha cerca de cinco andares e suas paredes eram de um vermelho-escuro muito forte, com lindos detalhes alaranjados nas janelas de madeira — algumas fechadas, outras abertas. O telhado escuro tinha o mesmo formato piramidal que os telhados das outras casas da cidade. A fachada acima da porta não continha janelas e a porta, por sua vez, era estreita e de aço, cujas dobradiças também eram alaranjadas.

Não havia seguranças por perto.

Meu pai aproximou-se da entrada e, simplesmente, a abriu.

Estranhei.

— Ninguém entra aqui — disse ele, gesticulando para que eu também entrasse, fechando a porta atrás de si; ficamos lado a lado. — Ninguém é tão tolo.

Estávamos numa pequena sala fechada, incluindo apenas a porta de entrada atrás de nós. Apesar de pequena, não era abafada. Uma lâmpada fluorescente amarela iluminava o ambiente. O mais estranho, contudo, era que a lâmpada não ficava no teto, e sim embutida na parede lateral à esquerda.

De repente, um fio de luz surgiu das duas paredes laterais e passou pelo meu corpo e pelo do meu pai, dos pés à cabeça, como se estivesse nos analisando.

Era laser, daqueles que usam em museus para proteger algo de grande valor. Entretanto, ao invés de ser vermelho, aquele era amarelo, muito fino e brilhante.

— Boa tarde, senhores Antônio e Diogo Kido — disse uma voz de algum alto-falante que eu não podia ver. Uma voz feminina, simpática, mas aparentando ser de alguma espécie de robô.

— Boa tarde, Helena — disse meu pai ao nada.

— Hã... boa tarde — falei também, desconfortável. 

O teto se abriu de repente, me assustando de imediato. Não dava para ver nada além da abertura escura, mas eu sabia que ali havia bastante espaço. Aquele com certeza era um lugar bem estranho, e eu sabia que ainda havia muitas surpresas futuras.

Tornei a me assustar quando o chão que pisávamos começou a se mexer, e logo percebi que ele estava subindo. Estávamos numa espécie de elevador.

— Quem é Helena? — perguntei ao Tony, encarando-o.

— A voz — disse ele.

— Hum.

O chão continuava a subir lenta e silenciosamente, passando por um lugar imerso em escuridão, deixando-me curioso para saber onde sairíamos. Até que, finalmente, parou. Eu não via nada além das paredes e do teto. O silêncio era total.

A parede à nossa frente abriu-se feito uma porta eletrônica. Tudo se iluminou no mesmo instante — um clarão tomou minha visão por alguns segundos. Quando voltou, meu pai já havia dado alguns passos e estava imóvel, olhando para algo. Caminhei até ele, observando que estávamos numa espécie de corredor estreito com um parapeito vermelho e prata à nossa frente.

Ao longo do corredor, nas duas direções, havia muitas portas de madeira fechadas que contornavam o pátio amplo lá embaixo. Estávamos no quinto andar, uma altura enorme. E fiquei pasmo quando olhei para baixo e vi, diante do parapeito, o gigantesco saguão....

— Incrível — foi o que consegui dizer.

Havia dezenas de pessoas circulando por ali, aparentemente atarefadas. Algumas carregavam folhas de papel, outras mexiam em computadores espalhados pelo espaço, como se houvesse escritórios improvisados em cada canto. Parecia um formigueiro.

Alguns davam gargalhadas, enquanto outros corriam e entravam em uma porta situada no extremo oeste. A maioria das pessoas estava armada com diferentes tipos de espadas e vestiam uma roupa estranha com um colete grosso vermelho-sangue que combinava com a roupa interna. Parecia aqueles trajes de nadador, bem apertado, pois tomava o corpo inteiro do indivíduo em um tecido preto. Além das vestimentas já mencionadas, usavam também botas e luvas, do mesmo tecido do colete, e da mesma cor também.

No pátio havia diversas mesas e cadeiras enfileiradas, além de diversos computadores modernos ou outros tipos de objetos como celulares. De longe, percebi um rapaz — não muito velho — com fones de ouvido, provavelmente trocando de música em seu Iphone. Além de tudo isso, havia, em um determinado canto, sofás, cafeteiras, TVs, geladeiras e mais algumas coisas do cotidiano.

Olhei para o meu pai, fascinado. Ele apertou um botão na borda vermelha do parapeito. Em seguida, o chão que estávamos pisando começou a descer, mas só a parte em que pisávamos, um quadrado perfeito. Enquanto descíamos, meu pai perguntou:

— O que você achou da organização Ko-Ketsu?

— Muito legal — respondi, ainda encantado, observando o lugar.

Dos andares superiores ao térreo, havia mais corredores que contornavam o gigantesco pátio quadrado. Estes também eram protegidos por parapeitos de ferro bem estilosos. As portas pareciam levar a dormitórios, a maioria fechada ou entreaberta. No saguão, todos usavam o "traje de nadador", porém sem o colete. Dava para ver o formato dos músculos dos homens — e o formato dos seios das mulheres também. E percebi que, em todos os trajes, havia uma espécie de botão vermelho (a maioria dessa cor), pequeno, abaixo da gola simples, que me deixou curioso. Decidi tirar aquela dúvida:

— Pra que serve aquele botão, pai? — perguntei, apontando para um dos rapazes que caminhava apressado no centro do pátio abaixo de nós, sentido sul.

— Para ativar o colete — respondeu ele, com orgulho na voz. — O tecido preto de borracha é super resistente e feito especialmente para a elasticidade completa do caçador, além de aliviar dores musculares e aquecer o corpo em lugares extremamente frios. É uma roupa de compressão. E o colete, acho que é até evidente, serve para proteger o peito.

Eu ainda analisava aquele lugar fabuloso, e percebi também que nem todos usavam o vermelho (digo, os coletes, as botas e as luvas). E, antes que eu perguntasse sobre aquilo, meu pai falou:

— O padrão é o vermelho, mas os veteranos podem escolher outra cor, se quiserem. O modelo permanece o mesmo, mas vai do estilo de cada um.

— Entendi — falei, reparando que realmente os que usavam cores diferentes aparentavam ser mais velhos. Alguns usavam amarelo, outros azul (claro ou escuro), roxo, verde, branco e até cinza. Eram poucos os diferenciados, mas o destaque em meio ao mar preto e vermelho era enorme.

Pisamos no térreo e reparei que não havia janelas por perto, muito embora o ambiente fosse agradável, com paredes claras e limpas e dezenas de lâmpadas brancas embutidas ao longo delas. Ainda assim parecia que era uma iluminação natural. Não havia ventiladores, mas pelo lugar passava uma brisa refrescante. Eu sentia também o ar puro. Um ar muito bom, muito agradável.

Eu realmente estava encantado.

Meu pai me guiou rumo ao norte do pátio pelo chão de pavimento espelhado, e todos que estavam no caminho o cumprimentavam. Homens fortes, feições firmes e olhos experientes; mulheres bonitas, postura invejável, sorriso simpático no rosto. Eu começava a me sentir orgulhoso por ser filho dele. Recebia olhares curiosos e admirados. Pelo menos foi bom a princípio, mas o desconforto por me sentir o centro das atenções começou a aparecer.

Fiquei feliz quando chegamos ao que aparentava ser o nosso destino, uma porta de madeira igual às outras, situada no nordeste do amplo pátio. Tony a abriu e entramos, então me vi em um lugar silencioso comparado ao saguão.

— Aqui é mais tranquilo — disse meu pai.

“Deu pra perceber” pensei, analisando a sala espaçosa; um escritório, talvez. Numa das paredes, uma televisão transmitia notícias de esporte, mas não havia ninguém no sofá vermelho. O volume estava alto, então entendi o motivo: um rapaz de pele morena e cabelo cacheado parecia estar atento ao que o repórter relatava, embora digitasse algo em seu computador, na parede oposta. Ele parecia imerso no que escrevia, sério e calado. Mas notei suas orelhas captando o som da televisão, o que soava meio engraçado. O colete de seu uniforme estava desativado, mas as botas e luvas apontavam que ele tinha cor azul-claro. Um agente veterano.

— O que faz aqui, Tony? — perguntou um rapaz surgindo do banheiro. — Pensei que você tinha ido visitar sua família.

No momento em que olhei para ele, senti como se estivesse encarando o Natsuno. Era idêntico! Exceto, claro, pelo cavanhaque e pelos olhos castanhos. Suas botas e luvas eram de cor roxa.

— Achei que fosse o momento de apresentar Firen ao moleque — respondeu meu pai, então recebi um olhar familiar do sujeito. Era como se ele fosse fazer piadas a qualquer momento.

O outro rapaz parou de digitar e fechou a janela do computador, exibindo o papel de parede que retratava um prédio vermelho-escuro de telhado piramidal: o edifício da organização Ko-Ketsu.

— E aí, Diogo — disse o rapaz do cabelo roxo. — Espero que esteja curtindo a tour especial com o seu pai.

— Sim, tô gostando bastante — respondi. — Muito prazer, hã, senhor Kogori.

— Pode me chamar de Hebert. Natsuno fala muito bem de você. Ele é meu filho.

Dei um sorriso meio acanhado. A semelhança entre os dois chegava a ser impressionante.

— Apesar de esse não ser o lugar certo para adolescentes, seja bem-vindo — disse o homem moreno com uma certa antipatia, levantando-se de sua cadeira. Ele cravou olhos familiares em mim. — Sou Sandro Macedo e faço parte do clã da água.

Ele me estendeu a mão e nossos olhos se encontraram. Eu conhecia bem aquele olhar, pelo menos a cor e o formato. Apertei sua mão e tomei coragem para perguntar:

— O senhor, por acaso, é parente da Sophia?

— Ela é minha filha, por quê?

Senti as bochechas aquecendo, e aquecendo muito. Os três olhavam para mim, aguardando por uma resposta. Constrangido, respondi:

— Ela, hã, estuda comigo. É da minha sala.

Sandro era mais alto que Tony e Hebert e possuía um olhar rígido. Sua face não expressava nenhuma emoção, o que o diferenciava bastante de sua filha. Ele parecia prestes a me atacar; aparentava ser daquele tipo de cara que parece ser calmo mas que explode por qualquer coisa.

Decidi ficar cauteloso.

— Me deem licença — disse Hebert dando um sorriso sarcástico. Ele se direcionou ao sofá vermelho, enquanto Sandro acenava com a cabeça e tornava a se sentar.

Por fim, meu pai disse:

— Bom, agora que você já conheceu meus grandes amigos, iremos a outro lugar.

— Qual? — estranhei.

— Venha comigo.

 

Após sairmos da sala, caminhamos pelo pátio sentido noroeste, passando por vários membros trajando a mesma roupa preta, a qual eu não me acostumara ainda. Imaginei meu pai uniformizado, mas a ideia não me pareceu muito boa.

Ri muito por dentro, imaginando-o com o traje apertado.

— O Hebert é gente boa — disse Tony, tirando-me do meu devaneio. Ele olhou para mim com uma cara estranha. — Percebi que você ficou um pouco nervoso perto do Sandro. Aconteceu alguma coisa?

— Não — menti, com as mãos trêmulas no bolso.

— Ele não é muito de falar, mas ainda assim também é gente boa. Não precisa ter medo.

— Nem fiquei com medo — protestei.

— Então o que era? — Tony soou desconfiado.

— Nada, pai, já falei. Apenas impressão sua.

Meu pai ainda estava incerto quanto àquilo.

— Diogo, você está me escondendo algo?

— Eu não — respondi impaciente. — Fica frio.

— Tá — foi a última palavra dele. 

Entramos na nova porta e saímos num corredor largo e curvado para a esquerda. Uma vitrine de vidro se estendia pela parede, repleta de objetos interessantes, semelhante a um museu. E não éramos os únicos presentes no corredor. Outras pessoas com roupas comuns apreciavam as relíquias e seguiam rumo ao fim do corredor. Quando menos percebi, Tony já estava diante do primeiro objeto.

— Isso aqui é a espada de Taiyo Hentsu — disse ele quando me aproximei, mostrando uma bela espada de cabo azul-marinho com alguns detalhes prata. Prata como a longa lâmina, de aproximadamente dois metros de comprimento.

— E quem é esse? — indaguei.

— O caçador dono do recorde. Ele foi o que mais destruiu vampiros em toda a história. Milhares. Não me lembro quantos, mas nunca chegarei a essa marca. — Meu pai riu, no entanto parecia insatisfeito com o fato. — Detalhe: — ainda inseriu — essa espada não é uma Takohyusei.

Confesso que fiquei bem surpreso. Então esse tal de Taiyo deveria mesmo ser muito forte.

Caminhamos até o segundo objeto.

— De quem era essa faca? — ri, em deboche; era apenas uma adaga pequena. Muito bonita, mas eu preferiria mil vezes uma espada feia que tivesse uma lâmina maior.

— De um falecido amigo meu — respondeu meu pai, assumindo uma expressão triste, fazendo-me ficar arrependido no mesmo instante. — Arc Dadilan foi o homem que matou o Rei Ogro da Colina Rosan. Muitos tentaram em toda a história, mas ele foi o único que conseguiu. Ele era especialista com facas, e essa era uma especial. Foi criada pelos Monges Profetas especialmente para ele que, com ela, matou o inimigo. Um inimigo muito poderoso, por sinal.

Primeiro, eu fiquei impressionado sabendo que ogros existiam. Depois, mais ainda, sabendo que o rei deles foi morto por uma faca.

Rumamos ao terceiro objeto.

Foi aí que me assustei. Não era bem um objeto, era a cabeça de um vampiro horrível!

— Pai, pra quê vocês guardariam a cabeça de um vampiro? — ironizei, sentindo náuseas no estômago.

— Acontece que esse não é um vampiro comum — disse ele. — Nem evoluído. É a cabeça de um vampiro demoníaco, uma raça rara. Só existem no Reino dos Vampiros.

Eu fiquei surpreso e admirado. Vira de perto o que era o Reino dos Vampiros, e era inacreditável saber que alguém havia entrado lá e trazido a cabeça de um vampiro.

— Os vampiros demoníacos são a raça mais forte que existe, Diogo. Na verdade, eles são a primeira espécie que surgiu no mundo, passando o vírus para humanos ao ponto de estes também virarem vampiros. São os intitulados "originais". E você sabe quem foi que conseguiu arrancar a cabeça desse?

Balancei a cabeça em negativo.

— Eu — respondeu Tony cheio de si. Por alguns instantes eu esperei ele dizer que era brincadeira, mas nada. Então fiquei surpreso.

— Sério mesmo? — perguntei. Ele fez que sim. Embora um tanto orgulhoso, dúvidas surgiram na minha cabeça: por que Tony entraria no Reino dos Vampiros e como o vampiro não se tornara areia.

Deixei esse assunto para depois.

Continuei reparando a cabeça do indivíduo. Se eu dissesse que ele era feio, eu estaria pegando leve. A julgar pela expressão de dor, ele havia tido uma morte horrível. Seus olhos de íris escarlates não tinham vida, e seus cabelos desgrenhados pareciam que nunca haviam sido lavados. Além das presas afiadas em sua boca, ele possuía uma pele avermelhada e peluda. Parecia mais um lobisomem do que um vampiro. Seu nariz era enorme e as suas orelhas eram pontudas. Sua feiura vencia a do diretor facilmente.

Apesar de tudo, seu rosto não estava danificado, e ele parecia olhar fixo para mim!

No corredor havia outras pessoas e, sem querer, acabei esbarrando em um garoto e caí no chão. Ele era mais ou menos da minha idade, apenas um pouco maior do que eu, e também estava acompanhado.

— Perdão — disse ele, me estendendo a mão. A primeira coisa que reparei foi nos seus cabelos volumosos, que chamavam muito a atenção por ter um tom alaranjado muito forte.

— Que nada — falei, aceitando sua ajuda. O garoto abriu um sorriso simpático e me puxou. Enquanto isso, nossos pais se cumprimentavam. Pelo jeito já se conheciam. — Seu pai também está te mostrando o museu da organização? — perguntei.

— Está sim — disse ele. — Muito legal, não acha?

— Aham.

— Aliás, meu nome é Yago Cordeiro. — Ele me estendeu a mão novamente, dessa vez para cumprimentar, fazendo-me perceber que ele era familiar.

— Eu sou Diogo Kido. — A apertei.

— Do clã do fogo. — Yago parecia fascinado.

— Acho que sim.

Nós rimos.

Seu pai também me cumprimentou — semelhante ao filho da mesma forma que Hebert se parecia com Natsuno —, depois meu pai e eu continuamos a "jornada".

O quarto objeto era um pergaminho aberto, cujas bordas estavam desgastadas.

— Isso é o mapa que um pirata usava na época do Quinto Caçador Lendário. Foi achado dentro de um navio afundado no Oceano de Água Pesada.

Eu me surpreendi duplamente.

Primeiro, claro, por saber que existiam piratas. Depois, porque Água Pesada era um nome conhecido para mim. Eu sabia que existia o rio, só não imaginava que existia um oceano. Queria nem imaginar como seria nadar lá...

— Foi um milagre esse pergaminho resistir à água — disse Tony.

— Talvez não seja de papel.

— Mas é — replicou ele, mas não parecia tão interessado no assunto. 

Continuei analisando os desenhos na folha amarelada. Mesmo estando em preto e branco, distingui os oceanos e as terras, sinalizando que Venandi era bem diferente da Terra, pelo menos baseando no que eu conhecia de Geografia.

Fomos ao quinto objeto.

Era uma coroa. Muito bela e brilhante. Dourada, claro. Havia pedras preciosas embutidas nela, e percebi que algumas eram diamantes. A coroa era tradicional, como a de um rei de histórias em quadrinhos ou até de contos de fadas, mas com a falta do tecido interior, fazendo-a parecer um anel gigante — visivelmente muito bem decorado.

Olhei para Tony e vi sua expressão novamente triste.

— Vai me dizer que era de um amigo seu — falei, em um tom zombeteiro.

— Era sim — disse ele, falhando sua voz. — Meu melhor amigo.

Fiquei surpreso mais uma vez — já estava até me acostumando. Nunca imaginei que o meu pai seria amigo de um rei.

— Ele era rei de onde? — perguntei, voltando-me para a bela coroa dourada.

— Do mundo todo — respondeu meu pai, me deixando ainda mais surpreso. — Pai de Cláudio Rodríguez, membro do clã da terra e, por fim, o Décimo Caçador Lendário.

Meu queixo caiu de vez. Não imaginava que o último Caçador Lendário fora amigo do meu pai, muito menos que fosse pai do Cláudio.

— Hã, impressionante — foi a única coisa que consegui dizer tentando disfarçar a surpresa. Mas acho que não funcionou. Eu me perguntei o que mais viria pela frente.



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