Volume 1 – Arco 1
Prólogo: Faroeste Urbano
Olhares desinteressados miraram a entrada do bar no momento em que o sino na pequena porta soou e um ser de altura média surgiu, caminhando a passos lentos e silenciosos. Trajava um casaco cinza aberto por cima de uma camisa azul-céu e usava uma corrente prateada que reluzia em seu pescoço, portando um pingente em forma de M na ponta, feito também do mesmo material.
Ele se aproximou do balcão e se sentou entre dois homens, sem sequer fazer barulho. A sombra que o capuz peludo de sua blusa produzia revelava poucas partes de seu rosto. Devido aos pelos, alguns rapazes o encararam, uma vez que o calor predominava sobre a cidade de Honorário naquela noite, mas o sujeito parecia não se importar.
A Lanchonete Lendária, como o próprio nome dizia, tratava-se de um lugar recheado de mesas e cadeiras num ambiente animado, geralmente muito cheio. O dono e chefe de cozinha do estabelecimento se considerava um amigo dos próprios clientes, sempre fazendo questão de cumprimentá-los e dizer que todos eram bem-vindos, mancando um pouco enquanto se locomovia de uma mesa a outra.
Mas o estabelecimento também possuía o bar. Uma ala afastada, com sua própria entrada e sua própria freguesia, era um típico boteco que recebia marmanjos durante as noites da semana, homens que chegavam cansados do trabalho e iam direto se embriagar, cujo assunto principal era sempre o bom futebol.
Naquela noite, em especial, estavam comentando sobre uma das rodadas do Campeonato Paulista que, embora não tivesse um time representando a cidade de Honorário na série A, era motivo de muita conversa entre os bebuns rabugentos. Bebuns que agora tinham a atenção voltada para o estranho que acabara de passar pela porta e havia sentado entre eles. Não parecia alguém disposto a reclamar da arbitragem da partida ou do bom desempenho do São Paulo diante do Água Santa. Ele apenas mantinha-se mudo.
— Vai querer alguma coisa? — perguntou o barman, olhando-o com ironia, notando que aquele indivíduo era novo nas redondezas. Insistiu, após ser ignorado: — Ei, você me ouviu?
— Parece que ele não gosta muito de falar. — Um dos homens que estavam ao lado do rapaz fez questão de dizer, carregando provocação em sua voz.
O estranho revidou:
— E o que você tem a ver com isso?
Embora fosse a voz de um mero adolescente, levava um notório tom de arrogância, o que não foi bem recebido pelo homem.
— Como é que é?! — Ele se levantou. Seu porte físico grotesco, mediante à pequena estatura do garoto, atraiu os olhares dos bêbados ao redor. Também era um novato na região, o barman percebeu. Um homem de pele morena, com uma altura próxima aos dois metros e com músculos tão inchados que o sujeito se assemelhava a um lutador de MMA, além de uma expressão intimidadora. Aparentava ser daquele tipo de cara que gosta de briga e se enfurece com rapidez; o garoto permaneceu imóvel, mas acrescentou:
— Se você se ofendeu com algumas simples palavras, só tenho uma coisa a informar. — Ele ergueu o rosto para o grandalhão e completou: — Você não passa de um idiota.
O brutamontes rosnou, erguendo seu enorme punho e direcionando-o com força contra o garoto. Seu ataque, no entanto, foi meramente bloqueado. E quem quer que fosse o defensor, consistia de alguém rápido e forte, pois segurava firme o punho do grandalhão.
— Calminha aí, amigão.
Era o velho chefe de cozinha, que se movera tão rápido que até mesmo os bêbados acabaram espantados. Afinal, ele não estava cumprimentando seus clientes na ala das mesas? E não era manco, já que sempre caminhava de forma desajeitada? O único que ainda se mostrava despreocupado era o garoto. Ele permanecia no seu devido lugar e com o rosto ainda imerso na escuridão.
O homem enfurecido murmurou algo em um rosnado e depois se afastou, caminhando rumo ao banheiro do corredor do bar, irritado. O cozinheiro suspirou e olhou para o garoto do casaco cinza que, por sua vez, se levantou e caminhou também em direção ao banheiro, lenta e despreocupadamente.
— Ei, não quero confusão na minha lanchonete!
O cozinheiro puxou o garoto e tentou encará-lo através do capuz.
— Tenho um trabalho a fazer. — A voz dele saiu, para a surpresa do homem, tranquila.
O cozinheiro o analisou por um breve instante, e não disfarçou sua perplexidade ao notar o pingente em forma de M na corrente no pescoço do garoto. Parecia estar vendo alguém que não via há anos.
— Medeiros — disse a si mesmo, com ar admirado.
O garoto não disse nada. O velho fez uma expressão de "tudo bem" com a cabeça, e ele se virou, voltando a caminhar ainda de forma lenta.
— Ele é louco — comentou alguém que estava no balcão, bebendo.
— Vai apanhar feio do grandalhão — riu outro debochado.
O garoto continuava ignorando a todos.
— Boa sorte — disse o cozinheiro, mais para si mesmo, observando-o caminhar.
Sem olhar para trás, o brutamontes entrou no banheiro e fechou a porta com força, seguido, sem perceber, pelo garoto. Ninguém no bar parecia preocupado, a despeito do chefe de cozinha, que tinha olhos fixos na porta, quase caminhando até lá, lutando contra todos os seus instintos.
O banheiro cheirava a urina de bêbado. Não que o homem enfurecido se importasse; ele apenas se dirigiu à cabine do fundo, abriu a porta com agressividade e fez sua necessidade. Quando saiu para lavar as mãos, deu de cara com o garoto encapuzado, este imóvel e de cabeça baixa, quieto e com as mãos nos bolsos da jaqueta.
— Eu não imaginava que você fosse tão ingênuo — disse o grandalhão. Um sorriso demoníaco se formava em seu rosto ao mesmo tempo em que lambia os lábios; o garoto se manteve sombrio, o rosto ainda escondido. — Não vai dizer nada, maldito?!
— Acontece que eu não costumo conversar com a sua raça.
Havia desprezo na voz do garoto. No momento em que ele virou o rosto para o brutamontes, este recuou prontamente, apavorado, batendo as costas na cabine fechada — e observou seu caçador tirando a mão direita do bolso e exibindo uma espada pequena, de cabo cinza-fosco e lâmina prateada de fio duplo, não muito longa, porém afiada.
— Droga... — murmurou.
Dois minutos depois, a porta do banheiro se abria e o cozinheiro observava enquanto o garoto caminhava em sua direção, a passos lentos e descontraídos, da mesma forma de quando entrara na lanchonete.
Ele passou direto pelo chefe de cozinha e se sentou no mesmo lugar de antes, ainda encapuzado, ainda sossegado. Os bêbados o encararam por um segundo, sem dar tanta importância. O cozinheiro deu a volta no balcão, olhou de relance para a ala das mesas — que permanecia cheia, ainda — e ficou de frente para ele. Perguntou, sério:
— Concluiu?
— Sim. — A voz do garoto era tão calma quanto seus movimentos.
— E onde está o corpo?
O garoto olhou para o cozinheiro, seu rosto ainda ocultado pelas trevas, mas dessa vez dois brilhos amarelos cintilaram justo onde deveriam estar os seus olhos, brilhos que apenas o chefe de cozinha pôde ver, um brilho que ele conhecia muito bem; o cozinheiro o encarou estático, enquanto o garoto abria um pequeno sorriso, embora fosse sombrio e assustador, dizendo:
— Virou areia.