Caçador Herdeiro Brasileira

Autor(a): Wesley Arruda

Revisão: Ângela Marta Emídio


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 7: Falso vampiro

Agora que sabia sobre caçadores e vampiros e ter deparado com dois vampiros bizarros em menos de doze horas, o meu cérebro ansiava por respostas, especialmente sobre Cláudio.

— Oi, mãe. Cheguei.

Dona Sara me lançou um olhar intimidador com seus olhos negros me fazendo sentir calafrios na barriga.

— Bonito isso, né? Posso saber por que você fugiu da escola?

Fiquei sem saber o que responder. Não podia simplesmente dizer: "Ah, mãe, um vampiro tentou me atropelar de moto em pleno corredor, então eu o segui até um beco. Depois ele fugiu de mim pulando para o alto de um prédio, dizendo que era só o começo". Ela ficaria ainda mais irritada.

— Um grupo de garotos estava ameaçando o Diogo na escola — respondeu o meu pai, ainda abalado com a morte do Cláudio, algo que passou despercebido pela minha mãe, que tinha a atenção voltada para mim.

Olhei para ele. Não era a melhor resposta do mundo, mas me livraria de uma explicação mais convincente — muito embora houvesse outro grande problema: a escola.

Havia fugido de lá sem mais nem menos e seria uma coisa chata tentar me explicar para a diretoria. Haveria testemunhas negando caso eu desse a mesma resposta que meu pai deu à minha mãe.

— O que você fez dessa vez, filho? — Minha mãe continuava brava. — Será que não consegue ter uma semana de aula tranquila? Esses garotos... não os machuque, pelo amor de Deus.

— Relaxa, mãe — falei, porque era possível imaginar o que se passava em sua cabeça. Na outra escola, como precisava defender o Henrique dos caras folgados, eu havia me metido em tantas brigas que alguns professores consideraram a ideia de me mandar para uma academia de lutas em vez da diretoria. — Meu pai já resolveu, hã, o problema.

Não totalmente satisfeita, Sara voltou a fazer o almoço enquanto meu pai e eu nos dirigíamos à sala.

Sentei no sofá menor e meu pai no maior. Ele ligou a TV através do controle e deitou com olhos que denunciavam seus pensamentos: a forma que encontramos Cláudio. Passava um noticiário informando que alguém tinha morrido de maneira misteriosa na noite anterior, uma vez que o corpo fora encontrado muito pálido em uma das ruas da cidade de Honorário; no exame de corpo de delito o resultado acusava falta de sangue. O jornal especulou que o morto tivera Leucemia, mas meu pai e eu sabíamos que essa não era bem a resposta certa.

“As inscrições!” eu me lembrei num sobressalto. Era o dia das inscrições para o campeonato da escola e, se eu não assinasse a lista, não poderia participar.

Olhei para o relógio: dez e quarenta e sete. Daria tempo de chegar lá e assinar de boa; o problema seria dar a tal explicação.

— Pai, temos que ir à minha escola.

— Por quê?

Expliquei que teria de assinar a lista. Tony pegou o carro na garagem e tomamos o rumo do colégio Martins. A entrada da secretaria ficava na lateral leste do edifício, na mesma avenida pela qual eu seguira o motoqueiro. Consistia de um corredor largo e curto que terminava numa parede com uma janela protegida por barras de ferro, semelhante a uma cela de prisão. Ao lado da janela, uma porta de ferro levava à sala dos arquivos, a julgar pelas prateleiras abarrotadas de papéis no interior do cômodo.

— O que desejam? — perguntou uma das secretárias por detrás da janela. Simplificando, ela era feia, branca, cabelos pretos, usava óculos de grau elevado e tinha aparelho nos dentes, com braquetes rosa-choque. Até levei um susto quando a vi. Me perguntei se seria a filha da senhorita Abigail.

— Meu filho estuda nessa escola — iniciou meu pai — e precisa assinar uma lista para o campeonato de futebol.

— Qual é o seu nome? — perguntou ela a mim.

— Diogo Ribeiro Kido — respondi meio hesitante. — Do 1º B, sala 2.

Vasculhou os arquivos no computador.

— Você… — disse depois de encontrar o meu nome — não é o garoto que fugiu da escola agora a pouco?

— Sim...

— Por quê? — A mulher olhou estranho para mim por cima das rodelas grossas de vidro.

Procurei por ajuda no olhar do meu pai. Ele fez uma cara de quem queria dizer: "Se vira".

Respirei fundo e torci para que a minha versão — obviamente falsa — fosse convincente.

— Eu, hã, estava passando mal.

Ela me olhou com ironia, erguendo uma das sobrancelhas — o que não a deixou mais bonita.

— Passando mal? Então você pulou a janela do primeiro andar só porque estava passando mal?

— Mania minha.

A estranha olhou com muito mais desconfiança que antes me deixando constrangido. Se eu estivesse no lugar dela pensaria a mesma coisa que ela provavelmente estava pensando: "Esse garoto é louco?".

— Ok — disse ela, afinal. — Só há um problema.

— Um problema?

Torci para ela não responder o que eu temia: que eu não poderia assinar a lista.

— Adiamos o dia das inscrições para semana que vem.

Suspirei de alívio. Pelo menos não ficaria de fora do campeonato de futebol.

— Eu posso saber o motivo? — perguntou meu pai.

— Nosso novo diretor não apareceu hoje e não achamos conveniente iniciar as inscrições de um evento tão importante sem sua presença.

— E quanto ao material escolar do meu filho?

— Quer que eu chame alguém da sua sala para trazê-los? — perguntou a mim.

— Pode ser — respondi. — Um amigo meu pode vir. Natsuno Kogori.

— Kogori, hã? — riu meu pai.

— Sim — falei encarando-o. — Algum problema?

— Não, nada.

Entrementes, a moça ligava para a minha sala e chamava o garoto que eu já considerava um amigo. Minutos depois, Natsuno chegou com as minhas coisas e quando ele abriu a porta ao nosso lado, percebi que o meu pai havia ficado estranho. Ele olhou fixamente para Natsuno, enquanto Natsuno o olhava da mesma maneira.

— E aí, Natsuno — quebrei a tensão. Ele me entregou a mochila e então disse o que desmentiria a versão que eu acabara de contar:

— Dio! Cara, o que deu em você? Por que fugiu daquele jeito?

— Eu, é...

— Você estava seguindo aquele louco que tentou te atropelar?

A secretária, que surgira atrás do garoto, me mirou com olhos ainda mais suspeitos.

— Aquele homem tentou te atropelar? — quis saber ela.

— Não falei que estava passando mal? — respondi com um sorrisinho sem graça. — Então! Ele tentou me atropelar e eu fiquei muito nervoso. Foi tudo no automático.

Agora era Natsuno quem olhava para mim.

— Como assim?

— Ah, depois te explico tudo!

Eu já começava a ficar irritado.

Coloquei a bolsa nas costas e voltei para casa acompanhado por um Tony ainda abalado. Tentei não pensar em mais nada. Nada mesmo. Nem no Cláudio, nem nos vampiros, nem mesmo na forma como meu pai e o Natsuno haviam se encarado. Lembrei-me da conversa que o garoto havia tido no banheiro no primeiro dia de aula, quando fizera menção sobre vampiros e sobre mim ao pai dele. Presumi, então, que o pai dele também era algum tipo de caçador — que pertencia à organização do meu pai, talvez; eu já não duvidava de mais nada.

Decidi que depois perguntaria ao meu pai — ou ao Natsuno.

De qualquer modo, almocei e subi para tirar uma soneca. Precisava descansar um pouco, já que havia perseguido um vampiro de madrugada e outro durante a manhã. Só que eu meio que pisquei e já eram quase quatro da tarde. Tentei dormir de novo, mas o sono não veio. Então decidi ir ao melhor lugar do meu bairro para relaxar: o parque.

Durante o percurso, deixei minha mente livre para pensar em tudo o que havia acontecido desde o meu primeiro dia na cidade, especialmente nas últimas horas. Primeiro, a imagem do diretor carnívoro pulando para cima de mim permanecia na minha memória mais do que qualquer outra coisa. Algo me dizia que era ele quem andara me vigiando todo aquele tempo e talvez fosse ele na entrada da floresta no outro dia. Agora por que não me atacou antes, isso já era um outro mistério.

Em segundo lugar, pensei no Cláudio. Meu pai o conhecia de algum lugar, talvez da tal organização Ko-Ketsu. Eu só não entendia por que ele andava com dois vampiros folgados para todo canto — muito menos por que me barrou no banheiro aquele dia.

Eu vou dar só um aviso: não entre no meu caminho, foram as suas palavras. Alguma coisa me dizia que somente o meu pai poderia explicar que “caminho” era esse.

Embora tenha sido atropelado pelo meu pai, eu sentia que ele morreria de qualquer jeito, bastava olhar o seu estado físico. Cláudio havia sido espancado de maneira cruel por alguém que tinha garras, e, pensando nas unhas enormes do diretor revoltado, eu só conseguia imaginar vampiros.

Suas últimas palavras foram: "Rodrigo", "avisar" e "pen-drive" – um quebra-cabeça e tanto.

Para aumentar ainda mais a onda de mistérios, o professor de História havia faltado e o motoqueiro misterioso na escola quase me atropela. Segui-o até o encurralar, porém fui surpreendido por uma fuga para lá de sobrenatural, envolvendo um super pulo que talvez nem o Incrível Hulk pudesse executar — não antes de, para incrementar um pingo de bizarrice à situação, deixar um aviso para trás: Isso é apenas o começo.

“Começo de quê, meu Deus?” me perguntei. “Do fim do mundo?” Porque parecia que os vampiros haviam aparecido do nada e, se continuasse daquele jeito, a tendência era acabar havendo um apocalipse “V”. O mais estranho era que, de alguma forma, eu sentia que já havia os encontrado antes. Ou não.

Minha cabeça doeu.

Além disso tudo, havia a ausência da Sophia. Poderia ser uma falta normal, mas com todos esses vampiros soltos por aí eu já não desconfiava de mais nada. Temia que algo tivesse acontecido com ela.

Decidi afastar o pensamento.

Cheguei ao parque no exato momento em que a Zoe também chegava. Meu coração começou a bater mais forte — o que já era normal naquelas circunstâncias. Eu nem mesmo havia me tocado que a tinha tratado com grosseria no dia anterior. E me surpreendi quando ela me cumprimentou.

— Oi.

— Oi.

Sentamos no mesmo banco de sempre. Sem pensar duas vezes, fui logo dizendo:

— Zoe, eu quero pedir desculpas por...

— Não precisa — disse ela me cortando. Quando a olhei, notei que não parecia magoada. Talvez por dentro, mas a garota não deixava transparecer. — Olha, eu não sei o que aconteceu ontem, sinceramente, mas fica em paz. Vamos apenas esquecer, ok?

Eu ainda me sentia culpado e envergonhado. Perguntava a mim mesmo se era possível haver alguém tão legal quanto a Zoe. E tão bonita também. Seus cabelos castanhos balançavam de forma sutil com a brisa da tarde. Aqueles olhos — que haviam me encantado e, posteriormente, me provocado medo — despertavam em mim uma estranha curiosidade. Tinham a mesma cor dos olhos do meu amigo Jhou, o grandalhão desajeitado da minha sala, olhos que se destacavam nos dois pelo fato de serem morenos (Jhou era negro e Zoe tinha a pele bronzeada).

— Certo — disse eu.

Percebi que, pela primeira vez, não havia ninguém jogando bola na quadra. Uma paz se formava entre nós dois, tanto que nem as crianças que corriam no playground conseguiam atrapalhar.

Lembrei-me do quanto estava atormentado pelos olhos vermelhos nos últimos dias, sem saber do que se tratava. Apesar de ter descoberto sobre os vampiros, eu me sentia um pouco mais aliviado, pois pelo menos sabia que não estava ficando maluco. Isso tudo fez com que a falta que eu sentia dos meus amigos de infância fosse minimizada, mas a solidão ainda parecia querer me dominar. Até que encontrei alguém que me entendia.

A Zoe era essa pessoa.

— Obrigado — falei um pouco baixo, realmente agradecido. 

— Não precisa agradecer.

— Não estou falando disso... Você tem me tratado tão bem, consegue entender os meus sentimentos com tanta precisão... Eu não me sinto mais tão só, Zoe. — Voltei meu olhar para ela, e sorri. — Acho que você é a minha nova melhor amiga.

Ela me encarava de uma forma carinhosa e honesta com lindos olhos de esmeralda. Zoe sorriu e me mostrou o quanto era perfeita — ela não precisava usar maquiagem para demonstrar sua beleza. Era linda de um jeito natural. E linda por dentro também, já que possuía uma personalidade maravilhosa.

— Então... você confia em mim? — perguntou arqueando uma sobrancelha.

Não consegui segurar o riso. Quando Zoe apareceu pela primeira vez, eu de fato não confiava. Não é todo dia que aparece uma menina linda sabendo o seu nome e deduzindo com perfeição o que você está sentindo.

— Eu confio sim — afirmei, voltando a olhar para a quadra, depois olhei para o céu. As minhas bochechas queimavam tanto que imaginei estarem pegando fogo. Zoe ainda me olhava, mas seguiu o meu olhar.

Eu ainda não me sentia seguro para falar sobre as loucuras que estavam acontecendo na minha vida, porque — bem, porque eram loucuras. Poderia assustá-la ou fazê-la pensar que eu era biruta, coisa que não seria muito legal.

Então conversei com a garota sobre outras coisas. Falei sobre a escola, o campeonato de futebol que se iniciaria, a inspetora rabugenta que perseguia eu e meus amigos e o quanto o grandalhão Jhou comia. Todo o tempo os vampiros — sobretudo o Pedro — passavam pela minha cabeça, mas sempre que apareciam eu dava um jeito de afastá-los.

Zoe também falou sobre a escola. Disse o que queria ser no futuro e como era sua vida no interior de Minas Gerais. Acabei percebendo que ela tinha uma coisa em comum com a minha mãe: também gostava de acordar cedo, sem falar que fazia caminhada com a mãe todos os finais de semana.

— Até que enfim conseguimos conversar com alguma leveza — disse ela quando o sol já estava se pondo. — Fico feliz por ter feito um novo amigo.

Não fosse a vergonha que eu estava sentindo, eu diria a mesma coisa. Era surpreendente o quanto uma simples conversa havia me deixado mais tranquilo, como se eu tivesse tirado um peso enorme dos meus ombros. Era daquilo que eu precisava: de alguém para conversar.

— Acho que já é hora de voltar pra casa — foi a única coisa que tive coragem de dizer, aliás, sabendo que havia vampiros pela cidade, poderia ser perigoso não só para mim ficar à toa por aí, como para ela também.

Nos levantamos ao mesmo tempo. Nossos olhos se encontraram por alguns segundos e eu senti um formigamento na barriga. Aquela sensação, no entanto, era estranhamente boa.

Zoe me deu um beijo no rosto.

Fiquei estático, sem reação e, provavelmente, parecendo um pimentão. A garota me olhou e sorriu.

— Amigos?

— Amigos — respondi, um pouco sem jeito.

Para sempre — sorriu ela. Um sorriso tão lindo que foi impossível não sorrir também.

Ela disse tchau e foi embora. Depois foi a minha vez. E o dia, graças a Deus, terminou sem qualquer outro evento bizarro, o que foi um enorme alívio. Meus pais e eu assistimos a algumas séries da Netflix e, como Tony ia embora do sábado para o domingo, marcamos de ir ao cinema no dia seguinte para assistir a algum filme.

 

O dia de sábado amanheceu ensolarado. As poucas nuvens que marcavam o céu azul eram carregadas pela brisa fraca da manhã. Não fazia tanto calor como eu gostava, mas o clima era bem agradável. Muito melhor que o frio ou a chuva.

Ao chegar à cozinha, uma baita surpresa: era o meu pai quem preparava o café da manhã. Acredite, um fato mais raro que o Palmeiras ganhar um Mundial.

— A mãe ainda não acordou? — perguntei ainda sonolento.

Tony Kido, já inserindo o café na garrafa térmica, respondeu:

— Foi dar uma volta no parque.

— Já faz muito tempo?

— Nem duas horas.

Outra coisa estranha: meu pai acordou cedo. Sem dúvidas a minha vida estava anormal após o assassinato do diretor. 

Fui servido com pãezinhos e café. Quando meu pai se sentou à mesa, comecei:

— Pai, sobre ontem...

— Você quer saber quem é Cláudio.

Claro que ele já sabia o que eu ia perguntar. Assenti e esperei. Não precisava fazer esforço para perceber que meu pai ainda estava abatido. Ele respirou fundo e iniciou, indo direto ao ponto:

— Filho, o Cláudio também era membro de um Clã Especial. Ou um caçador de vampiros, como você preferir.

— Um caçador?

Tony fez que sim.

— Um caçador muito poderoso; um prodígio, pra ser mais coerente. — Havia orgulho em sua voz. — Mesmo quando criança, quando o encontramos, já demonstrava uma grande força. Ele morava com outras crianças num orfanato que estava prestes a fechar. Já faz dez anos. Um dos nossos agentes estava na cidade e ficou sabendo que um garoto de sete anos havia sido incriminado por ter matado alguns homens a sangue frio. Claro que não eram apenas homens — acrescentou quando notou minha expressão de surpresa. — Eram vampiros.

Entre uma fala e outra, bebia um pouco de café, bebida que ele adorava. Dizia que o acalmava. Talvez por isso tenha enchido sua xícara até o limite. Continuou:

— Foi uma burocracia entediante que tivemos que enfrentar para poupá-lo da justiça de qualquer punição. De qualquer modo, o agente que cuidou da situação confirmou logo suas suspeitas de que Cláudio fazia parte da mesma raça que a nossa. Só não imaginava que ele pertencia a um clã tão importante. Que não vem ao caso agora — disse quando ameacei uma segunda interrupção. — O importante foi que conseguimos adotá-lo, e lhe contamos sobre sua origem, pois o garoto estava abalado emocionalmente.

Foi inevitável não pensar na história sem sentir comoção. Imaginei o que o garoto teve que enfrentar enquanto estava no orfanato, acompanhado por outras crianças que, assim como ele, não tinham pais.

Os olhos do meu pai pareciam longe, como se a narração da história lhe causasse dor. Perguntei-me o quanto Tony Kido era próximo do cara que arrumara confusão comigo.

— Ele estava numa missão importante quando morreu — respondeu como se estivesse decifrando minha pequena indagação. — Decidiu investigar sobre o paradeiro de um cientista misterioso cujo sumiço aconteceu há alguns anos.

— O paradeiro de um cientista?

Se o meu pai dissesse que ele estava investigando um chefão dos vampiros, um mafioso, ou qualquer outra pessoa, eu até entenderia, mas um cientista?

— Esse cientista apareceu na organização de repente, alegando que havia descoberto uma cura para pessoas contaminadas por vampiros...

— Espera um pouco! — eu tive que interromper, com um espanto repentino. — Pai, você está dizendo que há contaminação?

— Claro! — Meu pai me lançou um olhar irônico; com razão, pois sempre era desse jeito nas histórias ou nos filmes. Embora estivéssemos na realidade, o fato de os vampiros existirem proporcionavam muitas outras coisas. — E essas contaminações são enormes problemas para a sociedade. Quanto mais vampiros, mais mortes.

— Imagino — falei. — Eu só não entendo por que o Cláudio andava com outros vampiros. — Isso era o que mais me incomodava, sobretudo a cena do banheiro. — Como caçador, eu acredito que o seu dever era caçá-los, e não fazer amizade com eles a ponto de montar um trio de valentões para perseguir os novatos da escola.

— Achamos que os vampiros sejam os culpados pelo sequestro desse cientista. Cláudio desconfiava daqueles que viriam a ser os seus falsos-amigos, por isso se juntou a eles disfarçadamente.

— E os vampiros não perceberiam a presença de um caçador? — Eu estava confuso. — Pois eu sinto a presença dos vampiros e creio que eles percebem a minha.

— Filho, o Cláudio conseguia controlar os olhos. São poucos os que conseguem esconder a sua verdadeira identidade, Cláudio era um deles. Ele se camuflava facilmente entre as criaturas, resultado de muito treinamento.

De certa forma, eu havia entendido. Cláudio investigava os outros dois valentões — que eram vampiros — para ver se descobria algo sobre o paradeiro do cientista misterioso. Só que de alguma forma foi descoberto, e sofreu tanto a ponto de morrer. Pelo menos era essa a minha conclusão.

— Então você acha que esse cientista seja o tal Rodrigo? — perguntei, lembrando-me do nome subitamente.

Meu pai ficou pensativo por um momento. Tornou a encher sua xícara de café de maneira automática, com olhos devaneadores. Em breve minha mãe chegaria, nos deixando sem um lugar seguro para conversas do tipo.

— Tenho certeza — respondeu ele, afinal. — O Cláudio falou algo sobre "Rodrigo", "avisar" e "pen-drive". Ele descobriu alguma coisa importante, tão importante que custou-lhe a vida.

Percebi a expressão facial do meu pai mudando para tristeza novamente. Não sabia o quanto os dois se conheciam, mas pareciam próximos o suficiente a ponto de terem uma certa amizade. Considerando que Cláudio havia morrido em missão e de forma cruel, deveria ser ainda mais duro para Tony suportar a perda.

— Temos que investigar sobre isso — disse ele pensativo.

— Isso mesmo.

— Você não. Isso é comigo, filho. Se o Cláudio morreu por causa dessa informação, não o deixarei correr o mesmo risco.

— Ah, pai, qual é? — eu protestei. — Você mesmo disse que eu poderia me tornar um de vocês.

— Sim, você naturalmente é um caçador. Mas um agente da organização, isso já é uma outra história. É preciso ter experiência, Diogo, porque enfrentar vampiros não é uma simples brincadeira.

— Mas eu sei lutar! Além do mais tenho esse anel-espada que você me deu. Ele me foi bastante útil na perseguição de ontem.

Tony ficou calado, o que significava muita coisa. Ele tinha a mesma cara de quando eu pedi para dirigir o seu carro alguns anos atrás. Ou quando eu falei que estava na hora de ele e a minha mãe me presentearem com um irmãozinho. Ou seja: nada o faria mudar de ideia.

Eu suspirei. Queria poder ajudar de qualquer maneira. Mesmo ele tendo me ameaçado e quase ter me batido, foi doloroso ver o Cláudio naquele estado, ainda mais agora que eu conhecia sua verdadeira identidade. Aqueles vampiros covardes... Eles mereciam ir para o inferno! Eu não podia simplesmente ficar de braços cruzados, mesmo sabendo que meu pai faria alguma coisa a respeito.

Lembrei-me do Natsuno e da conversa dele com o pai no banheiro da escola. Ele também sabia sobre os vampiros, o que indicava que sabia sobre os caçadores também. O fato de ter mencionado o meu sobrenome ao telefone e ter encarado o meu pai daquele jeito comprovava que ele também tinha alguma ligação com a minha vida maluca.

Decidi tirar essa dúvida. Mas quando fiz menção de dizer algo, meu pai e eu ouvimos a porta da frente sendo aberta. Rapidamente nos levantamos e corremos para a sala, prontos para qualquer coisa, fazendo a minha mãe nos olhar assustada.

— Eu... fiz alguma coisa?

Tony e eu trocamos um olhar tenso e aliviado ao mesmo tempo, depois rimos e suspiramos. Afinal, com todos aqueles bizarros acontecimentos recentes, era natural suspeitarmos de um ataque a qualquer momento. 

 

Algum tempo depois, quando já estava no meu quarto, eu senti um calor percorrer o meu corpo, depois um arrepio gelado.

— Essa não — murmurei.

Sempre que eu sentia isso acontecia algo estranho. Primeiro, aquelas sombras do meu pesadelo; depois, os três valentões-vampiros da escola — ou melhor, dois . O professor de História, o diretor assassino e, por fim, o motoqueiro misterioso.

“O que vai ser dessa vez?”

Um pequeno ruído de mato se mexendo veio da floresta, logo em seguida ouvi pedradas na parede perto da janela aberta do quarto, do lado de fora. Eu levantei cauteloso e fui verificar o que era, já tirando o anel do dedo e apertando-o forte na mão. Pedi mentalmente para ele se transformar na espada, e assim ele fez. Esticou-se, mudando de forma e mostrando sua verdadeira aparência. Assim, a espada pequena de lâmina dourada e cabo vermelho, com alguns entalhes alaranjados surgira.

Ao olhar para baixo, avistei o Natsuno parado na grama acenando para mim. 

Eu escondi a Takohyusei e franzi o cenho, me perguntando como ele sabia onde era a minha casa e por que não chamou pela porta da frente.

— Ei, Dio! — gritou, com um sorriso arreganhado no rosto.

 — E aí, Natsuno. O que você faz aqui?

— Poxa, isso é jeito de tratar uma visita? — Natsuno: sarcástico como sempre. — Desce aqui, preciso falar com você.

— Hã, beleza.

Pedi, outra vez pelo pensamento, para a espada voltar a ser anel, e no segundo seguinte eu já o colocava no dedo anelar da mão direita. Então saí do quarto, caminhei pelo corredor frio, desci as escadas e saí pela porta dos fundos da cozinha que dava na floresta.

Ao me encontrar com ele:

— Natsuno, como você sabia onde eu morava?

— Foi fácil — ele sorriu. — Procurei nos arquivos da escola.

“Procurou nos arquivos da escola”. Evidente!

Não pude deixar de notar como ele estava bem vestido: usava uma camisa aberta roxa como os seus cabelos e uma camiseta amarela por baixo, dando um forte destaque e contraste. Vestia também uma calça preta e sapatos marrons que revelavam um estilo bacana e um tanto exótico.

— Cara, bela roupa! — Não pude deixar de rir, ainda reparando na semelhança de cor entre seu cabelo e sua camisa.

— É o meu estilo. — Natsuno deu uma piscadela.

— Mas o que você quer aqui, afinal?

Ele olhou para a floresta atrás de si.

— Eu já sei sobre você.

Mesmo já sabendo disso, eu senti um calafrio, e até tentei disfarçar, para saber o quanto ele diria:

— Sabe sobre mim?

— Sim, esse lance de caçar vampiros e blá blá blá. Não precisa mais negar, maninho.

E quando eu pensei que ele diria que o pai trabalhava na mesma organização que o meu, Natsuno ainda conseguiu me surpreender:

— Eu também sou membro de um Clã Especial, Dio. Também sou um caçador de vampiros.

 



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