Volume 1 – Arco 1
Capítulo 11: Dores do passado. Riku, mudou de ideia?
Riku e eu partimos na direção um do outro com nossas espadas reluzentes empunhadas. Quando chegamos perto, quando ficamos frente a frente, pulamos ao mesmo tempo — desviando cada um para a lateral de uma árvore —, pegamos impulso com o pé e atacamos com nossos punhos cerrados: eu o atingi em cheio no rosto, mas fui atingido da mesma maneira. Estávamos no ar, cada um com a espada em uma mão e com um golpe na outra, então demos um chute; eu acertei o peito dele e ele o meu, muito forte, e o impacto fez com que nos distanciássemos um do outro, lançados no ar. Felizmente, o meu reflexo estava mais ativo que o normal e eu consegui me agarrar a um galho grosso a tempo, em uma agilidade incrível; e me surpreendi quando percebi que o Riku havia obtido a mesma façanha como se fosse a coisa mais natural do mundo.
Subimos nos galhos grossos e eu suspirei. A distância que nos separava era de uns dez metros.
— Incrível — ouvi Pedro dizendo, olhando para mim e depois para o Medeiros.
— Eles são muito rápidos — disse Jhou, boquiaberto.
A cena também me deixou surpreso. Era como se uma agilidade anormal tivesse tomado conta do meu corpo. Eu simplesmente conseguira ler os movimentos do meu adversário enquanto fazia manobras que, mesmo para um lutador de artes marciais, eram extraordinárias. O único que parecia não estar admirado era o Natsuno, provavelmente pelo fato de ser acostumado com aquele tipo de coisa.
— Você luta bem, Diogo Kido — disse Riku. Ao contrário de mim, ele não respirava ofegante. Parecia também não sentir a mesma dor que eu estava sentindo na bochecha golpeada.
— Você também não fica pra trás — falei, tentando soar confiante.
— Chega de brincar. Agora vou mostrar toda a minha força.
“Toda a sua força?” estranhei.
Porém, cortando todo o barato, uma voz perguntou:
— Onde vocês estavam?
Era o Kai. Vinha do ginásio e arregalou os minúsculos olhos puxados assim que nos viu em cima daqueles galhos — e ficou ainda mais espantado quando Riku fez sua espada voltar a ser um simples anel prateado.
— Você se salvou dessa vez — disse a mim, me fuzilando com o olhar. Apenas o encarei, tentando me mostrar firme.
Riku pulou para o gramado, aterrissando de forma tão leve que parecia fazer parte da brisa que passava por entre as árvores.
— Ainda não terminamos a nossa luta, Riku — falei rapidamente, por impulso. Ele me olhou por cima do ombro esquerdo, seus olhos tão cinzentos quanto chumbo, porém deu de ombros, rumando então ao ginásio.
Suspirei, fazendo minha Takohyusei voltar a ser anel, e também pulei para o gramado, de certa forma aliviado (e com a bochecha ardendo). A espada do Natsuno também voltou a ser um anel roxo, e me aproximei dos meus amigos, enquanto Kai nos fitava como se fôssemos alienígenas.
— O que está acontecendo? — perguntou coçando a cabeça de forma ansiosa, em seguida, ajeitou os óculos.
Natsuno, Jhou, Pedro e eu nos entreolhamos.
— Alguém vai me responder ou não?
— Eu respondo — falei. — Quer dizer, depois eu explico.
— Por que depois? — Ele estava curioso.
— Temos que assinar a lista — lembrou Natsuno, num tom sarcástico e divertido.
Kai pareceu desapontado. Alegou que as inscrições já estavam abertas e que os garotos da nossa sala estavam próximos de assinar a lista. Então retornamos ao ginásio. Kai nos olhava com certa curiosidade e desconfiança.
Depois de assinarmos a lista do campeonato, despedi-me dos meus amigos e avistei Sophia indo em direção a um carro que sempre a buscava. Decidi que esse seria o momento para saber do que tanto falavam, ela e suas amigas.
— Sophia! — chamei.
Ela parou e me esperou. Olhava para mim com olhos que eram penetrantes, olhos castanhos encantadores.
— Aconteceu alguma coisa?
— Bem... eu ia perguntar exatamente isso. O que suas amigas queriam dizer quando me chamaram de ingênuo?
Sophia parecia irritada com a pergunta, mas conseguiu se conter.
— Não liga pra elas, aquelas duas são idiotas.
— Hum…
Eu ainda estava intrigado enquanto observava uma Sophia embaraçada desviar o olhar.
A praça estava vazia, restando apenas nós dois e alguns alunos — fora o carro preto que a esperava na estradinha em frente à escola.
— Então… tchau — falei, afinal.
— Tchau — sorriu ela, simpática, embora eu percebesse sua timidez. — Até amanhã, Diogo.
— Até.
Ela deu um beijo no meu rosto, virou-se e caminhou, me deixando ali, tão confuso quanto encantado. “Que garota linda” pensei.
No caminho para casa, como de praxe, fiquei pensando nela e na atitude de suas amigas.
Elas pareciam querer me dizer algo. Ana, a loira de cabelos curtos, me olhava com ironia, como se estivesse me usando para provocar a Sophia. Jéssica, por outro lado, me chamara de ingênuo. Isso me deixou pensativo.
Fiquei o dia inteiro pensando no que estavam escondendo — porque, ao que parecia, estavam escondendo algo. Lembrava da forma que as duas me olhavam, e de como eram encaradas por uma Sophia impaciente. Eu podia ter certeza que falavam de mim durante as aulas, o que me deixava desconfortável. Era como se eu estivesse deixando passar alguma coisa, coisa que irritava as duas garotas.
Mudei meus pensamentos para o Pedro.
Sentia pena dele, pois Pedro perdera a irmã em um acidente graças a um pequeno descuido dele. Esse era o motivo de seus choros escondidos. Além disso, consegui enfim confirmar que ele era um vampiro do bem, muito embora não tivesse evidências concretas que comprovassem. Ainda assim, comecei uma luta com o Riku, luta que mal começou e teve um fim, justamente no momento em que as coisas ficavam interessantes — e perigosas também, já que ele finalmente mostraria seu “verdadeiro poder”.
Já a Zoe... Nunca mais a tinha visto. Já fazia dias desde nossa última conversa, na qual eu percebi que podia confiar nela. Bom, ela praticamente ignorou o fato de eu tê-la tratado de forma grotesca, demonstrando ser uma grande amiga. A Zoe era uma menina extraordinariamente linda e atraente dona de um caráter admirável.
E parecia querer se aproximar, como se... estivesse a fim de mim.
Seria muito bom se não houvesse um porém: eu estava apaixonado pela Sophia. E precisava, de alguma forma, me aproximar dela.
— É isso! — gritei, já na minha cama, preparado para dormir.
Finalmente havia entendido o que estava acontecendo. Era impressionante como eu não estava prestando a atenção nas evidências. As meninas queriam me dizer isso o tempo todo enquanto eu estava pagando uma de tolo. Mas ainda não sabia como me aproximar da Sophia.
Sempre fui péssimo para me aproximar das garotas. Mas tinha alguém que poderia me ajudar.
Na quarta-feira eu rumei para a escola mais empolgado do que nunca. Falei rapidamente com meus amigos na praça frontal do colégio e fui procurar as garotas. Por sorte, estavam sozinhas perto de uma árvore. Eu me aproximei de Ana e Jéssica.
— Oi — cumprimentei-as, meio sem jeito.
— Oi — responderam elas juntas, surpresas em me ver.
— Bem... preciso fazer uma pergunta a vocês.
As duas se entreolharam.
— Pode fazer — disse Ana, a de cabelos curtos. Jéssica concordou.
— Vocês sabem me dizer se... a Sophia gosta de mim?
Assim que falei isso, pude ver os olhos das garotas ficando arregalados. Sem dúvidas, não esperavam esse tipo de pergunta. Foi Jéssica quem respondeu:
— Sinceramente, eu não sei. Ela não é muito de se abrir sobre esse tipo de coisa. Na verdade, a Sophia já deu um fora em quase todos os garotos da escola. — Ela riu, e por algum motivo eu me senti aliviado. — Mas com você é diferente.
— Diferente como? — Uma súbita curiosidade tomou conta de mim, enquanto meu coração batia mais forte.
— Ela age diferente perto de você. Ela te trata muito bem, e fica toda sem jeito quando você fala com ela. Mesmo assim, quando mencionamos que ela sente algo diferente, ela nega e fica nervosa.
Eu me senti confuso e frustrado. Então Sophia não gostava de mim realmente?
Ana pareceu perceber o desânimo tomar conta do meu rosto, então falou:
— Nem tudo está perdido! Talvez ela goste de você, e só esteja esperando por alguma atitude sua.
Cocei a cabeça. Aquela era a pior parte. Como falei: nunca fui bom com garotas.
— E que atitude seria essa?
Eu estava envergonhado. A sineta da entrada soaria a qualquer momento ou então a própria Sophia chegaria. Pelo canto do olho, percebi meus amigos me observando, me deixando ainda mais nervoso.
— Parece que você não sabe mesmo nada sobre as garotas! — Jéssica parecia ofendida. — Que tal chamar ela pra sair?
— Seria uma boa — reforçou Ana.
Parecia mesmo ser uma boa ideia. “Mas sair pra onde?”. Decidi não perguntar a elas, ou então eu seria agredido.
Olhei para as duas garotas que pareciam mesmo querer me ajudar e fiquei muito grato. Então, a sineta da escola soou, o portão abriu e deu espaço para a multidão de alunos entrar, todos uniformizados e barulhentos .
Agradeci às garotas e me juntei aos meus amigos novamente, entrando no colégio em meio à multidão de adolescentes. Natsuno logo me perguntou o que eu queria com elas, então expliquei.
— Cara, você precisa chamá-la pra dar um passeio numa exposição de carros que vai acontecer neste fim de semana, na Arena Rolinho.
Eu nem sequer sabia onde era, além disso, presumi que um passeio para ver carros não seria nada romântico.
— Leva ela numa lanchonete — palpitou Jhou, enquanto subíamos a escada. — A Lanchonete Lendária serve uma comida ótima. — Ele lambeu os lábios. — Aos sábados é servido uma porção dupla de peito de peru.
Natsuno e eu o encaramos.
Decidi olhar para Pedro que até então estava calado. Percebi que, desde o que acontecera no dia anterior, estava mais aliviado, seus olhos não mais vermelhos como antes. Perguntei:
— Alguma sugestão, Pedro?
— Olha, eu não sou muito bom nessas coisas, mas acho que um bom filme sairia bem.
Natsuno e Jhou concordaram, então já estava decidido.
Chegamos na nossa sala e arrumei meu material. Todos os alunos iam chegando e tomando seus respectivos lugares. Alguns até me cumprimentavam, mesmo que vagamente. Fiquei esperando ansioso até ela aparecer.
Sophia entrou com suas amigas e tirou a mochila das costas. Estava prestes a arrumar seu material quando eu apareci. Senti meu rosto aquecer.
— Sophia.
— Oi, Diogo — sorriu ela.
— Agora eu entendi tudo.
De início, seus olhos se mostraram confusos. Então Sophia se deu conta e olhou irritada para suas amigas, que disfarçavam um desinteresse na nossa conversa.
— Sophia, você quer... ir ao cinema comigo?
Assim que falei isso, ela me olhou. Suas bochechas ficaram rosadas instantaneamente. Continuei fitando-a, esperando pela resposta, enquanto percebia uma Sophia indecisa e envergonhada.
— Bem, eu... — a garota estava prestes a desviar o olhar quando Ana respondeu por ela:
— Ela aceita.
Sophia a encarou empalidecida. Ana sorriu, como se a estivesse desafiando, e Jéssica inseriu:
— Não custa nada sair de vez em quando, né?
— Não...
— Então pronto!
Sophia parecia querer encontrar as palavras. Olhei para a dupla me sentindo ainda mais grato e sem jeito, recebendo uma piscadela da morena do black power, Jéssica, como retribuição.
— Então, hã, que dia seria bom pra você? — perguntei, sentindo as pernas trêmulas. Era a primeira vez que convidava alguém para sair.
— Pra mim só vai dar pra ir mês que vem, de preferência num sábado, após o balé, pois tenho algumas coisas para resolver e por agora estarei indisponível. Eu preferiria ir ao Shopping José Pinheiro, já que também preciso fazer umas compras, hã, eu falo muito, né?
Tentei não rir, mas foi impossível. Sophia ficou vermelha. Eu amava ouvir a voz dela e vê-la tímida. Era isso que a tornava especial.
— Tudo bem, então — sorri. — Depois a gente combina o dia certinho. Até mais.
— Até.
Eu definitivamente estava sem jeito. Pela primeira vez na vida tinha um encontro.
Então, assim que me despedi da Sophia, Marcelo me chamou, gritando para toda a sala ouvir:
— Ei, Diogo, chega de namoro e vem logo pra cá!
Muitos alunos começaram a rir de mim, me deixando tão desconfortável quanto a garota. Fiquei irritado e estava prestes a xingar aquele idiota, quando olhei para Sophia e contemplei um sorriso tímido em seu rosto, o suficiente para acalmar os meus ânimos.
Suspirei aliviado, então aproximei-me dos garotos reunidos no centro da sala. Marcelo informou que os treinos seriam mesmo durante nossas aulas de Educação Física (últimas da quinta e sexta-feira) com o novo professor que ainda não havia se apresentado. Não demorou muito e a professora de Sociologia, Kátia, chegou à sala. Ela pôs suas coisas sobre a mesa e começou a escrever no quadro negro mais um de seus textos quase indecifráveis devido à sua caligrafia, que, como mencionei antes, assemelhava-se muito com a do meu tio Michael.
Voltei ao meu lugar e tentei copiar a matéria, pois não poderia mais decepcionar minha mãe, que acreditava tanto em mim.
Eu estava contente. Não parava de pensar no meu encontro com a Sophia. Quem diria, eu, um novato anônimo, tendo um encontro com uma das garotas mais lindas e maravilhosas da escola.
Já no refeitório, na hora do intervalo:
— Dio, como você faltou nos primeiros dias de aula, não chegou a conhecer o Shin.
— Shin? Quem é esse?
— Shin também é um caçador de vampiros — foi Riku quem respondeu, aproximando-se da nossa mesa, surpreendendo a todos nós.
— Riku? — estranhei.
— Você o conhece, Riku? — indagou Natsuno.
Riku fez que sim com a cabeça.
— Nossos pais eram amigos. Ele também faz parte de um Clã Especial.
— Clã Especial? — Jhou parecia a ponto de querer nos internar num hospício.
— Eu te explico… — disse Natsuno.
Ele falou sobre Clãs Especiais, que são determinados a caçar vampiros pelo mundo, falou sobre a organização Ko-Ketsu e sobre os vampiros. No final, a única coisa que Jhou disse foi:
— Legal!
— Mas o que tem esse Shin, afinal? — perguntei, olhando para o Natsuno e depois para o Riku, que continuava de pé.
— Simples — respondeu Natsuno. — Ele é um mala. Eu só queria te avisar isso, Dio: fica esperto com ele. Esse Shin é um traíra!
— Hã, pode deixar — falei.
Voltei meus olhos para o Riku novamente, e ele desviou o olhar.
— Riku, mudou de ideia?
Ele não respondeu. Apenas deu as costas e se distanciou.
Encarei cada um dos meus amigos e todos pareciam não entender nada, no entanto, notei que os olhos do Pedro estavam fixos no garoto de maneira diferente. Ele sabia de alguma coisa.
Tentei ignorar e tornei a comer o meu cachorro-quente.
Depois disso, o resto do dia foi tranquilo.
***
No dia anterior, após ver Pedro se despedindo de Diogo e dos outros na praça do colégio Martins, Riku o seguiu.
Pedro, sem perceber nada, andou em sentido leste da cidade seguindo pela calçada da movimentada avenida. Riku sempre se escondia quando o garoto olhava para trás e, dessa maneira, seguiu-o até vê-lo chegar em casa.
A casa ficava em um bairro quieto com vários sobrados antigos e de boa aparência. Era apenas mais uma no meio das outras com um portão de grades que dava em um pequeno quintal.
Pedro pegou uma chave de um dos bolsos da calça e abriu o portão, entrando e passando pelo quintal até a porta de entrada, que não estava trancada; ele a abriu.
Riku olhou em volta certificando-se de que não havia ninguém por perto. Em seguida, pulou sobre o portão num simples salto aterrissando na ponta dos pés e aproximando-se da janela ao lado da porta, tendo visão para a pequena sala do garoto loiro. Ele pôde ver Pedro subindo ao quarto por uma escada. Pedro parecia desanimado, contendo lágrimas que ameaçavam cair a qualquer momento de seus olhos azuis inquietantes.
Quando ele chegou ao quarto, Riku já estava com parte do rosto na janela pelo lado de fora, observando-o à espreita, pois pulara para o telhado da fachada como se fosse algo fácil. Riku sentiu-se mal vendo Pedro chorar a tarde toda. O vampiro parecia extremamente abatido, murmurando inúmeras vezes para si mesmo:
"Por quê?"
"Não podia ter acontecido isso!"
"Eu sou um idiota."
"É minha culpa!"
Pedro desceu apenas para aprontar o almoço, mas não almoçou. Riku teve que se esconder quando uma mulher alta e morena surgiu no portão, provavelmente a mãe do garoto. Ela subiu ao quarto, consolou o filho, depois saiu, também esmorecida. Pedro não saiu do quarto para mais nada.
Riku continuava do lado de fora. Sofria muito por dentro só de observar o garoto chorar, e sabia o motivo, pois ouvira toda a conversa no bosque. Riku se identificava muito com o vampiro.
— Meu Deus, por que aconteceu isso com ela? — Pedro estava prostrado diante da cama, os olhos vermelhos por causa das lágrimas. — Justo ela!
— Isso não vai te ajudar em nada.
Riku resolveu aparecer na janela.
Pedro levou um choque ao ouvi-lo. Cessou o choro e olhou para o caçador com olhos arregalados.
Recuperou-se, perguntando com cautela:
— Riku, por que você…?
— Eu precisava confirmar quem você era de verdade.
Riku entrou no quarto com movimentos tão leves que poderiam ser confundidos com a brisa da noite.
— Então ficou claro? — perguntou Pedro com a voz trêmula.
Um suor escorria pelo seu rosto enquanto o garoto se ajustava em uma cadeira que estava perto da mesinha do computador. Seu quarto era repleto de livros nas estantes da parede perto da cama e, perto da porta, havia uma cômoda com uma TV em cima e um Playstation 2 ao lado, acima das gavetas.
— Acho que sim.
Riku sentou-se no colchão da cama, ainda com a mochila nas costas e o uniforme escolar. Parecia um pouco desconfortável, um pouco tímido, mas abriu a boca:
— Enquanto você se culpar, apenas sofrerá mais.
Pedro ficou em silêncio. Ainda estava surpreso com a visita inesperada daquele que mais cedo queria matá-lo; decidiu que apenas ouviria.
— Eu… eu perdi meus pais há alguns anos… — Riku olhava para o chão, pensativo. — Perdi, e não posso fazer nada. Eu sei o que você está sentindo, pois me culpo também. Eu não pude defendê-los, não pude lutar, não pude fazer... nada.
Sua voz levava extrema amargura. Apesar disso, não chorava, não demonstrava emoção, como se aquela perda já tivesse sido superada. Mas Pedro sabia que não.
— E como você lida com isso? — perguntou.
— Eu tento fazer uma coisa que é impossível: esquecer. Eu sei exatamente o que você sente, acredite, então vou te dar um conselho. — O vampiro ficou atento, e Riku Medeiros concluiu: — Siga em frente.
— Você mesmo disse que não é fácil…
— Eu sei. Mas tente, e vai ver que a sua dor não será tão ruim assim. Se você ficar pensando na sua falecida irmã, não vai conseguir superar a tristeza e vai acabar entrando em depressão. Coloque bons pensamentos em sua mente, que de algum jeito irão te distrair.
— Você deveria dizer isso a si mesmo — interveio Pedro, aproveitando a oportunidade. — Riku, não é preciso ser um gênio para saber que você é solitário e que não gosta de amigos. Pelo que me parece, é por causa do sofrimento.
— Não é isso. O meu conceito de diversão é diferente do que vocês imaginam. Eu sou um caçador de vampiros e gosto muito do que faço, além disso, honro o meu pai e, querendo ou não, ajudo a humanidade. — Ele quase sorriu, olhando para Pedro com olhos tão cinzentos quanto tranquilos. Riku nem parecia mais ser o tipo de cara arrogante e orgulhoso.
— Mas então por quê?…
— Não confio em mais ninguém — disse desviando o olhar, sua voz voltando a ficar amarga.
— Por quê?
Pedro sabia que a personalidade do Medeiros era consequência de alguma coisa que aconteceu no passado. Alguma coisa séria.
— O assassino da minha família era um grande amigo dos meus pais. Um amigo que os traiu feito um rato maldito… — Sua voz falhou, enquanto ele se lembrava da morte dos pais.
Pedro sentiu pena do garoto. Pensava que haviam morrido em um acidente.
— Entendo — lamentou. — Mas pode confiar em nós. O Diogo e o Natsuno, e até mesmo o Jhou... eles são diferentes.
Riku ficou em silêncio, de olhos no nada. Depois se levantou, aproximou-se da janela e ficou alguns segundos imóvel. Nesse meio tempo, Pedro o analisou bem, procurando saber o porquê de Riku entrar em seu quarto e falar todas aquelas coisas. Será que ele estaria querendo desabafar há muito tempo?
Riku o fitou com sua expressão sonolenta e tranquila, então acenou com a mão, dizendo:
— Até mais, Pedro.
E pulou para o telhado da casa vizinha como se costumasse fazer aquilo sempre. Pedro caminhou até a janela e o viu se distanciando, pulando de casa em casa na linda noite de lua cheia e céu estrelado. Riku se movia leve feito a brisa que invadia o quarto através da janela.
Ele finalmente entenderia o valor da amizade?
Pedro sorriu.