Volume Único
Último Ato: Escritório de Detetives Ayatsuji / Manhã / Ensolarado
Duas semanas se passaram desde então.
Meu ferimento na coxa melhorou e enquanto eu fazia a reabilitação, voltei para o meu trabalho na Divisão.
Após o caso do Kyougoku, como sempre o Sakaguchi-senpai estava acumulado de papelada para resolver, causando faíscas com os burocratas superiores do Ministério da Justiça e brigando com organizações estrangeiras em Yokohama — seus dias atarefados continuavam como sempre.
Agora que, além de Detetive Assassino, o Ayatsuji-sensei ganhou o apelido de Rei da Fuga, a equipe de monitoramento dobrou. Mas às vezes quando ele some para ir comprar uma boneca nova para sua coleção, a Divisão fica atordoada.
Sobre o Kyougoku — a investigação de evidências corroborativas está em andamento. Mas estranhamente há diversos relatos de crimes suspeitos de terem sido planejados por ele. Para os investigadores da Polícia Militar que foi reorganizada é como se o Kyougoku ainda estivesse vivo, foi o que disseram. Ainda não encontraram também seu corpo que o Asukai-san escondeu. Será que ele ainda está vivo em algum lugar? — Ao pensar isso, sinto um frio na espinha.
Nada seria estranho para aquele youkai.
E quanto a mim…
“Ayatsuji-sensei, você viu esse artigo?!” Entrei gritando no escritório.
Tomando o seu café, ele olhou preguiçosamente para mim que estava na entrada.
“O que foi, Tsujimura-kun? Por que essa barulheira logo de manhã? Aprendeu finalmente a dar laço de borboleta nos sapatos?
“Não! Olhe isto aqui!”
Eu joguei uma revista de fofoca em sua mesa.
“Terror! O fantasma vingativo do Necromante que guiava as pessoas para o mal!” Ele leu o título. “Só de olhar me dar dor de cabeça. Quem escreveu?”
“O mesmo escritor de fofoca da outra vez.”
Eu comecei a ler no geral.
— Nas últimas semanas, suspeitos de assassinatos têm feito declarações incompreensíveis. O dono de um restaurante que colocou veneno no prato de um cliente disse: “Um youkai sussurrou para mim numa viagem para as montanhas.” Uma mulher que cortou as pernas e braços do amante e as conservou falou: “Eu fiz um contrato com o demônio em uma encruzilhada.” —
“Vou pular um pouco.” E então virei as páginas.
— O que eles estão falando é que alguma aparição ensinou como cometer o crime perfeito. O Necromante maléfico que foi morto tendo seus crimes revelados pelo detetive se tornou um fantasma vingativo devido ao rancor e está ludibriando as pessoas a cometerem crimes. É uma história medonha que faz meus pelos arrepiarem, mas o mais assustador é o terrível rumor de que há aqueles com pessoas e organizações odiadas procurando meios de serem possuídos por esse fantasma.
Como jornalista dessa revista, quero firmemente criticar esse desprezível pensamento de recorrer a assassinato para atender aos seus desejos. As pessoas estão chamando os lugares em que esse fantasma foi visto de ‘Encruzilhada do demônio Kyougoku'. Eu continuarei a investigar esses locais.
“Que artigo problemático.” Sensei disse franzindo. “Ele parece estar escrevendo sob um senso de justiça, mas no final das contas só está encorajando candidatos a assassinos. De boas intenções o inferno está cheio é o caso dele.”
“Eu o encontrei agora há pouco e ele falou praticamente as mesmas coisas do artigo. Parece que ele entrevistou os investigadores da Polícia Militar e Civil relacionados ao caso, reunindo informações.” Eu suspirei. “Será que eu peço à justiça para recolher as revistas?”
“Não vai adiantar.” Ele deu um gole do seu café, sem interesse. “Já deve ter vários outros artigos e rumores parecidos circulando. Exatamente como ele planejou, os youkais começaram a se difundir com tudo.”
Youkai —
Se você for a encruzilhada do demônio Kyougoku, receberá o Mal.
Assim como o sensei repetiu várias vezes, quem venceu esse confronto foi o Kyougoku. Quando foi morto há três meses e meio em cima daquela cascata, nossa derrota já estava determinada. Todos os outros confrontos desde então foram só partidas descartáveis para refletirmos essa derrota.
Para parar essa difusão, precisaríamos provar que sua origem, o Kyougoku, não passa de um humano — mas como ele morreu, é impossível agora.
Será que sua morte era o ponto final para completar as cerimônias?
“Há diversos exemplos no passado de pessoas que se transformaram em aparições.“ Ele disse sem mudar a expressão. “Em Hashihime de Uji no volume da espada do Heiki Monogatari, a filha de um nobre da corte isolou-se por setes dias rezando ao templo Kifune para transformá-la em um demônio e assim poder amaldiçoar outra mulher de quem sentia ciúmes. Então recebeu a resposta divina: 'Se quer se tornar um demônio, mude sua aparência e fique dentro das corredeiras de Uji por vinte e um dias'.
“Ela dividiu seu longo cabelo em cinco partes fingindo serem chifres, pintou a cara de vermelho, passou terra vermelha no corpo, colocou um aro de metal na cabeça, passou pinho queimado nos pés e com uma tocha na boca ficou vinte e um dias dentro do rio. Como resultado, passou a ser um demônio assombrando aqueles de quem tinha inveja.“
Ele fechou os olhos e começou a recitar de cabeça. Ayatsuji-sensei é alguém que nunca esquece algo uma vez visto ou lido.
“No primeiro ano da era Tenpyou-houji, ou seja, em 757, há o registro de que o espírito de Tachibana no Naramaro, que morreu na prisão, causou desordem em uma aldeia. No terceiro ano de Houki, mais especificadamente em março de 772, a Imperatriz Consorte Inoue deixou o palácio amaldiçoando o Imperador e em maio do mesmo ano, seu filho, o príncipe herdeiro Asabe também foi expulso — Três anos após eles morrerem misteriosamente, várias aparições começaram a acontecer na corte imperial.”
“Mas uma das histórias mais famosas é a de Sugawara no Michizane que morreu em 903. Depois de morrer, se tornou um feroz deus do trovão e após várias manifestações, foi erguido um templo em Kitano para ele. Até hoje ele é famoso como o deus do aprendizado.”
“Morreu e virou uma aparição, causou tumulto, foi deificado, até que virou um deus…”
“Nesse país, youkai e deuses equivalem ao mesmo, afinal.”
“São como insetos benéficos e pestes.”
Se é assim, então um dia o Kyougoku também será chamado de deus? Um deus maligno salvador daqueles solitários por meio do Mal e do crime. Um dia o rumor se tornará lenda até virar uma história de fantasma.
Se tratando do Kyougoku, ele provavelmente já despachou seus Familiares e deu prosseguimento a vários planos de transformação em youkai, dos quais ainda não sabemos.
Tive a sensação de ouvir sua alegre gargalhada.
“Por sinal,” eu levantei a cabeça, “o espírito maligno com a aparência do Kyougoku ainda aparece?” Eu perguntei olhando ao redor. Claro que só havia nós dois na sala. Mas isso não quer dizer que ele não esteja aqui.
“Sim.” Ele estreitou os olhos olhando para os fundos do escritório. “Está nesse momento.”
Inconscientemente, eu segui o seu olhar. Não havia ninguém lá.
Apenas a fraca escuridão, o leve tremor do vento e o silêncio.
“Sensei.” Eu disse olhando para esse espaço vazio. “Talvez a Divisão consiga exorcizar esse espírito. Se concordar, eu…”
“Eu queria do fundo do coração, mas infelizmente será impossível.” Ele disse de mau humor. “Ele não passa de uma sombra sem cérebro e corpo, mas, mesmo assim, possui o conhecimento do Kyougoku que nós não sabemos. E às vezes ele resolver falar a verdade sobre antigos casos por capricho, só para me provocar. Por isso que não há outro jeito a não ser aguentar por enquanto esse demônio chato até que eu consiga novas informações sobre os poços e outros casos não resolvidos.”
“Então… há algo que eu gostaria de perguntar.”
“O quê?”
“Por que ele escolheu nós dois? Eu entendo que ele precisava de nós para resolver os casos relacionados à Cerimônia e espalhar o rumor do poço, mas por que exatamente nós dois? Há vários outros investigadores de Habilidades e detetives por ai.”
“Sei lá.” Ele disse inclinando as costas na cadeira. Mas logo mudou a expressão.
“…O quê?” Ele olhou para o canto da sala. Estava encarando algo invisível.
“O que houve?”
“Ele tá dizendo que não era só isso… Não, por acaso… você tá brincando?”
Não é só isso… De repente, fiquei apreensiva.
“O que o Kyougoku está falando?”
“Não…” Ele virou a cabeça, desviando o olhar. “Não ligue para isso. Só pode ser mentira ou piada, de qualquer forma.”
Eu inclinei a cabeça. Não é só isso? Há alguma razão a mais para ele nos ter envolvido?
Ele olhou irritado para o canto da sala e disse:
“Fica calado, Kyougoku. Ahh não. Eu não vou ficar aturando você depois de morto. Entendeu? Então desapareça. E nunca mais apareça do lado da minha cama. Não fique esperando eu acordar que nem hoje de manhã com a cara colada na minha.” Dizendo isso, ele atirou uma colher que estava próxima no canto da sala.
A colher voou e sem acertar nada, apenas bateu na parede e caiu no chão.
“Ele…” Vendo essa cena, eu falei sem pensar. “Parece ser excêntrico.”
Ao ouvir isso, ele virou lentamente o rosto para mim e… sorriu.
“…Tsujimura-kun.” Uma voz capaz de tremer as profundezas do inferno saiu de sua boca. “Parece que o efeito do seu treinamento enquanto estava no hospital terminou. Vamos fazer desde o começo de novo?”
Minha mente ficou completamente em branco e quando eu dei por mim, estava me prostrando no chão sem que eu tivesse a intenção.
“Por… Por favor, tudo menos aquilo.” Meu corpo todo tremia. “Tudo menos o treinamento, de verdade, por favor. Treinamento não, treinamento dá medo.”
“Hmm.” Ele levantou e me olhou com seus olhos frios. “Desde que você saiba o seu lugar, tudo bem. Vamos, Tsujimura-kun. Prepare o carro.”
“…Eh?” Eu levantei o rosto. “Vamos para algum lugar?”
“Fui chamado.” Ele disse com seu fino cachimbo na boca. “Lá no ninho de vocês, a base secreta da Divisão.”
✦ ✦ ✦
Ayatsuji entrou sozinho na base secreta da Divisão.
Ele passou por um corredor dessa instituição disfarçada por fora de uma biblioteca do interior e entrou numa sala restrita.
Ao colocar a mão numa parte da branca parede acabada e girá-la, a parede que parecia normal retrocedeu e abriu.
Após passar por uma estrita segurança de inúmeros equipamentos de reconhecimento de voz e pupila, ele desceu para o subsolo. Passou por um corredor escuro onde não havia ninguém e encontrou uma gigantesca porta de alumínio.
Além da porta que abriu sem fazer nenhum som, uma gigantesca biblioteca subterrânea se estendia.
Era uma biblioteca branca diferente da biblioteca comum do andar superior. O teto ficava a uma altura sem fim e não dava para ver o final da sala enevoada pela escuridão direito. Livros valiosos de todas as partes do mundo estavam postos apertadamente em prateadas prateleiras enfileiradas como guardas de honra. Ali, tempo, papel e silêncio acumulavam como nunca.
Virando a cabeça, Ayatsuji olhou ao seu redor. Na larga escrivaninha próxima à entrada, uma mulher estava sentada lendo um livro.
Uma mulher de expressão bem tranquila. Devia ter entre quarenta e cinquenta anos. Vestia um suéter de tricô de pelo de coelho índigo claro e seu cabelo escuro misturado com mechas prateadas estava preso por um elástico comum. Não usava nenhum adorno. Seus olhos claros liam diligentemente as letras no livro.
Apenas o som das folhas virando ecoava pela biblioteca. Cada vez que ela virava uma folha, a quietude da sala aumentava. Ela passava a impressão de ser o tempo e inteligência solidificados. Ele sentou na cadeira à sua frente.
Nenhum dos dois falou nada por um tempo. Apenas o barulho das folhas sendo passadas ecoava como o rugido do mar pelo ambiente.
“Que tal sair de vez em quando, Diretora-geral?” Ele disse com a voz grave.
“Aqui não é nada mal.” A mulher respondeu mantendo o olhar no livro. “E eu sou Diretora-assistente, Ayatsuji-kun. Apesar de eu nunca mais ter aparecido no palco central.”
“Tem razão. É a Chefe que opera a Divisão sem nunca dar as caras.”
A Diretora-assistente levantou o rosto do livro, sorrindo.
“Há quantos anos eu não ouço esse seu jeito mordaz de falar?”
“Cinco anos.” Ayatsuji sorriu quase que de forma imperceptível. “Você queria ouvir o meu jeito mordaz de falar? Então era só me ligar que eu a deixaria ouvir o quanto quisesse.”
“Não posso.” Ela passou a mão no cabelo suavemente. Em sua orelha direita havia uma pequena cicatriz antiga. “Apenas algumas pessoas sabem que estou viva. Faz mal para o coração das pessoas uma morta sair andando por aí, não acha?”
“Sim.” Ele assentiu. E disse:
“Tem razão, Tsujimura-san.”
Sorrindo, após olhar para ele com olhos tranquilos, ela fechou o livro sem fazer barulho.
“Como está minha filha?” Sua voz fez a atmosfera da larga biblioteca tremer e a quietude ser mais proeminente ainda.
“Um cavalo fora de controle como sempre.” Ele balançou a cabeça. “Ela pretende juntar o próximo pagamento às suas economias para comprar um SUV blindado. Do tipo que dá para guardar armamento pesado no assento traseiro. ‘Da próxima vez, não vou perder,' falou isso sem eu entender, toda entusiasmada.”
“Parece dar trabalho.” Ela sorriu ainda mais. “Mas fico despreocupada sabendo que ela está com você.”
“Sim. Pretendo transformá-la numa empregada perfeita.”
“Até parece.”
Ayatsuji inalou o ar se preparando para responder alguma coisa de volta, mas pensou melhor e exalou calmamente.
Então olhou para longe. Por um tempo, um silêncio como a areia sendo levada pelo deserto transpareceu.
“Foi mal ter esmagado o Filhote de Sombra.” Ele disse de repente ainda olhando para longe.
“Essa era a missão dele, afinal.” Ela balançou a cabeça. “Não se preocupe. Uma Habilidade autônoma volta ao tamanho normal após alguns anos.”
“Um executivo da Máfia do Porto falou para a Tsujimura-kun…” ele disse olhando para a estrutura da mesa branca, “…que o Filhote cheirava a morte.”
Ela ficou olhando para ele sem responder de imediato.
“Faz sentido. Você e o Filhote de Sombra lutaram contra inúmeros criminosos Usuários e agentes de inteligência estrangeiros, os aniquilando. Você era uma especialista em combate de Habilidade… uma verdadeira agente como a protagonista do filme que a Tsujimura-kun admira.”
“Tem razão.” Ela assentiu. “Mas não durou muito.”
“Sim. …Por ter feito inimigos demais, você ultrapassou uma linha que não dá mais para voltar. Por isso que poupou a minha vida em troca de eu lhe ajudar a forjar sua morte. E assim, fingi ter te matado com a minha Habilidade devido ao incidente em Reigo. Só não pensei que a sua filha bateria na minha porta querendo desvendar o mistério.”
“Não parece, mas quando decide uma coisa, ela é bem cabeça-dura.” A mulher sorriu.
“Não importa como veja, ela é muito teimosa.” Ele disse fechando a cara. “Igualzinha a você.”
A Diretora-assistente sorriu feliz.
“Mas dessa vez a sua existência trabalhou em nosso favor. O Kubo disse que você tinha morrido. Com isso eu soube que ele não era o Engenheiro. Provavelmente quando suas memórias foram alteradas pelo Satori, os documentos do caso e o que realmente aconteceu se misturaram.”
“Fico feliz ter ajudado.” Ela disse dando um sorriso amargo. “Aproveite e me conte mais uma coisa. O Kyougoku, para completar o seu plano, precisava de um detetive. Mas por que ele escolheu você e minha filha para esse papel?”
“Foi porque…” Ayatsuji hesitou.
E então pareceu pensar em algo. A Tsujimura lhe havia feito a mesma pergunta. Mas naquela hora, ele não pôde responder.
Ele olhou para a mulher na sua frente. A Diretora-assistente o encarou como se lendo todos os seus pensamentos. Levado por esse olhar, no fim Ayatsuji suspirou desistindo e começou a falar:
“De uma maneira geral, há uma regularidade nos locais em que youkais e aparições se originam. Tem que ser um lugar onde esse e o outro mundo se conectam. Poços, pontes, ao pé da montanha — dentre todos esses lugares, há as encruzilhadas.” Ele juntou as mãos sobre a mesa. “Acredita-se que o Obon, um evento que consagra os espíritos ancestrais, é uma fusão do Bon budista e de imemoriais eventos japoneses em que se um incenso for colocado num túmulo ou numa encruzilhada de uma vila antiga, os espíritos retornarão. E ainda era um costume dançar no meio da vila, ou seja, no centro da encruzilhada. Além disso, quando há um enterro nessas regiões, um espeto de bambu de 7, 8 cun, com papel branco inserido nele, era fincado no cruzamento da aldeia. Assim, os moradores ficavam sabendo que houve um enterro. Em resumo, existia já a ideia latente que as encruzilhadas dos tempos antigos eram uma fronteira entre esse e aquele mundo.”
Ela assentiu silenciosamente.
“Entendi até aí. Continue.”
“Novamente, no Nihon Zuihitsu Taisei, a encruzilhada ao nordeste do palácio imperial de Kyoto recebeu o nome de Cruzamento Tsukubai. Se você passar de cavalo ali, não vai conseguir dar mais nenhum passo. Há várias lendas sobre a Ubume também, o fantasma de uma mulher grávida, que aparece em um cruzamento. Outro youkai chamado Darashi puxa aqueles que passam pela interseção, os exaurindo até que não consigam mais se mover. Outros exemplos são Tsujidou em Ibaraki, Tsujikami em Kagoshima, os tsujiuranai etc. Há lendas demais para mencionar relacionando aparições à encruzilhadas. Até no exterior há o demônio do cruzamento que realiza desejos em troca da alma.”
A expressão da Tsujimura-san de repente ficou séria. Parecia ter começado a perceber algo. Mas ao tentar falar, ele a interrompeu com o dedo e continuou.
“Eu não sei se cruzamentos realmente são uma fronteira entre os dois mundos. Mas é fato que o Kyougoku estava obcecado nisso. Para reunir pessoas que queriam se transformar em youkais por vontade própria assim como a Hashihime de Uji e o Imperador Sutoku, ele estava completamente fixado no dispositivo que os geraria. E no que ele estava mais obcecado ainda era em encontrar um detetive que serviria como base para revelar os youkais para o público, ou seja, a fonte do extermínio.”
“Espere um pouco.” Ela cobriu o rosto com a mão. “Então… ele ter sido seu inimigo e ter escolhido você e minha filha especificadamente para completar seu plano final foi porque…”
“Isso mesmo.” Ele assentiu prontamente.
“O meu nome é Ayatsuji. O da minha assistente é Tsujimura. Ou seja… isso ai.”
Ela balançou a cabeça incrédula.
“Mentira que por um motivo desses, ele…”
“Muito bem… Foi uma conversa divertida.” Ele empurrou a cadeira para trás e levantou. “Preciso voltar logo. A Tsujimura-kun está me esperando lá em cima.”
“Falando nela… posso te perguntar uma última coisa? Você mentiu no relatório sobre um ponto.”
Ele a olhou bem e perguntou:
“Qual mentira? Lembro de várias.”
Ela sorriu gentilmente.
“Você ter ignorado a solicitação da Divisão e ter fugido foi uma atuação. Era tudo uma farsa para atrair o Familiar. Foi o que escreveu, não foi? Não é estranho isso?”
Ele não respondeu. Os olhos no fundo de seus óculos escuros a olhavam concentradamente.
“Você sabia que o Filhote de Sombra era minha Habilidade e que eu estava viva.” Ela disse alisando a capa do livro. “Mas não sabia a ordem que eu havia dado a ele. ‘Mate primeiro quem a minha filha tentar matar’. Você só descobriu isso quando eu te liguei depois que fugiu.”
Ele piscou lentamente. E então falou:
“O que está insinuando?”
“Que quando você soube da morte do Kubo, percebeu que a minha filha era a culpada. Desse jeito, acabaria causando a morte acidental dela e por isso… fugiu. Sabia que a Divisão o perseguiria. Ou seja, colocando a sua vida e a de minha filha na balança, a dela pesou mais. Estou errada?”
“…Não sei do que você tá falando.” Ele desviou o olhar e saiu andando.
“Não sabe, é?” A Diretora-assistente riu alegre. “O detetive assassino que lutou de igual para igual contra o Kyougoku só sabe inventar uma desculpa desse nível?”
“Não vou me deixar levar por você. Até.” Ele andou em direção a saída com seus sapatos ecoando.
Quando ele colocou a mão na porta, a Diretora-assistente falou:
“Deixo minha filha em suas mãos, Ayatsuji-kun.” Virando, ele disse dando um leve sorriso:
“Sim. Deixe comigo a filha para a qual você deu o mesmo nome que o seu. Está bom assim? Usuária de Habilidade, Mizuki Tsujimura.”
✦ ✦ ✦
Ayatsuji saiu pela saída dos fundos sozinho. A claridade o fez cerrar os olhos.
Na entrada do calmo estacionamento, Tsujimura o aguardava.
“Sensei! Foi rápido. Você se encontrou com alguém?”
“Estava revendo uma velha amizade.” Ele respondeu de forma sucinta enquanto andava. “Já veio o próximo pedido de investigação, né?”
“Sim. Acabei de receber a ligação… Parece que é uma estranha série de assassinatos.” Enquanto o seguia, ela verificava seu caderninho. “Parece que estão acontecendo casos bizarros um atrás do outro nas casas projetadas por um certo arquiteto famoso. E o nome do Kyougoku foi mencionado pelos envolvidos. Ou seja, parece que confrontaremos de novo uma das partes dele espalhadas por aí.”
Ayatsuji deu um suspiro e foi andando para o carro. Do outro lado do carro, ele viu uma figura conhecida.
“Vou te contar algo bom.” O indivíduo esperando enquanto se divertia na frente do carro disse rindo para o Ayatsuji. “Esse caso que enfrentarão será um pesadelo. O meu assassino preferido o esperará na mais nova sala trancada.”
Sem nem dirigir o olhar para tais palavras, ele foi para o carro. Ignorado, Kyougoku aproximou seu rosto do Ayatsuji.
“Como sempre, se você falhar em solucionar o caso, será eliminado. Se quiser um conselho, pode me perguntar a qualquer hora. Nunca recusarei um pedido seu.”
“Sai.” Ao sacudir a mão com força, Kyougoku desapareceu por um instante.
“Não adianta. Eu sou apenas uma sombra.” Kyougoku de repente estava no banco traseiro do carro. “Uma ilusão, uma existência imaginária que existe apenas em sua sua cabeça. Ora, ora, vamos ser amigos a partir de agora e resolver vários casos juntos.
“Quem que vai─” No momento em que gritou, Kyougoku já havia sumido.
Não estava mais em nenhum lugar. Ayatsuji suspirou.
“Sensei, o que foi?” Sentada no bando do motorista, Tsujimura se virou para ele preocupada.
“…Não foi nada. Tsujimura-kun.“
“Sim?”
Ayatsuji olhou para o rosto dela, calado. Ela o olhou curiosa. No momento em que inclinou a cabeça, a franja caiu em sua bochecha.
Ayatsuji está pensando.
A sua Habilidade é uma maldição que espalha a morte ao seu redor independente de sua vontade. A partir do momento que a ganhou, ele estava destinado a nunca viver uma vida decente. Seria uma vida rodeada por sangue e morte, lamentações e ressentimentos. Até que morresse.
E no seu combate mortal com o Kyougoku, muitas pessoas se feriram e morreram. Com certeza seria assim também daqui em diante.
Não tem como ganhar a luta contra o Mal deixado pelo Kyougoku. Só resta continuar a luta destinado a perder até o fim de sua vida.
Mas.
Os claros olhos da Tsujimura, da mesma cor dos de sua mãe, olhavam para ele.
Mas mesmo se esse for o caso…
“Não foi nada. Estava apenas pensando bobagens. Vamos.”
“Entendido!”
“Dirija com cuidado.”
“Eu vou voando. Segure-se!”
Ayatsuji balançou a cabeça em desistência.
Mesmo que seja o inferno. Mesmo que mortes transbordem. Mesmo que um dia ele seja eliminado, machucado e afogado entre conspirações e rancores…
“Essa é a benção de ser um detetive.”
Dizendo isso, ele riu gentilmente.
Fim
Posfácio
Boa noite, aqui é o Kafka Asagiri. Antes de tudo, gostaria de agradecer a todos que leram esse livro.
Muito bem, agora vou pegar o posfácio emprestado para explicar os eventos que levaram ao nascimento dessa história. Quando paro para pensar, só pode ter sido uma coincidência milagrosa.
Tudo começou quando eu tive a oportunidade de ter na faixa do segundo volume do Bungou Stray Dogs o autor Yukito Ayatsuji recomendando o mangá.
“Vamos colocar uma imagem dele desenhada!” O editor logo teve essa ideia para a faixa. E então o ilustrador Harukawa35 desenhou uma belíssima ilustração do autor Yukito Ayatsuji que também foi publicada junto a uma passagem na revista Young Ace. A passagem era essa:
“Yukito Ayatsuji. Habilidade: Another – Faz o adversário sofrer uma morte acidental.”
…Heh? Eu pensei. Um poder que faz os outros morrerem acidentalmente… não é forte demais? Não é invencível? Isso é consistente?
Quando fui perguntar, meu editor disse que foi algo que ele pensou na hora.
“Bom, tudo bem,” eu pensei. Soava legal e não é como se eu fosse usar numa história.
Quatro meses depois mais uma coisa pela qual eu sou grato aconteceu. O autor Natsuhiko Kyougoku recomendou o mangá na faixa do terceiro volume.
Dessa vez eu tive que pensar direito no plano de fundo dele. “Um velho mal. Habilidade: Exorcismo.” foi o pedido do próprio autor.
Um velho… mal? Nem preciso dizer que precisa de muita coragem para mostrar um grande autor como Natsuhiko Kyougoku como uma pessoa má. Além disso, “Exorcismo”… esse nome soa como a Habilidade de um cara do bem.
Mesmo sendo uma pessoa ruim causando problemas para os outros… “Exorcismo” como o nome do ataque. Eu não estava conseguindo visualizar. O que fazer?
Perdido, eu encontrei uma saída.
“Habilidade: Exorcismo. Faz chover demônios sobre o adversário, o possuindo.”
Que tal? “Fazer chover demônios” parecia algo saído do anime Ikyuu-san.
Dessa forma, também consegui publicar sem problemas esse plano de fundo na revista. Ao olhar a ilustração super legal, eu pensei. “…Bem, tanto faz. Não vou usar em história nenhuma mesmo.”
E então o tempo passou.
As duas lindas ilustrações se tornaram pôsteres em livrarias, painéis e panfletos. A popularidade era excelente. Várias pessoas me falavam que viram a divulgação.
Então um dia, o editor chegou para mim com esse assunto:
“Vários funcionários de livrarias me perguntam se esses dois não vão ganhar uma história.”
Hahaha, eu pensei. Hahaha. É cada coisa que invetam.
Porém… não era uma piada.
Quando eu percebi, já tinham decidido até a revista em que seria publicado. A agilidade do editor nessa hora me fez pensar se ele não era algum Usuário de Habilidade.
E agora, o que fazer?
Vocês podem estar se perguntando se eu não queria escrever. Mas não era o caso. Eu estava era diante da mais pura pressão. Eles são os dois representantes de livros de suspense do Japão. Veteranos magníficos.
E não importa como pense… se eu escrever, antes de sair para o mundo, eles vão checar.
Quero morrer. Quero sumir. Quero virar uma concha.
Mas foi então que aconteceu o grande milagre.
A vencedora do prêmio Naoki, Mizuki Tsujimura. Sem perder em nada para a diferença de geração entre os dois, uma superpopular escritora de suspense. Dizendo que gostava do Bungou Stray Dogs, ela mesma me pediu para entrar na história.
Tão corajosa.
Então eu finalmente me decidi. Se eu reunisse os três, não seria mais uma vontade individual minha. Teria sido o decorrer dos eventos. As demandas dos grandes tempos. Não há nada mais feliz para um autor em o mundo querer que um livro surja.
Terei que fazer. Eu vou fazer.
Quem leu vai entender, mas a agente Tsujimura é o centro dessa história, carregando o peso de uma posição extremamente profunda. Se não houvesse ela, provavelmente a história teria sido outra bem diferente (e não ter tido essa completude).
Só posso repetir que foi um milagre.
E graças ao milagre que iluminou a minha mente, ou simplesmente se foi a pressão ter trabalhado a meu favor, eu consegui terminar Yukito Ayatsuji Vs. Natsuhiko Kyougoku e ter tido uma recepção tão favorável dos três autores e dos leitores.
Eu agradeço muito ao comentário (que me fez sentir um frio na espinha quando ouvi) do Ayatsuji-sensei: “Eu estava pensando o que faria se não fosse bom, mas foi muito divertida.”
O momento em que uma história nasce é um milagre. Nem mesmo o próprio autor consegue identificar precisamente de onde ela surgiu. Contudo, a partir do momento de seu nascimento nesse mundo, ela cria um universo único, deixando uma marca profunda em nossos sentimentos.
Tudo graças aos milagres.
Para todos aqueles que me ajudaram, a editora, a distribuidora e as livrarias, meus agradecimentos. E principalmente ao Ayatsuji-sensei, Kyougoku-sensei e Tsujimura-sensei, que consentiram esse projeto e deixaram um novato escrever essa história, meus máximos agradecimentos.
Com isso, vamos nos encontrar no próximo milagre.