Volume Único
Quarto Ato: Sede do Ministério da Justiça / Manhã / Céu Claro
Não havia dúvidas de que este seria um péssimo dia. Esfregando meu olho inchado, estava dirigindo meu Aston Martin até que cheguei ao meu destino, a sede do Ministério da Justiça. A luz penetrante da manhã fazia minha cabeça doer fortemente.
Ontem eu não dormi quase nada. Todo o meu corpo está pesado como se estufado de lama e meus músculos agora sentem a dor tardia. Me esforcei demais ao quebrar o cerco.
Combate, ataques, luta corpo-a-corpo e Habilidade. Suspirei.
“Está atrasada, Tsujimura-kun. O sono estava bom?” Quando levantei o rosto, Ayatsuji-sensei estava parado na frente da entrada.
Será que foi a equipe de monitoramento que o trouxe?
“Claro que não. Na verdade, nem dormi.”
“Estou vendo, sua cara tá péssima. …Na próxima vez que se atrasar para o nosso encontro, vou te deixar com uma cara ainda pior.”
Hoje eu só consigo abaixar minha cabeça para as suas frias palavras e encará-lo de volta.
“Vamos, então. Esse pessoal do governo fica que nem criança de cinco anos quando os fazem esperar. Rápido.” Entramos no prédio um ao lado do outro.
O edifício era novo. O piso cor de creme brilhava, refletindo quem passava. O teto era infinitamente alto e daria para jogar uma partida de beisebol no salão de entrada.
As pessoas que passavam eram todas refinadas, vestindo ternos tão bem ajustados que pareciam ter sido feitos na hora. Tenho certeza que uma das tarefas deles era ficar andando pelo salão vestidos nessa elegância toda.
Já o meu caso é bem diferente. Eu vim para ser questionada. Durante o cerco com o qual nos deparamos ontem ─ eu feri gravemente um soldado das Forças Armadas Antiterroristas com a minha Habilidade. Ele teve o pulmão perfurado profundamente e ainda está inconsciente entre a vida e a morte. Esse é o motivo de eu ter sido chamada aqui.
Não teve como evitar o tiroteio. Eu atirei em legítima defesa já que o combate era corpo a corpo. Mas como membro da Divisão Secreta de Habilidades Especiais, ferir um policial integrante do poder público com minha Habilidade e quase matá-lo não é algo que possa passar despercebido. Porque envolve política.
A Divisão trata de maneira privilegiada as Habilidades, um fenômeno difícil de ser tratado oficialmente e por sua vez, também tem permissão total para usá-las. Por isso ela não existe publicamente. Se uma organização assim sair do controle, o que acontecerá? Se a Divisão se virar contra o governo, o que ele fará?
Uma grande parte do alto escalão teme isso e não há fim para aqueles que fazem pressão política para retirá-la dessa posição privilegiada.
Essas pessoas também estão no Ministério da Justiça. Por isso fomos chamados.
“Que horas é o encontro?” Ele me perguntou.
“Daqui a pouco.” Respondi olhando meu relógio de pulso.
Eu estava parada num canto do salão esperando pela outra pessoa. Pensei em ficar calada, mas as palavras saíram da minha boca sem eu perceber.
“Ahh, que coisa… Eu estava fazendo tudo direito, por que foi acabar assim…”
“Realmente.” Ayatsuji-sensei disse olhando para frente.
“Depois de enfrentarmos as Forças Especiais que foram enganadas pelo Kyougoku, você deixou um soldado da justiça protetor dos cidadãos inconsciente. Foi a nossa imprudência e a sua Habilidade imatura que causaram essa tragédia toda. Mas já que você fez tudo certo até então, não há motivo para ficar se torturando. Realmente um absurdo você pensar isso.”
“Sensei.” Eu olhei para ele. “Não dava para falar de uma maneira melhor?”
“Como eu deveria? ‘Não se preocupe, você é só uma novata. Tenha cuidado da próxima vez?'” Não havia compaixão em sua expressão. “Teria sido melhor se você trabalhasse no escritório da polícia. Mas não há uma próxima vez para a vida das pessoas.”
Suas palavras me acertaram. Ele estava certo.
Quase todos os Agentes da Divisão são Usuários. Não há praticamente nenhuma outra organização com uma porcentagem tão grande assim. Eu também possuo uma Habilidade que só eu posso usar. Mas é complicado poder dizer se ela é útil ou poderosa. O motivo sendo que ela não me obedece.
A minha Habilidade reside em minha sombra. Uma forma de vida elusiva e sem um contorno definido que parece se contorcer automaticamente. Eu apenas sei que é uma besta bípede com chifres iguais ao de um carneiro e que ataca usando uma foice preta. Tirando isso, nunca sei o que vai fazer e mesmo eu me concentrando, não consigo ver sua aparência de maneira clara. Também não sei o que está pensando. Eu a chamo de 'Filhote de Sombra'.
Nesse mesmo momento ela está escondida em minha sombra pensando algo. Não sei quando aparecerá ou atacará alguém. Nem se é minha aliada ou inimiga. Às vezes, quando estou andando, eu sinto o seu olhar e isso me causa arrepios.
O monstro que se espreita em minha sombra. Uma anormalidade escondendo sua respiração diariamente por detrás das cenas.
“Sensei.” Eu disse com a voz rouca.
“Você alguma vez pensou que seria melhor não ter sua Habilidade?”
“Essa é uma pergunta bastante madura. Eu posso te responder, mas não acho que alguém imatura como você entenderá. Você precisa sofrer por dez anos para fazer uma pergunta de qualidade assim. Quantos anos fazem desde que a sua despertou?”
Eu lembrava do número sem precisar contar nos dedos.
“…Cinco anos.“
“Há muitas incertezas sobre como e quando as pessoas ganham Habilidades. Mas geralmente há uma causa. No seu caso foi a morte da sua mãe nos assassinatos em série em Reigo cinco anos atrás. Não é estranho ter uma ou duas depois daquilo. Você queira ou não.”
O caso de assassinatos em série em Reigo há cinco anos. Os turistas que estava visitando a ilha foram sumindo um atrás do outro misteriosamente. Além de minha mãe ter morrido ali eu fui obrigada a me associar a essa instável e não identificada Habilidade. Meu superior a entendeu como uma lembrança de minha mãe. Porque não há dúvidas de que foi graças a ela que eu a manifestei, fui recrutada pela Divisão e me tornei uma agente. Ele disse que sendo assim, eu deveria pensar na minha Habilidade como um presente deixado pela minha mãe.
Mas então me lembro do momento em que o frio e escuro Filhote de Sombra perfurou o peito daquele soldado. Sem malícia, apenas uma pura e transparente vontade de matar.
Isso é… um presente?
A minha mãe não era alguém com jeito para ser mãe. Eu também provavelmente não tinha jeito para ser uma filha. Nos últimos anos antes de sua morte, nós não tínhamos tido uma conversa decente. Eu a via como uma estranha que não se aproximava da casa e ela sabia dessa minha forma desagradável de enxergá-la.
Ela provavelmente não me amava nem me odiava. A Filhote de Sombra realmente é uma prova de sua bênção?
“Sensei. Foi você quem resolveu o caso em Reigo, não foi? Como minha mãe estava agindo na hora?”
“Não sei. Eu tenho o princípio de não me lembrar do que não me interessa.”
Eu curvei meus ombros.
“Ah… é mesmo…?”
“Mentira. Eu me lembro dos mínimos detalhes, mas nada que você queira saber.” Ele levantou o olhar como se estivesse relembrando do passado. “Por sinal, você sabe o que aconteceu lá? Foi um crime coletivo. Eles matavam os turistas secretamente fingindo estar na ilha por um longo período e desse jeito continuavam a roubar dinheiro. Se eu não tivesse solucionado o caso, as mortes teriam continuado. Mesmo assim, eu não descobri tudo sobre eles.”
Eu o olhei. Sua expressão imutável.
“Eram dezessete habitantes da ilha envolvidos no crime. Mas ainda não encontrei o décimo oitavo, o mandante. Ele é um homem muito astuto e cuidadoso. Eu sei que ele é o principal ofensor que incitou os habitantes a participarem do crime e de acordo com um testemunho, ele não tem a ponta do seu dedo anelar na mão esquerda. Tirando isso, seu nome e rosto são desconhecidos. A polícia o chama de Engenheiro por ser o trabalho que fazia na ilha.”
Um décimo oitavo assassino. O único criminoso a fugir por não estar na ilha na mesma hora que o Ayatsuji-sensei. O homem que acreditam ser o mais profundamente envolvido no crime.
O sensei resolveu aqueles assassinatos em série e fez com que todos os dezessetes insulares morressem acidentalmente. Por causa desse massacre, ele foi marcado pelo governo. Tanto eu como o Ayatsuji-sensei estamos ligados pelo destino a esse caso e ao Engenheiro.
Ele me olhou de soslaio.
“Você ter entrado na divisão e se tornado responsável por mim ─ foi para se vingar?”
Eu fiquei calada.
Vingança. De fato é completamente normal uma menina desejar vingança pelo assassinato de sua mãe. Mas eu ─ não sabia. Eu queria me vingar? Por isso estava nessa missão? Não importa quantas vezes tenha me perguntado, não cheguei a uma conclusão.
“De qualquer forma, a prioridade agora é o Kyougoku.” Ele disse. “Ele também deve ter uma boa rede de informação criminal. Ou você pode procurar o paradeiro do Engenheiro durante a investigação. Para isso, precisamos superar o problema atual.”
Ele apontou para frente com o olhar.
“Veja. O mensageiro do inferno que irá te levar para o submundo.”
Quando levantei os olhos, uma pessoa estava vindo em nossa direção.
“Ohh, Ayatsuji-sensei! Conheço sua fama há muito tempo! É uma honra encontrá-lo!”
Um homem de terno gesticulando de maneira exagerada vinha em nossa direção.
O terno era um Brioni cinza escuro. Ele estava meticulosamente arrumado desde as unhas até o cavanhaque. Em eu rosto não havia uma sombra das obstinadas rugas comuns para um burocrata de meia idade. Em suas bochechas, covinhas. Sua aparência perfeitamente refinada transmitia uma única mensagem. Um burocrata é sua aparência, atitude e voz. Não o interior.
Ele era o Diretor-geral adjunto do Judiciário, Sakashita. Uma das cobras que criaram ninho na política nacional. Um secretário de terno preto estava calado ao seu lado segurando documentos em uma das mãos.
“Todos que se envolveram com você dizem que está entre os Usuários mais perigosos do país, mas… só entre nós, eu valorizo muito suas habilidades. Sua capacidade de investigação, observação e mais do que tudo, nem preciso dizer, que sua Habilidade de acabar com detestáveis criminosos. Eu gostaria muito de poder ouvir sobre um brutal caso que resolveu no passado.”
Sorrindo de orelha a orelha, o Diretor-geral adjunto pegou a mão do Ayatsuji-sensei e a sacudiu. Era como se estivesse enviando uma energia invisível pela palma de sua mão. Durante esse tempo, ele nem se quer olhou para mim.
“Diretor-geral adjunto Sakashita. Agradeço você ter vindo nos receber.” Ayatsuji-sensei disse sem mudar a expressão. “Você leu o relatório? ”
“Não, apenas ouvi por alto o que aconteceu.” Ele sorria como o sol. “Gostaria se possível, ouvir diretamente do senhor enquanto tomamos um chá. Por aqui.”
“Espere um momento.” Eu me meti. “Eu sou a responsável pelo acontecido. O Ayatsuji-sensei e a Divisão não possuem culpa nenhuma. Exatamente como eu relatei.”
“Hm.” O Diretor-geral adjunto levantou a sobrancelha e me olhou como se só tivesse me percebido agora.
“Senhorita. Não é você quem decide quem é o responsável. São os superiores. Aqueles que decidem as leis.”
“Leis?”
“Hm. …Muito bem, senhorita. Eu vou falar a verdade para te deixar tranquila.” Ele abriu os braços, rindo. “O que aconteceu não foi culpa sua. A culpa foi das leis, ou seja, do sistema. A Divisão é o câncer desse país. Ela esconde os Usuários, os crimes cometidos por eles e faz as pessoas acreditarem que as Habilidades não influenciam em nada esse mundo. Então apenas ela os monitora, monopolizando uma posição privilegiada. É como se fosse uma organização do mal saída de um filme.”
“Não é assim!” Eu gritei sem pensar.
“Está dizendo que estou errado? Mas a população pensará outra coisa se souber a verdade. Assim como um médico retira um tumor, eu retirarei a Divisão desse país. Esse é o meu trabalho. Foi graças a você que surgiu uma oportunidade para isso.” Ele deu um leve sorriso. Como um carrasco ri de um prisoneiro.
A Divisão Secreta de Habilidades Especiais do Ministério Interior e o Judiciário do Ministério da Justiça tem uma relação de gato e rato. São como óleo e água; sol e vento norte. Essas duas forças opostas dentro do governo desde muito tempo mostram os dentes uma para a outra, brigando de um lado e de outro pelo poder.
O Ministério da Justiça, que julga, sentencia e é superior à polícia e à organizações investigativas, está constantemente atrás de uma lei que julgue os Usuários imparcialmente. Tanto eles como os civis devem ser julgados igualmente. Esse é o argumento deles. Mas o argumento da Divisão é outro.
Há muitas diferenças entre os Usuários e como lidar com essas diferentes naturezas quando eles agem descontroladamente difere de caso para caso. Aquele que move seu alvo sem tocá-lo, aquele que lê mentes, aquele que se movimenta na velocidade da luz ─ não tem como uma única norma julgar todas essas individualidades.
Para o Ministério da Justiça no topo da lei, a Divisão que invade seu território criando exceções é um olho roxo.
Claro que os métodos da Divisão não são perfeitos. Para controlar as ações dos Usuários, ela usa o meio que for. Há o rumor de que eles deram permissão para uma organização criminosa funcionar em Yokohama limitadamente, com autorização para agirem. Por apenas monitorarem e não julgarem por conta própria, eles sabem que muitas pessoas os chamam de Observadores para os ridicularizarem.
Nós não somos emissários da justiça completamente limpos. Eu sei disso.
“Mesmo assim a Divisão é necessária. Não tem como a polícia comum supervisionar os crimes por Habilidades e muito menos compreendê-los. Por isso nós existimos. Por favor, entenda.”
“Infelizmente eu não estou te ouvindo.” Ele cortou minhas palavras. “O motivo de você ter sido chamada aqui foi para eu ter uma ferramenta com que possa esmagá-los. Vou usar essa história no próximo Conselho. Ayatsuji-sensei, vou pegar sua assistente emprestada nessa hora.”
Ayatsuji-sensei apenas deu de ombros. O Diretor-geral adjunto saiu andando sorrindo como se estivesse na televisão.
“A conversa acabou. Nós vamos coletar evidências agora.” Antes de ir, ele se virou e deu um leve sorriso. “Sinto muito pelo policial à beira da morte, mas ele foi esfaqueado num bom momento.” Ele foi para o elevador com seu secretário.
“Peraí!”
“Espere.” Ayatsuji-sensei me segurou quando eu estava a ponto de sair correndo atrás dele.
“Mas, sensei, desse jeito ele vai nos…!”
“Você é uma estudante ginasial do interior? Não faça nenhum tumulto aqui.” Ele me olhou com seus olhos frios. “Ai, ai, não tem jeito… Hoje é uma exceção. Vou te ensinar como chutar um cara daqueles. Veja bem.” Ele saiu andando e falou por detrás do Diretor.
“Diretor-geral adjunto Sakashita.”
Ele se virou.
“Sim?”
“Você esqueceu de uma coisa. Não quer ouvir sobre o policial acertado no peito direito?”
“Peito direito?” Ele franziu. “Não foi no esquerdo?”
“Exato, foi no esquerdo. Acabei de provar que você mentiu quando disse não ter lido o relatório.” Ayatsuji-sensei disse sem rodeios. “Claro que um burocrata ardiloso como você não deixaria de ler o relatório que será sua arma.”
O Diretor-geral adjunto torceu o rosto sutilmente. Era exatamente isso pelo jeito. Sem ligar para a expressão dele, Ayatsuji-sensei continuou.
“E há mais um fato importante nesse relatório. Sobre quem eu acho que é o mentor por trás da falsa ordem de invasão dada aos policiais.”
“Se não me engano… era o Usuário Kyougoku, eu acho, que acreditavam estar morto.”
“Mas ele está vivo. Ele é um homem com a Habilidade de manipulação de mentes e que tem o mau gosto de importunar a mim e a minha assistente.”
“E o que tem isso?”
“É simples. Eu pensei em como a pessoa que instigou as Forças Especiais nos importunaria a seguir. Digamos que para acabar com a organização da Tsujimura-kun, ele controlaria alguém no centro do governo?“
“O quê?” A cor do rosto do Diretor-geral adjunto mudou num segundo. “Eu? Eu fui manipulado? Até parece. Eu sou diferente. Não tenho razão ou motivação para obedecê-lo.”
“Eu disse que a Habilidade dele manipula mentes. Se você for um boneco do Kyougoku, preciso te restringir antes que dê trabalho cometendo algum crime.”
“Restringir? Eu… não estou sendo controlado por nenhuma Habilidade.” Seu rosto estava tenso.
“É o que todos dizem. Mas eu não posso confiar no seu autodiagnóstico se nem especialista em Habilidades você é.“
“Não. Absolutamente não!
“Veremos. …Ahh, em falar em especialista, conheço um pessoal excelente. Se eles derem uma olhada em você, poderá provar sua inocência. É a Divisão Secreta de Habilidades Especiais. Conhece?” Ayatsuji-sensei deu um sorriso. E em contraste, o Diretor-geral adjunto foi ficando branco. “Há um especialista em extrair memórias lá. Vamos deixar ele te ver.”
“Memórias…?” Ele estava completamente pálido agora. “O senhor está falando sério, Ayatsuji-sensei?” Se fizer isso, eu…”
“Estará em apuros?”
O Diretor-geral adjunto não respondeu ao deboche.
“É claro que estará. Porque vão descobrir todas as suas inúmeras mentiras que andou dizendo como se expelindo veneno até agora.” Ele olhou para o homem diante de seus olhos como quem olha com desprezo para um inseto. “Mas até eu consigo perceber suas mentiras, além da sobre o relatório. ‘Uma honra?' A mesma pessoa que me chamou de Deus da Morte de sangue congelado?”
O rosto do Diretor-geral adjunto enrijeceu. Era uma cara de quem perguntava como ele sabia.
“Não há porque se surpreender. É uma providência natural que um detetive investigue sobre seu contratante. Por uma terceira pessoa, você forçou o trabalho sujo para mim. O motivo por não ter me contratado diretamente foi porque ficou com medo de ser pego pela minha Habilidade?”
Surpresa, eu falei sem pensar:
“Contratou você?”
“Sim. A cobra escondida no Ministério da Justiça por esse terno caro aqui chegou a sua posição após sucessivas mortes de seus opositores políticos. Depois de ter sido revelado que o seu ex-chefe, o Ministro da Justiça anterior, cometeu um assassinato vinte e cinco anos atrás, o mesmo morreu num acidente. O outro burocrata que competia pelo mesmo cargo com ele perdeu a posição após o crime da sua esposa ter sido revelado. Todos esses foram casos que eu solucionei a mando do governo.”
“Espere, espere um pouco.” Eu disse confusa. “Isso significa que… ele te usou para causar a morte acidental de pessoas ruins que seriam beneficiais a ele…?”
“Não!” De repente o Diretor-geral adjunto explodiu em fúria, se atrapalhando nas palavras. “Mesmo que isso fosse verdade, quem foi julgado foram os criminosos!”
“E quem pode dizer que não foi você quem orquestrou?”
“Você não pode provar!”
“De fato. Mas você falou o seguinte ─ ‘A população pensará outra coisa se souber a verdade'.”
“Não, eu não… foi justificável! Não, isso não é verdade… Por que você… Espere!” O Diretor-geral adjunto começou a se afastar perdendo a compostura.
“Um burocrata importante ficando afobado como uma criança. De qualquer forma, isso era tudo o que eu queria dizer. Agindo por debaixo dos panos, o homem que vê os Usuários como empecilhos, após acabar com a Divisão certamente construirá um esplêndido novo sistema. Não que eu me importe quais verdades inconvenientes serão desenterradas debaixo de seus pés depoi disso.”
Indo de branco a vermelho, o Diretor-geral adjunto não conseguia responder nada de volta.
Eu estava espantada. Ao enumerar os fatos, Ayatsuji-sensei apenas citou uma declaração do Diretor-geral adjunto. Mas ele selou perfeitamente seu ataque teórico contra a Divisão. Ao observá-lo, ele conseguiu armar num instante como bloquear suas afirmações. Sua cabeça funcionava numa velocidade amedrontadora.
Bem ─ ele adora atormentar os outros, também tem isso. Seu rosto estava animado.
“De-De qualquer forma, eu convocarei a senhorita no próximo conselho. Por hoje é isso!”
Ele saiu empurrando rudemente os outros transeuntes, indo a passos largos para o fim do salão. Eu dei a língua com tudo para as suas costas.
“Estou aliviada, Ayatsuji-sensei!” Disse sorrindo.
“Alegre como sempre.” Ele olhou para mim friamente. “Não é para ficar nada aliviada. Ele agora vai mudar a estratégia para atacar você. Vai fazer você ser dispensada, para que a sua responsável, a Divisão, seja investigada. Desse jeito a história que eu contei não será trazida à tona.
“Eh?” Minha cabeça congelou. “Então eu…”
“Colocando em palavras que uma menina como você consiga entender,” ele fez a expressão de um poeta, “Você tá a ponto de ser despedida.”
“Mas isso é ruim!”
“Hm.” Ele bateu com o dedo em seu queixo. “Agora que você falou, talvez.”
“Que coisa!” Eu me afastei do Ayatsuji-sensei e fui andando para o final do salão atrás do Diretor-geral adjunto. Em resumo, eu mesma teria que fazer alguma coisa.
“Se você correr, consegue alcançá-lo.” Suas observações francas vieram por detrás de mim. “Se deixá-lo escapar, provavelmente não haverá outra chance de você enfrentá-lo cara a cara.”
Ele estava certo. Se eu não fizesse as coisas direito dessa vez, nada mudaria e a chance de apenas um aviso de dispensa vir silenciosamente seria enorme.
Eu não pensei muito. Não tive a perspectiva de fazer um discurso maravilhoso que resolveria todo o problema de maneira simples e direta. Mas não tinha como eu recuar desse jeito. Precisava mostrar que eu sou uma agente de primeira classe.
Eu o avistei. Ele estava indo direto para o elevador. Aquele era o elevador que levava até a área de especialização. Apenas alguns burocratas tinham autorização para usá-lo. Ou seja, eu precisava pará-lo antes dele entrar lá.
“Diretor-geral adjunto Sakashita!” Eu gritei, mas as costas de terno me ignoraram e continuaram andando.
Então se é assim, eu ia pegá-lo contra sua vontade. “Diretor-geral adjunto, preciso conversar!”
O secretário o esperava antecipadamente na frente do elevador. Assim que ele apertou o botão, a porta se abriu sem fazer barulho.
“Espere, por favor!” Eu estava andando a passos rápidos e largos. Se eu não desse alguma explicação, meu futuro estaria acabado.
O Diretor tirou um cartão do bolso e o segurou na frente de um painel de autentificação no interior do elevador. Devia ser o passe autorizando para ir até o andar superior.
Ele deu uma olhada para mim sem expressão alguma. O secretário entrou e apertou o botão de fechar as portas. Estavam apenas cinco metros à minha frente. Se eu corresse daria tempo. As portas começaram a fechar. Nesse momento eu ouvi um grito atrás de mim.
“É uma armadilha, Tsujimura-kun! Puxa ele pra fora!”
Nem precisei me virar para saber que era o Ayatsuji-sensei. Todos os meus pelos se arrepiaram.
Sai correndo praticamente ao mesmo tempo que o compreendi. A porta já estava na metade. Consegui ver o Diretor-geral adjunto de olhos arregalados. De repente, um rugido estrondoso repercutiu dentro do elevador. Como se uma grande árvore tivesse caído ou uma barra de ferro tivesse se partido, um alto e desconfortante barulho.
Não dava tempo de checar o que era. Eu só podia acreditar no Ayatsuji-sensei.
Será que vai dar tempo?
Levei três segundos para chegar no elevador, agarrar o Diretor-geral adjunto pelo peito e puxá-lo para fora.
Nessa hora, a cabine ficou toda escura. Por causa de um barulho metálico cacofônico eu não sabia mais o que estava acontecendo ao meu redor. Mesmo assim, eu puxei ele com tudo.
“Uuuuaaaaaaaaaa!” Nos dois caímos para trás um em cima do outro.
Eu bati minha cabeça no chão e minha visão se apagou por um instante.
“Tsujimura-kun!”
Só conseguia ouvir essa voz e passos apressados. Em algum lugar, uma explosão.
“Acorda, Tsujimura-kun.”
Quando a voz se aproximou, eu abri um pouco meus olhos. Pude ver vagamente o rosto do Ayatsuji-sensei. Mas não consegui discernir sua expressão.
“O que… aconteceu…”
“O elevador caiu.”
Senti um frio em meu peito e olhei para o elevador. Por detrás das portas meio abertas, apenas um escuro vazio se expandia. No chão na frente do elevador, um pó metálico estava espalhado.
“O Diretor-geral adjunto… foi salvo…?”
“Sim. Você o salvou.” Ele disse calmamente. “Bem, metade.”
Então eu vi o que eu estava segurando. O Diretor-geral adjunto caído de frente.
Seu terno cinza. Sua espinha dorsal. Sua carne. Faltava metade do corpo dele.
O sangue indicando o rastro por onde eu o arrastei continuava até o elevador. Ayatsuji-sensei se aproximou e olhou para dentro. Para o longo e escuro poço que continuava até o andar superior.
“É o Mizuchi.” Espiando os cabos, ele disse. “O próximo sacrifício será comido pelo Mizuchi. …Era isso então.”
As pessoas no salão começaram a ficar agitadas.
A queda de um elevador. Um corpo dilacerado, sangue e carne.
O caos foi se difundindo e a pertubação preencheu o salão.
✦ ✦ ✦
O telefone em cima da mesa tocou.
Foi quando Asukai estava comendo seus mais novos vegetais em conserva sem suas luvas. Por causa de sua longa experiência, ele já sabia sobre o que era a ligação pelo som da chamada.
O som para avisar que uma criança apanhou do valentão da vizinhança; de uma denúncia que um grupo de homens sujos estavam reunidos num beco e do aviso de que um novo gotejador de café havia chegado soavam todos diferentes.
Os seus colegas e subordinados riam dele, mas isso não incomodava quem estava na posição de investigador especial da Polícia Militar ─ Porém às vezes sua intuição era o que iluminava uma investigação.
O investigador Asukai se virou surpreso para o telefone tocando em sua mesa. Ele lembrava de já ter ouvido essa chamada desesperada. É um assassinato. Quando ele atendeu, sua suposição estava certa.
Após entender a situação, ele desligou, pegou seu casaco e saiu do escritório. Enquanto saia, ordenou três de seus subordinados para acompanhá-lo. Conferiu se sua arma estava munida. Era uma calibre 9mm. Nove balas no carregador e um cartucho. Estava totalmente carregada. Ele torcia para não ter que destravá-la.
Vestiu suas luvas, entrou no carro com seus subordinados e foi para a cena do crime. O local era o poço do elevador na sede do Ministério da Justiça. A polícia já havia bloqueado o perímetro e estavam esperando pelo Asukai.
Quando ele estava andando pelo estacionamento subterrâneo que levava até o poço, duas pessoas conhecidas acenaram.
“Asukai-kun. Sabia que era você.”
“Ayatsuji-sensei. Bom trabalho.” Asukai que já sabia que os dois estariam ali pelo telefonema, abaixou sua cabeça.
“Foi um desastre, não foi?”
“Desastre? Desastre foi o pobre Diretor-geral adjunto ter perdido metade do seu corpo para sempre.”
Asukai olhou para onde o Ayatsuji indicou com o olhar. A porta do elevador tinha sido retirada e a cabine estava exposta. Não precisava nem olhar dentro para sentir o cheiro ruim que a preenchia. Era o cheiro de sangue.
A parede interna estava deformada e havia pó de ferro espalhado por todo o lugar. No chão, sangue da metade de um ser humano ─ sangue da cintura até os pés ─ encontrava-se despejado.
O corpo do secretário também estava li. Com o impacto da queda, o jovem de óculos teve a coluna esmagada.
“O Diretor-geral adjunto Sakashita era bem importante.” Asukai disse franzindo o rosto diante da terrível cena. “Vamos ter que ocultar da mídia.”
O Diretor-geral adjunto do Ministério da Justiça havia sido morto junto com o seu secretário. Segundo os seguranças, o elevador em que estavam caiu. O momento da queda foi testemunhado por dezenas de pessoas que estavam no salão de entrada.
Olhando a cena do crime, o investigador falou:
“Geralmente esses elevadores têm um dispositivo de travamento para o quase improvável caso de queda…”
“Também foi destruído.” Ayatsuji disse. “Isso provavelmente foi um assassinato planejado que tinha como alvo o Diretor-geral adjunto.”
“É mesmo?” Asukai levantou as sobrancelhas. “Então… o culpado o estava observando e no momento em que o Diretor entrou nesse elevador, ele explodiu remotamente os cabos de suspensão e o equipamento de segurança.”
Para isso, ele teria que estar num lugar em que desse para ver o elevador, ou seja, no salão do primeiro andar. Então eles deveriam começar a investigação reunindo todos que estavam no salão, interrogá-los e revistar seus pertences. Quando Asukai estava pensando nisso, Ayatsuji falou.
“Não.”
“Não?”
“Sim. Olha isso aqui.”
Ele apontou para o interior do elevador. Era o painel de autentificação.
“É um painel para autorizar quem pode subir para o andar superior. Ele lê o cartão de acesso que é o ID e assim o elevador vai para o último andar. Se olhar bem, em cima dele tem mais um fino painel falso instalado. O falso também lê o ID e apenas quando é o de uma pessoa específica, envia o sinal via cabo.“
Kasukai aproximou o rosto para inspecioná-lo. Realmente havia um outro painel magnético em cima do de cor creme do mesmo tamanho e 1mm de espessura. A interface era praticamente a mesma. A menos que um especialista olhasse com bastante atenção, era impossível percebê-lo. Metade dele estava para fora e o circuito interno exposto. Os fios desapareciam fora da cabine. Pelo jeito, estavam ligados até o explosivo.
“Então quer dizer que esse painel falso estava configurado para reagir somente ao ID do Diretor-geral adjunto. Quando ele mostrou o cartão, o elevador caiu e os dois que estavam dentro morreram com o impacto.”
Ayatsuji assentiu.
“O culpado é uma pessoa cuidadosa. Não dava para sentir o cheiro de explosivo do salão. Foi usado especificadamente um tipo de explosivo que não deixa nenhum resquício para não ser possível seguir sua rota de aquisição. Além disso, os cabos elétricos e o próprio painel podem ser encontrados em qualquer loja de eletrônicos. Com as outras evidências que sobraram é quase impossível chegar até o culpado. E para completar, como não foi uma explosão remota, mesmo analisando a faixa de frequência, ela não levará até o criminoso. Foi tudo muito bem pensado.”
Asukai recalculou rapidamente todo o planejamento da investigação em sua cabeça. Realmente havia sido um crime muito bem pensado para não deixar rastros, mas ao mesmo tempo não era um plano que um pirralho pensaria. Precisava ter conhecimento técnico. Não dava para limitar os criminosos que poderiam ser candidatos naturais?
Por isso Asukai perguntou:
“Para construir um dispositivo assim precisa ter um conhecimento técnico consideravelmente avançado. Não podemos ir atrás dele a partir dessa linha?”
Porém Ayatsuji balançou a cabeça para os lados.
“Se esse fosse um caso comum. Mas eu posso afirmar que não precisa ter um conhecimento específico nesse caso. É um crime que qualquer um poderia cometer.”
Asukai inclinou a cabeça.
“Como?”
“Porque foi o Kyougoku que planejou.” Ayatsuji estreitou o olhar. “Para começar, a série de casos originados pelo poço foram todos jogos planejados por ele. Assim como no assassinato do botulismo, usar o elevador para um crime perfeito também foi um método ensinado por ele e botado em prática pelo culpado. Ou seja, mesmo sem conhecimento, desde que tenha paciência e seja cauteloso, qualquer um pode cometer esse assassinato.”
“Mas… se for esse o caso, por que ele teria se dado ao trabalho de--”
“Asukai-kun. Alguém pega uma faca de cozinha e esfaqueia outra pessoa com a intenção de matá-la. Nesse caso, quem produziu a faca é culpado?”
“Hã?” Asukai ficou confuso, mas respondeu. “Não… Não acho que quem produziu tenha culpa.”
“Essa é a resposta. Assim como no caso da botulina, o culpado cometeu o assassinato por intenção própria. Mesmo que ele tenha recebido o método detalhadamente perfeito de como matar, não passa de uma ferramenta. Ou seja, nesse caso ─ a pessoa que ensinou o método para o crime não será alvo da minha morte acidental. Essa é a razão.”
Sim. Os crimes do Kyougoku não são crimes nenhum. Em casos criminais gerais, para o instigante ser acusado é preciso ter uma relação de causa e consequência com as ações do instigado. Mas como a intenção de matar e o ato pertencem ao criminoso, se não for provado que o Kyougoku intencionalmente inspirou o criminoso a matar e de que sem ele o crime não ocorreria, não é possível indiciá-lo.
Porém tanto a Polícia Militar como a Divisão não são organizações tão frágeis para não conseguirem tocar em civis inocentes. É possível prendê-lo sob uma acusação separada ou encontrar ao menos algum pretexto para que ele vá voluntariamente ser interrogado pela polícia.
Mesmo assim ele insiste em cometer 'crimes inocentes'.
A Tsujimura da Divisão Secreta de Habilidades Especiais que estava calada no fundo até então, abriu a boca subitamente:
“Então o incidente de hoje e mais todos os outros até agora pareceram ser atos isolados, mas, na verdade, foram todos com apenas um objetivo ─ para desafiar o Ayatsuji-sensei.”
Ayatsuji não respondeu. Continuou a olhar calado para algum ponto ao longe. Asukai observou sua expressão.
Ayatsuji e Kyougoku ─ Luz e sombra, justiça e injustiça competindo uma com a outra. Ambos eram existências acima das nuvens para o Asukai, residentes de um mundo incompreensível.
E o motivo do Kyougoku não cometer os crimes ele mesmo era para desafiar a Habilidade assassina do Ayatsuji. Superando o carma com 100% de certeza que o culpado morrerá, a mais forte Habilidade. Era apenas uma provocação de querer jogar lama nessa infalibilidade.
Ainda sim uma dúvida surgiu. O Kyougoku estava desafiando o Ayatsuji. Isso era evidente. Se existisse uma brecha na sua engenhosidade, algo que expusesse o seu crime, o Ayatsuji seria capaz de causar sua morte acidental. Essa seria a vitória dele.
Mas ─ e se acontecesse o contrário? E se o Kyougoku no final gritasse em exaltação sobre o Ayatsuji prostrado de lama? Será que esse momento acontecerá? Até agora o seu desafio apenas apareceu no formato de 'tente solucionar esse crime perfeito'. Ou seja, supondo que o Ayatsuji não consiga achar o culpado nem solucionar o crime, fica por isso mesmo. O jogo continuará quantas vezes forem sem o Ayatsuji morrer ou se quer levar um arranhão.
Por outro lado, se o Kyougoku cometer o menor erro que for, ele imediatamente sofrerá um acidente e a confrontação terminará.
Por qual motivo ele armou esse jogo parcial?
“Vamos começar a investigação?” Interrompendo seus pensamentos, Ayatsuji disse numa voz grave. “Primeiro é conferir as imagens de segurança. Mesmo sendo um crime perfeito, ele precisou vir no elevador instalar o artifício. Esse momento tem que ter sido filmado. O culpado… aquele que usou o Mizuchi.”
“Mas a partir de qual data devemos conferir?”
“A probabilidade dele ter instalado depois de saber que nós viríamos aqui hoje é alta.” Ayatsuji falou. “Senão não seria um desafio destinado a mim. Confiram todos que passaram perto da sala das máquinas de içamento no telhado entre ontem à noite e hoje de manhã.”
Asukai mandou prontamente seus subordinados irem preparar as filmagens.
✦ ✦ ✦
Havia uma quantidade enorme de arquivos. O Ayatsuji checou todas as filmagens da entrada, do poço e ao redor da sala das máquinas no telhado.
Todas as dezenas de telas na sala de segurança mostravam as filmagens. Por ser um prédio central do governo, as imagens eram nítidas e sem pontos cegos, dando para ver claramente até a cor das sobrancelhas de cada transeunte.
Ayatsuji estava observando quieto os vídeos. Seu olhar era impecável. Era o olhar penetrante e sem misericórdia de um rei cruel oprimindo silenciosamente seus vassalos assustados.
Asukai olhou para ele sem se dar conta. Ele conhecia três criminosos que confessaram todos os seus crimes ao serem expostos a esse olhar afiado. Se tratando de investigar, Ayatsuji sozinho faria o trabalho de todas as unidades de polícia da cidade.
Ele não tinha intenção de perder, mas não pensou em checar as filmagens primeiro para conseguir uma pista. Em troca, falou com a Tsujimura que estava ao seu lado.
“Tsujimura-chan.” Ela que estava olhando para as telas, virou o rosto. “Quantos anos fazem desde que você começou esse trabalho?”
“Dois anos.” Enquanto tentava entender a intenção por trás da pergunta, ela respondeu honestamente.
“Não tem medo?”
Fazendo uma cara inesperada, ela respondeu:
“Do quê?”
“O seu trabalho está cercado pela morte.”
Ela riu baixinho.
“O seu também. Você já foi responsável por inúmeros casos de assassinatos brutais.”
“Eu não quis dizer isso.” Ele falou com uma cara séria. “Já faz muito tempo que eu conheço o Ayatsuji-sensei também. Por isso sei que quase nenhum agente da Divisão quer ser responsável por ele. Ninguém quer se envolver com um Usuário de Perigosidade Máxima ─ com o Deus da Morte de sangue congelado. Só os corajosos.”
Ela o olhou diretamente nos olhos.
“Tsujimura-chan, você se voluntariou para essa posição por vingança?”
“Não.” Ela declarou prontamente.
“Negou rápido demais. Eu não estou dizendo que está mentindo para mim, mas se estiver mentindo para você mesma, é melhor que repense o quanto antes.”
Depois de ficar um tempo calada, ela deu uma olhada rápida para o Ayatsuji. Ele estava completamente concentrado nas filmagens. Estava observando todos os mínimos detalhes desde as roupas até os gestos das inúmeras pessoas passando pelas dezenas de telas. Ele não se distrairia tão fácil.
“Todos me dizem isso.” Ela falou baixinho. “Para eu repensar porque é perigoso. Mas eu entendo bem a Habilidade do sensei. Não penso que ela seja perigosa.”
“Sério?”
“Sim. O alvo da morte acidental será apenas o indivíduo ou grupo que cometeu ou tentou cometer um assassinato. É preciso ficar provado que ele tinha a intenção de matar e que somente ele poderia ter cometido o crime. E tem que ser o culpado do caso que pediram para o sensei solucionar. Essas são as condições.
“Uma vez solicitado, não importa o que aconteça, o culpado irá sem falta morrer de alguma maneira. Mesmo que cancelem o pedido no meio do caminho, depois que a Habilidade foi ativada, não dá para suspendê-la ou negá-la. Assim como não dá para voltar no que já foi dito.”
Asukai pensou. A Habilidade do Ayatsuji é absoluta. Se a sua dedução estiver correta, o culpado morre. Senão, nada ocorre. Ela funciona como uma máquina da verdade infalível. E no caso dele não acertar, ele é “removido” pela Divisão. Porque um detetive assassino que não descobre a verdade é apenas um fardo perigoso.
Ayatsuji investiga ciente disso. Se ele acertar, o culpado morre. Se errar, o detetive morre. Em meio a essa corda bamba, ele solucionou todos os pedidos até hoje. Asukai lembra do calafrio que sentiu diante dessa mente de aço.
─ Então é isso.
Asukai agora percebeu que essa era a vitória do Kyougoku. Se o Ayatsuji deduzir errado, ele será executado. Esse é o motivo dele continuar criando crimes perfeitos, é um desafio para o Ayatsuji que apostou sua vida.
Ele aceita os pedidos sabendo disso. Kyougoku cria os crimes perfeitos e Ayatsuji os resolve. Se ele achar uma prova que seja ligando o Kyougoku ao crime, o Kyougoku morre. Se errar uma vez que seja quem é o culpado, ele morre. Uma corda bamba que não admite erro algum. E alguma hora um dos dois cairá dessa corda.
“Droga!”
De repente uma voz furiosa ecoou pela sala. Todos pularam de susto.
“Droga, maldito Kyougoku! Esse é o seu jogo!”
Foi o Ayatsuji que bateu na mesa, berrando. Uma raiva preencheu o ambiente ao ponto de deixar todo mundo de cabelo em pé.
“Sensei, o senhor encontrou alguma coisa?”
“Vocês têm buracos no lugar dos olhos? Não viram o homem que acabou de aparecer?”
Todos olharam rapidamente para as telas prestando atenção. Em uma delas, mostrava a entrada de serviço dos funcionários. Havia a hora e o número da câmera na imagem, além de várias pessoas.
“Volte cinco segundos.” Ao ser ordenado, um segurança rapidamente operou o terminal para voltar a imagem. Quando a imagem mudou, mostrava um homem de camisa social branca. Cabelo arrumado e um olhar tranquilo. Tinha a aparência de um burocrata que foi jogar golfe com os executivos de uma empresa privada. Não havia nada que chamasse a atenção nele.
Asukai olhou bem para o homem. Pelo que o Ayatsuji-sensei disse, deve haver alguma coisa estranha nele. Talvez seja nas suas roupas ou no seu corpo.
Mas o Ayatsuji falou para todos ali como se fossem idiotas:
“Vocês estão malucos? Não precisa nem observar nada. Só de olhar já dá pra ver que só ele pode ser o culpado.”
E então a Tsujimura gritou “Ah!”.
“…Não pode ser…!” Ela segurou um gemido.
“Tsujimura-chan, encontrou alguma coisa?”
“Veja.” Ela apontou para a tela com a mão tremendo.
“Seu dedo!” Asukai também percebeu.
Ele não tinha a ponta do dedo anelar esquerdo.
Ayatsuji disse suprimindo a raiva:
“Quem o Kyougoku controla é fundamentalmente como uma marionete que não sabe que está sendo controlada. Mas existem algumas pessoas que o ajudam em suas intrigas recebendo ordens diretas. Pessoas que obedecem a todas as suas ordens e jogam fora suas vidas por ele… O Kyougoku chama eles de Familiares ou Agentes. Provavelmente eles estão possuídos por sua Habilidade. Mas eu não tinha nenhuma pista de quem era o seu Familiar principal e de onde ele estava. Até agora.” Dizendo isso, ele se virou para as outras pessoas na sala. “Com isso está provado. O décimo oitavo criminoso da ilha Reigo ─ o Engenheiro é um Familiar do Kyougoku.”
Uma voz espremida falou:
“É… verdade?” Era a Tsujimura. “O Engenheiro está envolvido nesse caso?”
“Certamente é algo que ele pensaria.” Ayatsuji assentiu. “O Engenheiro foi quem armou o caso do elevador. Ele também sabia que nós veríamos essas imagens. Olhem.” Ao manipular o terminal, a imagem estática voltou a se mover.
O homem sem a ponta do dedo parou para ajeitar no ombro a bolsa de golfe que parecia pesada. E por um instante… olhou para a câmera sorrindo. Como se estivesse dizendo “quero ver me pegarem”. Foi apenas por um segundo, se não estivessem prestando atenção já nem saberiam que era um sorriso, mas não tinha erro.
“O Engenheiro com certeza aparece novamente nessa mesma câmera depois que terminou o serviço.” Ayatsuji ordenou o segurança. “De quarenta e cinco minutos até uma hora depois.”
O segurança avançou até a hora indicada. A mesma pessoa logo apareceu. Cinquenta e quatro minutos depois na mesma câmera. Ali estava o homem de camisa branca e olhos tranquilos.
“…Veja a bolsa dele. Tem quatro cartuchos cilíndricos no bolso lateral. Esse é um agente que permite destruir um prédio ao causar uma erupção freática por reação química. Ele o usou para derrubar o elevador. Não termos achado vestígios do componente que causou a explosão foi porque ele usou esse negócio.“
Ele comparou o momento que o Engenheiro estava entrando com quando estava saindo.
“Ele tinha seis cilindros… mas saiu com quatro.” Asukai murmurou olhando para a tela.
“Será que eram reservas?”
“Não, se tratando do Engenheiro, ele planejou tudo detalhadamente. Não acho que teria quatro cilindros de reserva. É outro motivo…”
Após dizer isso, Ayatsuji ficou perfeitamente quieto. Como se sua alma estivesse voando no abismo dos seus pensamentos e apenas seu corpo tivesse sido deixado para trás.
“…Ayatsuji-sensei?” Tsujimura espiou seu rosto timidamente.
“Asukai-kun. Faça uma lista com todos os prédios que tenham um elevador com um cartão de segurança num raio de seis quilômetros. Em seguida, instale imediatamente uma sede de investigação e mobilize todas as delegacias das redondezas. Esse é o aviso dele.”
“Aviso?”
“Ele saiu com quatro explosivos porque logo vai usá-los. No mínimo vai cometer mais um assassinato do mesmo tipo.”
“Ele vai matar mais alguém?!”
“Se ele foi direto sem precisar passar num esconderijo para repor os explosivos, então deve ser bem perto. Considerando a velocidade de um carro e o horário de trabalho, é um prédio num alcance de seis quilômetros.”
“Cooperem com o quartel-general para reunir todas as pessoas disponíveis da Polícia Municipal. E distribuam o arquivo com a imagem do rosto dele.” Asukai rapidamente ordenou seus subordinados.
Eles acenaram com a cabeça e cada um foi para sua determinada função. Olhando os investigadores se espalharem, Ayatsuji falou:
“Agora é só deixar com a polícia.”
“Sensei!” Tsujimura se inclinou para frente. “Eu também vou participar da investigação!”
Depois de ficar um tempo olhando a expressão em seu rosto, Ayatsuji disse:
“Será que eu ouvi errado? A sua função é me monitorar, e não capturar criminosos. E o pedido que me fizeram foi solucionar o mistério do poço e não sair por ai atrás dos outros. Não acho que nós temos que fazer alguma coisa além de esperar aqui.”
“Mas…! Ele é o Engenheiro!”
Sem respondê-la, ele olhou seu rosto. Para algo que havia além da afobação.
“Eu preciso perguntá-lo sobre minha mãe. E você não tem a responsabilidade de ao menos me ajudar nisso? Você, a pessoa que solucionou o caso naquela ilha.”
Após ficar uns segundos meditando, ele pegou seu cachimbo.
“Não tenho responsabilidade nenhuma.”
“Mas…!”
“Mas dependendo de você, eu posso te ajudar. Será uma troca. Vejamos… que tal você fazer qualquer coisa que eu pedir por um dia inteiro?”
“Qualquer… coisa?”
Ela congelou por um instante. Mas logo pensou melhor e declarou:
“…Está certo. Aceito.“
“Então tá resolvido.” Ayatsuji bateu o cachimbo com o dedo.
“Já vou trazer o carro!”
Ayatsuji e Asukai ficaram olhando as costas da Tsujimura sairem correndo.
“Tem certeza, Ayatsuji-sensei? Ela está bastante envolvida com o Engenheiro. É o esperado por ele ser o responsável pela morte de sua mãe, mas… e se a vingança estreitar sua visão e o Kyougoku tirar proveito disso?”
“Se isso acontecer, então ela só era capaz de ir até aí. Eu não sou o pai dela, então não tenho a obrigação de me preocupar com ela.”
Asukai olhou por reflexo para ele ao ouvir sua voz sem calor algum.
“E deixa eu te corrigir. O Engenheiro não é o objeto de vingança da Tsujimura-kun. Porque não foi ele quem matou a mãe dela.”
“Ah é? Então quem…”
Ayatsuji virou a cabeça lentamente e o olhou. O coração do Asukai, mesmo ele sendo um investigador experiente, parou por um instante ao ver sua expressão. Era como uma cobra olhando para um pequeno animal.
“Fui eu.”
Ar frio escapava da boca do Ayatsuji.
“Eu matei a mãe da Tsujimura-kun. Ela era um dos dezessete assassinos.”
✦ ✦ ✦
O Austin Martin prateado corre pelas ruas. A cidade continua a mesma. Os quentes raios de sol iluminam o carro e o banner de uma loja no acostamento onde está escrito 'promoção' trêmula.
Mas há algo de diferente nessa paisagem. Os investigadores patrulhando com suas escutas nos ouvidos. A Polícia Militar se preparando apressadamente. O comboio de carros da Guarda Municipal passando com a sirene ligada.
Nesse momento, toda a área dentro de seis quilômetros ao redor do Ministério da Justiça está sob lei marcial. Em algum lugar um assassino está se preparando para matar.
“Vamos começar investigando a instituição mais próxima.” Eu disse enquanto dirigia. “Primeiro o hospital e depois o comércio.”
Sentado no banco de trás sem responder nada, Ayatsuji apenas olhava para fora.
“Sensei, está me ouvindo?”
“O que será que devo fazer?”
Ele respondeu abruptamente.
“Fazer… com o Engenheiro?”
“Não. Com você.”
Ele levantou o rosto e me olhou pelo retrovisor.
“Considerando essa sua cabecinha oca aí, você já esqueceu o nosso acordo? Você me prometeu que faria tudo o que eu quisesse por um dia.”
“Ugh.”
É mesmo. Sinto que fiz essa promessa no calor do momento.
“Essa promessa tem dois pontos principais. Ser um dia inteiro e fazer o que eu quiser. Ou seja, não necessariamente precisa ser uma ordem só. Vou te dar ordens o dia todo. Nos contos de fada tinha a história de realizar três desejos, mas as minhas ordens não vão ser nessa proporção. Vejamos… Será que eu dou cem ou duzentas?”
Eu olhei surpresa para o retrovisor por essa garrulice toda. Ele estava dando um sorrisinho. Então eu percebi… Fui enganada!
Quando nós estávamos olhando as câmeras de segurança, ele já estava pensando em fazer a troca!
“Eu não quero ma--”
“Não quer mais? Tá bom.” Ele disse na hora. “Então eu vou descer aqui e vou informar a Divisão que você violou as ordens e agiu sozinha.”
“Ughhhh!”
Não podia respondê-lo de volta.
“Sim, essa cara.” Ele disse tranquilamente. “Estava pensando isso desde a última vez, mas aprecio muito ver sua cara de sofrimento.” Será que peço para um artesão fazer uma boneca com esse rosto?”
Às vezes quando ele está falando, eu quase esqueço que eu sou sua monitora e retenho os direitos sobre sua vida. Mesmo eu sendo uma agente…
“Pode se divertir me provocando, mas não se esqueça de uma coisa. Se eu der uma palavra de que há risco de você fugir para os meus superiores, você vai ser ‘removido' na hora!”
“Entendo. Então você vai trair a confiança da Divisão relatando uma informação falsa. É assim que a agente de primeira classe ideal sua agiria, de fato.”
“Ughhhhh”
Estava sem resposta novamente.
“Não fique desanimada. Você é uma causadora de problemas imatura e bruta, mas tem seus méritos. É jovem e absorve as coisas rápido. Você pode não servir para outras tarefas, mas foi sorte ter vindo pro meu escritório. Eu torço para que aprenda rápido os meus ensinamentos e se torne uma empregada qualificada o quanto antes.”
Os objetos no carro caíram tudo pela freagem repentina que eu dei.
“Eu não sou uma empregada!”
“Por enquanto.” Seu rosto continuava igual. “Estou ansioso pelo dia da nossa promessa.”
Quando eu ia retrucar mais alguma coisa, meu celular tocou. Será que era o investigador Asukai? Talvez tenham descoberto alguma coisa sobre o Engenheiro.
“Sim? Aqui é a Tsujimura.” Apertei o botão do microfone do fone de ouvido. Eu estava errada. Não era o Asukai-san.
“…Sakaguchi-senpai?!“
✦ ✦ ✦
O Engenheiro está escondido entre a multidão. Em uma tarde de semana, o rosto das pessoas indo e vindo estão alegres.
Ele olha as expressões felizes dessas pessoas ordinárias. Cada uma parecia ter a sua dignidade. Mas isso era um erro, o Engenheiro pensava. Eles são partes. De maneira alguma são indivíduos. São componentes de um gigante mecanismo. Ao reuni-los, esse mecanismo entra em ação. Assim é a sociedade.
Mas ele é diferente. Ele matou várias pessoas perfeitamente. Ele traiu o mecanismo. Será que um componente entrou secretamente no mecanismo para destruí-lo? A resposta é não. Ele não é um componente. Não é uma parte. Portanto, é diferente deles. É um indivíduo completamente independente.
Carregando a bolsa de golfe e cantarolando um jazz antigo, o Engenheiro anda.
A polícia provavelmente acha que eu estou me locomovendo de carro ─ ele pensou ─ por isso estãp monitorando as ruas, inspecionando os carros e checando as imagens de segurança das rodovias. Eu sei o que eles estão pensando. Porque eles são o mecanismo, eu sei deles, mas porque eu sou um indivíduo perfeito, eles não sabem de mim. As informações são desiguais. Por isso eles não podem me pegar.
Então eu vou andar pelos bastidores. Desse jeito tenho flexibilidade. Claro que eu tenho todos os becos que posso usar como fuga gravados em minha cabeça. Esse é o dever de um indivíduo perfeito.
Por ser uma existência antimoral, se eu falhar, ninguém virá me salvar. Por isso, não é qualquer um que pode ser. Normalmente essa pessoa seria esmagada por uma enorme pressão e um sentimento de culpa. Mas eu não me importo. A grande maioria dos humanos não ganharia nenhuma vantagem em trair o gigante mecanismo. Porque as pessoas são fracas, elas formam grupos e como resultado constituem um mecanismo que está além de suas individualidades. Um grande monstro chamado sociedade.
O Engenheiro subiu uma escada e entrou em um prédio. As pessoas que passavam não sentiam nenhum sentimento por ele. Ao esperar a porta de vidro abrir, ele ficou um pouco feliz.
Se eles soubessem o que eu estou para fazer nesse prédio, as partes sairiam correndo e gritando. Eu sei que eles são partes insignificantes, mas eles não sabem que eu sou um indivíduo. Aqui também as informações são desiguais.
Ele entrou na passagem dos zeladores e tirou o uniforme que havia preparado da bolsa. Vestiu-se rapidamente e foi para dentro. Como já havia decorado a planta do prédio, se locomovia com agilidade.
O Engenheiro parou em frente a uma porta de metal trancada. Seu objetivo estava lá dentro. Tudo estava indo como planejado. Se ele obedecesse ao poço, nada era impossível.
Depois de se certificar que não havia ninguém por perto, ele pegou uma lata de ar comprimido para limpar computador de dentro da bolsa e a soprou na maçaneta.
Ao ser virada, os CFCs fizeram com que ela jorrasse gás líquido frio. Ele não causava uma nevasca congelante capaz de matar, mas conseguia fragilizá-la diminuindo a temperatura. Era o suficiente para quebrar a fechadura.
Ele girou cuidadosamente a maçaneta, pressionando a porta fortemente com seu ombro, até que pode-se ouvir um barulho abafado de metal quebrando, e a porta abriu.
O poço o havia ensinado muitas coisas. Técnicas e conhecimentos. As informações necessárias para ele ser um indivíduo e não uma peça e a atitude mental para aceitar isso.
Se ele tivesse tido a ajuda do poço cinco anos atrás na ilha Reigo, ele teria cometido um assassinato mais perfeito. O detetive que apareceu do nada na ilha não teria exposto tudo e ele sido o único a sobreviver por estar longe de lá enquanto seus cúmplices foram todos mortos. Aquela realmente foi uma conclusão lamentável.
Mas não há o que fazer. O que importa é o agora.
O Engenheiro pulou um desnível. Ele está lembrando dos procedimentos para armar os explosivos.
A polícia deve estar procurando os hospitais e o comércio nesse momento. Lugares prováveis de sabotar um elevador para explodir e matar de maneira eficiente. Ao analisar as tendências até hoje, essa é a suposição correta. Por isso eles não podem impedi-lo.
Ele desceu numa ferrovia suspensa onde não havia ninguém. Qual era o método mais eficaz para se matar com apenas quatro agentes de demolição?
Esse lugar era a resposta.
A ferrovia que ficava por cima de toda a cidade. Em todo o seu entorno se espalhavam ruas e casas. Dava para ver uma estação não muito longe dali. No chão abaixo, as pessoas indo e vindo.
Ele checou o relógio. Era uma questão de tempo daqui para frente. Antes que o próximo trem viesse, ele implantaria o agente no trilho, o destruindo.
Ele havia ensaiado bastante. Armando para que o trilho explodisse alguns segundos antes do trem passar, não haveria risco de uma parada repentina por causa da vibração.
Então eu me aproximarei mais um passo de ser um indivíduo independente. Diferentemente da massa, de ser uma pessoa especial. E um dia, serei como ele…
Quando ele estava posicionando o segundo agente, ele levantou o rosto. E então percebeu uma presença. Mais de uma.
Elas falaram comigo.
✦ ✦ ✦
“Infelizmente você perdeu, Engenheiro.” Ayatsuji disse.
Os investigadores o cercavam apontando suas armas para ele. Todos reunidos em cima dos trilhos.
Em cima deles, a pessoa de uniforme e carregando uma bolsa de golfe. Cabelo arrumado e olhar tranquilo. O décimo oitavo assassino da ilha Reigo. O Familiar do Kyougoku.
“Os cães do governo…?” O Engenheiro murmurou. “Como sabiam… que eu estaria aqui?”
“Pelas suas tendências criminais.” Ayatsuji-sensei falou. “Você apareceu de propósito nas câmeras de segurança para que nós pudéssemos ver os cilindros usados na explosão do elevador. E enquanto estivéssemos procurando por outros elevadores, você causaria um incidente em grande escala. Assim você acabaria com a minha reputação e a da polícia até não sobrar nada de nós.
Eu sabia que pensaria desse jeito e então deduzi que o alvo capaz de causar mais vítimas sem ser um elevador era uma estação.“
Ayatsuji-sensei deu uma olhada na paisagem ao redor.
“Se fizesse suas atividades subversivas nesse trilho, o trem facilmente se descarrilharia e cairia sobre a cidade. A quantidade de vítimas seria absurda. Não seriam apenas os passageiros, mas inúmeras pessoas na cidade morreriam também. É a pior calamidade que dá para imaginar com com míseros quatro cilindros. Para você seria uma medalha, claro. Mas como nós já avisamos a companhia ferroviária, o trem fez uma parada de emergência e esse desastre não ocorrerá.”
Ayatsuji-sensei deu uma olhada para o investigador Asukai no fundo. Ele afirmou suas palavras com um pequeno aceno.
Ayatsuji-sensei desde o começo já sabia praticamente tudo o que o Engenheiro faria. Ele enviou a polícia para instituições com elevadores para que o criminoso baixasse a guarda e despachou o Asukai-san e os outros investigadores para cá. Calculou que o criminoso não estaria se locomovendo de carro e reduziu o números de estações que poderiam ser alvo. Ele estava na palma da mão do sensei desde o começo.
O Engenheiro o encarou um pouco pálido.
“Entendo… Então você é o Detetive Assassino.”
“Não se apresse. Teremos bastante tempo para nos apresentarmos mais tarde. Há uma montanha de coisas que quero perguntar a você. …Estou ancioso. Diferentemenrte do Kyougoku, você parece ter a boca solta.”
Um dos investigadores recolheu os cilindros e foi olhar dentro da bolsa.
“Não abra ainda.” Ele disse de maneira cortante. “Não há dúvidas de que foi ele quem matou o Diretor-geral adjunto, mas se eu vir algo que seja uma prova concreta dentro da bolsa, minha Habilidade vai ativar e ele morrerá. Seria um belo espetáculo, mas não posso deixar que ele morra tão rápido.”
O investigador se afastou da bolsa rapidamente. Uma vez ativada, não dá para cancelar de jeito nenhum a sua Habilidade até que o culpado morra. No momento em que o culpado é provado, independentemente da vontade do sensei, ele morrerá sem falta. Por isso ele não pode ver as provas. A evidência chave dentro da bolsa ─ se ele vir a broca silenciadora e a fiação reserva, a habilidade de morte instantânea ativará.
“Tsujimura-kun.” De repente ele se virou para mim e apontou para o criminoso com o queixo. “Tenho certeza que está com estresse acumulado. Ponha as algemas nele e aperte o máximo possível.”
Era exatamente o que eu faria. Tirei as algemas da minha cintura.
“Você está preso.”
“Foi mal, mas não vai ser tão simples assim.”
O Engenheiro pegou um dos cilindros num piscar de olhos e apertou contra seu pescoço. Em resposta, todos os investigadores apontaram suas armas simultaneamente para ele.
“Não esperava que você seria esse homem sem graça.” Somente o Ayatsuji-sensei continuava com a mesma expressão. “Nos ameaçar apertando o explosivo contra si mesmo… é muito cena de filme. Você, um criminoso hediondo, pensa que ameaçando tirar a própria vida conseguirá fugir desse cerco?”
“Talvez. Mas vocês querem me perguntar várias coisas. …Se eu morrer, será um problema, certo?”
“Largue o explosivo!” Eu gritei apontando o revólver.
“Se vocês soltarem as suas armas e prepararem um carro para eu fugir, eu largo de bom grado.”
Olhei para o Ayatsuji-sensei sem soltar minha arma. Ele observava o Engenheiro, inexpressivo.
Estávamos num aperto. Não podíamos deixá-lo fugir obviamente, mas tínhamos que minimizar o risco dele morrer.
Comecei a pensar rapidamente. Eu vou conversar com ele e abrir uma brecha. Com esse tanto de investigadores, deve dar certo.
“Se acha que eu não vou atirar em você, está enganado.” Fingindo estar calma, fui me aproximando aos poucos. “Você se lembra dos assassinatos em série há cinco anos em Reigo?”
“O quê?”
“Você fazia parte do grupo de criminosos. E minha mãe estava entre seus dezessete cúmplices.” Eu disse segurando minhas emoções.
“Ah é?” Ele pareceu mostrar um pouco de interesse. “A mãe de uma investigadora era uma assassina? Então você aproveitou o talento para matar que herdou dela para solucionar crimes. Muito interessante.”
Por um instante, uma raiva surgiu queimando dentro de mim. Eu a forcei para um canto da minha mente e continuei mantendo a calma:
“Eu não sei o quão diretamente minha mãe estava envolvida com os assassinatos. Mas a única coisa certa é que nesse momento só você sabe sobre a mãe assassina que eu desconhecia.” Eu o coloquei na linha de tiro. “Não vou deixá-lo fugir de jeito nenhum até ouvir a verdade da sua boca.”
“Claro que eu lembro daquele incidente.” Ele estava sorrindo. “Porque fui eu quem conduziu o caso. Só eu sabia seu verdadeiro objetivo. O que é matar e como você próprio se transforma ao matar alguém? Os outros não entendiam isso. Eles só tinham na cabeça se fingir de turistas para roubar o dinheiro. Eram apenas gananciosos. Foi muito fácil manipulá-los. Foi como ensinar um truque para um cachorro.”
Com um sorriso se formando, ele começou a andar em minha direção. Um sorriso grudento. Senti um desconforto como assistir lodo fervendo.
Minha mão que segurava o revólver estava suando.
“Eu não sei nada sobre minha mãe em seus últimos anos.” Eu disse. Minha cabeça latejava como um alarme para meu coração. “Se ela era uma assassina, eu vou abandonar a mãe dentro de meu peito. Se ela não passava de uma marionete sua, terei que me vingar do Ayatsuji-sensei por ter matado minha miserável mãe. Minha mãe sujou as mãos por vontade própria? Ou apenas o ajudou em seu plano?”
Eu sentia meu peito em chamas enquanto falava. Por que eu estou dizendo tudo isso? Era só para eu comprar tempo. Então por que meu peito está queimando assim?
“Que rosto enfurecido gracioso, senhorita.” Ele sorriu. “Eu me lembrei. Havia uma mulher que fazia a mesma cara que a sua quando estava com raiva. A idade bate. Tinha olhos bem claros e uma pequena cicatriz na orelha direita…”
Era minha mãe.
A cicatriz em sua orelha direita foi de quando eu era pequena. Ela disse que se machucou sem querer no trabalho.
“Simples e obediente, ela era uma mulher sem graça. Eu não me lembro do que ela fazia. No fim, ela morreu queimada debaixo de uma casa.”
Senti como se um raio estivesse passando pelos meus nervos.
“…Você…” Meu sangue fervia.
Não posso matá-lo até conseguirmos as informações. Mas…
“Uma marionete? Em todos os assassinatos até hoje, eu controlei muita gente.” Seu olhar era gentil, como se conseguisse ver a gentileza do coração da outra pessoa. “Você controla o homem pelo dinheiro e orgulho. Mas as mulheres são mais fáceis. Principalmente as de coração fraco. Quer que eu te mostre com o seu corpo como eu controlei sua mãe?”
Eu perdi a razão. Com um clique o martelo foi acionado. E então dei mais um passo para frente.
“Pare, Tsujimura-kun. Não caia na provocação dele.”
Eu ouvia sua voz estranhamente como um murmúrio ao longe. Meu indicador estava tendo espasmos.
“Assim não dá, Tsujimura-kun. Sair destruindo as evidências.”
De algum lugar, veio uma voz. Em seguida, uma figura pulou na minha frente como um vento negro.
Essa figura fez três ações com o Engenheiro. Deu um chute em seu joelho esquerdo, entortou para cima seu mindinho direito e girou seu cotovelo esquerdo na direção contrária. Para mim, pareceu ser tudo ao mesmo tempo.
Antes dele gritar, a figura pegou e jogou para longe o cilindro e depois deslocou seu ombro, o pressionando no chão. Foi tudo num instante.
“Tsujimura-kun, bom trabalho. Nós cuidamos do resto a partir daqui.”
Do outro lado do Engenheiro gritando no chão, uma figura andava.
Óculos redondos e terno marrom amarelado igual ao de um professor universitário. Gesto silenciosos e moderados. Mas no fundo de seus olhos, havia uma luz fria como de agulhas polidas.
“Sakaguchi-senpai.” Eu murmurei.
“Tsujimura-kun. Você lembra do que eu te ensinei? ‘Não ponha o carro na frente do leão.' Após a morte de um alto oficial do Ministério da Justiça, o caso não pode mais ser controlado pelo Escritório de Detetive. Esse homem é um leão. Caçar leões ─ é o trabalho de nós da Divisão.”
Havia mais duas pessoas junto dele, cada uma de um lado.
A primeira era uma mulher de terno acabado. Mastigando chiclete e encarando ao redor cinicamente. Em seu quadril, uma bainha preta fixada que apenas pessoas autorizadas do governo podiam carregar.
A outra era um jovem alto de terno. Foi o homem que restringiu o Engenheiro. Luvas de piloto e terno preto. Não mexer seu centro de gravidade nem um centímetro era prova de ter completo domínio em artes marciais.
Eram os subordinados diretos do Sakaguchi-senpai. Excepcionais dentro da facção de combate, guardas-costas constantemente ao seu lado. Isso mostrava o quanto de inimigos o senpai tinha.
Conselheiro Assistente da Divisão Secreta de Habilidades Especiais do Ministério Interior, Sakaguchi Ango.
“Sakaguchi-kun.” Ayatsuji-sensei falou calmo.
“Boa tarde, Ayatsuji-sensei.” Ele sorriu cordialmente. “Desculpe-me por quase não aparecer. Mais tarde o pagaremos como sempre pelo caso.”
O subordinado de luvas de piloto, segurando o Engenheiro pelo ombro com apenas uma mão, o fez levantar. Eu já o vi esmagar uma maçã com apenas uma mão. Quando se é pego por aqueles dedos, não há muito o que se possa fazer.
“Não o aconselho a assumir esse caso, Sakaguchi-kun. Eu ainda não sei exatamente o que o Kyougoku está tramando. Se transferirmos esse caso que não entendemos para uma caixa maior, as chamas serão maiores também.”
“A Divisão não queimará, Ayatsuji-sensei.” Sakaguchi-senpai disse sorrindo. “Ninguém é capaz de fazê-la queimar. Nós viemos aqui para o Ministério não usar esse caso como pretexto para nos atacar. Eles vão dizer que a morte do Diretor-geral adjunto Sakashita foi uma conspiração provocada por nós, sua organização opositora. Antes que isso aconteça, nós precisamos expor esse homem como o mentor de tudo e provar a inocência da Divisão.” Ao dizer isso, ele olhou friamente para o Engenheiro.
“Vocês vão torturá-lo, então?” Ayatsuji encolheu os ombros.
“Não será preciso. Ele logo irá nos querer contar tudo.”
Eu apenas podia olhar os dois conversando. O Sakaguchi-senpai era um agente brilhante. Ele resolveu no passado diversas missões importantes relacionadas à Habilidades e conseguiu chegar a posição de Conselheiro ainda sendo jovem. Especialista em coletar e analisar informações, ele encurrala seus inimigos com pensamentos e decisões frias.
E ele foi meu mentor quando eu estava em treinamento para ser uma investigadora da Divisão.
“Já que a Divisão apareceu, o nosso trabalho acabou.” O investigador Asukai disse guardando a arma. “Vamos embora.”
“Posso dizer algo, investigador Asukai?” Um dos outros investigadores falou enquanto o Asukai-san colocava a arma no coldre. “Há algo me incomodando.”
“O que foi, Yoshino?” Asukai-san se virou para ele.
“Um barulho. Será… do quê?”
O jovem investigador franziu o rosto e ficou olhando ao redor. Tinha o cabelo curto e sardas. Devia ter a minha idade ou ser um pouco mais novo. Talvez fosse o terno largo que passasse a impressão dele não ser alguém responsável.
“Eu não estou ouvindo nada.” Asukai-san olhou para o céu.
Curiosa, eu também olhei ao redor, mas não havia nada que chamasse a atenção.
“Dá para ouvir alguma coisa sim… algo raspando… como um tecido ou uma corda… Está ficando cada vez mais alto.”
Um barulho de corda raspando?
“Ei, detetive.” A voz do Engenheiro interrompeu a nossa busca.
“O que foi?” Ayatsuji-sensei respondeu friamente.
“Ele mandou lembranças. O Necromante. E há uma informação muito interessante que ele quer contar.”
Ayatsuji-sensei ficou calado por um tempo. Então sorrindo sem calor nenhum, disse “Oh.”
“Ele falou que queria contar só para você por se conhecerem há tanto tempo. Que você não poderia contar de jeito nenhum para os outros.” O Engenheiro sorriu sugestivamente. “Há um comunicador e fones de ouvido com microfone na minha jaqueta. Use-os.”
Ayatsuji-sensei deu uma rápida olhada para o Sakaguchi-senpai. Depois de pensar um pouco, ele assentiu.
Sensei pegou o comunicador da jaqueta do criminoso. Estava ligado. Após examinar e se certificar que não era uma armadilha, ele colocou os fones e estreitou os olhos.
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Ayatsuji escutou uma voz. Uma voz que, se possível, ele não queria nunca mais ter que escutar.
“Primeiro, deixa eu falar uma coisa.” A voz falou. “Não precisa se preocupar. Eu não pretendo te ferir.”
Não tinha como o Ayatsuji não reconhecer essa voz serena e rouca.
“Kyougoku.” Ele falou de repente. “Do que você não gosta?”
“Que pergunta inesperada.”
Ayatsuji não respondeu nada. Então Kyougoku teve que quebrar o silêncio.
“Vejamos… Eu não gosto de romances inacabados.”
“Então para mim você é como um romance inacabado.”
Depois de um breve instante, Kyougoku riu se divertindo.
“Assim que tem que ser.”
“Se dar ao trabalho de entregar um comunicador ao seu subordinado para falar comigo… Deve ser difícil ser um velho solitário, Kyougoku.”
“Você não sabia? Atormentar os mais novos é a diversão dos mais velhos.” Kyougoku riu.
“O que você quer?”
“Gostaria de te pedir um favor.” Ele riu sinistramente com uma voz rouca. “Claro que não de graça. Boas cercas fazem bons vizinhos, afinal. Vou te dar a oportunidade de você falar sozinho com o Kubo-kun, aquele que vocês chamam de Engenheiro. Em troca, quero que o deixe escapar.
“O quê?” As rugas entre as sobrancelhas do Ayatsuji aumentaram.
“Ayatsuji-sensei, quem está falando?” Sakaguchi perguntou de um lugar mais afastado.
Yukito Ayatsuji estava com fones de ouvido. Nem o pessoal da Divisão, o Engenheiro e os investigadores conseguiam ouvir a conversa.
“Kyougoku.” Ayatsuji respondeu afastando a boca um pouco do microfone.
“Disse para libertamos o Engenheiro.”
“…Impossível.”
Começou a se espalhar uma comoção entre as pessoas. E no rosto do Engenheiro surpreso, um sorriso se estendeu.
“Ha…Hahahahaha! Como esperado dele!” O Engenheiro gargalhou. “Ele sabia que isso tudo aconteceria!”
“Kyougoku, está ouvindo? Mesmo sendo um pedido seu, não podemos atendê-lo. Ele está totalmente cercado. Nós ficaremos com seu subordinado.”
“Eu disse que não era de graça.” A voz falou do outro lado da linha. “Eu vou dar uma oportunidade para vocês em troca. De resgatar seus maravilhosos companheiros.”
Ayatsuji estreitou os olhos.
“Não estão ouvindo esse barulho?! Há alguma coisa perto de nós!” O jovem investigador chamado Yoshino gritava olhando para todos os lados.
Todos entraram em alerta e pegaram suas armas.
“Já sei… Eu já sei! É aqui! É daqui que o barulho está vindo! É um ataque do inimigo!” Gritando, Yoshino colocou a arma sob seu próprio queixo. “Temos que impedi-lo! Eu vou impedir!” E então ele…
“Yoshino, pare!” Ele atirou na própria cabeça.
A bala de 9mm perfurou seu queixo e língua. Sua rotação quebrou o osso esfenoide por baixo, revirou o cerebelo, destruiu o tronco cerebral e o lobo parietal e por fim, saiu pelo topo da cabeça. A energia de destruição que se tornava mais poderosa à medida que diminuía, espalhou ossos, sangue e massa cinzenta pela abertura.
Com o choque, a cabeça foi para trás. Perdendo o equilibro, Yoshino atravessou a cerca de segurança do trilho e despencou, indo de encontro ao chão.
O grito dos pedestres lá embaixo subiu atrasado. Estavam todos petrificados diante dessa cena chocante.
“Costumam dizer que a minha Habilidade é fraca.” A voz descontraída do velho ecoou nos ouvidos do Ayatsuji. “Mas dados o local e chance, ela se torna muito efetiva. Por sinal, o demônio que o possuiu era um Kubire-oni. Ele é um espírito obsessor que veio do continente e dizem que aqueles possuídos por ele morrem enforcados por uma corda. No continente, ele é descrito em Leituras Imperiais da Era Taiping e em Estranhas Histórias de um Estúdio Chinês.”
“Eu vou te matar. Se eu não posso te matar com a minha Habilidade, vou te matar com as minhas próprias mãos. Se prepare, Kyougoku.”
“Oh céus, uma ameaça sua faz mal para o meu coração.” Junto com suas palavras, uma série de gritos começou por todos os lados.
“Eu consigo… Eu consigo ouvir! O barulho de uma corda! Na minha cabeça… Estou ouvindo na minha cabeça! Eu vou expulsá-lo! Droga, esse barulho…!”
Três dos cinco investigadores gritaram enraivecidos e confusos, colocando as armas em seus queixos ao mesmo tempo. Todos estavam sérios, sem demonstrar nenhuma dúvida sobre suas ações.
“Parem, soltem as armas!”
“Parem, por favor! Controlem-se! É a Habilidade do inimigo!”
Asukai e Tsujimura gritaram. Mas eles não podiam fazer nenhum movimento brusco aos que estavam segurando as armas.
“Se não soltarem o Kubo-kun ─ o Engenheiro, a cabeça deles explodirá. Sim, fico um pouco envergonhado em ter que dizer essa vulgaridade. Bem, mas não tem jeito. Essa é a verdade.”
“Pare, Kyougoku.” Ayatsuji disse rapidamente. “Tudo bem, eu aceito. Vou seguir seu plano. Não faça mais eles se matarem.”
Ele mandou um olhar penetrante para Sakaguchi.
“Sakaguchi-kun. Mesmo que deixemos esse zé ruela escapar, ainda haverá outra chance.”
“Mas a foto dele já foi distribuída para as delegacias de toda a cidade. Não tem como ele fugir sozinho.”
“Escutou, Kyougoku?” Ayatsuji disse para o comunicador.
“Ahh, não precisam se preocupar sobre isso.”
Nessa hora, Tsujimura olhou para o trilho embaixo dos seus pés e disse:
“O trilho está… tremendo.”
Ayatsuji olhou para os seus pés. Os pequenos cascalhos acumulados em cima do trilho cinza escuro estavam todos chacoalhando. As vibrações estavam ficando cada vez maiores.
“Merda, então era isso.” Ayatsuji xingou. “Se afastem do trilho!”
Foi então que algo se refletiu nos olhos de todos. O trem se aproximando pelo outro lado.
“Como pode, era para todos os trens terem sido suspensos…” Asukai murmurou surpreso.
“Vão para as bordas do trilho! Puxem os investigadores que estão apontando a arma para si mesmos nem que seja a força!”
As ordens do Sakaguchi colocaram todos para agir. O rangido das rodas estava a apenas algumas dezenas de metros. Quando todos haviam evacuado, o trem parou na frente deles. Era um trem de passageiros antigo, pintado de preto.
“Suba no trem sozinho com o Kubo-kun, Ayatsuji-kun. É um trem especial só para vocês.” Kyougoku disse rindo.
Movida a ar comprimido, a porta abriu sozinha. Dentro do vagão estava iluminado e não havia ninguém.
“Kyougoku, deixa eu te dizer uma coisa. Não vá se arrepender de ter me deixado entrar.”
“Pensei que diria isso.” Com essas últimas palavras, a transmissão desligou.