Volume Único

Capítulo 2: A História Não Contada da Agência de Detetives

Naquela época, havia rumores de um guarda-costas altamente competente em Yokohama. Dê a ele uma espada, e ele poderá matar cem vilões. Dê a ele uma lança, e ele poderá enfrentar um exército inteiro. Um multitalentoso autêntico quando se tratava de artes marciais, ele tinha um domínio de tudo, de iaido a jujutsu. O homem também era bem-educado, passando os dias de folga lendo ou jogando Go. Equilibrado e calmo no trabalho, sempre se esforçou em proteger o cliente com uma espécie de compostura lupina. Se alguém tivesse que nomear uma falha, seria que ele nunca trabalhava com outras pessoas no trabalho e nunca confiava em ninguém.

Resumindo, um lobo solitário.

Ele se mantinha em um grau tão extremo que fazia as pessoas pensarem: Esse cara não tem a menor chance de trabalhar com um parceiro, muito menos como chefe.

Um lobo indomável de cabelos prateados...

Seu nome — Yukichi Fukuzawa.

Este conto breve é um registro da luta de um homem, de seu crescimento—

—E de paternidade.

Fukuzawa parecia extremamente mal-humorado naquele dia. A multidão do fim de semana recuou como a maré enquanto ele se movia pela avenida. Até os carros pararam quando ele atravessou a passagem de pedestres, mesmo com o sinal verde. Tudo isso foi devido à aura taciturna irradiando de sua expressão.

No entanto, ele não estava exatamente de mau humor. Ele estava se afogando em autodesprezo. Seu cliente foi assassinado e foi tudo muito repentino. Como guarda-costas, Fukuzawa tinha dois tipos principais de trabalho: contratos de trabalho em que ele forneceria orientação segura em tempos de paz enquanto se apressava para ajudar durante as emergências, e empregos de guarda-costas únicos protegendo alguém ou algo por um dia. A cliente morta esta manhã foi de um contrato regular. Ela era a presidente de uma certa empresa que ele jurou proteger apenas alguns dias antes.

Eles nunca conversaram fora do trabalho. Fukuzawa fazia questão de evitar se envolver pessoalmente com seus clientes, então ele não sabia nada sobre ela como indivíduo, nem tinha qualquer inclinação para isso. No entanto, uma vez ele foi questionado se ele queria se tornar um guarda em tempo integral. Odiar a ideia de trabalhar para uma empresa específica e ter subordinados e colegas tornaram fácil para Fukuzawa recusar instantaneamente a oferta. No entanto, se ele tivesse ficado ao lado dela como seu guarda pessoal, então talvez ele pudesse ter mudado o destino dela.

Pelo que ouviu, o assassino empurrou a presidente para fora da janela de seu escritório naquela manhã. Já havia provas de quem o fez, o que levou à prisão rápida do agressor.

Fukuzawa chegou ao local referido, um prédio de tijolos marrom-avermelhado relativamente próximo ao porto. A estrutura ficava no topo de uma encosta e parecia bastante resistente para um edifício tão antigo. Ao entrar, ele viu fita amarela da cena do crime cercando o chão bem debaixo do escritório da presidente.

O vento estava forte naquele dia, fazendo com que a fita oscilasse com o vento. Fukuzawa desviou o olhar. Embora o corpo da vítima já tinha sido levado para exame, não havia como esconder a enorme mancha de sangue no chão. Fukuzawa controlou suas emoções na porta, então passou pela cena do crime, passando por uma placa que dizia: CORPORAÇÃO S&K. Em seguida, ele pegou o elevador para a sala da presidente.

“Ei, obrigado por ter vindo até aqui. Se você puder me dar apenas um minuto, eu terminarei aqui em breve.”

No gabinete do presidente estava o secretário lutando contra o que parecia ser uma pilha de documentos — não é algo que alguém esperaria ver onde um assassinato acabou de acontecer. O escritório era grande o suficiente para caber cerca de trinta pessoas, se estivessem bem apertadas. Mas em vez de pessoas, o lugar estava cheio de documentos. A mesa e o chão estavam se afogando em um mar de papel sem quase nenhum sinal do que eram antes. Todos eles pareciam ser documentos importantes também. O secretário, um homem de aparência doentia, vestido com um casaco preto e uma gravata carmesim, estava alinhando alguns dos papéis em toda a sala. Ele olhou para o campo de papéis, puxou alguns arquivos e os devolveu à estante antes de alinhar mais alguns dos documentos.

“O que você está fazendo?” Fukuzawa perguntou naturalmente.

“Está vendo estes documentos aqui? Estou separando eles,” respondeu o homem pálido. “Porque sou o único familiarizado com eles.”

Dificilmente era uma explicação útil, e Fukuzawa não estava mais perto de entender. Mas, bem, ele percebeu que tinha algo a ver com o trabalho do homem. Se separar documentos no dia em que sua chefe foi morta era desrespeitoso ou simplesmente uma boa ética de trabalho era algo que Fukuzawa não conseguia decidir, mas o lembrou de que um evento horrível acabara de ocorrer.

“Eu sinto muito pela sua perda.” Ele se curvou. “Nós perdemos uma grande pessoa hoje... Eu ouvi que ela foi empurrada para fora desta janela aqui?”

O escritório da presidente ostentava vistas da cidade de Yokohama. A janela larga, da qual ela supostamente foi empurrada, estava fechada.

“Foi um assassino profissional.” A expressão sombria do secretário tornou-se ainda mais preocupante.

“A morte súbita da presidente é uma questão de grande pesar para a empresa. Ela foi uma espécie de mentora ou governanta para mim, tendo me tirado do meu antigo emprego e fazendo de mim quem sou hoje. Acredito que o melhor que podemos fazer por ela é descobrir a verdade e levar o criminoso à justiça.”

O secretário indicou a sala ao lado com o olhar.

“O assassino já foi capturado. Ele foi pego por um dos guardas no primeiro andar quando tentava escapar após o assassinato e atualmente está detido na sala ao lado. A perícia verificou suas impressões digitais no banco de dados criminais e descobriu que correspondiam às encontradas na parte de trás das roupas da presidente.”

“O quê?” Fukuzawa proferiu com espanto. “O suspeito ainda está na porta ao lado?”

“Ele está muito quieto, tão quieto que você poderia pensar que ele está dormindo. Quase como se ele tivesse desistido.”

Houve uma razão pela qual Fukuzawa ficou tão surpreso. Os assassinos de Yokohama eram extremamente perigosos em comparação com outras cidades. Yokohama, a cidade dos demônios, teve um influxo de grupos militares do mundo todo trabalhando juntos após a guerra anterior. Em nome do governo, eles acenaram em torno de seus direitos extraterritoriais, e cada um criou sua própria região autônoma à medida que lentamente invadiam o território de Yokohama. Em nome do governo, eles se vangloriaram com seus direitos extraterritoriais e cada um criou sua própria região autônoma à medida que invadiam lentamente o território de Yokohama. Portanto, Yokohama foi gradualmente se transformando em um distrito sem lei ainda pior do que durante a guerra. As forças de segurança — as tão chamadas polícia municipal — de alguma forma ainda funcionavam, mas a polícia militar e a guarda costeira, entre outras, estavam essencialmente inoperantes. Yokohama era agora o paraíso dos infratores de lei e uma mistura de criminosos, assassinos, capital estrangeiro ilegal e organizações clandestinas rivais.

Para piorar as coisas, havia até mesmo usuários de habilidade, com quem Fukuzawa lidava diariamente. No entanto, se houvesse um assassino que matou a presidente de uma grande corporação em Yokohama, qualquer pessoa naturalmente consideraria a possibilidade de ser um usuário de habilidade.

Um pequeno número de pessoas existia neste mundo com habilidades paranormais incomuns.

A pessoa comum normalmente nunca entraria em contato com um usuário de habilidade, daí porque tais indivíduos eram considerados nada mais do que rumores ou lendas urbanas. No entanto, guarda-costas de pessoas importantes, como Fukuzawa, estavam muito familiarizados com eles, junto com os crimes que cometeram. Enquanto Fukuzawa era um mestre das artes marciais, ele não era um usuário de habilidade. Se ele seria capaz de derrotar um assassino profissional incólume, dependeria exclusivamente do fluxo da batalha. O que o alarmou, porém, foi a ideia de que o assassino poderia ser um usuário de habilidade. Se ele fosse, então amarrá-lo com uma pequena corda no quarto ao lado dificilmente seria de qualquer utilidade. Seria como armazenar um explosivo altamente poderoso.

“Gostaria de ver o assassino.”

“Claro. Fique à vontade.”

Bem quando Fukuzawa estava prestes a dar um passo em direção ao quarto ao lado...

“Você diz: ‘Fique à vontade’, mas...”

Não havia caminho a seguir — literalmente. Cerca de 95 por cento do chão que conduz à sala ao lado foi monopolizado pelos documentos ordenadamente empilhados e organizados. Nenhum humano seria capaz de passar por isto. Era um trabalho para algum tipo de robô de resgate de oito pernas.

“Posso mudar alguns desses de lugar?” Fukuzawa perguntou, apontando para os documentos.

“Oh! Pare! Não toque neles!”

Mas ele foi imediatamente negado pelo secretário, que levantou a voz pela primeira vez desde que se encontraram.

“O futuro da empresa depende desses documentos extremamente importantes! Uma única faixa de impressão pode prejudicar a empresa em um futuro próximo. Eu não quero nem pensar em perder qualquer um deles! Por favor, ache uma maneira de passar por eles sem tocá-los ou movê-los! Eu sei que alguém tão talentoso como você pode fazer isso!”

Fukuzawa parou pouco antes de dizer: “Hã... Como é que é?” Não era uma questão de saber se ele poderia fazer isso. Fukuzawa era um artista marcial, não um acrobata. Os únicos espaços vazios no chão eram mais estreitos do que a largura de seu pé.

“Só por curiosidade... Por que você está empilhando os papéis pela sala toda assim?”

“Uma pergunta legítima. Permita-me responder. Acredito que o objetivo do assassino era roubar ou talvez destruir esses documentos importantes. Minha teoria é que alguns criminosos se infiltraram para colocar as mãos nesses arquivos e nos pôr fora do negócio, mas alguém os pegou — a presidente. Portanto, eles tiveram que matá-la para mantê-la quieta. É por isso que eu tenho que verificar tudo.”

Fazia sentido. O escritório da presidente não seria um lugar muito conveniente para assassinar a chefe da empresa. Havia guardas e o assassino levantaria suspeitas. Mas faria sentido se o objetivo não fosse a vida da presidente, mas os documentos em seu escritório. Seria somente natural que o secretário quisesse examinar os documentos imediatamente se fossem realmente o motivo.

“Que tal devolver alguns dos arquivos para a prateleira por um tempo para que eu possa passar?”

“Receio não poder fazer isso.” O secretário balançou a cabeça. “Cada arquivo que você vê aqui foi propositalmente alinhado de uma maneira específica, o que é importante para descobrir o que o criminoso estava procurando. Por data, por departamento, por importância... A sala em si também faz parte do quebra-cabeça. Aprendi essa técnica antes de a presidente me aceitar, e sou o único na empresa que pode fazer isso. Existem regras para colocar os documentos de volta na prateleira também, e se quebrarmos essas regras pelo menos uma vez, isso nos levará um passo mais longe da verdade por trás do assassinato da presidente.”

Compreensível — mas ao mesmo tempo incompreensível. Independentemente disso, a expressão do secretário era muito séria, então Fukuzawa estava mais preocupado em causar problemas movendo os documentos, ao invés do raciocínio por trás disso. Ele se sentia um amador, sem saber nada sobre como as empresas funcionavam. Ele não poderia sequer imaginar se tornar o presidente de uma organização e colocar tanto esforço em papelada, questões humanas e contratos. Mas se um especialista na área afirmou que era assim que as coisas tinham de ser feitas, então talvez ele tivesse razão.

Fukuzawa nunca planejou fazer objeções. Afinal, ele era o culpado. Se ele soubesse que sua cliente estava em perigo e a protegesse, esta tragédia nunca teria ocorrido, e o secretário nunca teria estado meticulosamente alinhando documentos e olhando através deles com tanto desespero. O secretário estava cumprindo seu dever e, portanto, Fukuzawa não tinha escolha a não ser manter a boca fechada e cumprir o seu.

Era cerca de cinco passos até a porta da sala adjacente pela rápida estimativa ocular de Fukuzawa. Dado todo o trabalho a que estava habituado, talvez conseguisse fazê-lo em dois passos. Um passo seria a meio caminho da porta, enquanto o outro o faria pousar bem na frente dela. Infelizmente, ele iria, sem dúvida, pisotear alguns documentos, que mudam vidas, desta forma. Seu primeiro passo provavelmente rasgaria o papel ao meio, o que só serviria como mais uma mancha em seu histórico como guarda-costas.

Fukuzawa decidiu primeiro recuar para a entrada do escritório antes de tensionar os músculos e saltar para a frente. Seu primeiro passo o colocou em uma decoração na estante alinhada contra a parede. A partir daí, ele usou vagamente o ornamento em forma de cúpula, acompanhado de seu impulso para saltar mais uma vez. Ele pousou com apenas as mãos na cadeira de hóspedes um pouco longe da porta antes de parar completamente. Ele estava se segurando apenas com os braços e impedindo que seu tronco balançasse, mesmo que ligeiramente, o que mostrava um senso de equilíbrio que até mesmo os mestres das artes marciais raramente possuíam. De lá, Fukuzawa lentamente se esticou, colocando os dedos dos pés no espaço entre as pilhas de documentos próximas. Depois disso, ele usou uma perna e um braço para manter o equilíbrio enquanto se estendia para a porta. Quando ele agarrou a maçaneta da porta, ele segurou-a como um praticante de jujutsu (jiu-jitsu) alcançando em torno de seu oponente para agarrar a parte de trás de seu colarinho. Ele então girou a maçaneta apenas com a força de seus dedos. Depois de se certificar de que a porta só estava pouco aberta, ele usou a maçaneta para se apoiar antes de pular da cadeira. Fukuzawa pousou rapidamente com os dois pés no chão da sala ao lado para que ele pudesse deslizar através da pequena fenda que ele criou, e ele enganchou um dedo no batente da porta para evitar cair para trás. E assim, ele se retirou do escritório sem sequer mover um único documento.

“Uau!” exclamou o secretário ao fundo.

Isso não foi digno de “uau,” pensou Fukuzawa; ele sentiu um leve formigamento descer por suas costas quando pousou na cadeira. Apesar de ser indiferente ao que os outros pensassem dele, ainda seria um tanto frustrante bagunçar e arruinar a reputação de alguém devido a algo tão ridículo. De qualquer forma, ele foi capaz de chegar a sala ao lado.

Depois de abrir a porta, ele encontrou o assassino. O homem estava sentado, e ele era de uma estatura menor do que Fukuzawa tinha imaginado. As mãos e os pés do assassino foram amarrados, e o grosso e escuro saco sobre sua cabeça impediu Fukuzawa de ver seu rosto. O homem não seria capaz de escapar assim, muito menos coçar o nariz. Amarrado em torno de seus braços e pernas estava um fio de ferro, além da corda. Seria quase impossível parti-la, não importa o quão monstruosamente forte fosse a pessoa. Não é preciso dizer, que um assassino tão pequeno como esse não teria chance. O assassino vestia uma camisa azul-marinho extremamente comum com calças de trabalho e sapatos de couro. Não havia nenhuma indicação de que presenciou a um combate. Ele não parecia ser mais do que um bandido comum que era bom em se infiltrar em edifícios.

Qualquer guarda comum pensaria isso... Mas Fukuzawa teve uma impressão diferente. Esta era a sala de recepção. Os únicos itens na sala eram: uma estante simples, uma mesa para discutir negócios e uma pintura. Fukuzawa deu a volta, propositalmente certificando-se de que seus passos fossem ouvidos. No momento em que ele entrou, a cabeça do assassino moveu-se levemente. Em outras palavras, ele não estava dormindo.

Fukuzawa fez o seu caminho para a parede atrás do assassino antes de bater imediatamente a palma da mão contra ela. BUM! Um barulho explosivo ecoou por toda a sala, mas o assassino nem mesmo reagiu. Ele também não se mexeu, nem se virou. Ele era a própria serenidade. Ele não seria capaz de ver Fukuzawa, também, devido ao saco em sua cabeça. Fukuzawa poderia instantaneamente dizer que ele esse cara não era um amador. Como um guarda-costas, ele sabia mais sobre assassinos do que uma pessoa comum, uma vez que eles também eram seus concorrentes. Ao contrário de Fukuzawa, cujo trabalho era proteger, aqueles que matavam estavam sempre mudando. Seus ataques e armas eram imprevisíveis. Portanto, ele tinha que se certificar de que suas informações — os modus operandi de assassinos perigosos bem conhecidos — estivessem atualizadas o tempo todo para que ele pudesse responder rapidamente a um ataque repentino, mesmo em tempos de paz.

Fukuzawa observou o assassino. Ele não seria capaz de adivinhar seu nome ou habilidade com base no que ele poderia observar naquele momento. Não havia nada de especialmente peculiar na aparência do homem que indicaria que ele era um usuário de habilidade. Entretanto...

Fukuzawa virou seu olhar para uma pequena mesa no canto da sala. Lá estavam o que pareciam ser as ferramentas de trabalho do assassino.

Havia duas velhas pistolas e coldres, que foram usados, mas bem cuidados. Junto com as armas havia alguns trocados e um pedaço de arame para abrir fechaduras. Era isso. Fukuzawa olhou para o assassino diminuto mais uma vez. Como suspeitava, ele ainda estava tão imóvel como sempre. Normalmente, as pessoas não seriam capazes de ficar paradas sem se mexer mesmo que seja pouco, mas este homem era diferente. Ele estava extremamente relaxado, apesar de estar amarrado e incapaz de ver.

Fukuzawa pegou a caneta-tinteiro que estava sobre a mesa. Depois de retirar a tampa, ele começou a desenhar linhas levemente em um caderno que estava lá. Ainda tinha tinta. Fukuzawa pressionou levemente a caneta contra seu quadril esquerdo. Em seguida, ele agarrou a caneta com os dedos da mão direita enquanto segurava a tampa com a mão esquerda contra o quadril. Depois disso, ele abriu a perna esquerda na largura dos ombros e assumiu uma postura como se estivesse empunhando uma espada. Ambos os braços estavam dobrados enquanto ele assumia uma postura oblíqua. A partir de então, houve apenas silêncio.

O assassino, antes imóvel, endureceu-se. Depois de acalmar sua respiração, Fukuzawa deu um grande passo adiante com seu pé direito, desembainhando a caneta-tinteiro com uma fúria.

Um único passo, uma única batida.

Ainda amarrado à cadeira, o assassino saltou para o seu lado na tentativa de se esquivar do ataque de Fukuzawa. A cadeira bateu no chão com o assassino, fazendo um eco surdo. Depois de testemunhar o evento, Fukuzawa colocou o pé direito para trás como se estivesse desenhando um arco, então começou a embainhar a caneta-tinteiro enquanto endireitava as costas.

“Não se preocupe. É só uma caneta.”

Fukuzawa tampou a caneta e a colocou de volta na mesa. Agora estava claro. O assassino realmente não conseguia ver o que estava acontecendo ao seu redor. Se ele pudesse ver através do saco, ele não teria pulado no chão para se esquivar do golpe da caneta de Fukuzawa. Mas ele nem mesmo vacilou um momento atrás quando Fukuzawa bateu na parede bem atrás dele.

Qual era a diferença? Ele poderia sentir a sede de sangue? Fukuzawa fez questão de atacar com a intenção de matar, algo que o assassino deve ter sentido em sua pele antes de jogar seu corpo no chão para se esquivar. Ele não seria um assassino comum se esse fosse o caso. Ele deve ter sobrevivido a incontáveis banhos de sangue para reagir assim. Certamente apenas poucos selecionados poderiam contratar um assassino tão talentoso, mesmo em Yokohama, uma cidade repleta de habilidades e esquemas incomuns desde o fim da guerra. Sob nenhuma circunstância ele jamais falharia em matar seu alvo, era como respirar para ele; assim, o pagamento teria que ser muito alto.

Mas se isso fosse verdade, isso ainda deixaria uma pergunta sem resposta. Um assassino matou o seu alvo no momento em que foi descoberto empurrando-a para fora da janela com as próprias mãos, e ainda assim foi pego pelos guardas enquanto tentava escapar? Tal coisa era mesmo plausível?

“O que aconteceu? Está tudo bem?” o secretário perguntou do escritório ao lado.

“Está tudo bem,” respondeu Fukuzawa. “Então... Você me chamou aqui por causa deste homem?”

“Eu gostaria que você me acompanhasse enquanto levamos ele para a polícia,” respondeu o secretário.

“Como você pode ver, ele não está sendo complacente. Ele tem mantido silêncio o tempo todo. Eu quero levá-lo para a delegacia, mas parece que eles estão com falta de pessoal no momento, então disseram que só poderiam enviar dois policiais. O que você acha? Dois policiais seriam suficientes para escoltá-lo de volta à delegacia?”

“Provavelmente não,” Fukuzawa respondeu sem hesitar.

As preocupações do secretário eram válidas. O assassino pode não representar qualquer ameaça desde que esteja amarrado, mas no momento em que a polícia o desamarrasse para transportá-lo, ele poderia matar um ou talvez os dois em um piscar de olhos. Chamar Fukuzawa para ajudar foi uma jogada sábia. Fukuzawa se sentiu pessoalmente culpado pela morte da presidente. Embora longe de ser um ato de vingança, ele sentiu que levar o criminoso à justiça era o mínimo que podia fazer.

“Este homem está esperando sua chance de escapar. Seria sensato transportá-lo antes que ele tente qualquer coisa,” mencionou Fukuzawa. “Se importa se eu o tirar da sala?”

“É claro,” disse o secretário com um sorriso. “Só por favor, tenha certeza de que não pisará em qualquer um dos documentos.”

“...”

“...”

Tal coisa não seria possível. Fukuzawa estava angustiado sobre como convenceria o secretário, até que...

“Saudações!”

Era uma voz enérgica, uma reminiscência de uma galinha cacarejando. Fukuzawa se virou para encontrar um menino parado na entrada do escritório. Ele parecia ter cerca de quatorze a quinze anos, com cílios longos e olhos amendoados. Ele usava uma capa rústica com um boné de colegial, enquanto uma bolsa plana e antiquada pendurada em torno de sua cintura. Seu cabelo curto era desgrenhado e irregular; ele deve não ter tido um espelho à mão quando o cortou.

“Ufa. Que vento louco que estamos tendo hoje, hein? Eu sei que algumas pessoas dizem para ir onde o vento sopra, mas você não acha que esta empresa poderia ter escolhido um lugar melhor para construir seu escritório? Isso cheira a sal do oceano, fica no alto de uma colina e parece que você tem que passar por um labirinto só para chegar aqui! O que a presidente estava pensando?! É exatamente por isso que Yokohama não é lugar para morar. Oh! Além disso, encontrei uma gaivota no caminho para cá. Meu deus como eles são tão desagradáveis, né? Fiquei tão irritado que acabei dando um dos meus bolinhos de arroz antes que pudesse me conter.”

O menino misterioso disse tudo aquilo de uma só vez.

Com um grande sorriso no rosto.

Bem na frente do escritório da presidente.

“...Hã?” o secretário gaguejou estupidamente.

Talvez não houvesse melhor maneira de resumir os sentimentos de todos do que aquela única expressão.

“Você realmente nunca ouviu falar de uma gaivota antes? Ratos esquisitos com asas, aquelas coisas. Eles devem ter feito algo realmente horrível em uma vida passada. Quero dizer, você já deu uma olhada profunda nos olhos deles? Você pode literalmente ver a loucura! De qualquer forma, sem querer mudar de assunto, estou com um bolinho de arroz a menos, então estou ficando com muita fome. Tem alguma coisa que eu possa comer?”

“Perdão? Hã, ahn... Como é?” O secretário ficou absolutamente perplexo.

O que era lógico. O menino estava tagarelando alegremente até que de repente viu algo na sala e fechou a boca. Seus olhos amendoados examinaram seus arredores antes de enrugarem ainda mais.

“Hmm... Parece que você está com as mãos ocupadas.”

Fukuzawa voltou aos seus sentidos. Quem era esse garoto? Ele parecia nada além de problemas.

“É... Não que seja algo da minha conta. Mas, você poderia me dar o papel? Ah, está em algum lugar da pilha? Você espera que eu encontre? Parece ser uma verdadeira pedra no meu sapato. Ei, Sr. Secretário, que tal encontrá-lo para mim enquanto está ocupado em perder tempo? Além disso, não estou interessado nas impressões digitais nesta sala.”

Cada coisa que ele dizia era mais desnorteante do que a anterior, e algumas coisas não faziam sentido algum. “Perder tempo”? “Impressões digitais”? O menino começou a andar, indo em direção ao centro da sala — em direção ao centro do oceano de documentos. Bem quando a sola do pé estava prestes a pisar na primeira leva de papéis — múltiplos documentos com o selo da empresa que pareciam ser contratos com outras empresas...

“Meu deus! Espere, espere, espere! Pare aí mesmo! Você tem ideia de quantos anos demorou para fechar esses contratos?!”

...O secretário agarrou o menino pelo ombro, mal o parando a tempo. O menino olhou para ele, perplexo, em seguida, tomou um momento para deliberar.

“Não,” o menino respondeu antes de começar a andar mais uma vez.

“Ahhh! Pare com isso!” O secretário gritou enquanto agarrava desesperadamente os documentos. O pé do menino pousou exatamente onde os documentos estavam.

“Viu só? Você consegue fazer isso se realmente você se esforçar,” disse o menino com um sorriso malicioso.

“O que há de errado com você?! Independentemente da tragédia que ocorreu aqui hoje, este ainda é o escritório da presidente! Pessoal autorizado apenas!”

“Eu sei,” o menino admitiu indiferente. “Mas eu fui autorizado. Me disseram para vir para uma entrevista hoje. Não é óbvio?”

Uma entrevista?

“A-ah... Você é o candidato. Me lembro que a presidente mencionou algo sobre a realização de uma entrevista para um aprendiz de funcionário de escritório...”

Um aprendiz de funcionário de escritório? Esse garoto destrutivamente desobediente?

O menino afirmou que era óbvio que ele veio para uma entrevista, mas Fukuzawa foi completamente pego de surpresa. Ele simplesmente pensou que era algum tipo de gremlin ou troll que tinha aparecido para fazer algumas exigências agora que a presidente tinha falecido. Ele atraiu toda a atenção para ele.

Fukuzawa voltou seu olhar para o secretário, que ainda estava discutindo com o garoto perto da entrada. Ele queria ajudar, mas estava parado na porta da sala adjacente, longe da entrada. O mar de papel no chão bloqueava seu caminho, tornando como sua única opção observar os procedimentos.

“Nossa, olha só a bagunça que você fez aqui. Eu entendi que você não queria que ninguém revistasse a sala, mas... Isso? Adultos me deixam perplexo. Em que mundo intrigante vivemos!”

“Por favor, pare de falar bobagem!” O secretário gritou em falsete.

A curiosidade de Fukuzawa foi despertada, pois ele viu uma pitada de consternação na expressão pálida do secretário.

“Eu entendo por que você está aqui,” continuou o secretário, “mas nossa empresa não tem tempo para isso agora! A presidente foi assassinada. Portanto, sua entrevista deve ser postergada. Tenho que descobrir quais documentos estão faltando e denunciá-los às autoridades antes de entregarmos o suspeito, ou seja, antes dessas quarenta e oito. Agora, por favor, vá embora. Vá embora, agora.”

“Pela última vez — eu sei,” o menino reclamou com um beicinho. “Você gosta de afirmar o óbvio? Vim para pegar minha certificação. Você sabe do que estou falando, né?”

 “‘Certificação’?” o secretário repetiu. “Ah, aquele documento emitido pelo governo para a procura de emprego, certo?”

Portanto, esse jovem provavelmente estava recebendo ajuda do governo para encontrar emprego. Desde o fim da guerra, o desemprego e a delinquência juvenil

continuaram a ser uma questão urgente, mesmo nesta grande cidade. Portanto, o governo tinha um sistema de luta contra o desemprego auxiliando os menores que queriam trabalhar. O menino deve ter usado o programa. Em outras palavras, ele precisava de um pedaço de papel emitido pela presidente da empresa para provar que tinha vindo para uma entrevista de emprego, e então ele tinha que entregar isso ao governo para que pudesse continuar recebendo ajuda financeira e informações.

“Tenho certeza de que está em algum lugar aqui, mas...” O menino olhou ao redor da sala. “Olha, eu não tenho tempo para isso. Ei, Sr. Papelada, posso tirar logo esses documentos inúteis do caminho?”

“Você não pode,” declarou o secretário com firmeza. “A própria maneira como os documentos estão alinhados é parte de uma metodologia crucial para determinar o motivo do agressor, e eu sou o único nesta empresa que pode...”

“Aham.”

O menino não estava ouvindo. Em vez disso, ele acenou com a cabeça como se tivesse entendido e começou a pegar rapidamente os documentos em torno de seus pés. Mas em pouco tempo, ele se cansou disso e decidiu começar a tirar os papéis do caminho aleatoriamente com os dedos para abrir caminho.

“Ahhh!” O secretário gritou em agonia. “P-pare com isso neste instante! Eu... Eu proíbo você de tocar em mais uma página! Levei cinco horas para alinhar esses documentos!”

“Claro, mas ainda preciso encontrar meu documento.”

“Então fique quieto, desça as escadas e espere! Vou procurar ele mais tarde.”

“Mais uma mentira óbvia,” declarou o menino, embora por razões desconhecidas. “Está bem. Eu mesmo vou encontrar. Não vai demorar nem um segundo.”

Nem um segundo? Cerca de cem documentos foram sistematicamente alinhados na sala. Levaria mais do que uma rápida olhada para verificar todos eles, então como ele estava planejando encontrar uma folha de papel específica tão rapidamente?

“A presidente foi empurrada por esta janela, hein?”

Antes que alguém percebesse, o garoto estava perto da janela e inspecionando-a com um olhar perspicaz. O secretário estava freneticamente alinhando os documentos mais uma vez. Graças ao comportamento imprudente do garoto, cerca de um décimo de todos os documentos na sala estavam agora espalhados sem um pingo de simpatia por quem tinha que limpá-los. Reorganizar tudo seria, sem dúvida, uma tarefa árdua.

“Garoto.” Fukuzawa não podia deixar de falar. “Como você planeja encontrar uma única folha de papel nessa bagunça?”

“Nossa, oji-san¹. Não achei que você pudesse falar.” Ele ergueu as sobrancelhas descaradamente. “Você ficou tão quieto o tempo todo em que estive aqui; Achei que você fosse uma estátua... De qualquer forma, é uma certificação do governo, então tem um selo e o papel especial que eles usam é mais grosso do que seu documento oficial normal.”

“Oji-san”...

Fukuzawa estava prestes a responder com: “Eu tenho apenas trinta e dois anos!” mas ele franziu as sobrancelhas, estava mais curioso sobre a última parte da frase do menino.

A espessura do papel? Então era por isso que seria fácil de perceber? Mas alguém seria capaz mesmo de identificá-lo? Parecia que ainda precisaria de muito trabalho e paciência para encontrar uma folha de papel com uma diferença tão pequena se ainda estivesse enterrada debaixo de todos esses documentos. No entanto...

Foi aí que Fukuzawa percebeu. O menino estava com a mão na janela — o amplo batente da janela de onde a presidente foi empurrada. Lá fora, o céu estava azul. Não deveria haver ventos fortes hoje?

“Ah, olhe! Um desfile!” O jovem gritou alegremente enquanto abria a janela de guilhotina toda para cima.

De repente, os documentos começaram a levantar voo como se tivessem ganhado vida.

“Ahhhhhh?!”

Um pássaro branco abrindo suas asas; o ar frio e fresco formando um vórtice — era como algo saído de um conto de fadas.

...A menos que você fosse o secretário.

“O q-q-que você pensa que está fazendo?!”

“Ahá, aqui está!”

O menino pegou um documento que estava sobre a mesa. Foi o único que mal se agitou no redemoinho que entrou pela janela. Sendo o papel relativamente

grosso, seu peso o impedia de realmente ir a qualquer lugar. Estava claro por que ele abriu a janela agora. Fukuzawa ficou impressionado com a teimosia com que se recusou a fazer qualquer coisa que a situação exigisse dele.

“O que você quer dizer com: ‘Aqui está’?! Arghhh! Vou ter que começar tudo de novo!”

O secretário estressou-se, quase a ponto de enlouquecer, mas o menino não demonstrou remorso. Na verdade, ele estava sorrindo.

“Não é grande coisa. Afinal, todos os documentos ainda estão aqui.”

O clima na sala ficou tenso instantaneamente.

“...O quê?” O secretário olhou de volta para o menino.

“Nenhum dos documentos foi roubado. A presidente nem foi morta por um assassino. Quero dizer, você sabe disso. Afinal, foi você quem a matou, Sr. Secretário.”

“...Quê?”

O secretário inclinou a cabeça para o lado, boquiaberto.

“...Quê?”

O secretário inclinou a cabeça ainda mais para o lado, boquiaberto.

“...Quê?”

O secretário inclinou a cabeça ainda mais para o lado, boquiaberto. Sua cabeça estava quase totalmente perpendicular ao chão.

“Por que você acabou de dizer a mesma coisa três vezes seguidas? Eu juro, os adultos não fazem absolutamente nenhum sentido às vezes. É mais que óbvio que a pessoa por trás disso era o secretário e que ele incriminou o assassino, mas o velho ali não vai fazer nada. Uma negligência do seu dever, é o que isso é. Se minha mãe estivesse aqui, ela já teria amarrado o criminoso e jogado pela janela!”

Fukuzawa foi incapaz de acompanhar as mudanças tão precipitadas e confusas para até mesmo mudar de expressão. A presidente não foi morta pelo assassino? O secretário em pé na frente deles era o verdadeiro culpado?

“Isso é ridícu—”

Fukuzawa mal conseguiu começar a resposta antes de se conter. Havia algo o incomodando — um sentimento profundo dentro dele. A arma do assassino era uma pistola. Ele era um assassino experiente que podia sentir sede de sangue mesmo sem ser capaz de ver. Alguém tão habilidoso usaria as próprias mãos para empurrar a presidente pela janela e deixar impressões digitais em suas roupas? E como ele teria sido pego por um dos guardas?

“Entendeu agora, oji-san?” O menino sorriu com satisfação como se pudesse ler a mente de Fukuzawa.

“Po-por que você parece tão sério, Fukuzawa? Apenas se livre do menino! Vou aumentar o seu pagamento, por isso, por favor, não o deixe estragar as coisas mais do que ele já fez. O destino da empresa—”

“Garoto, eu entendo por que você duvida que o assassino ali é o culpado.” Fukuzawa já havia recuperado sua compostura. Sua expressão era como um espelho encerado sem uma única ondulação ou mancha. “Mas as roupas da vítima tinham as impressões digitais do assassino nelas. Todas as dez impressões digitais estão lá como se ele a tivesse empurrado. Como você explicaria isso? Você pode ser apenas uma criança, mas eu não vou permitir que você chame o secretário de assassino sem provas suficientes.”

“Você está brincando, né? O que é isso? Um teste? Eu recebo pontos para cada detalhe óbvio que eu listo no final? Suspiro. A cidade realmente é um mistério para mim.”

“Vamos ouvir as provas,” disse Fukuzawa com um pouco de força.

Do seu ponto de vista, ele estava simplesmente tentando expressar um pouco de sinceridade. No entanto, o clima na sala instantaneamente ficou tenso, e parecia que a temperatura tinha caído alguns graus. Qualquer bandido de rua comum teria chorado e fugido se ouvisse aquela voz.

“Ah... Sim, tudo bem.” A expressão do menino tornou-se solene, e ele fechou a janela. “A primeira coisa que o secretário fez foi inocentemente dizer para presidente olhar para fora, a fim de atraí-la para a frente da janela. Assim que ela baixou a guarda, ele a empurrou para fora.”

“Absurdo...”

“Este lugar é só para pessoal autorizado, certo?” Continuou o rapaz enquanto ignorava o secretário fervendo de raiva. “Não importa o quão bom assassino ele seja, seria impossível para ele alcançar a janela sem que a presidente reparasse. Quero dizer, a mesa tem uma visão clara da entrada. Além disso, se a presidente reagisse, as impressões digitais não estariam posicionadas como se ele a tivesse empurrado pela janela, mas sim como se ele a tivesse jogado para fora. Caso contrário, não seria natural. Mas havia dez impressões digitais em suas roupas, certo? Ouvi vocês dois conversando enquanto esperava do lado de fora da sala. Isso significa que a presidente não sentiu que ela estava em perigo até o momento em que foi empurrada. Em outras palavras—”

“Era alguém que ela conhecia.” Fukuzawa terminou sua frase.

Quem era esse garoto? Ele era muito observador. Enquanto ele desrespeitava todas as normas comportamentais imagináveis, ele podia processar todas as informações necessárias. Mas só por isso...

“Seu argumento poderia ser mais convincente,” afirmou Fukuzawa. “A Presidente podia ter coincidentemente estado em frente à janela aberta quando o assassino entrou escondido.”

“Então ela tinha aberto em um dia com tanto vento?” O menino franziu suas sobrancelhas. Ele tinha razão.

“Mesmo assim, isso não é suficiente para provar que era alguém que ela conhecia,” afirmou Fukuzawa. “Existe algo chamado decência no mundo adulto. Tratar, por engano, alguém que acabou de conhecer como um criminoso tem consequências, mesmo se você estiver brincando.”

“Sim, entendi! Entendi! Chega.” O menino bufou com as bochechas. “Qual é, quem se importa com boas maneiras? Estou dizendo a verdade, e isso é tudo que importa. Enfim, como eu estava dizendo... A razão pela qual as impressões digitais do assassino estão nas roupas dela é porque o secretário falsificou as evidências. Meu pai uma vez me disse que as impressões digitais eram fáceis de falsificar. Sr. secretário, o senhor era promotor público ou algo assim, não é? Afinal, ‘antes dessas quarenta e oito’ é um jargão popular entre os policiais, o que é bastante surpreendente.”

Agora que ele mencionou isso, o secretário disse algo sobre ser descoberto pela presidente em seu último trabalho.

“Veja como é fácil: você faz um molde das impressões digitais do assassino com massa ou algo assim, depois apenas coloca em um plástico—”

“A-absurdo!” A saliva voou de sua boca enquanto o secretário gritava de raiva. “Mesmo se eu soubesse como falsificar impressões digitais, não poderia tirar um molde dos dedos do assassino sem ser morto! Fukuzawa, já ouvi o suficiente. Apenas se livre desse pirralho para mim.”

Mas Fukuzawa não disse uma palavra. Ele silenciosamente olhou para o menino em frente a ele, que então sorriu de volta.

“Você até que é esperto, oji-san. De qualquer forma, como o secretário conseguiu o molde dos dedos do assassino foi simples. Foi ele quem contratou o assassino.”

O empregador?

Aquele que contratou o assassino não era um terceiro interessado em derrubar a empresa? Então, por que o assassino está aqui?

“O assassino não escuta ninguém, a menos que seja uma ordem de seu empregador. Além disso, o empregador seria capaz de obter suas impressões digitais sem nem mesmo esfregar massa nos dedos. Ele poderia fazer o assassino segurar algo feito de um material macio e fazê-lo vir ao prédio em um horário especificado.”

“Espera. Este assassino não é um bandido de rua normal. Ele precisaria receber uma quantia obscena de dinheiro. O trabalhador de escritório não seria capaz de pagar por ele.”

“Então que não pagasse,” disse o menino impaciente. “Você poderia simplesmente dizer ao assassino para vir aqui para uma reunião ou para discutir o pagamento. Então, tudo que você precisa fazer é pegar as digitais dele e inventar uma desculpa para ele voltar outro dia. Depois disso, você pode fazer seus guardas pegarem o assassino assim que ele descobrir que é uma armadilha e tentar escapar. Olha, é bom e barato. De graça, na verdade. Mais barato do que bento que vendem na estação de trem — ah, falando em bentos, estou ficando com fome. Posso pegar algo para comer?”

“Vou te oferecer o que você quiser depois disso, mas termine de falar primeiro,” Fukuzawa respondeu pacientemente.

“Tsc. Tááá booom. O motivo dele contratar um assassino de aluguel de alto nível foi provavelmente porque eles são calados. Quero dizer, como você pode ver, ele não está nos contando quem o contratou, e provavelmente ainda nem percebeu que foi incriminado.”

Faz sentido. Quanto mais qualificado e caro for o assassino, mais difícil será convencê-lo a entregar seu empregador. Afinal, era por isso que os tornava tão caros. No trabalho, Fukuzawa tinha cruzado lâminas com alguns assassinos antes, mas os altamente qualificados nunca traíram seu empregador. Houve mesmo alguns que, depois de serem capturados, cometeram suicídio com veneno que eles tinham escondido em sua pessoa.

Então o secretário usou isso a seu favor?

“Mas, olha, tenho certeza que ele falará assim que souber que foi enganado, então que tal perguntar a ele você mesmo?”

Fukuzawa instintivamente olhou para trás. O assassino estava do outro lado daquela porta fechada, ainda amarrado àquela cadeira no chão.

“M-mentiras! Tudo o que você diz é uma mentira!” Gritou o secretário. “A confissão de um assassino é inadmissível! Isso não é mais do que uma ilusão na pior das hipóteses e sim uma suposição na melhor das hipóteses! Se você realmente acredita que eu estava por trás disso, então prove!”

“Ahá! Eu estava esperando você falar isso.” Os lábios do menino se curvaram maliciosamente. “As pessoas que pedem por evidências durante um assassinato geralmente são as que o cometeram. Hmm... Se você precisa de provas, que tal essas pilhas de documentos? O motivo de você estar alinhando esses papéis foi para que ninguém pudesse entrar aqui. Por que? Porque há algo aqui que você não quer que eles encontrem. Afinal, você ainda tem evidências para forjar, mesmo depois de matá-la. Quero dizer, não seria natural se houvesse impressões digitais nas roupas do presidente, mas em nenhum outro lugar da sala, não é? Você está fazendo isso para ganhar tempo.”

“Esta é a sua prova?”

Fukuzawa colocou um dedo em seu queixo e começou a refletir.

“Isso é mentira! Eu me recuso a deixar alguém me chamar de criminoso simplesmente por arranjar alguns papéis! Eu estava organizando eles! Ou você está dizendo que pode provar que não era o que eu estava fazendo?”

“Claro que estou.” O menino acenou com a cabeça como se fosse óbvio. “Quando entrei pela primeira vez, troquei um dos documentos com um guia sobre remoção de oxiúro quando você não estava olhando, mas você nem notou. O que aconteceu com sua metodologia especial em relação a como você tinha que alinhar os documentos de uma determinada maneira?”

“Quê—?”

O secretário não conseguia nem dizer uma única palavra; ela ficou presa em sua garganta. O olhar de Fukuzawa ficou afiado. “Ele está certo?”

“Ele, é...”

Alimentado pela raiva, Fukuzawa quietamente deu alguns passos em direção ao secretário.

“I-isso é um mal-entendido!” O secretário choramingou. “Eu-eu apenas senti que não devia dizer isso à tona! Eu estava planejando lhe dar um aviso severo mais tarde por sua brincadeira, então eu iria deixá-lo ir por agora, mas—”

“Viu?” O menino abaixou a cabeça. “Eu não troquei nenhum dos documentos.”

O secretário imediatamente parou de respirar. Sua pálida expressão ficou ainda pior até que ele estava tão branco como a neve.

“O que significa isso?” Fukuzawa deu mais um passo à frente.

“Isso é, é...”

“Eu não conhecia muito bem a falecida presidente da empresa, mas ela realmente confiava em você. Disse que você era um secretário talentoso e que ela ficou muito feliz por ter contratado você. Por que você fez isso?”

“Não... Eu não. Ela...” O secretário deu um passo atrás, afligido. “Eu não era nada mais do que um secretário competente para ela. Era isso. Mas para mim... Isso não foi o bastante.”

De repente, Fukuzawa ouviu um baque na sala ao lado. Ele se virou surpreso e abriu a porta com violência. A sala estava vazia. A cadeira estava no chão, mas suas pernas, onde a corda estava amarrada ao redor, foram quebradas. Tudo o que restou foi a própria cadeira — o assassino havia sumido.

“Abaixem-se!” Fukuzawa gritou enquanto dava mais um passo para dentro da sala. Abaixando seus quadris, ele deslizou uma perna pelo chão, desenhando um arco para virar seu corpo antes de bater com o ombro na porta aberta. Houve uma certa resistência. O assassino, que estava escondido atrás da porta, soltou um gemido suprimido. Fukuzawa então puxou a porta enquanto tentava alcançar o assassino, mas ninguém estava lá. O assassino também não estava no chão. Ele tinha saltado para o ar, quase tocando o teto enquanto se esquivava do alcance de Fukuzawa. Ainda no ar, ele chutou a parede e conseguiu ficar longe da porta antes de dar um pontapé no chão e criar ainda mais distância entre eles. Com o saco ainda na cabeça e os braços amarrados atrás das costas, o assassino baixou a postura como se fosse um animal selvagem. Tudo o que ele podia usar livremente eram suas pernas, mas ele foi capaz de evitar o ataque preventivo de Fukuzawa sem visão ou mãos. Fukuzawa inconscientemente cerrou os dentes.

“Eu não quero lutar com você,” disse o assassino através do saco em sua cabeça. Sua voz era abafada; era alta para a voz de um homem, mas baixa para a de uma mulher, e ela se projetava bem.

Um menino.

Fukuzawa não respondeu. Quase sem se inclinar para a frente, ele deu um pontapé no chão e fechou a distância com uma técnica conhecida como shukuchi — um trabalho de pés que usava o peso do corpo do artista marcial para colocá-lo instantaneamente ao alcance de seu oponente. Do ponto de vista de um estranho, no entanto, provavelmente teria aparecido como se Fukuzawa desaparecesse e se teleportasse na frente de seu oponente.

Depois de cobrir vários metros em um piscar de olhos, Fukuzawa se aproximou e agarrou a parte de trás do colarinho de seu oponente, mas o assassino nem tentou resistir. Em vez de lutar contra isso, ele pulou para trás com ele, puxando Fukuzawa e a si mesmo para perto da parede. Junto à parede havia uma mesa com uma caneta-tinteiro, um bloco de notas... E a pistola do assassino. Enquanto era empurrado, ele alcançou sua arma. Esse era o seu plano o tempo todo. No entanto, seria impossível para ele usá-lo adequadamente com as mãos amarradas atrás das costas, determinou Fukuzawa. Ele segurou o colarinho do assassino e decidiu jogá-lo contra a parede. A mesa foi derrubada, espalhando materiais de escritório por toda a sala. Com seu oponente contra a parede, Fukuzawa pressionou seu cotovelo contra o peito do assassino, o segurando no lugar como uma tachinha. A mão do assassino segurando a arma se estalou e quebrou ao ser esmagada entre suas costas e a parede. Não havia quase nada que ele pudesse fazer com a pistola nesta posição.

“Largue a arma,” exigiu Fukuzawa. “Você pode ser meu rival de negócios, mas você só é culpado por invasão a partir de agora. Você sairia dessa.”

“Eu não preciso de perdão.” A voz do assassino estava perto de um murmúrio, já que seus pulmões estavam sendo esmagados. “Não há perdão neste mundo. Há apenas retaliação — vingança contra aqueles que traem você.”

O assassino então levantou os pés do chão. Mesmo Fukuzawa não seria capaz de suportar o peso do jovem com apenas um braço. As costas do assassino deslizaram contra a parede em direção ao chão antes de, de repente, torcer o corpo completamente, começando pelo quadril. Ele imediatamente disparou sua arma pelas costas. Houve dois tiros.

“Ch—”

Fukuzawa se virou. Dois buracos sangrentos foram esculpidos no peito do secretário na sala ao lado. O sangue jorrava das feridas, tingindo o peito de carmesim. O assassino atirara no secretário — com as mãos amarradas atrás das costas.

O secretário olhou para Fukuzawa uma última vez, sua expressão torcida em agonia, antes de dar seu último suspiro e desmoronar. Os tiros do assassino foram incrivelmente precisos. Apesar de não ser capaz de ver e ter as mãos amarradas, ele foi capaz de acertar com precisão seu alvo. Para piorar, ele não prestou atenção a Fukuzawa, apesar do fato de que eles estavam no meio da batalha.

“Há apenas retaliação — vingança contra aqueles que traem você.”

Fukuzawa enfrentou o assassino e o jogou contra o chão. Ele chutou a arma para o canto da sala.

“Seu desgraçado...!”

Ele arrancou o saco cobrindo o rosto do assassino. Ele era jovem, com cabelo curto que tinha um tom avermelhado a ele. Os olhos castanho-escuros do menino estavam assustadoramente vazios, sem até mesmo um fragmento de emoção. O jovem assassino não disse uma palavra; ele olhou de volta para Fukuzawa.

Fukuzawa de repente lembrou de um boato de que ele tinha ouvido falar de um jovem assassino ruivo que empunhava duas pistolas e matava friamente seus alvos, sem mostrar qualquer emoção. Sua habilidade com uma arma era sobrenatural, e ele poderia atirar de qualquer posição e ainda não errar. Era como se ele pudesse ver o futuro. Ele era um pesadelo para pessoas como Fukuzawa, cujo trabalho era proteger os outros.

O nome daquele jovem assassino era algo como... Oda.

Fukuzawa agarrou o colarinho do assassino, em seguida, passou o outro braço em volta do pescoço do menino e o colocou em um Mata-leão, restringindo o fluxo sanguíneo para seu cérebro através das artérias carótidas. Se esse garoto fosse aquele assassino, deixá-lo consciente nesta sala não era diferente de deixar um gato brincar no painel de controle para uma bomba nuclear.

O menino olhou para Fukuzawa com olhos sem vida — não da maneira que se esperaria que um menino olhasse para a pessoa que o sufocava até ficar inconsciente. Em pouco tempo, o assassino desmaiou rapidamente, sem nem mesmo mostrar qualquer sinal de resistência. Ele provavelmente não estava interessado em nada além de atirar no secretário. Só depois de garantir que o assassino estava inconsciente, Fukuzawa finalmente soltou um suspiro profundo.

“Então esse é o assassino?”

Fukuzawa se virou em direção à voz vinda da outra sala. “Chame uma ambulância. E a polícia,” ele ordenou.

“A polícia não seria suficiente? Quero dizer, o secretário já está morto. Mais importante, estou sem emprego agora, então você poderia me ajudar?”

A cabeça de Fukuzawa estava girando. O que havia de errado com esse garoto? O que aconteceu?

“Chame uma ambulância primeiro!” Fukuzawa se levantou e começou a virar as costas.

“Ei, não me deixe aqui. O que aconteceu com me levar para comer fora? Você disse que eu poderia ir aonde quisesse e comer o quanto quisesse. Isso é o que você quis dizer, certo? Você quis dizer que poderíamos conversar sobre minha situação enquanto comemos, né? Né?”

Fukuzawa de alguma forma conseguiu evitar que suas pernas cedessem.

“Você—”

O jovem de cabelos curtos sorriu, irradiando inocência e alegria.

“O nome é Edogawa Ranpo. Não se esqueça disso!”

 

Fukuzawa sentiu como se estivesse assistindo a um pesadelo se desenrolar diante de seus olhos. O menino, que se apresentou como Edogawa Ranpo, tomava Zenzai às suas custas. E também não eram só uma ou duas tigelas.

Pararam num café à moda antiga, relativamente perto de onde o assassinato aconteceu. Havia alguns outros clientes presentes, e eles continuaram olhando na direção de Fukuzawa e Ranpo. Fukuzawa teve que lutar contra o impulso de dar a volta na loja explicando que esse garoto simplesmente o seguiu até aqui por algum motivo. Ranpo já havia terminado sua oitava tigela e atualmente estava em sua nona. Fukuzawa estava em suspense, mas não porque estava preocupado com o dinheiro que lhe restava. Ele tinha o suficiente. O problema era—

“Ei!” Fukuzawa simplesmente não conseguiria se segurar. “Por que você não está comendo o mochi?”

—Em cada tigela de zenzai terminada por Ranpo, havia vários mochis brancos, totalmente intocados. Ele estava comendo apenas feijão.

“Porque eles não são doces.”

Não é doce? É zenzai. O prato é mais o mochi do que os feijões.

Se ele estava simplesmente procurando por açúcar, então ele poderia ter pegado geleia yokan, ou um pão manju, ou purê de batata-doce. “Ouviu isso? Esses são os lamentos dos mochis que você deixou para trás” é o que Fukuzawa queria dizer, mas ele segurou a língua. Não havia nada mais sem sentido do que apontar o dedo para as preferências alimentares dos outros. Era difícil de assistir, mas não era como se Ranpo estivesse cometendo algum crime. Ele também não queria que as coisas piorassem dizendo alguma coisa. Só de imaginar Ranpo descascando o pão manju e tomando apenas a parte do feijão de dentro o fazia estremecer. Se Fukuzawa o criticasse por ser um desperdício, o menino o chamaria de velho rabugento, ele tinha certeza.

Quando a polícia finalmente chegou à cena do crime, Fukuzawa e Ranpo explicaram a situação. Foi uma declaração bastante complicada, e não tendo interesse em conversar, Ranpo tentou sair casualmente. No entanto, Fukuzawa de alguma forma o convenceu a ficar e explicar o que aconteceu no escritório da presidente. Fukuzawa e Ranpo teriam sido colocados em uma posição bizarra se eles fizessem um movimento errado, mas eles acabaram sendo dispensados quase imediatamente depois de contar o lado deles da história. Por acaso, um dos policiais conhecia Fukuzawa por ser um conhecido artista marcial, o que felizmente os ajudou a receber a total confiança dos policiais. Uma condição era que eles ainda teriam que vir para a delegacia para contar sua história novamente, no entanto.

Quando a polícia verificou a cena do crime, eles descobriram um molde de plástico com as impressões digitais do assassino no bolso do sobretudo do secretário. Quando outro esquadrão vasculhou a casa do secretário, eles aparentemente encontraram um instrumento usado para duplicar impressões digitais de amostras e outro molde com a forma das impressões digitais do assassino em ambas as mãos. Todas as provas confirmaram a alegação do Ranpo.

A cliente de Fukuzawa finalmente foi capaz de descansar em paz graças a Ranpo, e é por isso que Fukuzawa estava em dívida com ele. Em outras palavras, ele devia uma a ele. Fukuzawa, no entanto, ainda não conseguia compreender como as coisas acabaram assim. Ele refletiu sobre isso. Falando subjetivamente, tudo o que esse menino fez foi atrapalhar as coisas, mas ele estava objetivamente resolvendo o caso através do raciocínio. Foi uma dedução absolutamente brilhante. Ele foi capaz de identificar o verdadeiro criminoso depois de ter dado apenas uma olhada rápida na cena do crime e nas pessoas envolvidas. Mesmo assim, Fukuzawa ainda não era capaz de entender as ações de Ranpo, ou, mais precisamente, ele ainda não conseguia entender o que tinha acontecido.

O que diabos... Aconteceu naquele lugar?

“Ei, garoto.” Fukuzawa falou.

“Mmph?”

Ranpo olhou para ele com a boca cheia de feijão. “Beba seu chá,” Fukuzawa queria responder, mas ele se conteve mais uma vez. Ranpo provavelmente diria que não era doce o suficiente, assim como o mochi. Não tomar chá com doces estava além da compreensão de Fukuzawa, mas como ele acreditava que seria rude falar mal das preferências dos outros, ele simplesmente disse “OK” e seguiu em frente.

Fukuzawa estava mais interessado no que tinha acontecido no escritório, mas ele parou de perguntar “O que foi aquilo lá atrás?” Porque ele sabia que não receberia uma resposta do rapaz assim.

Em vez disso, Fukuzawa reformulou sua pergunta. “Quando você percebeu que o secretário estava por trás disso?”

“Desde o início,” respondeu Ranpo, perseguindo desajeitadamente os feijões em sua sopa com os hashis. “Ele estava usando um casaco, certo? Você não precisa de um sobretudo longo para organizar documentos. Na verdade, suas mangas ficariam no caminho.”

Fukuzawa acenou com a cabeça. A ferramenta usada para criar impressões digitais falsas do assassino estava no bolso do sobretudo. Ele deve ter precisado do grande bolso do casaco para esconder algo tão volumoso quanto aquela ferramenta.

“Esse tipo de coisa acontece com você com frequência?”

“Às vezes,” Ranpo respondeu enquanto engolia alguns feijões. No local de trabalho, ao lado da rua... Costumava a sempre meter o nariz em coisas que me incomodavam, mas as pessoas me tratavam como um incômodo ou me achavam esquisito. Depois de um tempo, cansei disso. Suspiro. Minha nossa. O mundo adulto faz minha pele arrepiar.

Ranpo balançou a cabeça e franziu o cenho em desgosto.

“Você não gosta do mundo adulto?”

“Eu odeio. Não faz absolutamente nenhum sentido.”

Fukuzawa sentiu que havia algo estranho na expressão profundamente consternada de Ranpo. Era estranho que “não fizesse absolutamente nenhum sentido” para aquele menino. Fukuzawa sentiu a necessidade de apontar que também havia muitas coisas maravilhosas no mundo, mas ele mais uma vez manteve isso para si mesmo. Ele não se sentia como se tivesse o direito de contar tais contos de fadas.

“Fukuzawa, você se atreve a nos trair?”

“Nosso juramento ao bem-estar da nação não foi nada mais do que uma mentira, Fukuzawa? Suas palavras não tinham significado?”

Fukuzawa desistiu da espada naquele dia, mas ele podia sentir o seu peso contra o seu quadril. Ele não ia inventar desculpas dizendo que era moralmente justo, mas...

De repente, ele percebeu que Ranpo estava olhando para ele. Era como se seus olhos claros e profundos estivessem espiando a mente de Fukuzawa — como se ele tivesse acesso às memórias escondidas nas profundezas de seu cérebro. Fukuzawa desviou o olhar e disse a primeira coisa que lhe veio à mente.

“Você disse que veio para uma entrevista mais cedo. E quanto a escola?”

“Não é óbvio?” Ranpo respondeu, irritado. “Eu estava frequentando a academia de polícia e morando no dormitório até que me expulsaram, há menos de um ano.”

“Eles expulsaram você?”

“As regras eram um saco. Não saia do dormitório após o toque de recolher, não compre doces, vista essas roupas, siga estas regras. E as aulas me deixaram morrendo de tédio. Lidar com outras pessoas também é uma chatice. Acabei discutindo com o guarda e expus todas os seus avanços anteriores com mulheres, então ele me expulsou.”

Isso certamente faria com que ele fosse expulso.

“Eu tenho mudado de um lugar para outro desde então. Quando estava trabalhando e morando em um posto militar, contei a todos sobre o desvio de dinheiro do chefe, então fui expulso. Quando eu fazia tarefas em um canteiro de obras, cansei da hierarquia corporativa e fugi. Quando trabalhava com entrega postal, encontrei uma carta desnecessária e joguei fora antes de verificar o que havia dentro, então me despediram. Mas quem quereria uma carta inútil? Ninguém. Isso sim.”

Ranpo fez parecer como se fosse algo aceitável enquanto Fukuzawa suspirou internamente. Viver em um posto militar, trabalhar em um canteiro de obras e entregar correspondência... Eles realmente pareciam empregos que esse garoto não seria capaz de lidar.

“A cidade realmente é um mistério para mim.”

A cidade — por que ele deixou sua terra natal?

“E quanto aos seus pais em sua terra natal?”

“Eles estão mortos.” Um leve tom de tristeza passou pelo rosto de Ranpo. “Morreram em um acidente. Eu não tenho nenhum irmão ou parente, também, então eu vim para Yokohama. O meu pai me disse para ir pedir ajuda ao diretor da Academia de Polícia de Yokohama, se alguma coisa acontecesse com ele. Eles aparentemente se conheciam, e meu pai era um policial do tipo bem conhecido. Mas, bem, fui expulso da academia muito rápido.”

“Qual era o nome do seu pai?”

Quando Ranpo disse a Fukuzawa, ele ficou um pouco surpreso. Era um nome que até Fukuzawa conhecia. Não havia uma alma que trabalhasse em sua área que não o conhecesse.

O homem era um detetive lendário. O caso do “Oficial sem Cabeça”, o “Fantasma do Luar”, o “Incidente da Cabeça de Vaca” — ele ajudou a resolver vários casos difíceis que abalaram a nação. Seus poderes de dedução e observação eram tão extraordinários que as pessoas o chamavam de O Clarividente. Ele era muito respeitado e elogiado.

Havia rumores de que ele se aposentou e se mudou para o campo, mas... Ele faleceu?

“Ele provavelmente não era incrível o suficiente para ser conhecido pelo público ou algo assim. Ele nunca poderia derrotar minha mãe quando se tratava de resolver mistérios ou raciocínio, então ela sempre levou vantagem sobre ele quando eles discutiam em casa.”

Ranpo também mencionou o nome de sua mãe, mas o nome não era familiar para Fukuzawa. Aparentemente, ela não era uma policial, detetive, ou mesmo uma psicóloga criminal, mas apenas uma dona de casa comum. E ainda assim, ela era inteligente o suficiente para vencer o Clarividente. Ela deve ter sido uma mulher incrível.

“Enfim, é por isso que estou aqui.” Ranpo empurrou para o lado uma tigela com sobras de mochi, então disse: “Eu não tenho absolutamente a menor ideia do que os adultos estão pensando. Dito isso, não tenho casa para onde voltar e minha entrevista desapareceu. Eu não tenho para onde ir.”

De novo, Fukuzawa sentiu que havia algo estranho. “Eu não tenho absolutamente a menor ideia do que os adultos estão pensando,” o garoto disse —e algo sobre como isso soou parecia vagamente errado.

Um filho único e ingênuo criado por pais geniais... Esse garoto era diferente dos outros. Havia algo sobre como o cérebro dele funcionava que era... Extraordinariamente diferente. Fukuzawa não sabia como expressar isso claramente, mas processava informações mais rapidamente do que outros. A maioria das pessoas diria que tem poderes de dedução, mas... Mesmo se a pessoa comum não pudesse entendê-lo, certamente o inverso não seria possível, que ele não pudesse entendê-los? Houve uma discrepância decisiva.

“Não é óbvio?”

“Eu recebo pontos para cada detalhe óbvio que eu listo no final?”

Esse garoto não percebeu que ele era especial? Isso explicaria de alguma forma seu comportamento estranho. Ranpo sabia que o secretário era o criminoso no momento em que entrou no escritório, mas a razão pela qual ele não falou foi porque, em sua cabeça, ele pensava que todos os adultos na sala sabiam disso também. Deve ser por isso que ele continuava a resmungar consigo mesmo em vez do assassinato. Ou talvez fosse porque ele tinha simplesmente vivido uma vida protegida em uma bolha com seus pais e ninguém mais. Mas mesmo que essa hipótese fosse verdadeira, como alguém explicaria isso para esse garoto? “Você é especial. Você tem algo que os outros não têm.” Mas por quê? E quão diferente ele era exatamente? Como poderia ser provado?

“O que há de errado?” Ranpo olhou atenciosamente para Fukuzawa, mas Fukuzawa apenas balançou a cabeça em silêncio.

Qual seria o sentido de explicar as coisas, afinal? Ele era um estranho, afinal. A relação de Fukuzawa e Ranpo terminaria aqui neste café. Eles simplesmente se encontraram na cena do crime por acaso, mas suas vidas logo tomariam rumos diferentes novamente.

Fukuzawa sentiu que não tinha o direito de dar sua opinião, muito menos de dizer o que fazer. Havia uma rocha invisível dentro dele. Era duro, frio, e só ficava mais pesado, apertando seu coração com força cada vez que ele ficava próximo de se conectar com outro ser humano.

A rocha era o seu passado.

Não foi essa a causa de tal tragédia e derramamento de sangue, em primeiro lugar — envolver-se na vida dos outros, acreditando que todos compartilhavam os mesmos ideais?

Fukuzawa tinha tido o suficiente de se envolver com os outros.

“Bom trabalho hoje.” Fukuzawa saiu de seu assento. “Vou informar a polícia que foi você quem resolveu o caso. Também vou sugerir a eles a te fazer um elogio público por isso. Se tudo correr bem, você pode até conseguir entrar na polícia... Eu sei que perder seus pais é difícil, mas eu tenho certeza que você vai conseguir encontrar um lugar onde possa ter sucesso. Agora, se você me der licença.”

Ranpo de repente agarrou o pulso de Fukuzawa enquanto ele ia para buscar a conta.

 “...Quê?” Fukuzawa olhou para Ranpo que, imóvel, olhou de volta para ele.

“...É isso?” Ranpo perguntou.

“O que foi?”

“É isso?” Ele repetiu. “Você não, é... Não tem mais nada para mim? Algo um pouco mais tangível? Você não fica, tipo... Com um nó na garganta quando vê um garoto de 14 anos rebelde que perdeu os pais, está desempregado e não tem para onde ir?”

Fukuzawa olhou para Ranpo. Em seguida, ele olhou para a mesa do café. De lá, seus olhos vagaram para as nove tigelas alinhadas em cima.

“Claro que sim,” admitiu Fukuzawa.

“Ainda não consigo acreditar que você comeu nove tigelas de nada além dos feijões como uma sopa.”

“Ah, isso não foi nada,” disse Ranpo orgulhosamente, então quase imediatamente balançou a cabeça. “Espera! Não é disso que estou falando! Estou falando de ajuda mútua — o espírito de ajudar uns aos outros! O espírito de altru... Alter... Arte — hã?”

“‘Altruísmo’,” Fukuzawa respondeu. “Você tem razão. Nove tigelas de sopa de feijão não são suficientes para ajudar um menino em apuros. Aqui. Pegue isso.”

Fukuzawa tirou um cartão de visita branco do casaco.

“O que é isso?” Ranpo ficou olhando do cartão de visita na mesa para o rosto de Fukuzawa e vice-versa.

“São minhas informações de contato. De alguma forma, acabei me tornando algo como um guarda-costas depois de ajudar algumas pessoas cujas vidas estavam em perigo. Entre em contato comigo se você estiver em sérios problemas. O primeiro trabalho é por minha conta.” Fukuzawa disse enquanto suspirava por dentro.

Eu sou muito mole. Mesmo que eu tente tanto evitar me envolver com outras pessoas, não consigo me impedir de fazer coisas como esta. Eu quero ficar sozinho, mas não posso nem mesmo deixar um garoto problemático na mão. É verdade que devo a ele, mas...

Ranpo aceitou o cartão em silêncio. Então, depois de trazê-lo para perto de seu rosto e dando-lhe um olhar frio, ele murmurou “Hmm” para si mesmo antes de ir para a parte de trás do café. Ele colocou alguns trocados no telefone público, então começou a girar o disco seletor. Fukuzawa ouviu algo tocar em seu bolso —seu telefone de trabalho. Ele sempre levava com ele, caso houvesse uma emergência de trabalho. Fukuzawa teve um mau pressentimento sobre isso, mas colocou o telefone no ouvido mesmo assim.

Por favor, me ajude, senhor guarda-costas. Eu não tenho um emprego e não tenho onde ficar esta noite. Eu irei morrer.

Fukuzawa ouviu o monótono de Ranpo através do receptor. Ele também podia ouvi-lo do outro lado do café.

“......”

“Eu vou morrer?” Ranpo repetiu.

Por que ele fez isso soar como uma pergunta?

“...Muito bem. Conheço um hotel que—”

“Não tenho emprego e irei morrer.”

Ranpo interrompeu Fukuzawa no meio da frase. Ele segurou o telefone público de costas para Fukuzawa, evitando qualquer contato visual.

Dizer que Fukuzawa estava relutante teria sido uma meia-verdade. Ele se imaginou sendo engolido por areia movediça inevitável.

Não havia trabalho para um menino na profissão de guarda-costas. Não há necessidade de trabalho administrativo ou assistentes também. Mais importante, para que alguém usaria esse garoto incontrolável, mesmo que o contratasse?

Havia silêncio do outro lado da linha. Ele estava esperando por uma resposta. Talvez alguém além de Fukuzawa teria sido capaz de chegar a uma espécie de consenso. No entanto, Fukuzawa não queria um chefe ou colega de trabalho. Ele não confiava em organizações ou outras pessoas. Mesmo que não fosse o caso, conversar com esse garoto o cansava como nada mais. A melhor coisa que ele poderia fazer por si mesmo seria sair correndo do café e esquecer tudo sobre isso.

“Então... Venha comigo no meu próximo trabalho,” disse Fukuzawa no alto-falante. “Eu não posso te ajudar, mas meu cliente estava querendo contratar alguém. Eu serei o mediador. O que acha?”

“Sério?!”

Os olhos de Ranpo iluminaram-se quando ele se virou. Ele olhou para Fukuzawa e sorriu com o telefone ainda na mão. Fukuzawa soltou um breve suspiro.

Nem um sentimento de endividamento, nem um interesse nos talentos de Ranpo tiveram algo a ver com isso. Ele era um estranho, afinal. Fukuzawa não podia ignorar alguém se afogando em solidão diante de seus próprios olhos. Ranpo estava sozinho. Depois de perder seus pais, ele foi jogado em um mundo confuso para vagar sem um caminho. Ele não tinha ninguém a quem recorrer e nenhum lugar para ir. Ele estava apenas sobrevivendo, existindo.

Fukuzawa escolheu a solidão, mas esse garoto nem mesmo teve esse luxo. Além disso, não havia como Fukuzawa rejeitá-lo agora, depois de vê-lo empolgado.

“Ótimo! Agora que isso está resolvido, vamos em frente! Primeiro, vou pegar minhas coi— espera. Primeiro, vou lavar as mãos— espera, antes disso, eu quero comer algo um pouco salgado! O interior da minha boca é tão doce que eu não aguento mais! Segure isso para mim! Eu vou para a lanchonete de salgados ao lado e pegar algo para comer. Oh, ei! Na verdade, que tal você ir pegar algo para mim em vez disso? Ugh, estou com tanta sede! Me traz um pouco de chá, valeu, oji-san?”

Ranpo esboçava muitos sorrisos.

Um pensamento cruzou a mente de Fukuzawa:

Talvez devesse atirá-lo ao mar.

Três vezes, Fukuzawa disse a Ranpo para se acalmar enquanto ele resmungava sobre querer doces.

Duas vezes, Ranpo esgotou a paciência de Fukuzawa até que ele cedeu.

Por três vezes, Ranpo perguntou a Fukuzawa por que aviões podiam voar.

Quatro vezes, Fukuzawa convenceu Ranpo a continuar a andar quando se queixou que suas pernas estavam cansadas.

Quatro vezes, Fukuzawa carregou Ranpo nas costas.

Os dois finalmente chegaram ao seu próximo destino, mas Ranpo continuou tagarelando incessantemente, pedindo opiniões e reclamando o tempo todo: “Eu odeio caminhar. Não fui feito para trabalho físico. Viajar é uma grande perda de tempo. Qual é o sentido de ter telefones se não vamos usá-los? Nós ainda não chegamos lá? Eu quero mais alguns doces. Essa marca não tem sido boa ultimamente, a qualidade caiu quando mudaram a gestão. As cidades são terríveis, mas o campo é pior. Eu quero ir em um cruzeiro de turismo. Eu quero alimentar os pássaros. Sério que ainda não chegamos? Eu quero mais doces. Como ainda não chegamos lá? Eu quero mais doces. Você tem certeza que não estamos pegando o caminho mais longo?”

Fukuzawa nem sequer piscou um olho. O falatório irritante de uma criança não estava nem perto o suficiente para quebrar a concentração mental de um homem que havia treinado seu espírito e técnica através do domínio das antigas artes marciais japonesas. Seu treinamento diário valeu a pena; ele foi capaz de lidar com Ranpo o tempo todo sem mudar a expressão em seu rosto.

No entanto, enquanto respondia com acenos de cabeça e breves interjeições, mentalmente estava pegando Ranpo e jogando-o para muito, muito longe. Amarrou o Ranpo, deixou-o na esquina da rua, e foi para casa... Em sua cabeça. Ele removeu uma tampa de bueiro, enganou Ranpo para cair nele, e splash! Depois de ouvir Ranpo cair para sua morte, ele fechou a tampa de bueiro e saiu... Em sua cabeça. Fukuzawa calmamente descobriu cinquenta maneiras de se livrar de Ranpo e ir para casa, mas todos os eventos ocorreram apenas em sua mente. Quanto mais ideias Fukuzawa tinha, mais sem expressão seu rosto ficava, evitando que perdesse a paciência e gritasse. Ranpo até mesmo mostrou admiração no final. Depois de olhar preguiçosamente para a expressão de Fukuzawa, ele disse:

“Você é bem paciente, oji-san.”

Foi um momento de grande perigo. Se a concentração de Fukuzawa tivesse oscilado ao mínimo, o Ranpo já estaria na metade do caminho para o esgoto. O treinamento diário de Fukuzawa nas artes marciais realmente estava sendo útil. Depois de viajar por duas horas, Fukuzawa finalmente teve sua quinquagésima primeira ideia (mas era algo muito perverso para ser escrito aqui). Logo depois, eles finalmente alcançam o destino.

“Um teatro?”

“Sim.”

O céu noturno pairava sobre eles enquanto estavam diante do prédio retangular do teatro. O pôster da peça atual estava colado no quadro de avisos na entrada. Alguns clientes já podiam ser vistos lá dentro, apesar de ainda haver um bom tempo antes do show começar. Havia um monumento de pedra instalado na parede com as palavras THEATRUM MUNDI esculpidas nele.

Ranpo franziu a testa melodramaticamente. “Isso parece tão chato.”

“A proprietária daqui tem poucos funcionários. Se tudo correr bem, então provavelmente conseguiremos um emprego para você.”

“Afinal, para que o cliente contratou você?”

“Uma ameaça de morte.”

Fukuzawa começou a caminhar em direção à entrada. Ranpo logo correu atrás dele.

 

Depois de passar pela entrada de serviço nos fundos, Fukuzawa desceu a escada para o porão, onde a dona do teatro o cumprimentou.

“Então?” A proprietária exigiu casualmente. “Qual é a sua desculpa por estar atrasado?”

A proprietária era uma mulher de terno, provavelmente com a idade próxima a de Fukuzawa. Com o peito estendido e os braços cruzados diante dos quadris, ela olhou para Fukuzawa com um olhar desafiador. Ela parecia ter um tique em que levantava os óculos a cada poucos minutos. Seus óculos de armação preta eram em formato de triângulos agudos.

“Peço desculpas, Egawa-san.”

Fukuzawa baixou a cabeça diante da mulher. Foi culpa de Ranpo que eles estavam atrasados devido às suas lamentações e resmungos, mas isso não tinha nada a ver com esta mulher.

Suspiro. Está bem.”

A proprietária se virou rapidamente e começou a andar pelo corredor, pisando alto com o salto do sapato. Fukuzawa a seguiu silenciosamente.

“Ainda há tempo antes da apresentação, então se certifique de dar uma boa olhada na cena do crime.”

Enquanto acompanhava a Egawa-san, Fukuzawa perguntou: “Você ainda tem alguma ideia de quem fez a ameaça de morte?”

Egawa-san parou em seu caminho e virou-se.

“Esse não é o seu trabalho. Eu já alertei a polícia. Seu trabalho como guarda-costas é capturar o culpado se alguém for morto. Em outras palavras, você não é nada mais do que segurança. Os policiais uniformizados estarão vigiando e investigando. Sério, eu não posso acreditar nisso, alguém nos enviou uma ameaça de morte e adivinha quantos policiais foram enviados? Quatro. Apenas quatro. Estou ficando chateada só de pensar nisso. Eles provavelmente pensam que isso é uma grande piada; eles parecem tão certos de que ninguém será morto. Se alguém acabar assassinado, então eles saberão que o sangue estará nas mãos deles, guarde minhas palavras.”

Fukuzawa nem piscou um olho, apesar de surpreso. O cliente que o apresentou ao teatro disse que a proprietária era equilibrada e confiável em seu trabalho, mas ela parecia um pouco diferente do que ele imaginara. Mas isso não era um problema para Fukuzawa. Ele não tinha interesse em comentar sobre como os outros faziam seus trabalhos. Ele só precisava fazer o trabalho dele, como a proprietária disse.

 “Você poderia me falar sobre a ameaça? Dependendo do que o inimigo está procurando, isso poderia mudar a forma como eu abordo as coisas.”

“Dê uma olhada nisso.”

A Egawa-san tirou uma folha de papel impressa. Algumas linhas foram escritas em um estilo tipográfico simples.

“Alguém enviou isto para o meu escritório há alguns dias. ‘Um anjo trará a morte, no sentido mais verdadeiro da palavra, para o intérprete. — V.’ Eles escreveram a data e a hora da performance, junto com o título. ‘Anjos’? ‘V’? Essa ameaça de morte é ridícula. Aposto que é um dos teatros rivais tentando prejudicar o negócio.”

“Você acha isso?”

Uma voz apareceu do nada, fazendo a Egawa-san ter um sobressalto.

“Acontece que eu acho que é muito bem-feita. Um dos atores vai ser morto? Pessoalmente, mal posso esperar para ver no que isto vai dar, mas acho que nada realmente te abala quando você é velha. Você provavelmente já viu de tudo agora.”

“‘V-velha’...?!” As sobrancelhas da Egawa-san se franziram. “Fukuzawa-san, quem é essa criança? Não é hora de trazer convidados indesejados.”

“Me desculpe. Ele está... Procurando um emprego. Ouvi do seus funcionários que você estava com falta de pessoal, então pensei que talvez pudesse dar uma entrevista para ele quando tudo isso fosse resolvido.”

“Bem, precisamos de mais trabalhadores durante todo o ano, mas...” Ela estreitou os olhos e olhou para o Ranpo de forma duvidosa. “Tudo bem. Por favor, envie seu currículo para o escritório de acordo com as regras, e vamos examiná-lo junto com os outros candidatos.”

“Quêêê? Tem outras pessoas que querem trabalhar aqui?” Ranpo parecia estar de mau humor. “Isso não é justo. Não vou ser contratado de jeito nenhum se você fizer isso! Precisa se decidir agora.”

“Como é que é?”

Fukuzawa suspirou bem no fundo na garganta para que ninguém mais pudesse ouvir.

 Eu... tinha um pressentimento de que isso ia acontecer.

“Escuta aqui, garoto. Você realmente acha que os adultos querem contratar um pirralho? Boas maneiras são essenciais no mundo adulto, então é melhor você manter isso em mente,” disse a Egawa-san.

“Sim, eu já ouvi isso.” Naquele momento, Ranpo começou a parecer mais incomodado do que nunca. “O ‘mundo adulto’ não faz absolutamente nenhum sentido para mim. Por que não podemos simplesmente dizer como realmente nos sentimos, em vez de esconder? Olha você, por exemplo. Você não quer ser dona de um teatro. Você pode ter gasto muito dinheiro em suas roupas e sapatos para intimidar os trabalhadores, mas você mal cuida de suas unhas, e você não usa nenhum anel. Além disso, você tem calos nas palmas das mãos, embora eles estão desaparecendo. Suas mãos querem voltar ao seu antigo emprego. Além disso, você não confia na polícia, seu guarda-costas, ou qualquer um que trabalha no teatro. Se tivesse, teria apresentado esse velho aqui à polícia. Mas você não fez isso porque queria que ele ficasse de olho neles para você, certo? E vice-versa. Quero dizer, não te culpo, já que a vida de alguém está em risco aqui, mas porque não dizer a verdade desde o início?”

“Qu—?” Ela escondeu as mãos por reflexo. “Bobagem. Que criança rude.”

A expressão perturbada dela também deixou claro para Fukuzawa. Ranpo deve ter acertado em cheio.

“Quer que eu continue? O colar simples que você está usando é novinho em folha, mas não foi um presente. Você mesmo o comprou. Além disso, você uma vez furou suas orelhas, mas os buracos começaram a se fechar, me mostrando que já se passaram alguns anos desde que você teve um relacionamento com—”

“Já chega,” interrompeu Fukuzawa em um tom abafado. “Egawa-san, como você realmente se sente não tem importância para mim. Tudo o que pretendo fazer é garantir que ninguém morra esta noite. De qualquer forma, você se importaria se eu perguntasse a alguns de seus funcionários?”

“Tanto faz. Só faça o seu trabalho!” Vociferou a Egawa-san, tentando não parecer perturbada. “Eu gosto do que eu faço! Ah! Eu já tive o suficiente disso. Sério, eu não consigo ter um descanso...”

Ela saiu pisando duro, batendo os sapatos de salto rapidamente no corredor de entrada ao sair.

“O mundo adulto é tão bizarro. O que deixou ela tão brava?” Ranpo murmurou enquanto a observava se afastar.

Fukuzawa respirou fundo, fez uma pausa e expirou. Sua expressão era a própria exaustão. Era o rosto de alguém que descobriu por que Ranpo não conseguia manter um emprego.

Os detalhes do que os atores fariam durante o show tiveram que ser investigados. Se as ameaças de morte foram dirigidas aos artistas, então eles tiveram que analisar algumas coisas. Onde eles estariam e a que horas? Haveria algum momento em que eles estariam sozinhos? Aparentemente, a polícia estava principalmente mantendo visão nas entradas e saídas, e não havia o suficiente deles para proteger cada artista individualmente. Em outras palavras, uma vez que o criminoso entrasse no local, seria livre para fazer o que quisesse.

Portanto, Fukuzawa e Ranpo saíram conversando com cada um dos artistas. Eles receberam o cronograma que todos os artistas receberam, junto a uma programação que tinha todos os seus papéis e aparições listados. No entanto, Fukuzawa sentiu que deveria verificar o que exatamente cada artista faria e quando eles estariam vulneráveis. Ele precisava lembrá-los de não fazerem nada sozinhos. Se tivesse a chance, Fukuzawa também queria perguntar aos artistas se eles tinham alguma ideia do motivo pelo qual o criminoso enviou a eles uma ameaça de morte.

A primeira pessoa que Fukuzawa procurou foi a estrela do show — um jovem, de um grupo de doze artistas, que interpretaria o protagonista. Ele estava sentado em seu camarim privado enquanto lia religiosamente suas falas.

“Hã? Dá licença.” O belo jovem tirou sua atenção sobre o roteiro e franziu a testa. “O que você quer? Está quase na hora do show, e estou lendo meu roteiro.”

Não havia mais ninguém na sala. Pousado sobre a beirada do assento, o jovem jogou furiosamente o roteiro para o lado.

“O show está para começar. Você tem alguma ideia de como é ser ator antes de uma apresentação?”

Fukuzawa não respondeu.

“Mergulhamos em outro mundo — nos tornamos outras pessoas. E praticamos quase um ano para esse momento. Se você ficar no meu caminho, você está morto.” O artista então esvaziou o seu copo d'água, com um só gole, que estava sobre a mesa. “Estou com sede. Pode pegar um pouco de água para mim?” O jovem sinalizou para o grande recipiente de água com seu queixo enquanto ele estendia seu copo vazio para Fukuzawa. Ele bebeu o copo de água que Fukuzawa calmamente serviu para ele, em seguida, disse: “Estou me concentrando.”

De certa forma, o jovem parecia um tanto pálido. Assim como bolsas ligeiramente escuras penduradas sob seus olhos de aparência nervosa.

“Eu respeito seu trabalho,” disse Fukuzawa enquanto olhava para sua expressão pálida, “mas há uma chance de vocês, artistas, morrerem esta noite. Há alguma parte durante a peça que você esteja sozinho?”

A estrela, Murakami, respirou fundo para dizer algo, mas imediatamente expirou como se tivesse desistido.

“...Estarei sozinho nas coxias algumas vezes. Haverá alguns ajudantes de palco nos bastidores, então não estarei sozinho quando for para o camarim. Eu também estarei sozinho antes de fechar as cortinas. De qualquer forma, todos nós estamos fazendo o nosso melhor para sermos cuidadosos, então vou me certificar de estar com alguém o tempo todo... Ah, mas estaremos muito vulneráveis em um lugar particular, especialmente eu. Estarei sozinho por 10, 20 minutos de cada vez.”

“Que lugar seria?”

“No palco.” Os lábios de Murakami se curvaram em um sorriso. “Eu sou a estrela do show, afinal.”

Fukuzawa suspirou. Ele não seria capaz de proteger os artistas no palco com eles, e não era como se ele pudesse ordená-los a atuar nas sombras porque eles poderiam ser atacados. No entanto, o palco teria os olhos e ouvidos de todos. Seria quase impossível alguém assassinar um artista no palco e escapar com tanta gente assistindo. O momento mais perigoso certamente era quando os atores ficariam sozinhos.

“Hmm, então você é o ator principal?” Ranpo, que estava ao lado de Fukuzawa, de repente falou.

“O que você disse? ...Ah, é só uma criança,” disse Murakami com uma expressão irritada. “Não me diga que você é o ajudante daquele guarda-costas ou algo assim.”

“Ei, a peça será sobre o quê?” Perguntou Ranpo, ignorando Murakami completamente.

“Que tipo de pergunta é essa? Se você é um dos guardas, deveria ter pegado um roteiro com o pessoal. Leia você mesmo.”

“E morrer de tédio? Não consegui nem passar da primeira página. Anda, me fala.”

“’Morrer de tédio?’...?”

Fukuzawa silenciosamente cobriu seu rosto. Trazer Ranpo com ele foi um erro. Ele pensava que deixar Ranpo no saguão seria um desastre esperando para acontecer, mas isso não foi melhor. Ele disse todas as coisas erradas. Certamente o ator ficaria furioso e parar de falar com eles completamente... Pelo menos, foi o que Fukuzawa pensou.

“É chato, hein? Bem, se um pirralho como você diz isso, então deve ser,” respondeu Murakami com uma expressão solene. “Os espectadores são os que decidem se uma peça é chata ou não. Seria fácil te estrangular até que você concordasse em ler todo o roteiro, mas isso é trabalho para um bandido, não para um ator. Ei, pirralho. O que tornaria a peça interessante para você?”

“Para mim? Hmm...” Ranpo inclinou a cabeça para o lado. “Seria muito legal se um dos atores fosse morto durante a performance, assim como a ameaça de morte disse.”

Fukuzawa sentiu arrepios.

“Há! Uma resposta apropriadamente malcriada.” Mas Murakami sorriu alegremente. “Se é isso que as pessoas querem, talvez dando isso a elas não seja uma ideia tão ruim.”

“Espera,” Fukuzawa interrompeu, franzindo as sobrancelhas. Ele achou o comentário de mau gosto.

“Obviamente, não pretendo morrer.” Murakami se virou para Fukuzawa. “Mas como alguém do show business, você pensa sobre essas coisas. ‘Você tiraria uma vida para conseguir a melhor performance?’... Eu faria. Sem dúvida. A única razão de eu não ter feito isso é porque ninguém veio até mim e se ofereceu para me ensinar o segredo da atuação em troca da vida de alguém... Ainda. Então, tiro o chapéu para quem fez essa ameaça de morte se eles planejaram tudo isso apenas para surpreender os espectadores.”

Murakami não estava olhando para Fukuzawa, nem para Ranpo. Ele estava perdido em sua cabeça — olhando para si mesmo e para os espectadores que ele poderia influenciar. Fukuzawa franziu a testa. O espírito de um artista era uma coisa admirável, mas isso era preocupante. O assassinato estava sendo visto apenas como algo que aconteceu; a vida humana não era nada mais do que uma moeda de troca. Por que a proprietária e este jovem não estavam levando a sério a ameaça de morte? Fukuzawa nem mesmo concordava com eles em manter a apresentação. Certamente remarcar o show para salvar uma vida seria uma decisão fácil. E, mesmo assim, o show estava para continuar. Provavelmente havia muitas pessoas que pensavam como Murakami.

“Bem, as pessoas deveriam ocupar os lugares agora.” Ele se levantou da cadeira. “Eu preciso ir. Nós dois somos profissionais aqui, não é? E o trabalho de um profissional é proteger seu cliente e garantir que ninguém se machuque. Estou contando com você.”

Não havia nenhuma maneira de responder a uma declaração como essa, a não ser simplesmente: “Muito bem.”

Depois disso, Fukuzawa se reuniu com os outros artistas e fez as mesmas perguntas. Havia um total de doze atores que estariam no show: sete mulheres e cinco homens, incluindo o protagonista, Murakami.

Pelo grande tamanho do teatro, parecia justo supor que cada ator teria seu próprio camarim, mas, aparentemente, Murakami era a exceção. Os outros estavam todos reunidos em um grande camarim onde eles verificaram suas fantasias, praticaram suas linhas, e andaram brandindo pequenas peças como espadas. Fukuzawa soube que Murakami teria metade do tempo de palco só para ele.

“Ele é realmente um ator muito popular,” comentou uma atriz. “Isso é basicamente um show de um homem só. Ele tem muito mais falas do que o resto de nós, e ele tem até uma cena de luta,” ela afirmou enquanto verificava sua maquiagem. Ele teve muitas reuniões sozinho com Kurahashi, o dramaturgo. Ele parece ter realmente investido muito nisso. Até ouvi dizer que alguém o viu gritando com o ajudante de palco.”

Fukuzawa perguntou a outro ator sobre os acontecimentos.

“Ninguém realmente acredita que alguém vai ser assassinado,” respondeu um ator um pouco mais velho enquanto olhava a programação. Afinal, trabalhamos com entretenimento. Os ciúmes estão longe de ser algo inédito. Existem até fanáticos que adoram a companhia de teatro. Não temos tempo para nos preocupar com cada ameaça. É certo que tenho só um papel menor, então não haveria nenhum valor em me matar. Se alguém no elenco vai receber ameaças de morte, é o Murakami. Ele tem um monte de fãs, seguidores, essas coisas.”

O ator sorriu, mas outra atriz franziu as sobrancelhas.

“Uma ameaça?” Ela usava uma grande peruca prateada e estava arrumando a maquiagem. “Sinceramente, tenho certeza que todo mundo sabe de onde veio a ameaça de morte.”

“Como assim?”

“Ah, você sabe...” A atriz piscou. “É uma indústria pequena, né? As pessoas se juntam... Elas terminam... Talvez alguém tenha transado com uma das novas garotas, ou eles terminaram e ela saiu. Quem não tem uma ou duas pessoas na lista negra?”

“Você tem?” Fukuzawa a perguntou, mas ela apenas riu e se esquivou da pergunta.

Espera-se que isso não seja nada mais do que um crime de amor, e que a ameaça foi feita apenas para assustar alguém. Fukuzawa lembrou-se do assassino matando o secretário nessa manhã.

E se quem fez a ameaça de morte fosse um assassino desse calibre? Fukuzawa não estava confiante de que poderia proteger a todos: os espectadores, os artistas, Ranpo e a si mesmo.

Ele se retirou do camarim depois de ouvir o que todos tinham a dizer. Enquanto caminhava pelo corredor, ele pensou:

Eu poderia lidar com a luta frente a frente, mesmo se o assassino fosse um usuário de habilidade, mas não importa o quão hábil seja o guarda-costas, há apenas um número de pessoas que podem ser protegidos de uma só vez.

Se Fukuzawa fosse o assassino, então quatro policiais não mudariam nada. Ele poderia passar, se aproveitar da comoção e matar o alvo sem nenhum problema. Mas Fukuzawa estava lá para proteger, e se ele quisesse criar um espaço seguro com uma defesa rígida para todos no teatro, ele precisaria de dez homens. Isso era um obstáculo que Fukuzawa encontrava naturalmente como guarda-costas. Por mais talentoso um artista marcial fosse, o inimigo atravessaria os buracos da defesa. Ele era apenas um homem. Ele não podia proteger a vida de todas as pessoas boas com apenas um corpo. O mal, em outro lado, precisaria de apenas um corpo para escolher um lugar, encontrar uma abertura e atacar. Só precisaria de energia suficiente e um momento para a libertar com a máxima eficiência.

Havia um desequilíbrio entre o poder necessário para proteger e o poder necessário para atacar. A única maneira de se proteger de habilidades e poderes incríveis era ter habilidade e poder próprios, mas, infelizmente, a balança favorecia fortemente um lado. Portanto, algo além da força bruta era necessário para compensar isso.

“O que está pensando, oji-san? Estou ficando com fome, só para avisar.” O menino ao lado de Fukuzawa de repente falou em um tom indiferente.

Então, Fukuzawa teve uma epifania.

Quem foi que encontrou o verdadeiro assassino da presidente da empresa esta manhã? Quem foi que descobriu os segredos da Egawa-san durante a primeira vez que se encontraram?

“Ei, garoto. Alguma coisa chamou sua atenção desde que você chegou aqui?”

Não havia como negar que esse menino tinha algo extraordinário. Fukuzawa não tinha certeza do que exatamente, mas talvez fosse algo que pudesse compensar a diferença na força necessária entre atacar e defender.

Ranpo simplesmente olhou para Fukuzawa, fixando os olhos nele. Ele podia ver algo.

O que ele está olhando?

“Nada realmente chamou minha atenção. É apenas confuso. Só isso.” Ranpo inclinou a cabeça de forma entediada.

Fukuzawa parou em seu caminho. Ele estava parado no saguão de entrada do teatro. Havia uma longa fila com pessoas já entrando no local para o show.

“Entendi.” Fukuzawa suspirou. Nada tinha chamado a atenção dele?

Fukuzawa involuntariamente dependia de Ranpo para uma solução. Pensando bem, foi provavelmente por isso que ele o trouxe junto para conversar com os artistas, apesar de saber das consequências negativas. Talvez até tenha mesmo trazido o Ranpo ao teatro só para testemunhar os seus talentos. Foi uma coisa bastante patética de se fazer para alguém que foi iniciou na escola Sankyo de antigas artes marciais japonesas.

Suspiro... Nada mais importa. Parece que perdi minha chance de conseguir um emprego aqui. Além disso, não é como se eu pudesse trabalhar em algum lugar que você tenha que ser pontual, também. Isso é chato.” Ranpo chutou preguiçosamente o chão do saguão. Como havia um tapete mogno de pelo comprido cobrindo a área perto da entrada onde eles estavam, então não fez muito barulho. “Além disso, alguém está prestes a morrer, então este teatro vai falir.”

Alguns transeuntes olharam para trás, assustados, e Fukuzawa sentiu um arrepio na espinha. Era algo muito pesado para uma piada feita por uma criança. Um adulto deveria tê-lo repreendido, mas Fukuzawa nem sequer moveu um músculo. Não foram os maus modos de Ranpo que deixaram Fukuzawa perturbado.

“Afinal, foi você quem a matou, Sr. Secretário.”

O tom de voz do Ranpo era exatamente o mesmo de então. Fukuzawa olhou para Ranpo. Ele agia como se nada fosse fora do comum quando curiosamente olhou para Fukuzawa.

“Estou errado?”

“...Ninguém vai morrer aqui,” Fukuzawa finalmente respondeu. “É por isso que estou aqui. Nem a polícia nem os artistas acreditam que essa ameaça é real. A razão pela qual alguém ameaçou a companhia de teatro não era importante.”

Não é uma ameaça.” Ranpo estava com uma expressão de desagrado. “Foi um anúncio. Uma ameaça é quando você diz: ‘Pare de fazer isso ou eu farei ‘quilo’, certo? Você tem duas escolhas com ameaças. Mas isso só falava que eles iam matar os artistas. Isso foi um anúncio — uma declaração, até. É por isso que o criminoso estará aqui e matará alguém. Eles não estão procurando nada da companhia de teatro porque tudo o que querem é que seu alvo morra.”

Fukuzawa suspirou.

Ranpo tinha toda a razão. O objetivo do criminoso era extremamente ambíguo. Qualquer ameaça comum teria esclarecido os princípios do criminoso. Pare a peça. Peça desculpa. Teria havido algum tipo de exigência. Mas a ameaça desta vez, a que Ranpo se referiu como uma declaração, não tinha isso.

“Um anjo trará a morte, no sentido mais verdadeiro da palavra, para o intérprete. —V.”

“Por que você não disse nada antes?” Perguntou Fukuzawa.

“Para quê isso teria sido bom?” Ranpo respondeu como se estivesse ofendido. “Vocês são todos adultos. Faça algo sobre isso você mesmo. De que adianta perguntar a uma criança o que ela acha que vai acontecer? Além disso, todo mundo fica furioso quando eu falo a verdade.”

Ele estava falando sobre tudo o que havia acontecido com ele desde que veio para Yokohama? Havia escuridão nos olhos dele.

“Sério, adultos não fazem sentido para mim.” Amuado, Ranpo começou a chutar o tapete em que estava parado com a planta do pé. “Se um garoto como eu foi capaz de descobrir isso, então, com certeza, você e a polícia já notaram há muito tempo, né? Minha mãe nunca se cansava de me dizer: ‘Você ainda é apenas uma criança.’ E eu concordo com ela. Eu realmente não entendo o que os adultos estão pensando. Às vezes, até duvido que eles saibam de alguma coisa, mas isso nem é possível.”

“Você ainda é apenas uma criança.” Claro que você não entende adultos. Porque os adultos são mais espertos do que você.

Foi isso que ela quis dizer? Não é difícil perceber por que os pais de Ranpo enfiaram isso em sua cabeça, pelo menos até certo ponto, e ainda assim...

“Então você acha que os adultos também percebem coisas que você nota?”

“Sim. Tem algum problema?”

A cabeça de Fukuzawa estava girando.

Foi então que ele percebeu que ele estava enfrentando algo maior do que nunca. Ele ficou impressionado pelo quão grave era.

Esse garoto não sabia de nada. Ele não tinha ideia de que a maioria das pessoas não tinha ideia do que estava acontecendo.

Ele era assim desde que se conheceram. Ele acusou o secretário de assassinato e leu os verdadeiros sentimentos da Egawa-san. Mesmo agora, seus olhos viam muito mais do que qualquer adulto, incluindo Fukuzawa. No entanto, Ranpo ainda não tinha percebido que o que ele viu só era visível para ele e só para ele. Ele ainda era imaturo nesse sentido.

Só depois de crescer é que as pessoas aprendem que os outros são diferentes — que as pessoas podem estar olhando para as mesmas coisas, mas as percebem de forma diferente. Na verdade, mesmo algumas pessoas já na vida adulta muitas vezes se esquecem disso. Eles presumem que todos pensam da mesma forma que eles, o que geralmente leva a conflitos. Era isso que significava ser humano. Ranpo, ainda ingênuo, pode ter caído nessa armadilha, mas ele não merecia ser culpado. Mesmo assim, Ranpo era um caso extremo. Embora possuísse poderes extraordinários de observação, ele não se achava especial.

Por quê? Foi culpa de seus pais? Foi porque ele viveu uma vida protegida com pais que tinham mentes que rivalizavam com a dele?

Fukuzawa não conseguia mais ignorar aquele pressentimento. Era curiosidade. Ele queria saber o quão talentoso esse garoto era.

“Ei, garoto. O que você sabe sobre mim?”

“Hã?” Ranpo fez uma cara estranha. “Como assim? A gente acabou de se conhecer, oji-san. Eu não sei nada sobre você.”

“Qualquer coisa serve,” assegurou Fukuzawa. “Apenas me diga o que você sabe ou o que percebeu. Se você superar minhas expectativas, vou te ajudar a achar seu próximo emprego depois disso. O que você acha?”

“Uh...? Adultos realmente gostam de fazer acordos, não é?” Ranpo relutantemente assentiu. “Tudo bem. Mas, falando sério, acabamos de nos conhecer, então vou saber muito menos sobre você do que a maioria das pessoas, tá?”

Ranpo provavelmente era o único que pensava assim.

“Apenas tente.”

“Hmm...” Ranpo cruzou os braços antes de continuar. “Você tem trinta e poucos anos. Um guarda-costas. Você é um mestre nas artes marciais; afinal, você derrubou um assassino como se ele não fosse nada. Você é solteiro. Você trabalha sozinho. Você é destro. Quando você se sentou no café, inconscientemente se certificou de se sentar com a parede à sua direita, então você costumava praticar a esgrima também. Afinal, se a parede estivesse do lado esquerdo, você não seria capaz de sacar sua espada rapidamente se algo acontecesse. Você se sentou onde a entrada era visível, o que me mostra que você presenciou bastante história de carnificina em sua vida. O motivo de você quase não fazer nenhum barulho, mesmo enquanto caminha no chão firme do teatro, é que você treinou para combate em ruas e em lugares fechados. O motivo de você ter começado a andar com um olho fechado um pouco antes de passarmos pela entrada de serviço escura foi para que você pudesse ver imediatamente os arredores no momento em que pisasse no escuro. Resumindo, você é treinado para emboscadas em lugares escuros.”

Fukuzawa pôde sentir seu corpo ficar cada vez mais frio. Ele lentamente perdeu a sensação nos dedos dos pés. Sua garganta tornou-se seca e ficou tenso quando suas palmas começaram a suar.

“Você tem uma boa reputação como guarda-costas, mas não está no ramo há muito tempo. A função de um guarda-costas é proteger as pessoas, então você não precisaria de andar escondido no escuro sem fazer barulho. Você largou seu emprego antigo, mas não estava trabalhando nas sombras para matar pessoas por dinheiro como aquele assassino de antes. Você deixou isso claro quando não demonstrou nenhuma emoção real quando falou sobre assassinos. Além disso, você não parecia estar em estado de alerta quando falou com a polícia. É por isso que seu trabalho anterior não era algum tipo de trabalho ilícito e sombrio. Mas você não usa mais uma espada, apesar de ser sua área de especialização, e isso porque você fez algo que se envergonha em seu último trabalho.”

Fukuzawa sentiu uma dor intensa no peito. Sua garganta estava tão seca que ele mal conseguia respirar. Tudo estava tremeluzindo em vermelho e preto.

“Mas que tipo de trabalho que você usa sua espada para emboscar pessoas seria algo dentro da lei e vergonhoso? Pensando bem, há alguns anos houve muita disputa sobre o acordo de cessar-fogo. Havia uma facção agressiva que defendia a manutenção e expansão das linhas de frente. Mas um por um, eles foram encontrados mortos junto com os líderes dos partidos militares estrangeiros que os apoiavam. Percebi que você fez uma careta na banca de jornal quando viu o artigo sobre o acompanhamento do caso, o que me fez pensar—”

“Cale a boca!”

Fukuzawa explodiu. Como se seu espírito estivesse fisicamente brotando na sala, o vidro balançou, as luzes se acenderam e um funcionário do teatro que caminhava ao longe soltou um leve grito. Foi um fenômeno semelhante ao que é chamado de Toate nas artes marciais de alto nível. Estando ao lado dele, Ranpo sofreu o impacto do ataque inconsciente de Fukuzawa. Depois de ser empurrado alguns passos para trás, Ranpo caiu de costas como se tivesse sido atingido por um grande martelo invisível. Ele piscou, ainda sentado, com uma expressão perplexa. O ataque de energia Toate de nível superior deixou-o inconsciente por um segundo. Fukuzawa de repente voltou aos seus sentidos, embora assustado.

“Desculpe... Você está bem?” Ele se aproximou de Ranpo e o ajudou a se levantar.

“Hã...?”

Ranpo ainda estava piscando preguiçosamente. Fukuzawa foi dominado por um sentimento de vergonha. Era imperdoável para um mestre de artes marciais usar o que poderia ser considerado uma intenção de matar condensada em uma pessoa comum. Era uma evidência de quão perturbado Fukuzawa estava. Ele nunca pensou que ficaria tão chateado. Era algo que ele já havia aceitado; era um passado com o qual ele já tinha cortado relações. Os únicos que sabiam a verdade eram seus companheiros do passado.

Não foi um ato maligno. O caos provavelmente teria continuado sem a lâmina de Fukuzawa, levando assim a milhares de outras vítimas. Mas era um trabalho sombrio que nunca deveria vir à luz. Todos os envolvidos no trabalho de Fukuzawa eram funcionários de alto escalão do governo, mas ele não os havia contatado desde então. Cada um deles manteve a boca fechada sobre o incidente, e Fukuzawa planejou levar esse segredo para o túmulo. E, no entanto, um garoto que ele tinha acabado de conhecer descobriu muito facilmente.

“Não... Fale sobre isso,” Fukuzawa finalmente conseguiu dizer. “Eu entendi agora. Você é real.”

Nenhum segredo estava seguro na presença de Ranpo, mas ele não fazia ideia de que era especial, e era exatamente por isso que não era hora de ficar irritado. Tinha que haver uma maneira de fazer Ranpo reconhecer suas habilidades; Fukuzawa precisaria pensar em algo.

Nesse momento, uma campainha tocou no comunicador, sinalizando que a apresentação começaria em cinco minutos.

“Senhoras e senhores, o show está prestes a começar. Por favor, entrem,” disse o trabalhador em frente à porta.

“Vamos lá.”

Fukuzawa agarrou Ranpo, cujos olhos ainda estavam vidrados, e dirigiu-se para a porta do auditório.

Ele faria Ranpo observar o palco. O garoto pode ser capaz de descobrir algo dessa maneira.

Os pensamentos correram pela mente confusa de Fukuzawa. Ele ainda se sentia com nervos à flor da pele. Ter seu segredo conhecido o surpreendeu, e ele foi pego de surpresa pelos poderes de observação de Ranpo. Mas era isso? Era como se algo a mais se escondesse nas profundezas do desconforto de Fukuzawa — algo com que ele não estava em condições de lidar agora.

O show começou no momento em que Fukuzawa e Ranpo ocuparam seus lugares, no centro da primeira fila. Os assentos eram muito perto do palco, o que os tornava longe de serem adequados para assistir. Mas Fukuzawa os escolheu porque eles estavam mais próximos do palco caso ele precisasse correr para proteger um artista de um ataque. Ranpo sentou-se ao lado dele. Suas pernas tremiam enquanto ele olhava preguiçosamente para o espaço, como se ele ainda estivesse abalado pelo que aconteceu há pouco.

O teatro acomodava cerca de quatrocentas pessoas. Olhando em volta, quase todos os assentos estavam ocupados. O público era uma mistura de idades e gêneros, mas o maior grupo demográfico em geral eram mulheres na casa dos vinte anos.

Quando a campainha tocou e as cortinas se levantaram, o show finalmente começou. Fukuzawa já havia lido o roteiro, então ele sabia do que se tratava a peça.

A ameaça de morte disse: “Um anjo trará a morte, no sentido mais verdadeiro da palavra, para o intérprete.” O uso da palavra anjo provavelmente não foi uma coincidência ou piada. Afinal, essa peça era uma história sobre um anjo.

Fukuzawa pensou no roteiro. Se a peça fosse resumida em uma frase, seria: uma história sobre um anjo que mata. Era uma história em que cada um dos doze personagens é morto pelo anjo, um após o outro.

Os personagens mortos na história não fazem ideia de que estão sendo massacrados por um anjo porque não há nada de único nas formas como são assassinados: esfaqueados, uma queda fatal, estrangulamento, veneno. Além disso, ninguém nunca vê nenhum dos assassinatos acontecer; eles simplesmente morrem um por um. Portanto, os personagens não têm ideia se estão sendo julgados sobrenaturalmente por um anjo ou assassinados por um serial killer.

Um dos personagens teve uma ideia. “Se fosse um anjo, ele usaria a lâmina divina em suas mãos. Não haveria razão para ele esperar até alguém estar sozinho para matá-lo de alguma forma física.” É por isso que ele afirma que um dos doze personagens é um serial killer que está fazendo parecer que o assassino é um anjo.

Outro personagem disse: “Se isso foi obra de um homem, então isso significaria que o assassino seria um de nós. Mas isso é impossível. Não há razão para matarmos uns aos outros. Mas o anjo teria um motivo. Somos pecadores que desobedeceram ao anjo, e é o trabalho de um anjo purgar aqueles que fizeram o mal. Se observarmos a situação de outra perspectiva, todos os doze de nós somos iguais. Todos nós pecamos e estamos conectados por meio do medo do anjo. O que ajudaria matar um companheiro em fuga?”

O protagonista, Murakami, era como um líder que os mantinha juntos. De pé no palco, Murakami gritou: “Ó Senhor, nós pecamos. Você nos cortou nossas asas e nos deixou neste planeta para nos punir. Não foi o suficiente para Te redimir? Por que devemos sofrer tanta crueldade?”

Os doze pecadores também eram anjos no passado. Eles admiravam os humanos e procuravam coexistir com eles, o que enfureceu tanto Deus que Ele tirou-lhes os poderes e os baniu para a Terra como seres humanos. A peça foi intitulada como: O mundo vivo é um sonho, o sonho noturno é realidade. A trama envolve antigos anjos banidos do mundo celestial e tornados mortais que se reuniram em um velho teatro para ganhar o perdão de Deus.

Durante tudo isso, os doze personagens foram mortos um após o outro, então eles tentam descobrir se era um anjo que estava os matando ou se era um de seus semelhantes. De alguma forma, era uma história de mistério também. Entre as partes de mistério, focava-se nas relações entre os personagens, seu amor e seu ódio. Os antigos anjos trabalharam juntos como amantes, irmãos e inimigos, mas, ao mesmo tempo, eles duvidavam um do outro. Eles vagaram pelo velho teatro, imaginando se algum dos irmãos poderiam ser o assassino. O objetivo deles era encontrar um determinado usuário de habilidade que habitava o teatro.

“O que é um usuário de habilidade?” Ranpo perguntou de repente.

Fukuzawa hesitou por um momento, mas não porque ele não sabia como explicar que os usuários de habilidades não eram muito conhecidos ao público. Estavam no meio da apresentação — eles chamariam a atenção se começassem a falar na primeira fila.

“Você vai ver,” foi a única coisa que ele acabou dizendo.

O que era peculiar nesta peça é que mencionava a existência de usuários de habilidade. Revelar sua existência não era proibido, mas havia uma escuridão que a rodeava sobre essa existência. Devido à guerra, o número de usuários de habilidades trabalhando legalmente diminuiu, e a maioria deles desapareceu dos olhos do público ou começou a trabalhar para uma organização clandestina. Além disso, havia uma agência governamental gerenciando usuários de habilidades do país, portanto, divulgar a existência de usuários de habilidades poderia se tornar um problema. Por causa disso, o número de pessoas que sabiam que os usuários de habilidades especiais não eram nem um boato nem um conto de fadas, era decididamente pequeno; assim, uma peça que incluísse um deles era uma anomalia. Devido a essas circunstâncias, o usuário da habilidade foi retratado de uma boa forma, embora sob o pretexto de ficção.

Uma habilidade por pessoa.

Alguns podiam usar sua habilidade de maneira controlável, enquanto outros de maneira incontrolável e ativavam automaticamente.

Enquanto algumas pessoas nasceram com habilidades, outras desenvolveram repentinamente as suas.

As habilidades nem sempre fazem o possuidor feliz.

Os personagens da peça estavam procurando por um usuário de habilidade que se encaixasse nessas regras. Um após o outro, seus companheiros desapareceram. Eles começaram a desconfiar um do outro, mas continuaram vagando pelo teatro em busca daquele raio de esperança, pois aquele único usuário de habilidade era o único que poderia perdoá-los de seus pecados.

Durante a peça, foi explicado que os usuários da habilidade eram antigos anjos que uma vez foram expulsos do mundo celestial, mas tiveram permissão para retornar. Eles receberiam de volta uma pequena porção de seus poderes ilimitados e teriam permissão para estar diante de Deus novamente. Eles eram novos anjos que terminaram de pagar seus pecados — usuários de habilidade.

Fukuzawa não pôde deixar de pensar sobre essa interpretação criativa. Ele tinha encontrado inúmeros usuários de habilidades devido à natureza de seu trabalho. O assassino que matou o secretário era provavelmente um também. De outra forma, ele não teria dado aquele tiro com os braços amarrados atrás das costas e um saco na cabeça.

Se ele fosse um anjo que estava expiando seus pecados, então o céu seria um caos. Independentemente disso, estava claro que a pessoa que escreveu o roteiro conhecia os usuários de habilidades e provavelmente esperava realizar algo transformando-o em uma peça.

Isso estava de alguma forma relacionado à ameaça de morte?

Um assassino que se referia a si mesmo como V...

Uma peça sobre a busca por um usuário de habilidade...

O olhar de Fukuzawa vagou pela multidão. Nem uma única alma abriu a boca enquanto estavam de olhos grudados no palco. Eles se esqueceram de fazer expressões. Eles até se esqueceram de quem eram enquanto olhavam atentamente para a peça. O poder da performance estava fazendo o público esquecer que eles estavam lá — levando-os para um lugar bem longe. O público tinha vindo até aqui e pagado pelo evento. Eles sabiam que isso aconteceria; foi por isso que eles vieram. Todos deixaram o drama, o roteiro excêntrico e a atuação de tirar o fôlego, especialmente a de Murakami, levá-los enquanto deixavam temporariamente seus corpos para trás.

Mas Fukuzawa não podia se permitir fazer isso. Deixar seu corpo para trás agora causaria problemas. Ele concentrou sua atenção e olhou para a multidão.

 Certamente o inimigo não estava descaradamente sentado lá com o público, mas agir como um cliente para entrar sorrateiramente era comum. Fukuzawa casualmente olhou para trás enquanto se sentava na frente, procurando por alguém agindo de forma suspeita ou saindo da cadeira sem um bom motivo durante o ato.

Forçando os olhos na escuridão, ele via alguém de vez em quando que não era necessariamente suspeito, mas que não parecia estar muito entusiasmado. Uma mãe e seu filho. Um jovem casal. Um velho carrancudo. Uma mulher de meia-idade cochilando, tendo sucumbido à sua fadiga. Um homem vestindo um sobretudo que parecia estar se concentrando no teatro em si ao invés dos atores no palco.

O último homem de terno chamou ligeiramente a atenção de Fukuzawa. Não havia nada em sua aparência que realmente se destacasse. Ele era o tipo de cara comum. Ele usava um terno marinho com um chapéu-coco de aba larga e segurava uma bengala em forma de T em uma das mãos. Ele era uma reminiscência do típico cavalheiro ocidental. Não estava claro o que incomodava  Fukuzawa exatamente, mas havia algumas coisas que tornavam aquele sujeito suspeito. Ele estava sentado na primeira fila, ele se sentou completamente ereto e não se mexeu nem um pouco e seu sobretudo era um pouco grande para sua aparência excessivamente magra.

Após uma análise mais minuciosa, o homem tinha um olhar penetrante contrário à sua aparência cavalheiresca, quase como se estivesse olhando para o interior dos atores. Os olhos eram os de um predador, como um falcão ou leopardo momentos antes de atacar a sua presa. Uma coisa era certa: eles não eram os olhos de alguém apreciando a peça. O grande sobretudo estava sendo usado para esconder uma arma? A bengala em sua mão era uma bengala de espada? Fukuzawa seria capaz de detê-lo nesta posição se o homem começasse um ataque surpresa, mas...

Fukuzawa mediu tranquilamente a distância com seu olhar. Ele executou cada movimento que o inimigo podia fazer em sua mente e calculou como reagiria. Foi aí que...

“Ei, posso te perguntar uma coisa?” Ranpo perguntou de repente. “Todo mundo aqui pagou para ver isso, né?”

“Nada de falar durante o show,” repreendeu Fukuzawa. Contudo...

“Por que alguém pagaria para assistir a uma história tão previsível?” Perguntou Ranpo. Ele parecia incrédulo, como se não pudesse acreditar no que estava acontecendo.

Fukuzawa teve um mau pressentimento sobre isso.

“Quer dizer, até a reviravolta é tão previsível! Esse é o assassino! Mesmo uma criança não precisaria de mais de cinco minutos para descobrir!”

As pessoas sentadas em ambos os lados de Fukuzawa e Ranpo começaram a resmungar para si mesmas em irritação, mas Ranpo não prestou atenção.

“O motivo de conseguirmos estar do lado protagonista na hora do primeiro assassinato foi porque ele usou um truque de vela como cronômetro! Havia apenas duas velas! Você deve ter visto isso também, né, oji-san?”

Uma pequena comoção começou a crescer em torno de Ranpo. O ator no palco estava olhando para ele também.

“Ugh! Você é tão idiota! Aquele cara que você está pedindo ajuda é o assassino! Você ainda tem a primeira foto que tirou, né? Você seria capaz de ver que ele é o assassino se você apenas olhasse para ela! Por que você está perdendo tempo?”

Alguns membros da audiência começaram a sussurrar.

“O que há de errado com aquele menino?”

“Mas... Espera. Esse é o assassino? Não mesmo.”

“Mas tudo faria sentido se fosse ele, né?”

“Pare,” Fukuzawa repreendeu Ranpo levemente.

Mas Ranpo continuou. “Ah, ótimo. Simplesmente ótimo. Os dois que foram para a sala de cargas serão mortos em seguida porque acabaram de ver a teia de aranha que poderia ter sido usada como evidência. Agora vejam. O assassino vai dar uma desculpa para sair da sala como se precisasse pegar o mapa ou algo assim. Ugh! Não deixem ele fugir!”

Ranpo bateu os pés no chão de forma agravada. Quase imediatamente...

“Vou pegar o mapa,” disse o personagem no palco enquanto desaparecia atrás coxia.

“Viu?! Isso é tão irritante!”

A comoção começou a ficar mais alta.

“Nem pensar. Esse é o assassino?”

“M-mas ele é um cara tão bom... Por quê?”

“Tudo o que ele disse para a namorada era mentira?”

Os sussurros começaram a se espalhar de assento em assento. As dores de estômago de Fukuzawa só estavam piorando.

“Isso já basta. Tem coisas que você só precisa guardar para você mesmo.” Exigiu Fukuzawa com um pouco de força.

“Por quê? Por que todo mundo está assistindo este show? É tão irritante!” Os olhos de Ranpo estavam ardendo em chamas. “Sério, por quê? Isso não faz sentido para mim. Eu não entendo ninguém! Por que os adultos são assim? Por que todo mundo é assim? Alguém, só me fala por quê!” Ele gritou.

Este acesso de raiva não veio do nada. A dúvida e o estresse vinham crescendo dentro dele há muito tempo, esperando para explodir.

“Não entendo o que as pessoas estão pensando! medo! Parece que estou cercado por monstros! Não importa o que eu diga — ninguém me entende! Meus pais foram os únicos que entendiam e eles estão mortos!”

Desta vez, ele estava gritando — uma lamentação angustiada destinada a lugar nenhum em particular. O protagonista no palco implorava ao usuário de habilidade, que não estava em lugar nenhum, para salvá-los. Enquanto o protagonista clamava por socorro, Ranpo também o fazia.

“Se há um usuário de habilidade aqui, me salve! Se há um anjo, então me salve! Por que devo ficar sozinho?! Por que eu tenho que viver sozinho no meio de um monte de monstros?”

“Chega!” Fukuzawa agarrou Ranpo com as duas mãos. Ranpo o encarou de volta com clara animosidade em seus olhos.

“Eu vou te dizer por quê. Eu direi o que você quer saber, então pare.”

“...”

Ranpo não disse uma palavra. Naquele momento, o palco ficou escuro, e as luzes começaram a brilhar uma a uma sobre o público.

“Teremos agora um intervalo de quinze minutos. A segunda parte começará às seis e vinte.”

Uma transmissão soou em todo o teatro.

Fukuzawa voltou a pensar na programação. Ele tinha quase esquecido de que haveria uma pausa no meio do show.

Sombras começaram a se levantar e conversar.

“Venha comigo.”

Fukuzawa segurou a mão de Ranpo, mas Ranpo estava de mau humor e desviou o olhar sem sequer se mover.

“Agora!”

Depois de forçar Ranpo a sair de seu assento, Fukuzawa o arrastou para fora do auditório.

Eles caminharam até alguns assentos quadrados no saguão longe da multidão. Ranpo estava sentado, embora amuado, enquanto Fukuzawa estava bem na frente dele. Ranpo estava mexendo nas mangas, tão chateado que não conseguia ficar quieto. Fukuzawa o observou sem dizer uma palavra. Em pouco tempo, cinco minutos de silêncio imutável se passaram.

“Tá bom,” murmurou Ranpo como se não aguentasse mais o silêncio. “Acaba com isso. Me dá sua bronca. Eu fui repreendido assim por toneladas de pessoas nos meus empregos anteriores, então eu sei que isso vai acontecer. Eu sei o que você vai dizer também.”

“Você é surpreendentemente consciente,” observou Fukuzawa, em voz baixa.

“Vou ser xingado porque fiz algo errado, né? Se sim, então realmente me faria sentir um pouco melhor. É um conceito fácil de entender.”

“...Você tem razão.”

Fukuzawa ponderou. Ele não era uma pessoa que poderia ensinar algo a esse garoto. Ele sempre evitou dar orientação aos outros em toda a sua vida. Esta foi a primeira vez que ele se arrependeu disso. Fukuzawa precisava dizer algo a ele. Este adolescente estava na beira do penhasco, inclinando-se para frente.

“Me conte sobre seus pais.” Fukuzawa fez questão de selecionar suas palavras com sabedoria. “Disseram alguma coisa sobre o seu dom?”

“Meu ‘dom’?” Ranpo franziu a testa. “Eu não teria problemas para encontrar um emprego agora se eu tivesse um dom.”

“Então... Te disseram alguma coisa sobre o seu futuro?”

“Bem... Meu pai sempre disse: ‘Um dia, você vai superar a mim e sua mãe e vai ganhar a admiração de todos ao seu redor. Mas agora não é essa hora. Continue humilde e fique quieto. Seja sempre modesto. Apenas observe em silêncio e não machuque os outros com o que você descobrir.’ ...Ou algo assim. Mas eu realmente não sei o que ele quis dizer.”

Eu percebi.

Fukuzawa assentiu discretamente.

Afinal, seu pai sabia. Ele entendeu que Ranpo possuía um dom extraordinário. Ele sabia que seu filho tinha a habilidade especial de observar, lembrar e descobrir a verdade num piscar de olhos. Foi por isso que ele manteve isso selado. Ele não queria que Ranpo se perdesse, que alguma vez magoasse os outros e tornasse o mundo seu inimigo. Seu pai queria que Ranpo aprendesse a virtude e o que é certo, como qualquer pessoa comum, até que ele crescesse com bom senso e conhecimento.

Ele o estava protegendo, criando um casulo transparente para proteger seu dom extraordinário deste mundo estranho. Os pais de Ranpo o criaram como uma criança comum. Deve ter sido uma façanha surpreendente. Deve ter sido difícil convencê-lo de que o mundo que ele via era normal e nada do que ele conhecia era mais do que senso comum. Mas os pais do Ranpo fizeram isso com as suas mentes extraordinárias. O que era tal façanha, se não o amor incondicional? Mas muito antes de Ranpo ter amadurecido completamente —muito antes de Ranpo estar pronto para o mundo — eles partiram desta vida. Uma larva imatura, porém dotada, foi despojada de seu casulo e abandonada.

As palmas dos punhos cerrados de Fukuzawa começaram a suar. Não importa o quão forte seja seu oponente, ele nunca experimentou um medo assim. A larva estava sem abrigo. Ele estava apenas a momentos de ser esmagado pelo mundo exterior. Se Fukuzawa não usasse a quantidade certa de força, então o dano seria irreparável. Embora hesitante, Fukuzawa finalmente falou.

“Você tem... um dom. Um dom de observar e deduzir. Ninguém jamais descobriu meu trabalho anterior. Ninguém sabia quem realmente matou a presidente daquela empresa além de você. Você é especial, Ranpo, e se quiser, você se vai se tornar uma mente maior até do que a dos seus pais.”

“Até parece.” Ranpo negou a afirmação. “Meus pais eram incríveis. Não há como ultrapassar eles para chegar ao topo porque eles eram o topo. Nenhum deles me disseram uma vez que eu tinha um dom, e eu acredito neles.”

Ele era teimoso. A parede protetora que seus pais criaram era grossa. Essa parede protegia Ranpo de um mundo de pessoas comuns que o temiam e não o entendiam, mas era também o que o tornava incapaz de entrar no mundo exterior.

“Durante a peça, você foi capaz de adivinhar quem era o assassino,” Fukuzawa continuou. “E naquela parte da performance, você provavelmente era o único na plateia que sabia. Eu mesmo não sabia até terminar de ler o roteiro.”

“Hã?” Ranpo lançou um olhar distintamente inquisitivo. “Não minta para mim. Se eu descobri isso, certamente um adulto não teria nenhum problema.”

A discussão estava andando em círculos. Ele não entendia os outros porque não achava que era especial. Ele não achava que era especial porque não entendia os outros, o que apenas confirmou o que seus pais lhe disseram. Era uma lógica inflexível que se alimentava uns dos outros e a única maneira de rompê-la seria trazer algo completamente novo.

Algo diferente.

Um novo fator que Ranpo nem mesmo teria pensado.

“Me diz uma coisa.” Fukuzawa perseverou. “Você já pensou que as pessoas ao seu redor eram burras? Que eram um bando de idiotas que não entendiam nada?”

“...”

Ranpo lançou a Fukuzawa um olhar cético e alguns momentos se passaram antes de ele responder.

“...Já.”

“É isso. Acredite nisso. Você tem um dom, mas todos os outros são tolos, inclusive eu. O motivo de você estar sozinho é por causa de seus talentos. Use eles. Não há nada que você não possa fazer.”

“Não pense que você pode me controlar com alguns elogios.” Ranpo desviou ligeiramente o olhar. “Minha mãe me disse para nunca menosprezar os outros. Além disso, por que só eu seria especial? Há tantas pessoas na cidade, então por que eu seria o único especial?”

“Isto porque...”

Eu estou quase lá. Eu não posso estragar tudo agora.

O tempo para a decisão estava próximo. Fukuzawa não sabia se exprimir de forma convincente. Ele não era alguém que poderia manipular os outros com suas palavras. Só lhe restava uma carta na manga para ele jogar.

Sinceridade.

“Você tinha razão,” admitiu Fukuzawa. “Eu costumava carregar uma espada na cintura. Desde muito cedo, treinei numa escola de artes marciais do governo. Eu era um dos cinco maiores espadachins do governo, conhecido como Goken. Eu realmente pensei que minha espada era para a paz e o bem-estar da nação... E eu matei por essa crença.”

Fukuzawa olhou para longe. Ranpo observou cuidadosamente suas expressões.

“Os assassinatos eram extremamente simples. Eu tinha uma vantagem esmagadora, e nem mesmo tive dificuldades em batalha. Comecei a me assustar quando percebi que estava ansioso para a minha próxima missão. Eu não sabia mais se estava matando pelo país ou matando por prazer. Foi quando decidi largar de vez minha espada.”

Fukuzawa permaneceu calmo enquanto falava.

Por que estou dizendo isso a ele? Por que estou dizendo a esse garoto algo que nunca disse a ninguém antes?

Mas as palavras rastejaram continuamente das profundezas de seu coração e derramaram de sua boca.

“O poder deve ser mantido sob controle. O poder que não pode ser controlado deve ser descartado. Se você se recusa a reconhecer seu dom, você não é diferente do homem sanguinário que eu costumava ser. Você deve reconhecer seus talentos, especialmente agora que seus pais se foram.”

Fukuzawa ansiava falar mais eloquentemente. Ele não precisava da habilidade de incendiar uma multidão inteira, ou mesmo um tipo de bajulação fútil que poderia despertar a população. Tudo o que ele queria era ser capaz de contar uma mentira leve para que o garoto pudesse ver a verdade simples.

“Eu entendo o que você está dizendo, mas...” Ranpo fez uma careta para Fukuzawa enquanto permanecia sentado. “Mas, então me diga. O que eu sou? O que meus pais estavam me dizendo? Me faça entender por que estou aqui, por que sou assim. Se pode fazer isso, então acreditarei em você.”

Ranpo não estava mais de mau humor. Em vez disso, ele estava procurando honestamente por uma resposta — algo que ele nunca tinha feito antes. E Fukuzawa era o único que poderia dar resposta a ele.

“O intervalo está prestes a acabar. Por favor, retornem aos seus lugares.”

O anúncio passou pelo comunicador. As poucas pessoas ao redor começaram a se afastar e voltar para seus lugares, e Ranpo já estava olhando para a pequena multidão. Fukuzawa não tinha muito tempo. Se ele deixasse essa chance passar, Ranpo provavelmente nunca mais procuraria respostas novamente.

“É que...”

Fukuzawa fez uma pausa no meio da frase.

Qualquer coisa. Qualquer coisa serviria. Ele só precisava dizer algo.

Ele já tinha usado o ás na manga: sinceridade. Ele não era bom em persuadir os outros ou em falar eloquentemente. Ele era ainda pior em mentir. Só então... Fukuzawa de repente viu o roteiro enrolado na mão de Ranpo. A companhia de teatro deu a ele, mas ele não passou do primeiro parágrafo antes de ficar entediado. Como se por reflexo, Fukuzawa disse:

“Porque você é um usuário de habilidade.”

Ranpo parecia perplexo. “...O quê?”

“Um usuário de habilidade,” repetiu Fukuzawa. Mesmo ele ainda não tinha certeza do que estava dizendo. “O motivo de você ser especial é porque você é um usuário de habilidade. Sua habilidade despertou quando seus pais morreram. É... É exatamente isso.”

“Um usuário de habilidade? Por quê?”

Os olhos de Ranpo andaram em volta em uma confusão abjeta. Esta foi essencialmente a primeira vez que Fukuzawa experimentou algo assim em sua vida. Mais precisamente — ele nunca tinha falado tão impulsivamente.

“É tudo por causa da sua habilidade. Você consegue ver a verdade com nada mais do que só com uma olhada. Eles falaram sobre isso na peça, não é? Existem pessoas neste mundo que possuem habilidades sobrenaturais. E as habilidades nem sempre fazem o possuidor feliz. E as habilidades nem sempre fazem o possuidor feliz. A sua é o motivo de você estar com dor e o porquê de todos parecerem monstros.”

“...??” Ranpo estava perdido. Ele pestanejou em uma confusão silenciosa.

“Você tem que controlar sua habilidade.”

Fukuzawa agradeceu seu treinamento diário. Ele não tinha ideia do que estava dizendo, mas seu coração estava acelerado e suor frio escorria de suas palmas. No entanto, sua expressão estava completamente imóvel. Era como se ele estivesse lendo o jornal como sempre fazia. Qualquer hesitação numa luta com espadas reais pode levar à morte. O inimigo nunca deve ter a chance de observar seus olhos e prever o seu próximo movimento. Foi por isso que Fukuzawa foi naturalmente capaz de manter uma cara séria, mesmo se ele estava se sentindo angustiado ou aterrorizado. Simplificando, Fukuzawa estava agindo normalmente.

“Você é um usuário de habilidade, portanto, você é especial. Para provar isso, vou te ensinar como controlar essa habilidade. Você será capaz de utilizá-la livremente com a ajuda de um certo item. E com esse item, você vai aprender a controlar essa habilidade que te traz tanta dor.”

“...? Um ‘certo item’? Tipo o quê...?”

Inclinando-se para a frente, Ranpo inclinou a cabeça para o lado.

Ainda não pensei assim tão longe.

Os olhos de Fukuzawa vagaram pela sala em busca de uma boa resposta.

Qualquer coisa serve. Não há nada aqui? Tem que haver algo que faça Ranpo se concentrar. Alguma coisa...

Sua mão passou levemente o bolso.

É isso.

“Isto.” Fukuzawa tirou algo do bolso.

“Mas que...? Óculos?”

“Foi um presente que ganhei de um nobre conhecido em Kyoto.”

Eu menti. Era um produto parado no estoque da loja do bairro.

“Quando você usar ele, sua habilidade será ativada e você será capaz de ver a verdade imediatamente. Por outro lado, quando você não os estiver usando, não vai mais se preocupar com o quão tolos aqueles ao seu redor são. Aqui, isso é seu.”

“...Tá bom...” Ranpo aceitou os óculos de armação preta como se não tivesse ideia do que estava acontecendo.

“Para mim, parecem baratos e comuns...”

Ele está certo.

“Claro que parecem, já que você nem sabia que as habilidades existiam até hoje.” Fukuzawa respirou fundo silenciosamente.

“Então... É só eu colocar eles?”

Ranpo desdobrou as pernas dos óculos, abaixou a cabeça e começou a colocar os óculos quando—

“Katsu!”

—Fukuzawa soltou um grito de batalha, e Ranpo perdeu a consciência imediatamente. Foi uma explosão de energia, como a de antes, mas a escala e direção foram diferentes desta vez. Foi outro Toate normalmente usado em batalhas de vida ou morte, mas Fukuzawa tinha utilizado para derrubar Ranpo. Mesmo a mente de um artista marcial altamente treinado ficaria em branco e perderia o controle de seu corpo diante de tal ataque, então um adolescente como Ranpo não tinha chance.

Ranpo estava inconsciente enquanto segurava os óculos contra o rosto. Ele desabou em sua cadeira, e o impacto fez com que os óculos entrassem completamente em torno de suas orelhas.

“...Hã...”

“Olhe. O mundo é um novo lugar,” disse Fukuzawa.

“Hã...? O que aconteceu...? Isso está mantendo minha habilidade sob controle...? Mas eu não me sinto diferente... Será...? Ou será que não...? Estou sentindo minha cabeça meio estranha...”

“Os óculos aceitaram você,” afirmou Fukuzawa com um tom profundo em sua voz.

Ele estava com a expressão de um ser iluminado vivendo no topo de uma montanha sagrada. No fundo, entretanto, ele ficou surpreso com o quão estranha era sua afirmação.

“Use eles para controlar sua habilidade. De agora em diante, você é o detetive de habilidade Edogawa Ranpo. Use sua habilidade para descobrir a verdade. Destrua o mal escondido na escuridão. Você pode fazer isso, pois é o melhor detetive do mundo.”

“Eu, hã... ‘M-melhor detetive do mundo’?”

“Sim. O melhor detetive do mundo,” repetiu Fukuzawa como se estivesse reforçando esse pensamento na mente de um filhote recém-nascido. “Não está tudo claro agora? O mundo não é um lugar assustador. Todo mundo não é um monstro. Eles são apenas mais burros do que você.”

Ranpo prendeu a respiração. Ele traçou o dedo ao redor da armação dos óculos enquanto pensava.

“Mas... Não, poderia ser...? Então, antes e naquela hora... Todo mundo era apenas burro? Eles simplesmente não sabiam de nada?”

“Exatamente. Escute, Ranpo. O mundo está cheio de idiotas. Eles não sabem ver as coisas. Eles são bebês que nem conseguem levantar a cabeça ainda. Ninguém tem más intenções com você. Você acha que os bebês odeiam os outros? Você acha que eles tentariam confundir alguém para enganar?”

“...Não,” murmurou Ranpo com a cabeça baixa. “Então, aquela vez... E aquela outra vez... Toda a dor que sofri... Mas quando você diz desse jeito... Entendi...” Curvado com um olhar abatido, Ranpo levantou a cabeça ligeiramente. Era como se ele estivesse saindo lentamente de seu casulo. “Entendi... Então é por isso. Ninguém me odeia.”

“Ninguém te odeia.”

Ranpo de repente pôs-se de pé em um salto. Seu sorriso radiante se estendeu de orelha a orelha.

Você praticamente podia ouvir a lâmpada acender em sua cabeça.

“Ha-ha-ha... Ha-ha-ha-ha! Ha-ha-ha-ha-ha! Tudo faz sentido! Então todo mundo é apenas um bebê! Bem, é claro que são! O mundo não é um lugar nojento! De jeito nenhum! É só um lugar simples e estúpido!”

Ranpo riu de alegria. Ele se levantou, praticamente irradiando um brilho poderoso como o sol da manhã. Sua expressão estava mais brilhante do que Fukuzawa já tinha visto antes. Ranpo estava radiante com o seu renascimento. Então ele declarou: “Parece que eu tenho mesmo que proteger essas crianças burras!” Ranpo rapidamente se virou e olhou para Fukuzawa. “Volta para o teatro sem mim, oji-san! Tem uma coisa que preciso fazer. Provavelmente ainda posso evitar que o assassinato aconteça!”

“...Quê?”

“O assassino vai fazer o que disse que ia fazer! Isso está muito claro! Então, vou usar isso a meu favor! Agora vá! Eu preciso de você ao lado do palco!”

Ranpo empurrou firmemente, por trás, Fukuzawa para frente. Fukuzawa não tinha ideia do que estava acontecendo. A mentira vinda do fluxo de pensamentos fez com que o Ranpo percebesse que tinha um dom há poucos momentos, mas agora parecia que já havia passado disso.

O que estava acontecendo? O assassino estava prestes a atacar?

“Espera. Mas se fizermos isso—”

“Confie em mim! Apenas vá!”

Ranpo estava empurrando Fukuzawa ainda mais agora. Perdendo a iniciativa, Fukuzawa foi lentamente empurrado para dentro do salão, incapaz sequer de resistir.

Mas... Se o assassino realmente estava prestes a fazer um movimento, não seria perigoso deixar Ranpo sozinho?

Então, o sinal que sinalizava a subida da cortina tocou.

“Já consigo ver — o alvo do inimigo, o plano deles! Eu posso ver tudo! Eu vou ficar bem. Vá em frente. Eu quero que você fique de olho no público!

Fukuzawa hesitou. Era incrível que Ranpo estava motivado, mas se o que ele disse era verdade, então isso significaria que havia um assassino à espreita no teatro. Não havia maneira de impedir o plano do inimigo que não fosse perigosa.

Ele olhou para a expressão de Ranpo. Era forte; era o rosto de alguém que se superou. Ele tinha superado paredes colossais e quebrado as correntes que o algemaram. Isso faria deste seu primeiro trabalho como um novo homem. Fukuzawa teve que confiar nele. Fazer qualquer outra coisa seria desrespeitoso.

“Tudo bem. Tenha cuidado,” disse Fukuzawa com um aceno de cabeça.

“Eu irei!” Exclamou Ranpo, sua voz projetando-se longe e amplamente. “Afinal, sou eu quem protege os tolos! Sou o maior detetive do mundo!”

Fukuzawa voltou para o escuro teatro sozinho.

Depois de fazer algo tão fora do normal, ele sentiu que sua cabeça estava cheia de tijolos. Ele não estava nem um pouco confiante de que o que tinha feito estava certo. Afinal, Fukuzawa não tinha trabalhado tanto para fazer algo por outra pessoa nestes últimos anos. Talvez daqui a uns dias ele perceba que cometeu um erro grave e que esta mentira arruinou completamente o Ranpo. Nada poderia ser dito com certeza ainda, no entanto. O sorriso de Ranpo, porém, era radiante. Tudo o que ele podia fazer era aceitar isso como prova para justificar o que tinha feito.

Fukuzawa caminhou pelo corredor enquanto olhava ao redor. A peça já tinha começado, por isso todos estavam com os olhos colados ao palco. Havia uma tela branca na parte de trás do palco que projetava o cenário de fundo. Essa performance usou móveis reais para as cenas, como escrivaninhas e estantes, mas o fundo complementar era um vídeo sendo projetado em uma tela em vez de uma pintura habitual. Foi provavelmente para reduzir os custos; a própria tela às vezes se deformava como areia movediça, desempenhando um papel nos efeitos especiais. Em pé diante da tela agora estava o líder, Murakami, que estava encarando o vazio sozinho para sua performance.

Era uma cena de tristeza enquanto ele implorava para o vazio, aparentemente clamando ao anjo que continuava a massacrá-los. Se Ranpo estivesse certo, então alguém seria assassinado em algum momento da peça. Ranpo disse a Fukuzawa para ficar o mais próximo possível do palco; se Fukuzawa fosse confiar nele, então seria aqui. O palco estava bem diante dele.

Independentemente disso, o assassino realmente cometeria um crime descaradamente na frente de centenas de pessoas? Como eles fariam isso? Todos tiveram seus pertences checados na entrada antes do show, então seria impossível entrar furtivamente com uma arma. Eles entrariam com zarabatana e dardos? Mesmo assim, havia uma grande distância até o palco. Eles teriam que ser tão habilidosos quanto um ninja do período Sengoku para fazer isso. Eles subiriam ao palco e matariam alguém, então? Isso funcionaria para o benefício de Fukuzawa, já que ele poderia intervir e evitar.

Seja como for, isso era um momento crucial. Algo estava prestes a acontecer aqui. Fukuzawa não conseguia tirar os olhos do público nem por um segundo. Ele ouviu com atenção, mas nem uma única voz podia ser ouvida na multidão. Tudo o que ouvia eram pessoas se ajustando e limpando as gargantas. Obviamente, a voz do jovem no palco era a mais alta.

“Nos perdoe, Anjo Guerreiro de Aureola! Caso contrário, apareça diante de nós!” Murakami gritou do centro do palco. Seu personagem estava exausto depois de vagar por anos, então ele estava vestindo uma túnica suja e esfarrapada. No entanto, seus olhos estavam em chamas com a dor invisível como se estivessem cheias de vida. “Eu não tenho medo de morrer! Se alguém precisa ser julgado, então perfure meu coração! Saque a Lâmina Celestial, que uma vez foi minha!”

Fukuzawa caminhou em direção ao assento enquanto assistia à apresentação. Murakami era bom. Ficou claro por que ele disse que mataria alguém para dominar a arte da performance; ele se destacou pelo seu talento. Ele gritou como se sua alma estivesse despedaçada; seus olhos se encheram de emoção que pareciam prestes a transbordar como lágrimas de sangue. Havia um encanto em sua voz, e o silêncio entre suas falas era quase mais eficaz do que as próprias falas enquanto ele implorava com a audiência. Não havia sequer um indício do homem arrogante no camarim. Sua expressão era diferente. Seus hábitos sutis eram diferentes. Talvez ninguém duvidaria se alguém dissesse que era o irmão gêmeo de Murakami. Murakami levantou as mãos para o ar.

“Eu sei porque você não se mostra! Você planeja matar todo mundo e me deixar aqui sozinho, certo? Você queria me mostrar a feiura do homem enquanto meus amigos duvidavam e desprezavam uns aos outros, certo? Então me permita revelar o seu pecado! Vou encontrar a chave para os céus e expor o seu pecado de inveja para—”

 

Murakami fez uma pausa repentina no meio da frase.

Uma lâmina estava perfurando seu peito.

Era uma lâmina branca com o comprimento de um braço, saindo de seu esterno. Seu traje estava manchado e rasgado.

A lâmina retirou-se. Sangue fresco jorrou da ferida enquanto ele grunhia.

E assim, ele caiu para a frente.

Ninguém se movia. Ninguém podia reagir. Não parecia real. Todos acreditavam que isso fazia parte da peça. Fukuzawa, por outro lado, podia sentir seu cérebro ficando dormente e frio.

Isso não estava no roteiro.

Fukuzawa correu quase imediatamente no momento em que Murakami caiu. Ele correu para o palco e rapidamente subiu as escadas, pousando no centro do palco iluminado antes de chegar até Murakami. O jovem estava deitado de bruços. A parte de trás de seu traje ficou manchada enquanto o sangue se espalhava pelo chão. Fukuzawa tocou no sangue e verificou como era; ele sabia exatamente como deveria sentir e como o cheiro teria. Isto não era sangue teatral. Era real.

Murakami não estava mais respirando. Seu rosto estava pálido e ligeiramente contraído. Fukuzawa verificou o pulso, mas estava fraco. Se a lâmina lhe atravessou as costas aonde estava ocorrendo a hemorragia, então seria seguro dizer que foi um ferimento fatal.

Mas...

Onde estava a arma?

“Chame uma ambulância!” Fukuzawa gritou para um artista na coxia. “Diga aos policiais da frente para fecharem as saídas!”

O barulho na plateia se espalhou como fogo.

O que aconteceu? O que diabos aconteceu com ele?

Fukuzawa olhou em volta. Ele já tinha verificado o palco da frente antes da performance. Não havia dispositivo que pudesse ter disparado uma lâmina. E ainda assim, Murakami foi empalado. Fukuzawa não poderia ter esquecido uma lâmina, mesmo que ela tivesse aparecido por apenas um momento. No entanto, não havia nenhuma arma à vista.

Foi como se ele tivesse sido apunhalado por um anjo invisível.

“Um anjo trará a morte, no sentido mais verdadeiro da palavra, para o intérprete.”

Não havia nenhuma arma no palco. Fukuzawa verificou debaixo do corpo de Murakami, mas... Nada. Talvez em cima? Fukuzawa rapidamente olhou para cima. Uma fileira de luzes brancas penduradas acima do palco estava dificultando a visão do passadiço, mas ele teve um vislumbre de um objeto em forma de caixa de metal refletindo a luz. Foi algum tipo de dispositivo? Ele estava posicionado bem acima de Murakami. Uma lâmina caiu de lá?

No entanto, o dispositivo quase desapareceu imediatamente na escuridão. Havia alguém lá em cima? Não, se alguém estivesse lá, Fukuzawa os teria visto independentemente do quão escuro estava no alto. Então onde estava o assassino? De repente, Fukuzawa pensou no que Ranpo lhe tinha dito.

“Eu quero que você fique de olho no público!”

Fukuzawa prontamente olhou para trás. No palco, ele tinha uma visão clara de toda a audiência. A maioria deles parecia não ter ideia do que estava acontecendo. Metade deles simplesmente olhou vagamente, enquanto a outra metade fez cara feia para Fukuzawa por perturbar a performance.

O assassino estava entre eles?

“Ninguém se mexa!” Rugiu Fukuzawa. “Isso não faz parte do número! Não saiam de suas cadeiras! Fiquem de olho na pessoa ao seu lado! Se alguém correr ou se esconder, então me informem imediatamente!”

Uma agitação abruptamente se espalhou pela plateia, e o medo os deixou paralisados.

“Ele está com a polícia?”

“Do que ele está falando?”

“Espera... Isso é...? Mas...”

Foi um grito que mudou tudo.

“Nãããooo! Tokio!”

Uma mulher veio tropeçando da coxia com um grito maníaco. Era um artista da companhia de teatro — uma das mulheres com quem Fukuzawa e Ranpo conversaram. Ela correu até Murakami enquanto gritava.

“Não! Isso não pode estar acontecendo! Nãããooo!!”

Um grito penetrante ainda mais alto do que qualquer coisa antes atravessou a sala do teatro. Foi o primeiro dominó; o foco do público mudou da peça para a realidade e do comum para o incomum. Várias pessoas começaram a gritar de uma só vez.

“O-o ator foi esfaqueado! Alguém matou ele! Ele foi assassinado!”

“Esperem! Não se mexam!”

Algumas pessoas correram para a saída; a voz de Fukuzawa não os alcançou.

Um homem tinha sido esfaqueado diante todos os olhos, e ele não sabia como. Porém, mais importante, a segurança do público não estava garantida. Não foi a razão que lhe disse isso; foram os instintos de Fukuzawa.

Fukuzawa então correu em direção aos assentos. O assassino poderia usar essa oportunidade para escapar. Na verdade, essa seria a única chance de escapar, já que a polícia estava prestes a isolar a área. Quem tentasse fugir seria um suspeito. Fukuzawa começou a agarrar as pessoas que se aglomeravam ao redor da saída e a jogá-las no chão, mas depois que uma pessoa era derrubada, outra vinha. O caos só continuou. Enquanto a multidão o empurrava violentamente, Fukuzawa repetidamente gritava para que eles se acalmassem.

No entanto, a confusão se espalhou por todo o teatro, tornando todos em animais selvagens.

Fukuzawa, desanimado, sentou-se no saguão. A atmosfera do teatro havia se transformado completamente. Funcionários e policiais entravam e saíam ocupados enquanto discutiam os assuntos seriamente. O teatro já havia sido isolado e os policiais uniformizados haviam fechado o prédio. Os funcionários encontraram pessoas tentando escapar, mas os trouxeram de volta. Portanto, o assassino ainda teria que estar dentro, sem poder fugir.

A situação no teatro foi resolvida rapidamente. A Egawa-san deve ter informado a todos o que fazer em caso de emergência. Murakami foi levado em uma ambulância, mas alguns outros artistas mencionaram que ele morreu a caminho do hospital. Foi um ferimento fatal. Fukuzawa testemunhou o momento em que Murakami foi morto. A largura da lâmina e a quantidade de sangue — era como se ele tivesse sido apunhalado por uma lâmina invisível.

O que diabos estava acontecendo?

Fukuzawa franziu as sobrancelhas.

Onde estava Ranpo? Ele desapareceu antes que as cortinas se levantassem e não tinha voltado. O trágico evento ocorreu poucos minutos depois que ele fugiu, exclamando que ele pararia o assassino, mas pareceu que nem mesmo Ranpo poderia fazê-lo a tempo. Mas fazia sentido, dado o curto espaço de tempo que ele tinha.

Mas então por que Ranpo não voltou?

O mau pressentimento no peito de Fukuzawa era como um peso puxando-o para baixo.

E se não fosse Ranpo que não conseguiria alcançar o assassino a tempo?

E se Ranpo tivesse usado seu dom inerente para encontrar o assassino, mas então algo aconteceu?

E se o Ranpo tentou parar o assassino? Se ele tentasse ficar no caminho do assassino, isso faria dele uma ameaça.

Facas e derramamento de sangue — um jovem que nem mesmo sabia se defender foi procurar o assassino sozinho.

Fukuzawa não podia sentar e esperar mais. Ele achou que encontraria Ranpo se esperasse no saguão, mas agora precisava procurá-lo.

Fukuzawa levantou-se e começou a andar. Ranpo não tinha tempo suficiente para ir longe demais, então perguntar em volta se alguém o viu seria sua melhor opção. Fukuzawa visualizou o mapa do teatro em sua cabeça. Havia três entradas: a entrada da frente usada pelos clientes, a entrada de vestiário usada pelos atores e funcionários, e a entrada de serviço usada para transportar o equipamento de palco. A entrada da frente levava os frequentadores para o saguão, o que os levaria ao teatro e ao balcão de ingressos. Em seguida, a entrada do camarim levava ao camarim, sala de ensaio, escritório e sala de reuniões. Finalmente, a entrada de serviço se abria para a câmara de armazenamento e armazém com uma passagem para atrás do palco. Não era impossível entrar e sair por essas entradas, mas eram essencialmente espaços fechados. Ou seja, o território dos espectadores e o território da companhia de teatro eram segregados.

Se Ranpo desaparecesse perto de uma dessas entradas, o lugar mais suspeito seria entre a câmara de armazenamento desocupada e o armazém. A entrada da frente era ocasionalmente usada por pessoas além de clientes e os artistas esperavam pela parte deles no camarim, o que significava que haveria testemunhas. Além disso, a câmara de armazenamento e o armazém estavam mais perto de onde ocorreu o intrigante assassinato. Se houvesse um lugar para montar um dispositivo de assassinato remoto, então esse seria o lugar e seria onde Ranpo iria para detê-lo. Fukuzawa passou pelos assentos da sala do teatro e se dirigiu ao palco. Os clientes ansiosos sentaram-se conforme lhes foi dito e esperavam nervosamente que a situação mudasse. O pânico se foi, mas as circunstâncias incomuns ainda deixavam as pessoas com medo. Alguns trabalhadores do teatro estavam entrevistando os clientes sentados, um por um, perguntando-lhes o que eles tinham visto e se eles notaram se alguém sumiu.

O assassino estava entre eles? Ou ele era um membro da companhia? Talvez fosse alguém que trabalhava no teatro? Fukuzawa suprimiu a vontade de agarrar cada um deles pelo colarinho e questioná-los enquanto cruzava a cena do crime em direção à atrás do palco. Esta área dos bastidores era vazia e ampla. Caixas de madeira e tábuas foram alinhadas com aparelhos de iluminação. Os dois fios de aço que atravessavam o chão deviam ser trilhos para transportar rapidamente o conjunto.

Fukuzawa olhou para o teto do palco. Logo após o assassinato, ele ergueu os olhos e viu uma espécie de caixa de metal além das luzes. Se fosse algum tipo de dispositivo controlado remotamente que soltasse lâminas, então tudo faria sentido.

Mas não havia nada no passadiço. Ele verificou a área dos bastidores, mas também não havia nada lá. Seus olhos estavam pregando peças nele? Não havia caixa de metal? Ou o assassino se livrou dela logo após o assassinato? Mas um dispositivo que pudesse soltar facas e imediatamente puxá-las de volta tinha de  ser grande. Se alguém tivesse carregado um objeto tão gigantesco, então Fukuzawa teria visto. Assim que ele começou a ir embora, houve um tumulto repentino vindo do saguão. Um policial veio correndo antes de sussurrar algo rapidamente para um trabalhador perto do palco.

“O que está acontecendo?” Fukuzawa perguntou depois de se aproximar do policial.

O policial de rosto pálido parecia ter se lembrado de Fukuzawa e respondeu imediatamente.

“E-ele se foi! Alguém na plateia desapareceu!”

“O quê?!”

Alguns policiais conversavam no saguão com expressões preocupadas. Eles mostraram suas anotações um ao outro, e revisaram a situação atual. Fukuzawa garantiu que seus passos fossem ouvidos enquanto ele se aproximava.

“Ei,” ele disse a eles.

Um policial levantou a cabeça.

“Ah. Olá. É bom ter você conosco, Cão de Guarda.”

“Cão de Guarda”? Ele não estava totalmente errado, mas havia algo de cômico no nome. No entanto, agora não era a hora de corrigir as pessoas.

Fukuzawa foi direto ao ponto. “Ouvi dizer que um dos clientes escapou.”

“Claro que sim. Ainda estamos tendo problemas para encontrar o cara.” O policial esfregou a bochecha em um movimento circular. “Só para que não haver confusão, temos todas as saídas perfeitamente fechadas. É impossível alguém ter saído deste lugar. Quer dizer, estamos permitindo as pessoas irem ao banheiro ou pedirem primeiros socorros se não estiverem se sentindo bem, então sair da cadeira em si não é realmente um problema. Mas...”

“Será que alguém não voltou?”

“Exatamente. Não estava no seu lugar ou no banheiro. Nós não conseguimos encontrar em lugar nenhum.”

“Onde a pessoa se sentou? Como se parecia?”

O policial usou o mapa de assentos para mostrar onde a pessoa fugitiva se sentou. Estava sentada bem na frente.

“Era um senhor de meia-idade vestindo um sobretudo, um terno azul-marinho e um chapéu-coco. Eu perguntei por aí e, aparentemente, ele também estava usando uma bengala porque estava com uma perna ruim.”

Fukuzawa soube imediatamente quem era.

Ele.

Foi o senhor distinto na primeira fileira que estava observando os artistas —o homem que desencadeou os instintos de Fukuzawa.

“O registro de reserva diz que seu nome é Takutou Asano. Trinta e cinco anos. Ele veio sozinho.”

“Takutou Asano”? ...Ah, tipo Naganori Asano, Takumi no Kami.

“É um nome falso,” Fukuzawa imediatamente apontou. “Porra. Eu não devia ter tirado os olhos dele.”

Fukuzawa sabia que havia algo suspeito sobre ele, mas ele tinha se descuidado e deixou Ranpo e a súbita reviravolta dos acontecimentos o cegarem.

“Há quanto tempo ele saiu do assento?”

“Testemunhas dizem que ele ainda estava sentado quando as cortinas se abriram,” respondeu o policial enquanto olhava suas anotações. “Mas não é como se tivéssemos listado todos que estavam durante a segunda metade da peça, então quem sabe se ele estava lá?”

A segunda metade — em outras palavras, o momento em que Murakami foi morto.

Isso significava que ele poderia ter deixado seu assento por um momento para controlar remotamente algum tipo de dispositivo.

Fukuzawa tentou lembrar-se de quando correu para o palco. Quando ele olhou de volta para a plateia, ele viu o homem de terno? Era muito difícil dizer. Fukuzawa estalou a língua com reprovação. Ele não conseguia se lembrar. Estava muito concentrado na saída, porque achou que o assassino teria corrido para a porta. Seus olhos estavam tão grudados na última fileira mais próxima da porta que ele se esqueceu de verificar os assentos bem à sua frente.

Ranpo teria sido capaz de memorizar imediatamente todo o público com apenas um olhar, pensou Fukuzawa.

“Eu quero que você fique de olho no público!

Ele pensou no que Ranpo tinha dito. Ranpo provavelmente já sabia que o assassino estava na plateia. Foi por isso que ele disse a Fukuzawa para ficar de olho. Mais um equívoco por parte de Fukuzawa. O senhor de terno se foi. Ranpo havia partido. Não me diga que Ranpo estava—

“Vou fazer uma busca no local,” disse Fukuzawa. “Me fale se descobrir alguma coisa.”

“Pode deixar.”

Fukuzawa virou as costas para o policial antes de se afastar apressadamente. Ele rangeu os dentes e se culpou por inspirar Ranpo. No final, Ranpo saiu por conta própria e desapareceu, mas deveria ser trabalho de Fukuzawa parar o assassino e proteger Ranpo.

Não importa o quão talentoso Ranpo fosse, ele ainda era apenas uma criança que não tinha meios de se proteger. Mesmo se ele confrontasse o inimigo, ele seria imediatamente atacado. Ele não teria chance. Ranpo pode ser um detetive genial, mas ele não seria capaz de exibir com eficiência seu dom sozinho. Não fazia sentido sem um escudo para Ranpo, que poderia lutar, punir o inimigo e criar um ambiente seguro para ele usar seus talentos.

Os detetives precisavam estar armados.

“Ah, Fukuzawa! Eu finalmente te achei.”

Uma mulher à frente correu direto até ele. Era a dona do teatro, Egawa-san.

Suspiro. Te procurei por todo o lado. Para alguém tão alto, você pode realmente desaparecer quando quiser. Enfim, precisamos conversar.” Ela se aproximou de Fukuzawa e imediatamente agarrou sua manga.

“O que foi? Desculpa, mas estou com pressa. Preciso achar Ranpo.”

“É sobre Ranpo,” Egawa-san respondeu apressadamente. “Vamos logo. Ele me disse para ser discreta.”

“Quê...?”

Egawa-san olhou para Fukuzawa, em seguida, sussurrou secretamente: “Eu tenho uma mensagem dele.”

A Egawa-san foi em direção à sala de controle do teatro. Era um espaço estreito totalmente equipado com um painel de controle e dispositivos de gravação. Havia uma visão clara da cena do crime pela janela na parede. Quem quer que use o equipamento poderia assistir a peça enquanto mudava a iluminação ou o fundo quando necessário. A Egawa-san olhou em volta para se certificar de que ninguém mais estava lá antes de fechar a porta.

“Então?” Fukuzawa a incentivou a continuar.

“Honestamente, há um monte de coisas que eu quero te perguntar também,” a Egawa-san vociferou. “Tipo, quem é esse garoto? Ele é cheio de surpresas... Como que ele sabia sobre mim?”

“Como assim?” Fukuzawa lançou-lhe um olhar questionador. “Ranpo estava procurando o assassino. O que ele disse para você?”

“Hmm? ...Ahhh. Não me diga que você achava que eu era a assassina. Ha-ha-ha. Não foi isso que eu quis dizer. Eu estava me perguntando como ele sabia tanto sobre minha vida pessoal. Enfim, Ranpo-kun me deixou uma mensagem para você. Ele disse para ter certeza de que ninguém mais estava ouvindo.”

Ela estava com bom humor incômodo. Fukuzawa calmamente a encorajou a continuar.

“Depois que me leu que nem um livro aberto, ele me disse que havia duas pessoas por trás disso. Então ele me pediu para ajudar a atrair os assassinos.”

O quê? Havia dois assassinos? E ele pediu à dona para ajudá-lo a pegá-los?

“Ranpo-kun me disse e eu citarei: ‘Havia dois fatores para este assassinato: um que era medíocre e outro que era realmente impressionante. Você pode pensar nisso como um camarão e uma baleia. Seria fácil pegar o camarão, e não há nada de errado com isso se é o melhor que você poder fazer. Afinal, camarão é ótimo. Mas se quiser pegar a baleia, terá que usar o camarão.’”

Parecia mais complicado do que o necessário.

Era muito bom que Ranpo estivesse otimista, mas ele ainda estava tão indisciplinado como sempre. De qualquer forma, estava claro que havia duas pessoas por trás disso, e parecia que Ranpo estava indo atrás do grande — a baleia. Isso Fukuzawa entendia. Mas então... Isso significava que Ranpo estava seguro?

“Onde está o Ranpo?”

“Eu gostaria de poder te dizer, mas ele me passou essa mensagem tem pouco tempo. Além disso, ele me disse para te dizer: ‘Volte para o seu lugar no teatro. Lá, o anjo vai te contar tudo.’”

Fukuzawa instintivamente olhou para o palco através da janela da sala de controle. Ele podia ver o assento vazio onde ele se sentou durante a apresentação.

“Um anjo?”

“É o que parece. Ei, Fukuzawa. Seja honesto comigo. Quem é aquele menino? Ele disse que era um usuário de habilidade e um ótimo detetive, mas os usuários de habilidade são apenas contos de fadas fictícios, não?”

Ranpo, na verdade, não era um usuário de habilidade, então essa parte foi inventada de certa forma. Foi exatamente por isso que Fukuzawa ficou preocupado. Ranpo estava correndo para o perigo por causa de sua mentira?

“Mesmo assim, eu realmente acredito que ele é um grande detetive. Sinceramente, estou me tornando uma fã!”

Ela havia se recuperado muito rápido. Pego de surpresa, Fukuzawa não podia deixar de olhar para a Egawa-san. O que Ranpo disse para ter feito ela mudar?

“Mais uma coisa que Ranpo-kun queria que eu te dissesse: ‘Estou bem, então não se preocupe comigo. Eu vou resolver todo este caso, então volte para o seu lugar.’ Ele disse que garantiria que ninguém mais se machucasse.”

“Estou bem, então não se preocupe comigo.”

Parecia que Ranpo sabia exatamente em que situação se encontrava e estava preparado para isso. Foi por isso que ele pediu à Egawa-san para passar essas mensagens. Ele estava seguro, o que significava que Fukuzawa deveria seguir suas instruções e retornar ao seu assento.

Tudo o que ele podia fazer era confiar no recém-nascido detetive mestre.

A multidão ainda estava agitada com toda a comoção, sussurrando ansiosamente sob as luzes do teto alto. Um policial estava patrulhando a área, então ninguém parecia estar preocupado com sua segurança, mas, mesmo assim, todos estavam enfrentando algo que nunca haviam experimentado antes. Seria mais estranho se eles não se sentissem desconfortáveis.

Fukuzawa analisou a multidão enquanto se dirigia para seu assento. Ele olhou para a primeira fila, mas o senhor de antes não estava em lugar nenhum. Ele sentiu que provavelmente deveria investigar o desaparecimento do homem, mas se lembrou do que Ranpo havia dito: “Eu vou resolver todo este caso, então volte para o seu lugar.” Ranpo não estava em seu assento, no entanto. Fukuzawa havia pensado que o menino esperaria por ele para que pudesse revelar a verdade.

Ele estava atrasado? Seus planos mudaram?

Seja qual for o caso, Fukuzawa confiou nele, então ele decidiu esperar por um tempo e se sentou.

Imediatamente, as luzes se apagaram.

Fukuzawa não conseguia ver nada. As luzes sobre os assentos do público poderiam ser escurecidas completamente para o show, mas por que agora? Quem as desligou? Até Fukuzawa precisou de alguns segundos antes que seus olhos se ajustassem à escuridão súbita. Mas antes que seus olhos pudessem ajustar... Uma luz ofuscante iluminou o centro do palco. Um instante depois, a risada ecoou por todo o teatro.

“Haaaa-ha-ha-ha-ha-ha-ha!!”

Uma silhueta estava no meio do palco abaixo do holofote em forma de pilar irradiando de cima para baixo. A pequena sombra gargalhou alegremente.

“Vejam só esses tolos — incompetentes — ingênuos! Abençoados sejam as suas mentes vazias! Essas expressões aterrorizadas nos rostos de vocês. É tão engraçado, é como se eu estivesse comprando no mercado! Eu quase consigo ver suas etiquetas de preço!”

A mente de Fukuzawa ficou em branco.

O quê...? Por quê? O que está acontecendo?

Ranpo estava usando os óculos. Ele orgulhosamente levantou a armação preta.

Por que Ranpo estava lá? E o que ele estava dizendo na frente de centenas de espectadores? Quem ligou o holofote? O técnico de iluminação não seria o único que poderia fazer isso?

“Os rostos de vocês estão me dizendo que devem estar se perguntando por que estou aqui. Eu vou dizer o porquê. Porque eu sou o salvador! Eu sou um detetive mestre, um usuário de habilidade e um filho de Deus! Eu sou aquele que aparece no final da peça para resolver todos os mistérios em uma frase. Eu sou aquele que faz com que todos digam: ‘Ah, que bom!’ com alívio antes de serem liberados para ir para casa. Em outras palavras, eu sou o Deus ex machina! Ah, vocês são tão afortunados! Ah, como eu gostaria de ser vocês! É hora de resolver o mistério! Um espetáculo único na vida! Se alguém precisa ir ao banheiro, então vá agora! Eu esperarei!”

O público ficou pasmo, boquiaberto. O estômago de Fukuzawa começou a doer.

Quem...? Quem te disse para chegar tanto a esse ponto...?

Todos na plateia estavam com os olhos e a boca bem abertos enquanto olhavam para o que quer que aquilo fosse. As poucas centenas de pessoas aqui estavam todas unidas por um pensamento comum.

O que está acontecendo?

Ranpo confiantemente levantou os óculos como se achasse que o silêncio significasse que estavam a ouvi-lo.

“Eu sei como vocês se sentem! Assistir uma história de mistério sem uma solução é mais decepcionante do que olhar para os rabiscos de uma cabine do banheiro! Eu vim para revelar os segredos e mistérios para todos vocês, pois eu sou um... Usuário de habilidade!”

Depois de levantar os óculos, ele sutilmente voltou seu olhar para Fukuzawa e sorriu de orelha a orelha.

Se ao menos alguém pudesse me deixar inconsciente agora...

Apesar do fato de Fukuzawa ter conhecido Ranpo apenas naquela manhã, você precisaria combinar o valor de uma vida inteira de exaustão e multiplicar por três para entender como ele se sentia.

Graças ao cansaço de Fukuzawa, sua mente foi finalmente capaz de acompanhar o que estava acontecendo.

Por mais que a voz de Ranpo fosse carregada naturalmente, ou seja, ele era barulhento, deveria ser impossível ser capaz de ouvi-la tão bem em um enorme teatro que poderia conter quatrocentas pessoas. Além disso, as luzes penduradas no teto não podiam ser controladas de onde Ranpo estava. Devia haver alguém trabalhando na sala de controle.

Fukuzawa olhou de volta para a janela no topo do auditório. Do outro lado da janela mal iluminada, diante do painel de controle estava a Egawa-san, sorrindo e levantando o polegar.

Eles estavam nisso juntos. Cúmplices.

A Egawa-san deve ter dado a Ranpo um pequeno microfone sem fio, por isso sua voz estava projetando tão bem. A partir daí, ela esperou pelo momento certo e usou o painel de controle para acender as luzes, exatamente como haviam planejado.

“Agora, juntem-se a mim à medida que eu desvendar o mistério! Não vou resumir os assassinatos inúteis que aconteceram no meio da peça, já que isso não importa. Afinal, o que vocês, não usuários de habilidade, realmente querem saber é o que aconteceu com o ator principal que foi esfaqueado no final. Permitam-me explicar.”

A náusea que Fukuzawa vinha sentindo atingiu o clímax. Ranpo estava planejando revelar a verdade em cima do palco. O público ainda estava comentando, mas agora havia uma clara mudança no clima do ambiente.

O foco do público estava lentamente voltando ao centro do palco, onde o jovem aparentemente resolveria o mistério, apesar do absurdo de um amador se gabar tão abertamente. A decisão sobre o que fazer com ele poderia ser feita depois que ele terminasse de falar, seja o impedindo ou chamar sua atenção.

Sem o conhecimento de ninguém, um profundo silêncio reinou sobre a multidão. Parecia que a continuação da peça estava prestes a começar. Se esse era o objetivo de Ranpo ou pura coincidência, não estava claro, mas Ranpo examinou a multidão silenciosa e com confiança sorriu antes de dizer:

“Ouçam com atenção. Eu ouvi uma boa parte de vocês na multidão sussurrando que acharam que um anjo o matou. Parece que o raciocínio de vocês foi que o momento era perfeito e pareceu que ele foi apunhalado por uma espada invisível vinda do céu. Então, me deixem apenas ter um momento para dizer isso.” Ranpo fez uma pausa por um momento.

“Um anjo existe.

Uma agitação se espalhou pela multidão. Ranpo ergueu a mão no ar para interromper o alvoroço.

“Para apoiar esta afirmação, a ameaça de morte que foi enviada para o teatro no outro dia previu com precisão que um anjo mataria o artista. Estava claramente se referindo ao ‘anjo’ da peça quando foi escrita.”

A multidão começou a comentar.

Não era nenhuma surpresa porque a ameaça de morte nunca foi tornada pública.

Fukuzawa estava desesperado. Do ponto de vista dos espectadores, o fato de que havia pessoas que sabiam que haveria um assassinato mudou completamente visão deles sobre a situação.

Foi realmente correto dizer isso a eles?

Mas Ranpo não mostrou receio com as preocupações do público.

“No entanto, o anjo não é o que vocês estão imaginando. Como a peça havia dito. O anjo era invisível para os personagens da história, mas o anjo podia ver tudo o que eles faziam. Em outras palavras, o anjo era o público. O público sabia quase exatamente o que estava acontecendo, mas nunca colocou a mão nos personagens no palco. Era uma metáfora — significava que o anjo não poderia ser o assassino. Na verdade, o anjo... Era uma vítima.”

Ranpo fez uma pausa. Ele examinava o público enquanto esperava antes de revelar o segredo, como se ele estivesse tentando criar suspense. Então ele lentamente começou a andar pelo palco em direção à multidão. Foi teatral.

“O assassinato e a história da peça estão ligados em um nível profundo. Esta peça reverteu o curso da narrativa. Um grupo de anjos caídos tentou retornar aos céus, mas o anjo do julgamento tentou detê-los. Enquanto isso, o julgamento do anjo foi apenas um show e a suposta vítima, um humano, fingiu. Os papéis do anjo e dos humanos foram invertidos, trocando o juiz e os julgados. Esse foi o tipo de peça. E essa estrutura não é muito diferente...”

Depois de respirar fundo, Ranpo continuou: “Isso foi aplicado ao próprio assassinato também.” Ele esticou um dedo e apontou para os assentos da primeira fila. “Como vocês podem ver, há um assento vazio aqui.”

O público voltou o olhar para o assento. Foi onde o senhor suspeito estava sentado antes de fugir.

“A polícia municipal acredita que aquele homem era o assassino e está procurando por ele. Por quê? Porque ele desapareceu logo após o assassinato. Quero dizer, é normal pensar que o verdadeiro culpado fugiu. Mas, como eu disse antes, este caso também é uma questão de reversão. Troque os dois lados e a vítima e o criminoso também trocarão de lugar. Em outras palavras, ele não é o assassino, mas, sim, a vítima.”

Então, Ranpo calmamente olhou para o público. Ninguém disse uma palavra. Eles se perderam no que Ranpo estava dizendo, até mesmo se esquecendo de respirar.

“Há um lugar neste teatro fechado que nem mesmo a polícia vasculhou.” Ranpo então deu as costas para o público e começou a andar. “Porque é o pior lugar para alguém que quer se esconder. Para que vocês vejam, então haveria inúmeras testemunhas. Além disso, qualquer pessoa que não for alguém que trabalhe no teatro, chamaria a atenção... Justo aonde estou agora. Sim... Estou falando desse lugar aqui.”

Ranpo caminhou até o fundo do palco onde havia uma tela branca para projetar os fundos. Em seguida, ele rasgou a tela de pano sem um momento de hesitação.

“A vítima estava aqui o tempo todo.”

O senhor de antes estava amarrado e inconsciente no chão. Provavelmente, algo foi injetado nele. O suor escorria por seu rosto pálido e seus olhos fechados não mostravam nenhum sinal de que abririam tão cedo. No entanto, parecia que ele ainda estava vivo.

“Isso é o oposto. O assassino se tornou a vítima. Agora... A curiosidade nos pede para perguntar quem era esse homem e por que ele foi sequestrado? Claro, tudo o que teríamos que fazer seria perguntar isso ao assassino. Não é mesmo, assassino?” Ranpo gritou para o espaço vazio, mas ninguém respondeu. “O público está esperando por uma resposta. Uma história de assassinato não pode ser completa sem um assassino e não há nada pior do que uma história incompleta!”

Ranpo gritou. Era como se ele próprio fosse um artista. Um dos bons, por sinal. Ele aprendeu a fazer isso assistindo à apresentação de hoje? Ou... Havia alguma razão para ele ter feito isso?

“Essa história inverteu o curso da narrativa. O assassino se tornou a vítima. Então... Em quê a vítima vai ser tornar? Está na hora de levar esta história ao seu clímax. Nada mais importa a este ponto. Esta história não seguirá mais o seu roteiro!” Ranpo pisou no chão com a sola do sapato e o baque ecoou por todo o teatro. “Este filho de Deus exige que você se mostre, anjo caído! Você pode ser capaz de enganá-los, mas não pode me enganar! Este é o clímax! Não haverá outro final para a sua história! Que a verdade seja revelada ao anjo, o filho de Deus, e ao demais inocentes sentados aqui!”

Os ecos de sua voz diminuíram gradualmente até que o lugar fosse tomado por um silêncio perfeito. Mas apenas por um momento, até que outra voz logo quebrou esse silêncio.

“Que final maravilhoso!”

O dono da voz apareceu de repente no palco. Espanto se espalhou todo o teatro. Sua voz ecoou com ressonância encorpada. Cada parte de seu corpo transbordava de vida enquanto ele se movia. Era, sem dúvida, o trágico herói.

“Jamais esperava que um usuário de habilidade, um conto de fadas, apareceria de fato e resolveria o mistério. Depois de tudo isso, você me deixou sem escolha a não ser que eu me mostre. Mas como você soube? A polícia, aquele guarda-costas — nem mesmo meus colegas artistas perceberam.”

Murakami apareceu no palco como se tivesse voltado dos mortos para interpretar um personagem. Ele sorriu. Ranpo ergueu os óculos e respondeu: “Essa é a minha habilidade. O sangue era real, a arma era real e as reações de surpresa do guarda-costas e dos artistas eram reais. Mas nada passa pela minha habilidade. Para começar, nunca houve um assassinato.”

“Há quanto tempo você sabia?” Questionou Murakami sonoramente.

“Desde o início.” Mas não havia emoção presa ao tom contundente de Ranpo. “Quando te conheci no camarim, você estava muito pálido e com muita sede. Isso porque você tirou seu sangue um pouco mais cedo. Quando o sangue sai do corpo, quase imediatamente começa a se degradar. Além disso, você estaria cercado por um guarda-costas e a polícia, que já presenciaram bastante sangue, quando você ‘morreu’. É por isso que você não pode usar sangue teatral para enganar ninguém. Você precisava usar seu próprio sangue fresco. E o motivo de você usar roupas largas é que seriam o lugar perfeito para esconder a lâmina e bolsas de sangue.”

“Entendo.”

Ranpo e Murakami se enfrentaram com o holofote central os dividindo. Cada um olhou para o outro em silêncio.

“Provavelmente teria sido mais difícil fingir sua morte sem preparar o sangue com antecedência, mas você é um profissional, afinal. Tudo o que você precisava fazer era colocar um pouco de maquiagem para esconder seu rosto pálido e então deixar que sua atuação fizesse o restante. Além disso, foi com isso que você fingiu seu pulso. Encontrei isso escondido na lata de lixo perto da entrada de serviço.”

Ranpo tirou do bolso um pedaço feito de borracha da cor da pele.

“É um pedaço de borracha de silicone que os atores usam para mudar a forma de seu corpo ou rosto para uma fantasia. Encontrei mais cinco vezes desses rasgados no lixo. Bastou uma rápida olhada para ver que havia pedaços suficientes para cobrir seus pulsos e ao redor de seu peito e pescoço para dificultar a verificação de seu pulso.”

Fukuzawa voltou a pensar no incidente.

A pele do ator parecia estranha quando Fukuzawa checou seu pulso? Mesmo olhando para trás, era difícil dizer. Ao menos, ele estava mais preocupado com o destino de Murakami. Fukuzawa não prestou atenção de como era a pele do ator após tocá-la brevemente.

O mais convincente foi a expressão de Murakami. Até Fukuzawa, que testemunhou muitas mortes antes, e a atriz que correu até ele foram enganados. Um olhar por si só foi suficiente para ver que era “tarde demais”. A atuação de Murakami carregava convicção completa. Talvez Fukuzawa teria descoberto as coisas também se não fosse por isso.

Ranpo continuou seu discurso sonoro.

“A única coisa que me restou fazer foi ligar para o hospital para o qual você foi levado. Havia um paciente de emergência chamado Tokio Murakami que morreu por causa dos ferimentos, mas quando eu perguntei como ele era, eles me disseram que era um homem velho perto dos sessenta. Você provavelmente trocou a identificação com alguém que por acaso também foi ferido da mesma forma que você. A polícia teria descoberto isso em breve.”

“Eu tive um cúmplice.” Murakami sorriu.

“Sabia.” Ranpo acenou com a cabeça como se fosse óbvio. “O dramaturgo?”

“Exatamente,” respondeu Murakami. “Nós planejamos isso juntos. Provavelmente em casa relaxando enquanto conversamos.”

Alguns oficiais correram para fora do teatro. Eles provavelmente saíram para dar ordens para prender o cúmplice de Murakami.

“O revestimento de silicone, o hospital, o sangue — havia tantas provas que nem precisei de procurar. Tudo o que resta é uma confissão. É por isso que...”  Ranpo parou de repente antes que seus lábios se curvassem em um sorriso malicioso “Preparei um lugar mais adequado para você do que uma sala de interrogatório triste e entediante com a polícia. Divirta-se.”

Com isso, Ranpo apontou para o ar e as luzes se apagaram. O teatro foi devorado pela escuridão. Sem nem mesmo um segundo para reagir, um fino pilar de luz iluminou Murakami e Ranpo desapareceu no escuro, como se Murakami fosse o único que restou no palco. Os olhos de todos silenciosamente focaram nele.

“Eu...” Murmurou Murakami quase em um sussurro. Ele levantou a voz e continuou: “Eu sou um ator! Eu me torno alguém que não sou e vivo uma vida que não existe! Meu trabalho é expor o que significa ser humano! Não importa se eu faço a parte principal ou secundária. Não importa se eu sou um vilão ou herói. Eu me torno eles com cada parte do meu corpo! Não há outro trabalho para mim! Só assim posso viver!”

O público ficou fascinado. Murakami, que havia interpretado e falado como incontáveis personagens no palco, agora estava falando genuinamente com o coração. Sua sinceridade era tão grande que a dor que a acompanhava era palpável. O público não conseguia desviar o olhar.

“Mas há uma coisa que não pode ser evitada enquanto atua sobre a vida e que é a morte! A morte não é o oposto da vida; é o símbolo e o estandarte da vida. No entanto, isso também fornece um grande paradoxo! Ninguém vivo já experimentou isso! É por isso que, para mim, o melhor trabalho de todos seria representar a morte de uma pessoa. Não a morte como um artifício ou mera convenção, mas a morte real que eu poderia transmitir ao público. Esse foi o auge da performance teatral para mim. E este é o resultado do meu trabalho.”

Murakami deu um passo em direção à multidão, então gritou:

“Deu para ver? A morte está sempre pairando sobre nós! Sem qualquer palavra, ela nos espera silenciosamente. Teatro e filmes tentam desesperadamente expressar a ideia com sua estrutura, edição, música e diálogos profundos. No entanto, eles nunca podem expressar a própria morte! Eu sou o primeiro a representar a morte! E isso é algo que eu queria que todos os que vieram aqui hoje vissem!”

O público ficou sem palavras. Fukuzawa provavelmente sentiu o mesmo.

Então esse era o seu motivo... Ele enviou uma ameaça de morte falsa e envolveu pessoas inocentes. Ele bancou a vítima e enganou a polícia. Ele tirou seu próprio sangue e criou dois roteiros para enganar seus colegas. Todos estes problemas que ele se meteu...

Era assim tão importante para ele?

Ou os atores simplesmente nasceram assim?

“Não me arrependo,” afirmou Murakami. “Esta é a maneira que eu vivo. Os atores não precisam de palco. Viverei do resultado frutífero de hoje, atuando no coração dos outros até que o descanso eterno me seja concedido.”

O silêncio reinou. Ninguém disse uma palavra.

Por fim, a polícia subiu lentamente ao palco e algemou Murakami. Ele não resistiu. Ele até parecia alegre. Não foi nenhuma surpresa, no entanto. Ele havia alcançado seu objetivo.

“Achei você incrível,” Ranpo disse de repente por trás enquanto Murakami era levado embora. “Eu mesmo não entendi muito bem, mas não acho que seja algo que qualquer um pudesse fazer. A propósito, dê uma olhada no público. Olhe para os rostos deles.”

A luz do palco iluminou vagamente a multidão. Provavelmente pareciam fileiras de rostos incontáveis para Murakami. E a expressão de todos... Era a mesma.

“Há pessoas aqui de todas as idades e sexos, mas têm duas coisas em comum. Uma é que eles amam a atuação do seu grupo e é por isso que vieram. A outra é que todos eles testemunharam o momento em que alguém foi morto bem diante dos olhos.”

Murakami parou de respirar. Seus olhos estavam grudados na plateia.

“Você disse que seu trabalho era entretenimento, né? Mas você poderia realmente chamar assim... Quando você olha para as expressões deles?”

Pela primeira vez, os olhos de Murakami mostraram um sinal de fraqueza.

“...Eu entendo.”

Uma voz pequena, ao contrário do que se esperaria de um ator de palco com uma voz poderosa, saiu do palco.

“Eu estava... apenas atuando para mim mesmo.”

Com o espírito quebrado, Murakami retirou-se do teatro. As luzes do palco desapareceram e apenas o silêncio se seguiu. Não houve puxão de cortina ou chamada de cortina. Não houve aplausos do público e nenhum final para encerrar a peça. Somente silêncio.

Quando Fukuzawa retornou ao saguão, Ranpo estava orgulhosamente esperando por ele com as mãos em seus quadris.

“Como você se sente?” Fukuzawa perguntou em voz baixa a Ranpo enquanto caminhava.

“Eu me sinto...”

Ranpo fez uma pausa com um sorriso atrevido, depois ergueu a voz para que todo o saguão pudesse ouvi-lo declarar:

“Me sinto muuuito melhor agora!”

Imaginei...

O saguão estava lotado de clientes que, desde então, tiveram permissão para deixar seus lugares. Algumas pessoas ligavam para a família, algumas discutiam fervorosamente o incidente entre si, outras ainda estavam pensando futilmente no que acabara de acontecer. Além disso, a polícia municipal e a equipe do teatro estavam ocupadas entrando e saindo da sala, lidando com as consequências. Algumas pessoas ficaram com raiva, algumas ficaram tristes e outras ficaram desnorteadas. Entre a multidão, Fukuzawa pensou: Ainda bem.

Sua mente estava tranquila. Ninguém morreu e Ranpo resolveu o caso. O resto era trivial. Havia um grupo de três mulheres chorando no saguão. Elas devem ter sido fãs de Murakami. Ao passar, Fukuzawa as ouviu dizendo: “Estou feliz que ele está vivo!” Fukuzawa basicamente não se sentiu diferente.

Olhando para trás, ninguém poderia ter pedido por uma abordagem mais lógica do que peculiar trabalho de Ranpo como detetive de palco. Mesmo que ele apenas revelasse a verdade e o criminoso, o criminoso teria fugido e o público teria ficado traumatizado após testemunhar um assassinato. Teria terminado apenas com um algum esclarecimento sobre as evidências circunstanciais, deixando uma cicatriz profunda naqueles que trabalharam com Murakami. Apenas descobrir a verdade não foi suficiente. Atrair Murakami para a frente de todos e fazê-lo confessar era um requisito absoluto. Mas para fazer isso, Ranpo precisava que Murakami, um ator nato, acreditasse que não adiantava mais se esconder. Nada poderia ser melhor do que usar o público para atraí-lo. Todo o monólogo de Ranpo foi para aquele momento.

“Revelar a verdade no palco foi uma ideia brilhante,” elogiou Fukuzawa.

“Não é?” Ranpo sorriu com orgulho. “Sempre quis gritar o que quisesse, pelo menos uma vez. Você viu o olhar de espanto nos rostos deles? Parece que todo mundo sabe o quão incrível eu sou agora! Ufa. Como um detetive mestre, nada se compara a desvendar um mistério na frente de um grande grupo de pessoas! Apenas uma verdade universal.”

Havia uma coisa estranha pelo ponto de vista de Fukuzawa.

“Espera. Você revelou o mistério no palco porque—”

“Eu queria a atenção,” respondeu Ranpo com uma cara séria. Era como se ele quisesse dizer: “Claro. Por que mais eu teria feito isso?”

“...Ah, ok.”

“Enfim, esses óculos são incríveis! No momento que coloco eles, minha mente fica mais nítida e todas as deduções se revelam para mim! Essa elite de Kyoto certamente têm tesouros incríveis! Eu me sinto tão vivo. Finalmente entendi quem eu sou! Com esses óculos e minha habilidade, ninguém pode me vencer!”

Ranpo estava alegremente examinando os óculos de armação preta. Claro, tudo isso estava na cabeça dele. Não havia nada de especial neles. Tudo o que o Ranpo fez, ele fez sozinho. Ele descobriu o que realmente aconteceu apenas pelas poucas informações que obteve no camarim de Murakami. Foi uma conquista extraordinária nascida da mentira precipitada de que sua habilidade era a razão pela qual ele sabia a verdade.

Fukuzawa lembrou-se de repente de uma pergunta que tinha e que ainda não tinha resposta.

“Eu vi algo vagamente quadrado e metálico atrás das luzes, perto do teto. O que era?”

“Ah aquilo? Aqui.”

O Ranpo pegou algo que tinha encostado à parede.

“...Folha de alumínio?”

“Sim. Apenas uma placa quadrada comum. É um pedaço de refletor usado para sessão de fotos. Apesar de ter sido usado para atrapalhar temporariamente a investigação dessa vez. Eu encontrei isso deitado no chão, na sombra de um suporte grande na coxia do palco.”

Fukuzawa suspirou. Era leve, por isso podia ser facilmente puxado para baixo com algum fio e levado para casa. A principal razão pela qual Fukuzawa pensou que havia um dispositivo externo que tinha matado Murakami foi porque ele tinha visto o reflexo. Embora fosse apenas para ser um chamariz temporário, foi bem pensado nos mínimos detalhes.

“Mais uma coisa. Como você convenceu a Egawa-san para te ajudar?”

A transformação dela foi significativa o suficiente para confundir até Fukuzawa e fez sinal com polegar. Como Ranpo conseguiu fazer ela ficar do lado dele assim?

“Eu realmente não tive que convencer ela a fazer nada. No momento em que a vi, soube que ela queria gerenciar o palco — luz, som, essas coisas. Então, eu apenas disse que achava que ela seria boa nisso e perguntei se poderia ajudar. Só isso. Ela disse que finalmente se decidiu e que ia começar a seguir o seu sonho a partir de amanhã.”

Não é à toa que ela estivesse de tão bom humor. Ter um talento elogiado por alguém tão talentoso como Ranpo provavelmente mudaria qualquer um.

“Vocês dois foram ótimos!” Um policial municipal rapidamente se aproximou deles e se curvou em uma reverência. “Isso foi lindo; me pegou de surpresa! Quando esse Cão de Guarda estava verificando a cena do crime, eu sabia que ele ia ser capaz de resolver esse caso complicado... Mas uau! Não fazia ideia que ele estava armado com uma arma secreta! Excelente trabalho, detetive!”

Era o jovem policial uniformizado com quem Fukuzawa estava conversando antes. O sorriso presunçoso de Ranpo aumentava cada vez que ele era chamado de detetive pelo oficial, enquanto a expressão de Fukuzawa era melhor descrita como duvidosa.

“Deixem o resto com a gente. Ainda há algumas papeladas que precisam ser feitas e precisamos que você venha para delegacia para resumir em detalhes o acontecimento para nós, mas—”

“Resumir os acontecimentos?” Perguntou Ranpo.

“Isso. Só um resumo básico do que você viu e ouviu que o levou a resolver o caso.”

“Hã...? Quer dizer, tudo bem, mas minha declaração escrita vai apenas dizer ‘Porque eu sou um usuário de habilidade’.”

“Um ‘usuário de habilidade’? Você quer dizer como o da peça?”

“Aham.” Ranpo disse com um aceno de cabeça.

Ah, ótimo. Eu não estava esperando por isso.

“Policial, espere. Me deixe cuidar com o interrogatório na delegacia. Como você pode ver, Ranpo ainda é um menino. Ele é novo nisso e está exausto com a investigação. Ele me passou a versão dele sobre o incidente, então eu deveria ser capaz de—”

“Quê? Estou totalmente bem. Na verdade, me sinto melhor agora do que quando chegamos aqui.”

Ranpo curiosamente inclinou a cabeça. Ele estava dizendo a verdade. Ele parecia estar radiante desde que ele roubou a cena.

“Espere... Este incrível jovem detetive é um usuário de habilidade?” Os olhos do policial se arregalaram.

“Isso mesmo! O usuário habilidade capaz de saber a verdade por trás de cada caso, o mestre detetive Edogawa Ranpo!”

“Espere... Espere.” Fukuzawa o deteve de forma agitada. “Ranpo, eu não ia te dizer isso, mas você não é um usuário de habilidade. Você foi capaz de descobrir a verdade através da observação e raciocínio sozinho. É por isso que—”

“Hã?” Ranpo parecia confuso. “Do que você está falando? Isso é impossível. Além disso, foi você quem me disse que era uma habilidade.”

“Sim, mas—”

“O motivo de eu ser especial é porque eu sou um usuário de habilidade. Acha mesmo que seria possível para mim ver coisas que os outros não veem, se eu não fosse o usuário?”

“Claro que não. Sendo que eu sou só um policial burro.”

“Escuta, você—”

“Ah, olha! Isso é um carro da polícia?! Que legal! A gente vai entrar nisso e ir para delegacia?”

“Se é o que você quer, eu posso fazer isso.”

“Espera. Me escute.”

“Ha-ha-ha! É melhor vocês policiais começarem a me bajular enquanto podem! Tenho certeza que é óbvio, mas eu poderia roubar todos os empregos de vocês! Uma habilidade que pode resolver casos é uma dádiva de Deus! Pensando melhor, é melhor que isso! É Deus mesmo! Eu sou Deus!”

“Ah, eu não sou digno! Graças aos céus por nos ter concedido você!”

“E-esperem aí, vocês dois...”

Fukuzawa não sabia o que fazer. A mentira que ele contou para salvar Ranpo foi crescendo lentamente. Nesse ritmo, a leve mentira só iria ficar maior até que o dano fosse irreversível.

No entanto...

“Eu me sinto tão vivo. Finalmente entendi quem eu sou!”

Quando Fukuzawa conheceu Ranpo, o menino era um cínico que tinha virado as costas para o mundo, mas agora ele estava despreocupado, sorrindo e tão cheio de vida.

Deixa para lá.

Só porque sua mente era extraordinária e não uma habilidade, isso não tornava Ranpo menos excepcional. Pelo contrário, seus talentos chamariam a atenção de usuários de habilidade. Portanto, alguém poderia argumentar que ele estava sendo humilde sempre que ele se dizia um usuário de habilidade. Além disso, Ranpo nem sempre seria capaz de resolver mistérios com tanta facilidade e quando isso acontecesse... Ele descobriria a verdade sobre si mesmo sozinho? Ou Fukuzawa estaria lá para contar a ele?

Foi quando Fukuzawa finalmente percebeu que seus pensamentos estavam indo em uma direção estranha:

—Ranpo resolvendo mistérios mais difíceis.

—Fukuzawa, ali mesmo com ele.

“Então vamos para a delegacia, né?”

A voz de Ranpo trouxe Fukuzawa de volta à realidade.

“Eu realmente quero andar no carro da polícia, mas só de pensar em preencher a papelada e ser entrevistado está me fazendo chorar. Vou entrar e sair de lá em dois segundos e ir para casa. Provavelmente demorará uma eternidade para acabar com isso se você estiver lá, oji-san, então estou indo, ok?”

Fukuzawa não respondeu.

“Ei, você está me ouvindo? Estou indo embora...”

“...Hmm? Ah, ok.”

Ranpo olhou para Fukuzawa por alguns momentos.

“Hmm? Entendi... Bem, está pronto para ir?” Ranpo perguntou antes de dar um tapinha nas costas do policial.

Absurdo. Trabalhar junto com Ranpo de agora em diante? Resolvendo casos juntos? Impensável.

No entanto, Ranpo foi verdadeiramente extraordinário. Alguém tinha que proteger esse talento e utilizá-lo em seu potencial máximo. Por outro lado, Fukuzawa sempre esteve sozinho desde aquele único incidente. Ele não precisava da ajuda de ninguém e não sentia necessidade de trabalhar junto com outras pessoas. Para Fukuzawa, depender dos outros significava que havia algo que lhe faltava. Ignorar deliberadamente seus próprios defeitos e confiar apenas nos outros distorceria quem ele era.

Ele também poderia se tornar um demônio que matasse outros se seus aliados assim o solicitassem. Ele mal conseguia imaginar uma parceria com alguém, muito menos criar uma agência e se tornar líder dela.

Muitas pessoas tinham testemunhado os talentos de Ranpo florescerem hoje. Ninguém iria colocá-lo em serviço telefônico ou obrigá-lo a fazer tarefas em uma canteiro de obras nunca mais. Fosse para o bem ou para o mal, alguém usaria os talentos de Ranpo e fazer algo grande. Talvez chegasse o dia em que ele chegaria ao topo de algum grupo de ladrões ou de uma organização ilegal. Mas esse dia não era hoje; portanto, não tinha nada a ver com o próprio Fukuzawa.

“Vou discutir as consequências com a Egawa-san,” disse Fukuzawa a Ranpo. “Vá para a delegacia. Policial, cuide bem dele para mim.”

“Pode deixar,” o oficial respondeu com um sorriso.

“Anda! Vamos!” Ranpo passou pela saída com alegria em seus passos, e os olhos de Fukuzawa foram naturalmente atraídos para ele.

De repente, o Ranpo parou na saída e virou-se.

Fukuzawa-san,” ele disse com um sorriso. “Obrigado.”

Assim, ele entrou no carro da polícia e foi embora.

Fukuzawa foi ver Murakami depois disso. O camarim estava sendo usado como uma sala de interrogatório temporária. Lá dentro estavam três guardas e Murakami sentado no centro. Quando o ator viu Fukuzawa, ele sorriu vagamente antes de abaixar a cabeça.

“Já fiz muitas coisas na vida, mas é a primeira vez que sou algemado.” Ele mostrou as algemas em torno de seus pulsos e sorriu. “Tudo é uma experiência. Isso só vai enriquecer minha atuação.”

Fukuzawa ficou exasperado e impressionado ao mesmo tempo. Parecia que os artistas enfrentavam um destino incompreensível para a maioria.

“Tenho duas ou três coisas que quero perguntar para você.”

“Fique à vontade.”

“Eu quero ver o dispositivo que fez a lâmina sair do seu estômago.”

“Ah aquilo? Está ali.”

Murakami apontou para o dispositivo com o queixo. Encostado na parede estava um instrumento cilíndrico e fino que parecia uma placa de metal dobrada em forma de um círculo. Era tão grosso quanto o tórax de um humano, com um fio semelhante a uma corda de piano com um laço saindo na extremidade.

Murakami explicou como ele o enrolou na cintura e o escondeu sob as roupas. Em seguida, passou a corda do piano em sua roupa e a puxou para trazer a placa de metal sobre sua barriga. A placa de metal era fina e sua superfície era bem polida, o que provavelmente a fazia parecer uma lâmina sob as luzes fortes. Era um dispositivo bastante simples de entender depois de ouvir como funcionava. Foi um dispositivo em que apenas um artista teatral teria pensado, devido à sua familiaridade com a forma como os materiais apareceriam ao público.

“O maior obstáculo era ver se isso enganaria a primeira pessoa que veio correndo,” Murakami se gabou com um sorriso malicioso. “Eu sabia que você estava acostumado a ver cadáveres, sendo guarda-costas e tudo mais. É por isso que eu estava comemorando por dentro quando minha atuação enganou você. É uma conquista da qual terei orgulho pelo resto da minha vida.”

E, como resultado, todos na multidão foram enganados e a polícia ficou totalmente confusa. Fukuzawa não podia culpá-lo, especialmente porque ele não era do tipo de dar lições aos outros. Ele simplesmente disse: “Você não tem jeito.”

“Pode-se dizer que sim.” Murakami sorriu.

“Tem mais uma coisa que eu quero te perguntar,” continuou Fukuzawa. “É sobre o homem de terno que estava amarrado e inconsciente. Quem é ele? Por que você fez isso com ele?”

“Ah, aquele cara? Eu ouvi que ele é... Outro dos objetivos do plano,” disse Murakami com um encolher de ombros.

“Você ‘ouviu’?”

“Sim. Originalmente, eu tive esse plano com o dramaturgo Kurahashi, mas ele aparentemente tinha seus próprios objetivos em mente. Eu não sei de todos os detalhes... Mas, aparentemente, aquele homem de terno raramente aparece, por isso conhecê-lo era um dos objetivos do Kurahashi. Apesar de que eu não esperava que ele pegasse o cara e amarrasse ele.”

“O quê?” Fukuzawa franziu as sobrancelhas, no momento em que—

“O suspeito! Me tragam o suspeito!”

—o que parecia ser passos batendo foi imediatamente seguido pela porta do camarim sendo aberta. Um detetive um pouco mais velho estava parado na porta, tentando recuperar o fôlego.

“O que aconteceu?” perguntou Fukuzawa.

“C-Cão de Guarda! Temos um grande problema! O suspeito esteve aqui esse tempo todo?!”

“Ele está sob vigilância o tempo todo, como você pode ver.”

Fukuzawa olhou para o ator de aparência nervosa, cujos olhos estavam indo e voltando entre Fukuzawa e o detetive. Parecia que ele não tinha ideia do que estava acontecendo.

“O dramaturgo — foi encontrado morto na casa dele! Alguém o matou!”

“Quê?!”

O detetive falou enquanto tentava recuperar o fôlego, seus olhos tremiam de medo.

“A porta de seu quarto estava trancada e algo atravessou o corpo dele por trás — mas não havia arma ou qualquer sinal de luta no local! É como se uma pessoa invisível entrasse e esfaqueasse ele!”

Edogawa Ranpo estava sentado no banco de trás do carro da polícia sozinho, olhando preguiçosamente para a paisagem noturna que passava. O sol tinha desaparecido antes que alguém percebesse. Enquanto a escuridão com toques de azul pairava sobre a cidade de Yokohama, apenas luzes brancas e amarelas atraíam seus olhos enquanto deslizavam pelo vidro da janela do carro como gotas de chuva. Ranpo olhava para a cidade enquanto apoiava o cotovelo na porta. A noite da cidade estava clara. O campo onde ele cresceu não tinha luz artificial e todos estariam se preparando para dormir a esta hora.

A cidade é muito melhor.

Ranpo estava absorto em pensamentos. Durante o silêncio e a melancolia, o turbulento e o intrigante eram um pouco melhores. Ele odiava o campo. Ele odiava as pessoas, a escola e essencialmente todo o resto de lá. A única coisa de que gostava eram seus pais.

“Ei, policial.” Ranpo de repente começou a conversar com o jovem policial que dirigia. “Quanto tempo falta para chegarmos lá?”

“Estamos quase lá,” respondeu o policial com um tom alegre e amigável.

“Ah,” Ranpo respondeu vagamente antes de voltar seu olhar para a cidade.

Depois de olhar para Ranpo através do espelho retrovisor, o oficial alegremente disse:

“Você realmente me impressionou hoje! Sério, essa dedução me deixou emocionado! Você é um verdadeiro minidetetive! Você e Fukuzawa formam uma ótima equipe juntos. Já consigo ver os nomes de vocês no jornal de amanhã!”

“É... O que posso dizer? Mas eu não acho que aquele senhor vai se juntar a mim.”

“Hã? Sério? Eu pensei que vocês dois eram—”

“Ele tem medo dos outros,” Ranpo declarou abruptamente.

Alguns segundos de silêncio passaram pelo carro.

“Ah... Aquele guarda-costas é supostamente um mestre em artes marciais. Além disso, ele é conhecido por ser extremamente assustador... Ouvi dizer que até a polícia e os superiores militares ficam nervosos quando conheceram ele.”

Muitos membros de organizações policiais possuem qualificações em kendo e jujutsu. Às vezes, seu respeito pelos mestres da arte, seja um discípulo ou instrutor sênior, ultrapassa o nível e a posição profissional. Portanto, um artista marcial do calibre de Fukuzawa teve bastante influência nessas organizações. De certa forma, Fukuzawa era temido tanto pelos vilões quanto pela polícia.

“Não é a mesma coisa. Aquele senhor tem medo de outra coisa.”

“Uhum... Se é o que você diz. Você nunca deixa de me impressionar. Você acabou de conhecer Fukuzawa e, ainda assim, você já viu através dele. Eu acho que você nunca pode subestimar o poder dos usuários de habilidade, hein? O que era mesmo? ‘A habilidade de descobrir a verdade’?”

“Sim,” confirmou Ranpo com um frio gesto de cabeça. “Mas você não acredita nisso, não é?”

“Espera, espera, espera. É claro que eu acredito,” o policial respondeu em pânico. Ele então assumiu um sorriso falso de forma preocupada. “Hã... Foi tão óbvio assim?”

“Não ia precisar de um usuário de habilidade para ver quem você realmente é. Você mencionou que eu tinha ‘acabado de conhecer Fukuzawa’, o que significa que você ligou para a sede da polícia e descobriu que ele e eu nos conhecemos esta manhã durante o caso de assassinato da presidente. Por quê? Porque você queria saber o quão bom eu era.”

“Estou impressionado. Eu subestimei você.”

“Eu não culpo você. Eu não gosto de ser questionado, então... Que tal eu provar a você que eu sou um usuário de habilidade?”

Ranpo tirou um par de óculos de armação preta do bolso — seu presente inestimável de Fukuzawa.

“Oh, você tem certeza? Que privilégio. Parece que tenho um lugar na primeira fila para o honrado show do detetive de habilidade.”

Ranpo pôs os óculos com um suspiro e olhou pela janela.

Esse carro não vai para a delegacia, vai?

Silêncio. Ranpo e o policial trocaram olhares pelo retrovisor até que alguns momentos se passaram.

Suspiro. Você me pegou,” admitiu o policial enquanto coçava a bochecha. “Eu deveria ter mencionado isso antes, mas recebi uma ligação pelo rádio mais cedo. Me disseram que houve um acidente e que era para trazer o grande detetive comigo.”

“Entendo,” disse Ranpo. Seu tom não transmitia nenhuma indicação de como ele estava se sentindo.

“Mas você não precisaria ser um usuário de habilidade para adivinhar isso tudo, né? Quer dizer, eu não estou duvidando de você. Só pensei que, como a delegacia ficava perto da estação de trem, seria bastante óbvio que não iríamos para lá.”

“Você está exatamente certo.” Ranpo sorriu. “Devemos elevar o nível, então? Que tal isso? Você vai fazer perguntas sobre esse caso de hoje e usarei minha habilidade para responder. Se eu não conseguir, você ganha. Se eu descobrir todos os mistérios, eu ganho. O que acha?”

“Ah, agora falou minha língua! Não importa se eu ganho ou perco, porque isso vai ser divertido! Não tem porque eu dizer não! Posso começar?”

“Fique à vontade,” disse Ranpo.

O policial então pensou consigo mesmo por alguns segundos enquanto inclinava a cabeça.

“Tenho certeza que isso é algo que todos queriam perguntar, mas...” O policial batia no volante com o dedo enquanto falava. “Tipo, você se lembra daquele homem de terno que estava amarrado no palco? Aquele que usou o nome falso. Como ele foi capturado e carregado para aquele lugar atrás da tela?”

“Usando um tapete,” respondeu Ranpo enquanto empurrava seus óculos com um dedo. “Havia alguns tapetes de pelo comprido perto da entrada do teatro, certo?”

O policial ergueu os olhos enquanto esfregava o queixo com o dedo. “Ah... Havia, já que fala nisso.”

“Depois do pânico, um daqueles tapetes desapareceu,” afirmou Ranpo. “O chão estava vazio e havia um cheiro fraco, mas estranho, vindo de onde o tapete costumava estar. Qual é o nome dessa coisa mesmo? Aquela coisa que você encontra em tintas e plásticos que têm aquele cheiro estranho...”

“Solvente orgânico?”

“Sim, isso mesmo.” Ranpo assentiu. “Era fraco, mas senti o mesmo cheiro vindo do homem que estava amarrado. Isso quer dizer que o criminoso embrulhou aquele homem no tapete e carregou ele até lá. O criminoso usou um spray adesivo no carpete para pegar aquele homem de terno enquanto ele tentava escapar. Então ele usou alguma droga para deixar ele apagado antes de enrolar ele no tapete e levá-lo embora. Esse homem deve ser muito bom em fugir para alguém ter tido tanto trabalho assim.”

“Hmm... Bem, o palco estava muito agitado após o incidente com a equipe da ambulância e artistas limpando sangue e tudo mais, então eu acho que se alguém entrasse com um tapete, não ia chamar a atenção... Mas por quê? Sei que provavelmente foi o cúmplice que carregou ele, mas por que ele teria todo esse trabalho?”

“Não foi o dramaturgo.”

“Hã?”

“O dramaturgo nem sequer mexeu um dedo. Na verdade... Ele provavelmente foi morto antes mesmo da peça começar,” acrescentou Ranpo como se fosse óbvio. Uma mudança ocorreu na fisionomia do policial.

“I-isso não pode ser... Então quem?”

Todos — exceto eu, é claro — são tão estúpidos e tolos e, ah, tão adoráveis e é por isso que eu queria salvar o máximo de pessoas que pudesse,” Ranpo virou o rosto lentamente. “Mas não há nada que eu possa fazer pelas pessoas que morrem antes de eu saber a verdade e isso inclui aquele homem idoso que foi morto apenas para enganar.”

“Idoso...?” Perguntou o policial.

“Estou falando daquele pobre idoso que morreu no hospital no lugar de Murakami,” disse Ranpo levantando sutilmente a sobrancelha. “Quando estava explicando como resolvi os mistérios, menti que Murakami provavelmente trocou a identidade de alguém que por acaso também estava ferido como ele. Mas isso não seria muito conveniente para algo tão importante para o truque? Não era natural. Não faria sentido para alguém que foi meticuloso e ousado com seu esquema para deixar as coisas para a sorte assim. Esperou o momento perfeito para esfaquear e matar aquele homem idoso. Suspiro... Tudo isso só para sequestrar um único homem?”

“Quer dizer... que o assassinato não era o objetivo?”

“Isso é exatamente o que quero dizer. Este esquema em grande escala foi montado exclusivamente com o propósito de sequestrar aquele senhor de terno. Foi uma armadilha longa e elaborada. O dramaturgo e Murakami também estavam sendo usados. Eles não são nada mais do que peões também... Agora, você acredita que eu sou um usuário de habilidade?”

“Eu—Eu...”

Ranpo inclinou-se para o policial agitado. “Então, que tal você me dizer para onde este carro está realmente indo?”

Ele então colocou sua cabeça ao lado do banco do motorista e sussurrou no ouvido do homem:

“Posso sentir o cheiro de solvente orgânico nas suas roupas, policial.”

“Por que você não consegue falar com ele?!” gritou Fukuzawa.

O segundo andar do teatro estava sendo usado como uma delegacia de polícia temporária, onde realizavam uma reunião.

“Eu te disse, queria conseguir, mas eles ainda não chegaram na delegacia. Pelo tempo que eles saíram, já deveriam ter chegado lá...”

Três policiais estavam sentados na sala de conferências do teatro enquanto trocavam informações com seus colegas por telefone. No momento em que Fukuzawa soube que o dramaturgo havia sido morto, ele soube. O caso ainda não havia terminado. Na verdade, isso era apenas o começo.

Porque...

Havia dois fatores para este assassinato... Você pode pensar nisso como um camarão e uma baleia.

Ranpo sabia disso desde o início. Ele sabia que havia dois lados neste caso. Ele descobriu que havia um outro lado maior e mais sinistro nisso, além do assassinato encenado. O dramaturgo estava morto. Isso não foi uma farsa, mas um verdadeiro assassinato. Murakami tinha estado claramente perturbado desde que soube da notícia. Ele estava honestamente confuso e continuou pedindo à polícia que explicasse as coisas repetidamente.

Fukuzawa sentiu pelo seu instinto de que isso não era uma atuação. Embora ele não fosse nem de longe tão talentoso quanto Ranpo quando se tratava de observação e raciocínio, Fukuzawa teve uma visão perspicaz o suficiente para ver que o medo de Murakami era real. Mesmo um artista famoso como ele tinha esquecido como atuar. Independentemente disso, a casa do dramaturgo onde ele foi encontrado era bastante longe do teatro e Murakami estava sob vigilância policial desde que Ranpo terminou seu monólogo no palco. Cronologicamente, teria sido fisicamente impossível para ele ir à casa do dramaturgo, matá-lo e voltar ao teatro antes disso.

Quem realmente estava manipulando?

Quem foi o verdadeiro culpado?

De acordo com Ranpo:

Seria fácil pegar o camarão... Mas se quiser pegar a baleia, terá que usar o camarão.

Ele provavelmente já tinha descoberto quem era a “baleia”. Murakami era obviamente o “camarão”. Ranpo deu a entender que o camarão era a parte medíocre deste caso. Mas fazia sentido. Ninguém morreu, e resolver o caso em si também não foi tão difícil. Mesmo sem Ranpo, Murakami não teria sido capaz de viver como um homem-morto e se esconder pelo resto de sua vida. A verdade teria vindo à tona.

Mas no final, apenas metade do caso foi resolvido. Havia alguém puxando as cordas de Murakami e do dramaturgo para o seu esquema. A única pessoa que poderia ter respondido isso estava morta. Agora, o único que poderia seguir o caminho perdido para o verdadeiro criminoso... Era Ranpo.

E se o monólogo sensacionalista de Ranpo no palco fosse parte de um plano maior? E se seu plano de pegar a baleia ainda estivesse em andamento?

“Qual era o nome do policial que estava levando Ranpo para a delegacia?” Fukuzawa perguntou.

“Jun Mitamura,” respondeu o detetive, intimidado por Fukuzawa.

“Por que não consegue falar com ele?”

“Isso é estranho... O celular dele está desligado. Ele também não está atendendo o rádio.”

Fukuzawa começou a ficar impaciente.

O que aconteceu durante o curto período de tempo em que ele tirou os olhos de Ranpo? Não importava que o garoto fosse um gênio de raciocínio rápido. Mesmo se ele já tivesse descoberto quem estava por trás disso e estivesse tentando atrai-los, ele não teria chance se o atacassem. Ele ainda era apenas um garoto, e a escuridão desta cidade sem lei estava cheia de violência. Alguns não hesitariam em matar uma criança como Ranpo.

“Eu irei procurá-los.” Fukuzawa retirou-se rapidamente da sala de conferências.

Algo deve ter acontecido com Ranpo enquanto ele estava indo para a delegacia. Fukuzawa pensava em tudo, caminhando rapidamente para a frente. Ranpo tinha um plano? Mas ele não tinha ideia de como esta cidade era corrupta. Ranpo pensava que sabia de tudo, mas não era um usuário de habilidade. Não havia como ele saber algo a menos que visse com seus próprios olhos.

E quem fez Ranpo acreditar que ele era um usuário de habilidade foi ninguém menos que o próprio Fukuzawa. Ele caminhou pelo saguão até chegar à entrada da frente. A maioria dos clientes tinha ido embora e a área estava agora tranquila. No momento em que saiu, teve um vislumbre de algo com o canto do olho, onde Ranpo tinha entrado no carro da polícia. Quando ele forçou os olhos, viu algo branco perto da parede do prédio e decidiu dar uma olhada. Era um cartão de visita branco. Uma pedra estava no topo, talvez para evitar que fosse levada pelo vento. Quando Fukuzawa se aproximou o suficiente, ele imediatamente reconheceu que era seu cartão de visita.

Não pode ser—

Ele o pegou e, com certeza, tinha seu nome e informações de contato nele.

Ele não conseguia discernir para quem ele o deu originalmente, no entanto. Fukuzawa virou o cartão. Desordenadamente escrito no verso a lápis estava:

 

Mitamura é o verdadeiro culpado. Procure a bengala.

 

“De jeito nenhum. Qual é.” Mitamura balançou a cabeça enquanto sorria assim que dirigia. “Eu não consigo acreditar que um usuário de habilidade tão extraordinário escapou do nosso radar.”

Ranpo não respondeu. Ele simplesmente olhou para Mitamura pelo espelho retrovisor com seu olhar jovem e penetrante por trás dos óculos.

“Acho que seria indelicado dar desculpas ou negar diante de um detetive tão genial. Agora que você me descobriu, eu provavelmente deveria fazer a coisa certa e dizer a verdade e os meus motivos,” Mitamura continuou com um sorriso. “Espere só mais um pouco, por favor. Há um lugar mais adequado à frente para recebê-lo, Mestre Detetive.”

“Tudo bem, mas seja rápido,” Ranpo exigiu com indiferença. “Já é tarde, então estou ficando cansado.”

“Farei o que for possível.”

O carro da polícia passou pela cidade à noite até chegar a um distrito comercial aparentemente vazio. Dirigindo por uma estrada sem postes de luz, eles logo chegam a um novo prédio de quatro andares e estacionam.

“Chegamos. Oficialmente, este prédio é um escritório de uma ‘empresa de construção naval’, se é que você me entende,” brincou Mitamura enquanto olhava para o prédio. “Na realidade, nós o possuímos. É o que chamam de empresa de fachada. Agora venha. Por favor, olhe onde pisa.”

Ranpo saiu do carro conforme pedido e eles entraram pela porta da frente do prédio vazio. À primeira vista, parecia igual a qualquer outro prédio da cidade. No entanto, não havia luzes acesas no interior, nem guardas. Enquanto Mitamura e Ranpo continuavam a andar, tudo o que iluminou o crepúsculo foi o tom esverdeado das luzes de emergência.

“Por aqui, por favor.”

Mitamura abriu uma porta de vidro. A sala estava vazia, mas uma das paredes era completamente feita de vidro, dando uma visão clara do horizonte de Yokohama ao longe. Ranpo começou a entrar na sala conforme solicitado antes de falar.

“Uma arma?”

“Hmm?”

“Essa coisa. A arma.”

Ranpo apontou para a cintura de Mitamura. Pendurado ali estava um revólver preto emitido pela polícia municipal.

“Nunca quis morrer antes, mas não quero que doa quando eu morrer. Eu mesmo pensei sobre isso. No momento em que a bala perfura sua cabeça provavelmente dói. Mas eu nunca falei com um cara morto antes, então não posso dizer com certeza.”

“Ha-ha. Eu não vou atirar em você com isso.” Mitamura sorriu enquanto tocava em sua arma. Então seus olhos se estreitaram. “...Desde que você faça o que eu digo.”

Fukuzawa rapidamente passou pelo corredor vazio do teatro para o auditório. Todos já tinham ido para casa e apenas os passos de Fukuzawa ecoaram misteriosamente. Sua expressão era intensa, mas não havia hesitação em seu olhar. Só havia uma coisa que lhe veio à mente quando viu a palavra bengala. Ele ocasionalmente subiu no palco, pisou por cima da leve mancha de sangue e se dirigiu para os fundos.

Fukuzawa imediatamente encontrou a bengala. Debaixo da tela de tecido branco que Ranpo arrancou havia uma bengala em forma de T por acaso caída no chão. Era um pouco velha, mas no punho tinha decorações de folhas de ouro embutidas, sugerindo qualidade de ponta. A madeira bem polida parecia ter sido feita de uma árvore de camélia. Era a bengala que o senhor de terno estava usando.

Fukuzawa não tinha ouvido sobre o paradeiro do dono da bengala até o momento. Alguns disseram que ele foi levado ao hospital, enquanto outros disseram que ele fugiu para evitar quaisquer questões complicadas que possam ter ocorrido. Se ele fugiu, então não haveria maneira de encontrá-lo agora. A bengala de maior importância no momento. Fukuzawa imediatamente percebeu que algo estava errado quando o segurou: o ponto central de gravidade estava um pouco pesado. Essa pequena peculiaridade seria notada apenas por alguém que segurou inúmeras espadas de madeira e espadas verdadeiras, assim como Fukuzawa.

Onde a decoração de ouro encontrava com a madeira, havia uma lacuna que ele podia ver claramente a olho nu. Algo tão grosso como uma folha de papel poderia ser deslizado para dentro da fenda. Ele primeiro pensou que fosse uma bengala de espada, uma arma típica para um assassino. Era mortal, assim como algo que Fukuzawa usava em raras ocasiões, então ele estava muito familiarizado com elas.

Mas isso era diferente. Não havia espaço suficiente para esconder uma lâmina. Então, para que poderia ter sido usada?

Ele segurou a lacuna escondida enquanto girava o punho da bengala até que as decorações realmente saíssem, revelando o interior.

“...?”

Estava vazio. Sem arma, sem drogas — não havia nada lá. Era apenas um pedaço oco de madeira.

Por que Ranpo me pediria para encontrar isso?

Fukuzawa olhou para dentro da cavidade. Era surpreendentemente profunda. Usando a pouca luz que ele tinha, ele mediu a profundidade. Um documento poderia caber dentro se fosse enrolado primeiro.

—Uma fenda atualmente vazia.

—Um documento.

Entendi.

Fukuzawa descobriu: o que quer que estivesse dentro já havia sido levado. Provavelmente havia algo dentro dela quando o senhor de terno a estava carregando. Ele estava trazendo ela para algum lugar? Ou estava simplesmente tentando mantê-la por perto? Ele ficou inconsciente, e o que quer que estivesse lá — talvez um documento de algum tipo considerando o tamanho — foi roubado. Em seguida, a bengala foi jogada fora após cumprir seu propósito.

O mistério do senhor de terno, o mistério da bengala vazia e o mistério do verdadeiro culpado que tinha roubado o que estava dentro — muitas perguntas surgiram desta única bengala. Mas não deu nenhuma pista do que Fukuzawa mais precisava saber: onde estava Ranpo?

Então Ranpo não deixou essa mensagem para dizer a Fukuzawa onde ele estava. E a mensagem era claramente de Ranpo; ninguém mais teria deixado uma nota acusando alguém de ser o verdadeiro culpado. Havia algo mais para esta bengala?

Fukuzawa refletiu. Ranpo não teve tempo de tocar ou verificar a bengala. Mesmo assim, ele sabia que havia mais do que isso, e foi por isso que ele disse a Fukuzawa para encontrá-la. Embora Ranpo possa ter tido resultados inatingíveis de percepção, ele descobriu algo sobre a bengala sem sequer tocá-la. Não conseguir descobrir o que isso era, mesmo depois de examinar, estava começando a fazer Fukuzawa sentir como se ele tivesse falhado como um adulto.

A única coisa que chamou a atenção de Fukuzawa foi como foi relativamente fácil chegar ao espaço escondido. Isso seria bom para bengalas de espada que precisavam ser desembainhadas em um piscar de olhos, mas teria de ser muito mais difícil de abrir se fosse para algo feito apenas para esconder um documento.

Fukuzawa descobriu o compartimento quase que instantaneamente. A pessoa que roubou o que quer que estivesse dentro provavelmente também descobriu como abri-lo rapidamente. Talvez tenha sido um pequeno descuido.

Mas do ponto de vista de Fukuzawa, esse descuido não combinava com a impressão que ele teve. O senhor era difícil de ser pego. O culpado tinha que montar todo esse esquema para pegá-lo, já que ele foi tão cauteloso que ele tinha tentado escapar do teatro no momento em que detectou que algo estava errado.

O que significava que havia apenas uma outra possibilidade.

Fukuzawa observou o compartimento mais uma vez. Era perfeitamente curvado sem um arranhão. Ele o tocou com um dedo. Para seus sentidos, a madeira polida parecia quase um círculo perfeito. Ele colocou o dedo no buraco e o manteve por dentro enquanto empurrou a bengala com firmeza. Depois de alguns momentos, ele sentiu o interior se mover ligeiramente. Ele puxou um pouco mais. Então, o interior da bengala saltou para fora. Era o que eles chamam de fundo falso, um truque para enganar os ladrões para que roubassem qualquer coisa sem importância que estivesse enfiada no primeiro compartimento. Em outras palavras, o verdadeiro esconderijo estava na parte de trás do cilindro interno.

Fukuzawa olhou para o cilindro que puxou e franziu as sobrancelhas instintivamente. A parte de trás era um dispositivo de memória eletrônica. Não havia nada mais suspeito sobre isso. Preso na superfície externa do cilindro estava uma placa de circuito curva. Até Fukuzawa soube quase imediatamente o que estava olhando: um terminal de memória ultrafino. A cavidade oculta era uma pista falsa. Embora fosse uma bengala de disfarce, as próprias paredes externas do cilindro eram os verdadeiros portadores de informações. Fukuzawa tinha ouvido rumores de uma organização que transportava informações dessa forma.

“Então isso significa...” Fukuzawa murmurou.

Aquele senhor de terno era um usuário de habilidade e estava se escondendo de um grupo criminoso atrás dele. Agora havia finalmente informações suficientes para raciocinar quem era o verdadeiro culpado.

Fukuzawa começou a andar sem sequer um segundo de hesitação. Ele finalmente pôde ver, embora vagamente, a baleia que Ranpo estava tentando pegar.

“Então, onde estamos?” Ranpo perguntou indiferente enquanto olhava pela janela.

“Uma de nossas bases mais convenientes. Como você pode ver, podemos fazer o que quisermos à noite, sem sermos vistos ou ouvidos aqui. É o lugar perfeito para fazer qualquer coisa, seja escondendo, tendo uma reunião secreta, ou—”

“Torturando alguém?” Ranpo disse abruptamente, fazendo com que o oficial Jun Mitamura levantasse as sobrancelhas em forma dramática de surpresa.

“Oh céus. Eu pensei que eu tinha sido claro antes. Trouxe você aqui simplesmente para que pudéssemos receber o grande detetive em nossa casa. O pensamento de tortura nem passou pela minha cabeça. Isso tudo é um grande mal-entendido.”

“São muitos guardas armados para um mal-entendido. Havia quatro— não, cinco deles, não havia?” Afirmou Ranpo, com um encolher de ombros, indiferente. Mitamura ficou em silêncio, aparentemente pego de surpresa. Os guardas estavam perfeitamente escondidos. Todos foram contratados de fora — ex-militares estrangeiros — e eles foram treinados para serem capazes de observar seu alvo sem deixar um único vestígio. Eles estavam assistindo de um ponto cego, nenhuma vez deixando alguma pegada ou limpando a garganta.

“Uau... Você nunca para de me impressionar.” Mitamura coçou a cabeça de maneira preocupada. “Como você sabia?”

“Eu já te disse. Essa é a minha habilidade,” disse Ranpo enquanto colocava os óculos.

“Hmm...” Depois de pensar por um momento, Mitamura abriu os braços como se para mostrar que não queria fazer mal. “Muito bem. Mas quero ter certeza de que isso está claro para que não haja mal entendimentos. Esses homens não têm absolutamente nenhum interesse em machucar você. Eles foram originalmente trazidos aqui para ficar de guarda e manter os olhos no alvo — o homem de terno que você revelou no palco para todo o público. Então, basicamente, eles estão apenas fazendo hora extra agora. Afinal, quem sabe que tipo de bandido sem lei pode vir atrás do maior detetive do mundo?”

“Bandido sem lei, hein...? Queria de saber quem você está se referindo. Seja como for, por que você me trouxe aqui?” Perguntou Ranpo enquanto se sentava na cadeira próxima.

“Temos um pequeno problema. Como você sabe bem, tínhamos um plano bastante elaborado em andamento no teatro, por isso os superiores estão bastante irritados. Eles me disseram para pegar o cara que estragou tudo. Queria que eu te fizesse falar. Descobrir como você sabia a verdade. Descobrir onde você conseguiu a informação vazada. Bastante imediatistas, se você me perguntar. Ah, e nem me fale sobre o documento confidencial que encontrei na bengala daquele homem. Minha nossa. Era falso. Dá para acreditar?” Mitamura encolheu os ombros de forma melodramática. “Claro, é um grande problema se alguém vazou nosso plano para uma fonte externa. É uma questão de disciplina interna, afinal. Mas você e eu, Grande Detetive, sabemos que não é o caso. Foi tudo graças à sua habilidade sobrenatural. É por isso que não importa o quanto eu pressiono você para obter uma fonte de informação. Não existe, né?”

“...”

Mitamura olhou para a expressão silenciosa de Ranpo antes de continuar.

“Mas você sabe como é isso de honra e dignidade e tudo mais. Eu não posso deixar você ir tão facilmente, então estou tendo um pequeno dilema aqui. Como as coisas estão agora, o chefe vai nos fazer te machucar, mesmo que nós não iríamos querer e você não quereria isso, não é? Eu sei que eu não iria. Então aqui está minha oferta...”

Mitamura deu um passo à frente na sala escura. Sua sombra cresceu longitudinalmente à luz que entrava pela janela da noite lá fora. Ele se sentou diante de Ranpo, que estava fechando os olhos, então sussurrou:

“...Que tal se juntar a nós?”

Um silêncio incômodo reinou sobre a sala.

“Somos homens com ambição. Nosso único desejo é limpar este país do mal e adoraríamos ter um talentoso usuário de habilidade como você. O que me diz?”

A luz de fundo obscureceu o rosto de Mitamura na escuridão, mas era fácil imaginar seu sorriso frio e magro vindo das sombras.

“...Hmm?” Ranpo, sentado, ergueu a cabeça e olhou em direção ao olhar dele. “Ah, desculpe. Você continuou falando e falando, então eu fiquei entediado e parei de ouvir... Você poderia deixar essa mais interessante da próxima vez?”

O rosto de Mitamura congelou. Um clima tenso encheu a sala.

Fukuzawa estava correndo em direção a uma prisão subterrânea. Era um prédio quadrado de um andar adjacente à delegacia de polícia. Ele já havia contatado com antecedência, então ele cumprimentou os guardas e foi direto para a longa escadaria. Ao contrário de uma cela de detenção que mantinha suspeitos temporariamente, a instalação foi construída com o objetivo principal de impedir que qualquer criminoso saísse. Fukuzawa alcançou uma grossa porta dupla de aço. Não havia janelas na cela e as paredes foram reforçadas com armações de aço. Na parte de trás estava um menino.

“Você está acordado?”

O menino usava uma camisa de força e foi amarrado com várias correntes na sala de concreto vazia. Ele ergueu os olhos lentamente. Seus olhos vazios e sem emoção eram de um marrom avermelhado. Fukuzawa olhou através da estreita janela de observação na porta e viu o rosto do assassino. Foi o assassino desta manhã que matou o secretário. Ele calmamente olhou para Fukuzawa por baixo de seu cabelo vermelho curto, nem mesmo uma pitada de emoção em seus olhos.

“Como está a cela?”

“Não tão ruim quanto alguns outros. O ar-condicionado funciona.”

Mesmo Fukuzawa, que enfrentou inúmeros vilões e assassinos, nunca tinha visto olhos como os dele. A maioria dos assassinos habilidosos olhavam para os outros como se fossem insetos. Seus olhos eram frios e carentes de compaixão. Mas os deste menino eram diferentes. Eles não eram frios ou de qualquer temperatura. Eles eram apenas vazios. Não só não havia compaixão ou bondade, como também não havia ódio ou paixão para matar. Seus olhos eram os de uma pessoa que tinha desistido de toda a esperança e desespero — eram olhos de uma pessoa que se afastou das coisas emocionais.

Este garoto é diferente do antigo eu. Talvez ele nunca tenha sentido qualquer prazer em matar os outros. Ele provavelmente estava apenas matando porque não tinha mais nada para fazer.

“Vim porque há uma coisa que quero te perguntar,” disse Fukuzawa, de frente para a janela de observação. “Dê uma olhada nisso.”

Fukuzawa estendeu o compartimento em direção à janela de observação, mostrando o cilindro com o dispositivo de memória.

“Este é um dispositivo de memória usado por uma certa organização nacional. Ele precisa de equipamento especial para ser decifrado, e roubar as informações lá de dentro é quase impossível. Ele é usado por pessoas no programa de proteção a testemunhas para que possam permanecer invisíveis para o público enquanto trocam informações com a organização de proteção a testemunhas. Ou seja, figuras-chave alvos de organizações criminosas possuiriam esse dispositivo. Além disso, há algo que todas essas figuras-chave têm em comum. São todos usuários de habilidade.”

Fukuzawa observou de perto o assassino, mas o olhar do assassino não mudou.

“Agora vamos falar sobre o motivo de eu estar aqui. Você é um assassino altamente qualificado que trabalhou para organizações externas também, tenho certeza. Então, você recebeu algum pedido de cliente para capturar um usuário de habilidade recentemente?”

O menino não respondeu.

“Então?”

“...Não posso revelar meus clientes,” respondeu o menino com uma voz rouca.

“Não precisa ser sobre os pedidos de seus clientes.” Fukuzawa tentou barganhar. “Você ouviu falar recentemente de alguém por aqui procurando por alguém que pudesse capturar um usuário de habilidade vivo? É um alvo difícil, alguém que aparece aleatoriamente e que está atualmente sob o programa de proteção a testemunhas. O cliente teria pedido que esse homem fosse encontrado e capturado vivo em segredo. O pagamento teria sido excepcional e o cliente manteria sua identidade em sigilo. O cliente provavelmente se chamaria ‘Anjo’ ou ‘V’.”

No momento em que o menino ouviu o nome “V,” seus ombros se contraíram. Este assassino sabe de alguma coisa, pensou Fukuzawa.

O governo, que não reconheceu oficialmente a existência de usuários de habilidades, estava protegendo secretamente esses usuários de habilidades e o senhor de terno era provavelmente um deles. Eram figuras proeminentes mesmo nesta cidade, seres procurados por partidos militares estrangeiros, organizações criminosas domésticas e incontáveis inimigos. Não estava claro por que essas pessoas estavam sendo procuradas, mas não seria exagero dizer que elas guardavam segredos ligados à fundação do país.

Um grupo comum de bandidos nem mesmo seria capaz de encontrar uma pegada deixada por alguém desse calibre. Mesmo que os encontrassem, eles não seriam capazes de passar pela linha policial da organização de proteção a testemunhas, a menos que fossem assassinos de primeira classe. Além disso, a organização por trás disso — o chamado “V” — recusou-se a sujar as próprias mãos. Eles usariam apenas pessoas de fora.

É por isso que um assassino deste nível certamente teria ouvido falar de um trabalho como este. Não havia como “V” ignorar um assassino tão conveniente que era talentoso, mas que não trabalhava para nenhum grupo específico.

“...Eu não quero falar sobre eles.” O jovem finalmente falou. Ele tinha uma voz de menino, mas seu tom soava como o de um homem idoso exausto e sem emoções. “Você sabe qual é o objetivo deles?”

“Não,” respondeu Fukuzawa.

Tudo o que ele sabia era que esta organização criminosa montou um esquema inteiro e envolveu toda a gente no teatro só para capturar um homem.

“Justiça,” disse o assassino. “Eu consigo entender matar por dinheiro ou porque você odiava alguém, mas eles estão matando por justiça. Eu não quero me envolver com um grupo assim. Depois que terminarem de matar por sua justiça, eles só continuarão a matar. Eles simplesmente vão parar de se importar com quem estão matando.”

Essas foram palavras de partir o coração para Fukuzawa, e ele quase deixou escapar um choro.

“Não estou mandando você lutar contra eles,” disse Fukuzawa, conseguindo manter a voz calma. “Eles sequestraram meu colega. Você conhece algum lugar onde eles poderiam manter ele?”

O menino lançou um olhar penetrante em Fukuzawa. Seus olhos estavam bem abertos.

“...Eu não tenho nenhuma razão para te dizer.”

“Verdade,” concordou Fukuzawa. “Mas se você me contar, eu não me importaria de testemunhar que a morte da secretária esta manhã foi o resultado de um acidente durante uma luta. Você seria liberado amanhã.”

Algo como a surpresa vacilou levemente no olhar do menino. “...Você está falando sério?”

Fukuzawa assentiu em silêncio.

“Estou chocado.” O garoto balançou a cabeça. “Não achei que você fosse o tipo de pessoa que daria as costas para a justiça por um acordo.”

O próprio Fukuzawa também ficou surpreso. Ele nunca tinha feito um acordo com um criminoso. No entanto, foi surpreendentemente fácil para ele tomar essa decisão. Talvez ele se arrependesse das coisas amanhã. Talvez ele se lembrasse dessa decisão e se sentisse culpado um dia. Mas agora, neste momento, não havia contradição nem arrependimento no coração de Fukuzawa.

Ele tinha que salvar Ranpo... Porque Ranpo era um idiota. Ele era ingênuo e imprudente e ainda era apenas um garoto que não pensava nas coisas o suficiente. Na verdade, ele foi tolo o suficiente para se usar como isca para atrair o verdadeiro culpado.

Fukuzawa chegou a esta conclusão a caminho da prisão subterrânea. Ranpo se permitiu ser sequestrado para atrair o inimigo e ele pretendia que Fukuzawa o salvasse. Esse foi provavelmente um plano perfeito para Ranpo. Provavelmente era a única maneira de tirar de lá o verdadeiro culpado, que de outra forma nunca mostraria o rosto em público.

Se era isso que Ranpo estava pensando, isso o tornaria extremamente tolo.

Fukuzawa tinha que encontrar Ranpo, mas se ele estivesse em menor número e em desvantagem quando encontrou o esconderijo do inimigo, então Ranpo ainda seria morto. Não eram o tipo de pessoas que deixariam alguém viver depois de saber a verdade. O que Ranpo pensava ser uma ideia brilhante nem sequer valia a pena considerando o ponto de vista de Fukuzawa. Era tão tolo quanto nadar em um pântano no meio do inverno e foi exatamente por isso que Fukuzawa não pôde abandoná-lo.

“Então? Você aceita o acordo?”

O assassino olhou para Fukuzawa por alguns momentos.

“Esta instalação não é assim tão ruim,” admitiu o menino enquanto olhava ao redor da sala. “Além disso, posso fugir quando quiser por conta própria, então sua oferta não vale a pena.”

Seria preciso pelo menos um pelotão totalmente armado para escapar desta instalação. E, no entanto, o instinto de Fukuzawa lhe disse que este rapaz não estava mentindo.

“Então o que valeria o seu tempo?”

O menino olhou para o chão em silêncio por alguns segundos.

“Eu trabalho sozinho como assassino desde que me lembro,” ele começou. “Eu nunca quis ter amigos ou um chefe, mas... Ver um mestre marcial como você comprometer seus princípios para salvar um de seus homens... Isso me deixa com inveja. Ele deve ser o cara mais feliz do mundo por ter você como chefe.”

Fukuzawa estava prestes a corrigi-lo.

Ranpo não era seu subordinado e ele não foi feito para ser o chefe de ninguém. Na verdade, ele era o mesmo que este menino. Ele evitou organizações e vínculos com outras pessoas.

No entanto, o que saiu da boca de Fukuzawa foi:

“Você acha?”

As palavras que escaparam de sua língua eram completamente diferentes do que ele queria dizer. O menino calmamente assentiu com a cabeça.

“Ouvi dizer que eles usam alguns prédios para fazer negócios. Você provavelmente deve começar a verificar os mais próximos primeiro.”

Fukuzawa ficou sem palavras até que o menino olhou para ele.

“Este lugar me dá uma cama e tem ar-condicionado, mas a comida é horrível,” disse o menino. “Ouvi dizer que você teve alguma influência sobre os superiores na força policial. Você poderia me ajudar? Isso é tudo que eu preciso.”

Fukuzawa estreitou ligeiramente os olhos e perguntou: “Algum pedido?”

O menino deu o mais tênue dos sorrisos. Ele então respondeu:

“Curry.”

“Ouça, Mestre Detetive Ranpo. Este é o melhor negócio que você vai conseguir. Ou você aceita o acordo, ou eles tiram a informação de você. O que vai ser? Eu não acho que você está em posição de negociar.”

Mitamura deu um passo à frente. Sentado em uma cadeira e balançando as pernas, Ranpo distraidamente respondeu: “‘Negociar’? Não tenho intenção de negociar e quando a conversa não me interessa, só entra por um ouvido e sai pelo outro. Parece uma vaca mugindo para mim. Muuuu.”

A sobrancelha de Mitamura se contraiu de repente. Ainda assim, ele esfregou a testa em uma tentativa de conter suas emoções.

“Escuta, Ranpo. Você é extremamente sortudo por eu estar aqui negociando com você. Os outros provavelmente já teriam serrado seus dedos. Mas eu vi sua habilidade maravilhosa, e é por isso que eu estou sendo sincero quando eu—”

“Ah, lá. Aí está de novo. Muuuu.”

“...Grrr!” Mitamura por reflexo alcançou a arma em sua cintura. Sua mão tremia de raiva ao tentar se controlar. Enquanto a tensão em seus músculos sacudia seu braço, ele disse: “Eu estou tentando... Tratá-lo como um adulto. Meu trabalho no teatro era garantir que o plano corresse bem e lidar com as consequências. Se você estiver fora de cena, ninguém saberá o que realmente aconteceu. E ainda assim, aqui estou eu me abrindo para você, dizendo a verdade e tentando negociar com você como um homem adulto. Estou fazendo tudo isso de boa fé.”

“Isso soaria muito mais convincente sem a veia saindo da sua testa. O que você está dizendo é que é melhor eu trabalhar para você ou você vai me matar. Onde está a boa fé nisso? Além disso, as pessoas do topo gostam que eu faça o que eles querem.” Ranpo encolheu os ombros. “De qualquer forma, estamos falando de mim, um detetive gênio e usuário de habilidade. Você realmente achou que eu deixaria você me levar para fora da cidade para ser ameaçado sem ter um plano?”

“...!”

Mitamura, por reflexo, apontou sua arma para Ranpo, mas Ranpo simplesmente olhou para o cano. “...Você está mentindo,” disse Mitamura. “Eu te revistei. Você não tinha um transmissor.”

“Isso é porque eu não preciso de um.” Os lábios de Ranpo se curvaram ligeiramente e os músculos ao redor da mandíbula de Mitamura ficaram tensos.

“Ótimo. Então me deixe ser honesto com você. Me deixa com raiva que um pirralho como você arruinou nosso plano e sua arrogância me irrita. Então, sua habilidade permite que você veja a verdade? E daí? Uma habilidade patética como essa não seria capaz nem mesmo de parar uma única bala.”

Mitamura engatilhou a arma com o polegar. Houve um clique.

“Mas, mesmo assim, tentei ser legal com você por causa do nosso propósito supremo: livrar este país da escória que o assola — aqueles que trazem o caos, os parasitas que corroem a estrutura da nação, ou seja, os usuários de habilidade.”

“Entendi. Então, ‘V’ é uma organização de usuários de habilidade que se uniram para se livrar de outros usuários de habilidade, hein?” Ranpo ligeiramente sorriu.

“Nós usamos qualquer coisa para o nosso propósito, seja um usuário de habilidade ou um homem escondido pelo programa de proteção a testemunhas. Esse é o nosso—”

A mão de Mitamura segurando a pistola tremia. Seu dedo apertou em volta do gatilho.

“Vamos logo com isso. Se você vai atirar em mim, então faça,” provocou Ranpo enquanto olhava para a arma.

“Ah, mas espere mais cinco segundos primeiro, ok? Porque se minhas previsões estiverem corretas, então em três... Dois...”

Um clarão de luz ofuscante inundou a sala.

As janelas de vidro se estilhaçaram. Uma sombra negra saltou para dentro da sala e aterrissou antes se virar.

“...?!”

Mitamura ficou paralisado. Ele não conseguia mais segurar a arma; a silhueta que saltou pela janela estava expelindo uma sede por sangue, o suficiente para matar um leão. Imediatamente, Mitamura foi atirado para o canto da sala.

“Ugh...!”

Depois de bater contra a parede, a sombra agarrou o colarinho de Mitamura e jogou-o rapidamente antes que ele pudesse até mesmo cair no chão. A velocidade do lançamento criou, posteriormente, a imagem de um arco no ar. Esta técnica de arremesso normalmente seria referida como seoi nage — um arremesso de ombro — no jujutsu. No entanto, um movimento em que o oponente foi lançado para o teto antes de bater no chão sem a perda de velocidade estava muito além de um arremesso de ombro. Era como se Mitamura tivesse sido atingido por um trem antes de perder a consciência.

Banhando-se na iluminação noturna da cidade, a sombra da silhueta se estendeu enquanto estava no centro da sala. O guerreiro silencioso permaneceu parado enquanto suas roupas esvoaçavam suavemente.

“Fukuzawa!” Ranpo gritou de alegria.

“Quantos sobraram?”

“Cinco!”

Naquele momento, passos correram pelo corredor fora da sala. Havia apenas uma porta. O primeiro soldado correu para dentro. Em um piscar de olhos, Fukuzawa agarrou o pulso do homem enquanto ele levantava sua arma e começou a lançá-lo verticalmente no ar — kote gaeshi, uma técnica de arremesso em aikido que usa o momento do adversário contra ele. Enquanto o soldado estava voando no ar, Fukuzawa torceu ainda mais o braço de seu oponente e o jogou contra a parede. O soldado desmaiou, incapaz de puxar o gatilho, muito menos ver o homem que o deixou inconsciente.

Fukuzawa então foi para o corredor. Homens armados com rifles ficaram de cada lado enquanto corriam em sua direção. Eles entraram em posição para disparar, mas Fukuzawa já tinha desaparecido. Quando os soldados perceberam que os pulsos tinham sido agarrados, eles já estavam no chão. No meio da confusão, eles tentaram disparar seus rifles, mas suas armas já tinham desaparecido também.

Dois golpes de cotovelo atingiram os soldados na garganta. Fukuzawa tinha a vantagem quando se tratava de força bruta e, no instante antes de desmaiarem, os soldados apenas arrependeram por subestimar seu oponente.

Não era como lutar contra um humano, ou mesmo um demônio ou animal selvagem. Mais especificamente, era como lutar contra as leis da própria física.

Não havia como uma mera arma derrotar as leis da física. Fukuzawa silenciosamente avançou para o próximo soldado armado, que tentou erguer a arma em pânico, tentando fixar em um alvo, mas Fukuzawa já havia cruzado vários metros de distância em sua direção. O golpe de palma no queixo do soldado produziu um estalo. Enquanto o homem voava em direção ao teto, Fukuzawa passou por eles graciosamente. Mas quando ele virou a esquina, ele encontrou-se diante de um soldado com uma metralhadora. Era uma emboscada.

“Tome isso!”

A metralhadora podia disparar sete vezes por segundo — e mesmo assim... O soldado nem conseguia puxar o gatilho. Ele deixou cair a arma, agarrou a sua mão e caiu de joelhos. Uma caneta-tinteiro estava espetada na palma de sua mão. Depois de lançar a caneta como um projétil com velocidade divina, as mangas de Fukuzawa se abriram antes de voltarem lentamente ao normal. Era uma velha técnica de artes marciais que usava itens cotidianos como armas.

Aquele era o quinto.

“Quer continuar?” Fukuzawa perguntou enquanto se aproximava do soldado armado com uma metralhadora.

O soldado segurou sua mão e fez uma careta.

“... Seu... Monstro...!”

Ele recuou assustado e fugiu, deixando sua arma e seus companheiros para trás. Fukuzawa, no entanto, silenciosamente o observou escapar, sem sequer tentar ir atrás dele.

Ele caminhou sobre os soldados inconscientes e fez o seu caminho de volta para a primeira sala.

“Uau! Isso foi incrível!” Ranpo disse entusiasmado, seu rosto dividido de orelha a orelha em um sorriso alegre.

“Você está bem?”

“Isso foi muito além das minhas expectativas! Essa foi a melhor coisa de todas! Mas, ei, parece que meus cálculos estavam certos. Eu sabia que você chegaria a tempo. De qualquer forma, graças a você, o verdadeiro culpado—”

Fukuzawa caminhou até Ranpo e parou antes de respirar fundo.

“Seu idiota!!”

Ranpo foi atingido por um poderoso tapa. Um estalo poderoso ecoou por toda a sala e seus óculos voaram.

“‘Cálculos’?! Você sabia que eu ‘chegaria a tempo’?! O que era aquilo apontando em seu rosto quando eu cheguei agora?! Uma arma, isso sim!”

Ranpo congelou após o impacto do tapa que o fez girar à metade. Uma vívida mancha vermelha cresceu em seu rosto.

“Eu...”

“Não existe tal coisa como ‘com certeza’ neste mundo! Se eu levasse um segundo a mais para perceber o que tinha acontecido — se eu estivesse um segundo atrasado para chegar aqui — você teria morrido!”

Ranpo ficou atordoado enquanto segurou sua bochecha. “M-mas eu sabia... Eu sabia que você viria.”

“Não, você só queria demonstrar o que você pode fazer!”

Ranpo suportou todo o peso da raiva de Fukuzawa. A gritaria foi tão alta que até os vidros começaram a tremer.

“Você é livre para exibir seu dom e pode desafiar seus oponentes com ele! Mas você tem que parar de apostar com sua vida! Você ainda é—”

Fukuzawa não sabia o porquê.

Por que ele gritava tanto?

Por que ele estava tão chateado?

Por quê?

“Você ainda é apenas uma criança!”

O coração de Fukuzawa doía por isso. Ele fez uma careta à dor que era quase física.

Por que ele deixou essa criança ir por conta própria?

Por que ele não foi com ele?

Ranpo ainda era tão jovem... E tão fraco...

“Mm... Guhhh...”

Os lábios de Ranpo apertaram enquanto ele segurava sua bochecha vermelha inchada. Seus olhos bem abertos oscilaram enquanto enchiam de lágrimas. Fukuzawa foi imediatamente tomado pelo arrependimento. Ele tinha ido longe demais. Ranpo provavelmente não costumava ser repreendido assim. Certamente quando gritariam com ele e até mesmo ser esbofeteado iria...

“Mas... Mas...”

Ele tremia com a cabeça baixa.

Grandes lágrimas gotejaram para o chão. Fukuzawa respirou para fora quando um sentimento indescritível diminuiu e fluiu em seu coração.

Ranpo, menino gênio, órfão — ninguém o entendia, e ele estava sozinho neste universo escuro e frio. Ele foi jogado no vasto mundo sem ninguém para protegê-lo.

Até o próprio Fukuzawa estava hesitante. Ele não sabia como deveria apoiar Ranpo ou como ele deveria tratá-lo. E como ele não sabia o que fazer, Fukuzawa simplesmente de um tapinha gentil na cabeça de Ranpo duas vezes. Ranpo agarrou-se a Fukuzawa. As lágrimas escorriam sem fim por suas bochechas, afundando nas roupas de Fukuzawa.

“Desculpa! Desculpa! Me... Desculpa!”

Sem saber o que fazer com os braços, as mãos de Fukuzawa pairavam no ar. Com uma expressão conturbada, ele olhou para fora da janela no imenso silêncio da noite. Seus olhos captaram um vislumbre da lua redonda, branca como um espelho polido. Ele gentilmente olhou para a lua, e ela sorriu de volta.

E então...

O caso chegou ao fim principalmente graças aos esforços de Ranpo. Os jornais do dia seguinte só falavam da farsa de Murakami e o dramaturgo, junto ao idoso que morreu no hospital depois de ter sido esfaqueado, foram processados como crimes pessoais cometidos pelo agente Jun Mitamura. Apesar disso, o oficial Mitamura foi encontrado morto após ser detido sob custódia policial. Era como se ele tivesse sido esfaqueado por alguma força invisível — assustadoramente semelhante à forma como o dramaturgo foi morto. Muito provavelmente, um usuário de habilidade da organização inimiga tinha o silenciado para garantir de que nenhuma informação fosse vazada.

O caminho para o verdadeiro culpado foi aparentemente cortado e o caso permaneceu mais ou menos sem solução. No entanto, apenas um pequeno número de pessoas envolvidas, como Fukuzawa e Ranpo, sabiam a verdade: por trás de tudo isso estava um grupo clandestino local conhecido como “V,” cujo objetivo era livrar o país dos usuários de habilidade.

E a batalha contra eles estava apenas começando.

Quanto ao Ranpo, a quem levou gritos e a quem levou tapa impiedosamente...

“Ei, Fukuzawa-san, quando é o próximo caso? Vamos lá, vamos resolver alguns mistérios! Eu vou usar minha habilidade e resolvê-lo em um piscar de olhos.”

...Ele se tornou extremamente apegado a Fukuzawa.

Fukuzawa não entendeu o porquê, no entanto.

“Tudo bem. Só pare de puxar na minha manga. Você vai deixar ela larga.”

Fukuzawa repreendeu Ranpo suavemente, que respondeu alegremente com um “ok!” antes de soltá-lo.

 

Um ano se passou desde o incidente. Incapaz de se livrar de Ranpo e sem saber o que fazer, Fukuzawa não teve escolha a não ser contratar Ranpo temporariamente para ajudar com tarefas diversas. Fukuzawa veio com um plano. Em troca de comida e roupas, Ranpo seria ensinado vários trabalhos temporários, normas sociais e acadêmicos também, pois o conhecimento era a base do mundo. Estudar era necessário para viver, assim como o oxigênio era necessário para sobreviver. Esse era o princípio pelo qual Fukuzawa vivia.

E foi assim... Que Fukuzawa perdeu o emprego. Seu trabalho era proteger seus clientes, mas sempre que ele trazia Ranpo para ajudar com a papelada, Ranpo rapidamente descobria quem era o fator de risco para o cliente e onde ele estava... Antes mesmo que Fukuzawa precisasse sequer de proteger alguém. Fukuzawa não podia simplesmente ignorar o que Ranpo estava fazendo, então ele removia o fator de risco como ele era pressionado a fazer. Em pouco tempo, não havia mais necessidade de proteger o cliente. Algumas pessoas até começaram a pedir que apenas Ranpo viesse. Fukuzawa estava à beira do desemprego graças a essa mudança repentina.

No entanto, foi também Ranpo quem o tirou daquela crise e restaurou sua ocupação principal. Fukuzawa, com muito tempo livre em suas mãos, recebeu uma nova oferta de emprego, desta vez pedindo a Ranpo para fazer algum trabalho de detetive. Rumores de um jovem detetive que possuía poderes sobrenaturais capazes de descobrir qualquer verdade se espalharam lentamente por toda a cidade após o incidente no teatro. Ele começou a receber ofertas de emprego de várias áreas da sociedade e pessoas de todos os diferentes tipos de trabalho, incluindo a polícia. Ele resolveria quase todos os casos instantaneamente na cena do crime.

As coisas estavam complicadas para Fukuzawa, no entanto. Embora não fosse um problema deixar Ranpo trabalhar sozinho, Fukuzawa o acompanhou na maior parte do tempo. Uma das razões era porque ele sabia muito bem o quão imprudente e perigoso Ranpo podia ser, como durante o incidente no teatro, que agora era conhecido por muitos como o caso do “Anjo Assassino”. Mas, na maior parte, a maior razão pela qual ele acompanhou Ranpo foi porque ele era “o único que poderia controlá-lo”. Ranpo era egoísta e egocêntrico, mas ouvia Fukuzawa por alguma razão. Talvez o tapa e a repreensão após o primeiro incidente tiveram um efeito sobre ele. Ou talvez houvesse outra coisa que mexeu com o coração dele. Em qualquer caso, Ranpo estava muito ligado a Fukuzawa e nunca deixou ele sozinho. Ele era como um cachorrinho correndo ganindo: “Fukuzawa-san! Fukuzawa-san!” Mesmo assim, ele ficaria sentado em silêncio por uma ou duas horas se Fukuzawa ordenasse. A partir de então, toda vez que um cliente quisesse solicitar os serviços de Ranpo, eles implorariam: “Fukuzawa, por favor, venha com ele! Vou pagar o dobro!”

 

Em pouco tempo, nenhuma alma na vizinhança não tinha ouvido falar da dupla de detetives Fukuzawa e Ranpo: um adolescente detetive egoísta e incontrolável, embora gênio, e um homem de meia-idade pouco sociável e quieto, que era um mestre no combate corpo a corpo e ostentava uma força extraordinária. Não havia uma conspiração que eles não pudessem desvendar, nenhum inimigo que pudesse escapar deles, nenhum caso que eles não pudessem resolver. Assassinos tremiam ao som de seus passos, e homens milionários frequentemente vinham prestar suas homenagens aos dois. Mesmo a polícia às vezes visitava em segredo, implorando por ajuda em casos difíceis. Conhecidos como detetives habilidosos, Ranpo e Fukuzawa resolveram inúmeros casos juntos. Ninguém teve chance diante deles enquanto os dias de prosperidade e vitória incomparável continuavam. E foi exatamente por isso...

...O momento da decisão estava se aproximando.

 

“Parece que este é o lugar,” disse Fukuzawa no meio de uma passagem subterrânea escura.

“Parece que sim,” concordou Ranpo, empurrando os óculos ao lado de Fukuzawa.

Um dia, Fukuzawa pediu a ajuda de Ranpo. Ele pediu a Ranpo que encontrasse alguém que aparecesse em lugares inesperados em momentos inesperados — alguém de quem nenhuma organização investigativa poderia obter uma pista. E apesar de tudo isso, havia rumores de que o indivíduo tinha conexões com o governo e organizações clandestinas, além de estar perto de todas as conspirações e esquemas em Yokohama.

“Estou abrindo a porta.”

Nas mãos de Fukuzawa, enquanto ele empurrava a porta de ferro na passagem subterrânea, havia uma bengala de aparência digna. Essa bengala era a única pista que eles tinham. Sem os poderes de dedução de Ranpo, seria certamente impossível encontrar o alvo com uma pista tão pequena.

Eles caminharam pela sala escura antes de descerem ainda mais escadas até que se encontraram em um auditório iluminado. Havia uma fileira de bancos e mesas com um quadro-negro e uma mesa de professor contra a parede da frente.

“Bem-vindo ao Bankoudou Hall,” uma voz alegre ecoou por toda a sala. “Bom trabalho em encontrar o lugar.”

Fukuzawa curvou-se levemente antes de mostrar a bengala em sua mão.

“Ah, se não é a bengala que perdi há algum tempo. Você veio até aqui para devolver ela para mim? Que louvável.”

“A sua reputação o precede, senhor. Se me perdoa a intromissão, vim pedir-lhe um favor.”

“Não seja tão formal. Venha, sente-se.”

Fukuzawa curvou-se antes de se sentar na cadeira próxima. Ranpo, por outro lado, olhou calmamente para o homem à sua frente, sem nem mesmo se mover.

“Impossível... Eu não percebi antes, mas ele é—”

“Eu devo a você minha gratidão por me salvar naquele dia, meu caro menino.” O homem gargalhou. Ele não estava vestindo um terno desta vez, mas ele ainda estava com um chapéu-coco.

“Ah, ok,” Ranpo murmurou como se ele estivesse em pé em alfinetes e agulhas. Sua voz estava rouca. “Você soube daquela armadilha no teatro desde o início. Você notou o adesivo do tapete e, ainda assim, se deixou cair na armadilha. Por quê? Foi para atrair o inimigo...? Não, havia muitas maneiras que você poderia ter feito isso—”

“Era só uma coisinha que eu devia ao seu pai...” Ele tinha um leve sorriso no rosto.

Ranpo ficou absolutamente imóvel como se tivesse sido atingido por um raio. “Não me diga... Desde o início, você—”

“Eu vim com um pedido,” disse Fukuzawa abruptamente, o interrompendo. “Como você sabe, o Ranpo aqui tem estado construindo uma reputação de detetive habilidoso. Mas é um tabu no mundo em que vivemos que um usuário de habilidade vá a público e tente fazer jus ao nome. É por isso que gostaria de pedir sua ajuda.”

“Uma Permissão de Negócios Qualificada, né?” O homem sorriu. “Então você está me dizendo... Você planeja começar um negócio?”

“Sim,” respondeu Fukuzawa.

Fukuzawa perguntou a si mesmo:

Eu sou capaz de me tornar um chefe?

Estou preparado para ser o líder de uma organização?

Ele ainda não tinha uma resposta. Ele até se sentia inexperiente. Fukuzawa tinha se escondido por trás de suas habilidades como um artista marcial, tinha ficado com medo da emoção de matar e se distanciado dos outros, escolhendo viver seus anos sozinho. Ele era fraco e incapaz de rejeitar esses desejos, e até parecia que a fraqueza coagulava e inchava com o tempo.

Mas Fukuzawa passou por uma mudança significativa ao longo do ano passado resolvendo casos com Ranpo. Ele tinha ficado confuso, com Ranpo o puxando para todos os lados enquanto as pessoas o elogiavam e imploravam por ajuda. Foi um caótico ano gasto em resolver casos, às vezes de boa vontade, às vezes não. Mas ele fez tudo isso junto com Ranpo e ele aprendeu algo: o que significava ser um líder, o que significava ajudar os outros como uma equipe.

No ano passado, Fukuzawa descobriu algo que nunca esperava: Ele ainda queria ajudar os outros. Ele queria ser o escudo que protegeria os fracos e a espada que venceria o injusto. Ele queria que houvesse menos pessoas lamentando a morte de um ente querido nas mãos de outro. Ele não queria fingir que não percebeu que os fracos estavam sendo explorados injustamente. Ele queria ser alguém que ficaria em silêncio diante daqueles que cometem erros e os assustasse, dissuadindo-os de cometerem más ações.

Por falta de uma palavra melhor, o que ele queria no final era justiça.

Ele ainda queria ser justo. E para não repetir os mesmos erros, ele precisava de Ranpo ao seu lado. Mas não só Ranpo. Ele precisava de muito mais aliados que pudessem lutar. Afinal, ele não seria capaz de proteger o Ranpo para sempre. Ele queria criar uma canção de justiça que viveria nesta cidade violenta, mas linda, para quando ele ou até mesmo Ranpo se fossem. E para isso, ele precisava de uma equipe — pessoas fortes, mas gentis — um grupo armado e interminável de detetives, baseado em torno de Ranpo.

É uma ambição exagerada, é demais para eu lidar?

“Eu imploro a você.” Fukuzawa abaixou a cabeça. “Não seria possível receber permissão da organização governamental secreta, a Divisão Secreta de Habilidades Especiais, por meio de esforços tímidos. Nenhum dinheiro, ligações ou habilidades iam ser suficientes. É por isso que preciso da ajuda do homem que dizem saber tudo sobre esta cidade. Preciso de sua ajuda, Natsume Soseki.”

“Entendido.”

O homem deu alguns passos antes de parar na frente de Fukuzawa. Ele calmamente olhou nos olhos de Fukuzawa como se estivesse olhando diretamente em seu coração, e então... sorriu.

“Não vai ser fácil.”

 

Aquele momento...

Aquele momento foi o começo de tudo.

 

Foi o início de uma organização armada de Yokohama cujo nome logo seria bem conhecido até mesmo no exterior. Erguendo-se no crepúsculo, um grupo de usuários de habilidade com talentos extraordinários que lutavam por justiça e colocavam medo nos corações dos perversos. Uma lendária organização de detetives que salvaria inúmeras vidas sob seu presidente, o usuário de habilidade Yukichi Fukuzawa.

 

Este foi o primeiro passo da Agência de Detetives Armados.


Nota:

1 – Ranpo chamou o Fukuzawa pela palavra oji-san, a qual pode ser usada para se referir a alguém de meia-idade ou mais velho de maneira amigável ou para provocar alguém de uma forma mais sarcástica. Nesse caso, Ranpo usou de forma sarcástica, já que Fukuzawa aos 32 anos não seria alguém com idade para ser chamado de oji-san.



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