Shelter Blue Brasileira

Autor(a): rren


Volume 3 – Arco 2: Desejos

Capítulo 2.3: Para deixar de ser patético

Ele aproximou uma mão da outra, fechou os olhos e se concentrou no espaço vago entre elas. As linhas prateadas, junto de partículas azuis ao redor, então se entrelaçaram e formaram o que dava para ser chamado de uma chama em formato de broca. Ela fluiu graciosamente e, então, seu giro acelerou em freneticidade até se desfazer por completo.

Jun inspirou fundo e suspirou com a mesma intensidade, passou a mão na testa para limpar o suor e olhou para o alto. Diante de si estava o céu de tons roxos escuros azulados, preenchido por cristais luminosos ao redor de um grande no centro de tudo.

Quem diria que, depois de tudo, seria obrigado a ficar diante de um lugar com seu céu outra vez.

Sentado com as pernas cruzadas no meio do jardim da casa de seu tio, em uma jornada solo em meio ao seu tempo livre de treinamento, estava em uma busca para recuperar sua habilidade de acelerar. Até então, só conseguia ativar, mas nada além disso, de modo que, no presente, ainda era completamente inviável tentar usá-la em si próprio.

Levando em conta o ritmo de seu progresso, não conseguiria recuperar isso até o início da festa na primeira semana de janeiro. A melhor opção continuava sendo dominar essa nova magia do lado da família de sua mãe.

Uma semana já havia se passado desde que viera para aquele lugar.

A data do dia atual era 08/12/2098, ou seja, o aniversário de Rie. E o que mais doía era Jun saber que sequer podia chegar perto dela ou fazer qualquer coisa.

— Se você treinar demais, vai se tornar uma barreira para chegar a algum resultado. Lembre-se de que descansar também é importante.

Um homem de cabelos azuis e olhos magenta, usando uma regata preta e carregando uma jaqueta de couro apoiada no ombro com uma das mãos, surgiu. Era o uniforme das forças de ataque, porém escuro, próximo ao tom de uma safira — muito provavelmente a cor da aura dele.

— O que é isso que você está fazendo? Não me diga que também está treinando para usar aquela outra técnica de ampliação de que falou... — Havia certo descontentamento nas falas dele.

— Isso daí. Bem, como não tenho ninguém com magia de cura para ficar me dando suporte, vai demorar. Conjurar a habilidade é mais seguro do que aprender concentrando-a em mim.

— Que gambiarra para conseguir desenvolver isso... De todo modo, espero que não esteja dando prioridade para isso também, pois assim vai se sobrecarregar.

— Já disse que nesse ritmo vai demorar, então é só durante um tempo vago ou outro.

— Você devia usar esse tempo para descansar.

Nesse meio tempo, dentre as coisas que se propuseram a ensinar a Jun, ele já havia conseguido dominar duas delas. Criar uma plataforma no ar fora a mais fácil, apesar de ser apenas uma superfície na sola de seus pés que ia descendo gradualmente, caso não tomasse impulso logo.

Quanto a fazer com que seu corpo se movesse automaticamente, já havia uma complicação a mais. Baseava-se em elevar sua percepção ao extremo através da aura, mas, em vez da aceleração — que também fazia isso e servia como uma forma de alerta para decidir o que fazer por conta própria —, essa habilidade tirava seu controle. Era como se desistisse do resto e deixasse o instinto tomar conta de si, o que desagradava em vários modos.

Por esse motivo, decidiu não focar apenas no que seria o mais rápido para ficar forte, mas também em recuperar a aceleração. Quando lutasse, queria que suas ações fossem feitas por si próprio.

Já no caso de conseguir comprimir a área de impacto de seus ataques, isso é algo que está quase conseguindo completamente. Todavia, o salto com aura, recém conseguiu chegar no que seria uma possível ativação disso.

— Bem, quero que você fique com isso até terminar seu treinamento — disse Shiro, estendendo a mão, segurando um cinto com uma adaga guardada na bainha.

— O que é isso?

— É só uma espada comum com um encantamento para concentrar o seu elemento elétrico. Já que ficou sem nada desde que sua mãe foi embora, acho bom ter alguma coisa.

As duas armas de Jun foram levadas por Yuri no dia em que ela passou a ficar na casa de seu tio, junto de um certo presente dele para a garota. O motivo de ela ter feito isso se tratava de algo no qual ele não pôde cumprir, sem que crianças morressem no processo, obviamente, pois as levou para a casa do ferreiro Nobu. A partir dos dados salvos da espada que anteriormente pertencera à sua mãe — e que ele destruíra durante o confronto contra o major —, Chie iria modificar as atuais para serem como aquela, ou melhorá-las, segundo a mensagem que a garota de cabelos rosa lhe deixara.

Como o esperado, Rie também receberia algo do tipo. Desde que despertaram esse novo tipo de aura, qualquer ferramenta que usavam vinha se desgastando em uma velocidade impressionante. As auras de Zeros eram mais rápidas que as de One, mas, em comparação, o fator dourado tornava as deles mais potentes, o que, na teoria, fazia com que os pontos positivos e negativos não dessem uma real vantagem.

Contudo, para o tipo deles que chamavam de Duo — o que ele achava tosco, porém não fora o responsável por inventar o nome —, possuíam ambas as vantagens dos outros, sem o lado prejudicial. Essa era a razão principal de ser necessária uma união para chegar a esse poder, pois uma energia sozinha não conseguiria atingir tal capacidade naturalmente.

— De todo modo, aproveita para ajudar a Aya a buscar algumas encomendas que pedi e tomar um ar para não ficar só nisso o tempo todo — comentou o homem, espreguiçando-se ao mesmo tempo.

— Tudo bem... — Jun suspirou, limpou o suor da testa e se levantou.

Durante a maior parte do treino, vinha usando uma camisa justa de gola alta e sem mangas, leve e confortável ao ponto de conseguir se mover bem. Sessões de malhação foram algo que começou a ter que fazer desde o momento em que veio para a casa de seu tio, pois aparentemente algo que fazia muitos terem dificuldade no controle da aura era praticar somente a energia e esquecer de treinar o corpo, já que um físico forte conseguia suportar uma magia igualmente forte.

De um jeito ou de outro, iria colocar uma camiseta simples, branca e com gola em V, uma vez que não ficaria mais se exercitando. Prendeu o cabelo de qualquer jeito na parte de trás com as mãos e, então, foi de encontro à garota.

— Você precisa que eu te ajude em quê? — perguntou Jun ao ver a jovem esperando próxima à porta de entrada da casa.

— Buscar vários orbes de aura. Eles são muito chatos de carregar, pois quebram fácil, ainda mais em grande quantidade e com uma pobre garota como eu, que mal consegue carregar uma sacola sequer. — Aya, obviamente, estava fazendo drama.

— Então, presumindo: quer dizer que, da última vez, você trouxe isso sem cuidar e acabou quebrando vários; sendo assim, seu pai pediu para te ajudar por esse motivo.

— Não. Eu não fiz isso... Bem, foi só uma vez... Espera... Como você adivinhou!?

— Era óbvio depois de me contar aquilo daquela forma.

A jovem de cabelos azuis bufou e virou o rosto para o lado, em birra, dando passos pesados ao sair pela porta. Jun deixou escapar um riso devido à atitude dela e, então, a seguiu.

Entre os edifícios azuis, que pareciam ter sido esculpidos diretamente de rochas brancas, com sua decoração de ferro forjado preto, escadas e pontes sobre o terreno íngreme, os dois foram caminhando. De um jeito ou de outro, ainda não havia como Jun deixar de estranhar como a população dessa região vivia.

O contraste entre pessoas de idades velhas e novas, misturadas e ainda vivendo em harmonia, era esquisito para ele. Na superfície, todos pareciam estar sempre focados em suas próprias batalhas, seja para proteger algo precioso, seja para permanecer mais um dia nesse mundo. Ou será que essa foi uma percepção só sua até então?

Quando foi a última vez que parei para reparar nas pessoas à minha volta?

Sobre o detalhe de crianças terem que passar longe dos pais por estarem num campo de batalha do qual não podem voltar, de fato isso existia. Quanto a estarem sempre lutando para sobreviver a uma guerra sem fim, também era algo que existia. Então, por que aquele lugar parecia ser tão vivo? Era muito improvável que esse tipo de coisa não estivesse ocorrendo naquela região, da mesma forma.

Será que é porque tudo parece tão lerdo agora?

De fato, naquele momento, Jun não estava mais correndo para não ficar parado. Estava sob um processo lento para conseguir recuperar o que perdeu — algo fora de seu controle. Não lhe restavam mais alternativas além de seguir aquele rumo até que a hora certa pudesse chegar. E, por esse motivo, talvez por não ter mais nada para fazer, finalmente parou e observou isso à sua volta.

Se esconder, fingir ser alguém que não era, fugir de um mundo que não o aceitaria sem ao menos tentar. Foi assim que viveu sua vida até não aguentar mais, devido a tudo que estava perdendo, e querer mudar, ainda mais quando conheceu aquela pessoa e quis fazer isso de uma vez. Mas a mudança que conseguiu foi realmente a que queria? No final, agora se encontrava separado daquela de quem queria estar ao lado.

— Seja bem-vinda, minha moça. — Uma voz mais velha, porém serena e harmoniosa, ecoou, fazendo Jun acordar de seu subconsciente.

Quando percebeu, já haviam chegado ao seu aparente destino. Diante dele, estava uma loja cheia de joias — mas não aquelas para decoração, e sim pedras preciosas feitas de magia, brilhando entre as prateleiras de madeira. Um lugar levemente gelado e com uma ambientação encantadora.

Todavia, mais adiante, atrás de um balcão, encontrava-se uma senhora. Na aparência dela não havia nada além do que se esperaria de uma pessoa da idade dela — cabelos brancos, pele enrugada e o uso de um cardigã.

— Quem é esse moço com você? — perguntou ela enquanto ajeitava os óculos.

— Bem, ele é o meu primei... de... de... de qual grau, mesmo? — Aya soltou essa indagação para Jun.

— De segundo grau.

— Isso daí.

A senhora então o encarou com uma expressão de análise, como quem o julgava dos pés à cabeça, e então falou:

— Você seria filho da Yuri?

— Isso mesmo.

— Nossa, eu ainda lembro do dia em que ouvi que ela saiu de casa para ficar junto de algum garoto. É ótimo ver os frutos que essa história deu. — Há um tom nostálgico na fala dela.

Quantos anos ela tem? Deve fazer quase uns vinte anos desde que os meus pais se conheceram. Pra uma Zero, ela é realmente alguém de sorte...

— Mas já faz alguns anos desde a última vez que a vi. Como ela está?

— Bem, ela andou distante por um bom tempo, mas agora que voltou, está tendo dificuldade pra se adaptar a tudo que ocorreu.

— Entendo, trabalhos longe de casa são sempre difíceis.

Não foi exatamente isso que aconteceu, mas é uma interpretação que dá pra levar, e não acho que seja necessário explicar.

Após essa breve conversa, Aya foi até ela e então mostrou uma lista de coisas em seu celular. A senhora saiu para buscar, e nesse meio tempo Jun ficou observando a loja ao redor.

Só em uma semana, ele parou para perceber e conhecer diversas coisas que até então não sabia que existiam. Esteve tão focado em seu próprio mundo que ignorou tudo isso até então. Até o faz pensar se suas atitudes valeram a pena, todavia não era algo para ficar esquentando a cabeça no momento.

— Eu sinto muito, mas ultimamente nós não estamos conseguindo reabastecer os estoques direito para produzir mais orbes, então não vou poder ofertar o de costume — disse a senhora, colocando duas sacolas cheias de pequenas esferas de magia.

Se isso daí é pouco, então quanto que eles precisam produzir normalmente? Tipo, isso serve para guardar os encantamentos dentro, mas não é possível que a demanda seja tão grande... E eu pensando que era algo raro...

— O que aconteceu? — perguntou Aya enquanto entregava o pagamento.

— A coleta de pedras de aura nessa região está baixa, pois há uma grande infestação de bestas de médio porte em comparação às extratoras convencionais. Acho que, enquanto não derem sinal de saírem das minas, ninguém especializado vai se dar ao trabalho de eliminá-las.

— E não estão ofertando nada pra acabar com isso? — questionou Jun enquanto coletava uma das sacolas.

— Por enquanto, nada.

Aya pegou o último pacote, forcejou um pouco e então entregou para a mão vazia do garoto de cabelos vermelhos, discretamente. Depois de alguns segundos, comentou:

— Pelo visto, só você vai ter que carregar dessa vez...

Perante o atrevimento da jovem de treze anos, Jun não chegou a se importar. Na verdade, ele ficou bastante interessado quanto ao que acabara de escutar. Talvez essa possa ser uma boa oportunidade para voltar a se tornar forte de uma vez.

 

* * *

 

Outro dia, Jun ouviu de sua mãe que ele reage melhor sob pressão e, devido a isso, consegue ser criativo ao inventar coisas novas. Por esse motivo, apesar de o que está prestes a fazer ser algo deveras imprudente, acredita que essa é uma das melhores formas de avançar logo e recuperar todo o seu poder.

À noite, quando todos estavam dormindo, discretamente saiu da casa de seu tio-avô. Usando apenas a camisa sem mangas, justa e de gola alta, com dois frascos finos de poções de cura na bainha da adaga genérica que ganhou, seguiu em direção às cavernas locais.

Caminhando sobre a ponte de madeira rumo a uma das inúmeras aberturas desse subterrâneo, viu, abaixo de si, as águas luminosas junto a uma cascata na parede. E, ao entrar, deparou-se com um lugar gelado e úmido. As rochas da superfície eram escorregadias e musgos cresciam entre elas, sem falar das pequenas poças e riachos espalhados.

Aqui é como um ninho de formigas, é melhor prestar atenção.

Foi só uma questão de segundos até se deparar com inúmeros cristais, estalactites, estalagmites e pilastras desse mesmo material reluzente com magia — todos em tons claros. Essas pedras de aura são frequentemente mineradas, mas, ainda assim, o terreno está sempre gerando mais.

Desde que essa energia retornou ao mundo, tudo ocorre como um ciclo perfeito: o que sai da terra volta à terra e, assim, se renova. Quando se usa os poderes, mesmo o que chamam de desperdício — devido à ineficiência das técnicas e ataques mágicos — acaba sendo absorvido pelo planeta, renovando a vida. O próprio mundo incentiva o uso da aura.

E, conforme andava, foi quando viu algo sombrio em meio a toda a luz.

Tratava-se de um ser humanoide de um metro e trinta de altura, sem olhos e com apenas uma mandíbula cheia de dentes afiados e de pontas rosadas no lugar da face. Era corcunda e tinha os pés semelhantes às patas traseiras de um lobo, mas com braços que se estendiam até o solo, dotados de garras longas nas mãos.

Comia o minério brilhante em meio a um ranger agudo e desconfortável de cristais se rompendo. Esses seres se alimentam da energia mágica reversa à deles, porém adoram quando ela está misturada à carne de algo vivo — o que leva a entender que está com uma fome desesperada para comer aquilo puro.

As bestas são criaturas que surgiram de seres vivos cujos corpos não foram compatíveis com a aura, criando assim essas aberrações. A energia que emana delas é inversa à que flui em todo o planeta, tornando-se uma praga que devasta tudo o que toca.

Segundo o que descobriram a respeito da civilização antiga — que selou a aura, para depois ela ter que ser restaurada, caso contrário tudo morreria —, as ameaças que enfrentavam eram de criaturas mágicas comuns, como duendes e slimes, que são considerados pouco perigosos no presente. Mas ainda é um mistério o motivo de terem escolhido selar isso.

— Se vocês fossem extintos de uma vez, tudo poderia ser tão melhor…

E, em reação ao som da fala de Jun, o monstro nota sua presença. Foi como se um grande sorriso se formasse na falta de face daquela coisa ao percebê-lo.

A besta corre desesperada em direção ao garoto. Os membros de seu corpo parecem se contorcer por dentro enquanto se movimentam. Uma aura sombria e roxa a envolve, entre rabiscos que destoam da realidade. Ela salta e tenta abocanhá-lo rapidamente, no entanto, tem seu peito atravessado por uma lâmina prateada no mesmo instante.

A carne da criatura — e tudo que compunha seu corpo — começa a se desfazer em meio a partículas escuras, restando apenas um núcleo partido para trás. Jun pisa na esfera bruta, desfazendo-a completamente, enquanto o sangue escorre por sua espada e começa a desaparecer. Adiante dele, um enxame dessas pragas, de diferentes tamanhos e formatos, então se revela ao sair dos caminhos da caverna.

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