Shelter Blue Brasileira

Autor(a): rren


Volume 1

Capítulo 2.1: Estrela de um céu limitado

O garoto sacudiu a espada de um lado para o outro. Partículas espirraram e se dissolveram na atmosfera até sumir em meio ao som de pequenos estalos que lembravam cristais e, desse modo, ela foi gradualmente diminuindo de tamanho até que retornasse a sua forma de adaga. Assim, ele rotaciona o objeto com a mão, por estilo, ergue o blazer na parte de atrás e leva o braço em direção a bainha para guardá-la.

Entretanto, ele continua a mover o braço desenfreadamente como se não houvesse nada para parar o objeto.

— O quê!?

Um cheio de queimado pairou no ar e pequenas brasas puderam ser avistadas. O choque causado pela supressa foi tão grande que o fez ficar momentaneamente paralisado, tentando processar na sua cabeça o que acabara de ocorrer. E, sem sombra de dúvidas, a lâmina continuou atravessando e rasgando com tudo sua proteção e local de ser guardada.

Só após se passar alguns segundos que Jun, enfim, conseguiu perceber que ainda restava um pequena quantidade de sua energia prateada envolvendo o contorno daquilo. Ele tinha garantido que havia deixado o objeto livre de qualquer aura sendo concentrada nele, porém ainda continuou. Em reação ele balançou desenfreadamente, para cima e para baixo, e assoprou para que isso se apagasse de uma vez, da maneira mais desajeitada possível.

— Eu estou muito bem, obrigada. Pelo menos, em melhores condições que você no momento, sim — disse Rie se contendo para não rir perante a posse desastrada de Jun.

Agora foi impossível de esconder a expressão de vergonha que se formava na cara dele. Tentando encontrar uma maneira de se justificar, se viu dentro de uma fuga de pensamentos. O que ele havia feito de errado? Será que seu controle sobre o próprio poder era tão ruim assim? Bem, como alguém que foi obrigado a esconder isso por muito tempo, até que era uma reação bastante esperada.

Se ele nunca tivesse evitado de ser quem realmente é, muitas coisas ruins e, principalmente acidentes, poderiam ter sido evitados. Por hora, Jun apenas respira fundo e coloca ordem na sua cabeça, assim falando:

— De qualquer forma, vamos logo até o capitão. Eu imagino que ele deva saber o motivo de toda essa insistência dos soldados… antes que esses aqui acordem e tudo se repita… — dizia enquanto a guardava no bolso da calça e com uma certa amargura no seu interior, torcendo para que não rasgue mais nada.

— Tudo bem, mas e o meu sorvete? Eu ainda quero um.

E agora só lhe veio o questionamento de que, como que essa garota ainda ficava fazendo essas provocações, mesmo depois de tudo isso? Por um lado, esse confronto não foi nenhuma ameaça para os dois, pois conseguiram se certificar de que os soldados fossem apenas nocauteados com ataques leves, assim conseguindo evitar que tivessem risco de morrer. De todo o modo, essa atitude mais positiva da garota até que fazia Jun sentir-se um pouco mais leve em relação ao momento.

— Acho que isso vai ter que ser deixado de lado. Agora nem tem mais como… — Ele olhava para a carrocinha de sorvete caída no chão, daquele vendedor que correu logo depois de ver os dois, com seu conteúdo esparramado.

— Seu chato — disse Rie o olhando diretamente, emburrada, enquanto fazia beiço.

Ela então guardou sua espada, como quem queria mostrar que não iria fazer o mesmo de rasgar a bainha, com uma cara de como se estivesse dizendo pra ele: “é mesmo um bobo”. No fim, se aproximou de Jun e disse:

— Bem, vamos indo. Mas é bom não se esquecer que agora você, oficialmente, está me devendo um segundo encontro — apontava o dedo para ele.

— Um sorvete, certo? Tudo bem… Tudo bem, eu vou me lembrar disso. — Ele gesticulava, como se quisesse levar a entender que tinha escutado de forma errada o que ela falou.

Rie fecha os olhos, encolhe os ombros e cobre a boca com as mãos, deixando vários risos escaparem. Ela encara o garoto e sorrindo diz:

— Sabe de uma coisa, Jun? Ver você agindo desse jeito até que é fofo.

— Ah… Bem… — O garoto sacode a cabeça e então muda de postura — Aonde nós estávamos indo, mesmo? Senhorita escolta?

Jun tentou outra vez contra-atacar as provocações dela a altura. Entretanto, a esse ponto — sem falar da expressão sapeca que Rie demonstrava —, ele já havia perdido drasticamente para a linda garota de cabelos brancos. Por hora, apenas tentaria esconder sua face avermelhada.

 

* * *

 

Cortinas de fumaça lentamente subiam entre os prédios e eram barradas pelo céu, assim se espalhando por baixo dele. Ao fundo, os sons de tiros, explosões, batidas e o ranger de ferros entrando em impacto contra o outro, eram tão comuns que já parecia ser o barulho habitual da cidade.

Definitivamente, algo terrível estava acontecendo. E Jun, acompanhado de Rie, enquanto caminhavam pelas ruas, com rios onde normalmente estariam repletos de barcos, só podia se escutar a água correndo e o vento passando entre as trepadeiras que envolviam a tudo. Ser apenas um expectador, sem saber ao certo o motivo disso tudo estar ocorrendo, só o deixava cada vez mais nervoso.

— Não faz sentido os Ones estarem atacando o resto da população, quanto até então o problema só era com a gente… — pensou em voz alta, sem perceber. Estava muito inquieto.

— Se eles não conseguiram tomar a força, então a nova estratégia deve ser partir pro emocional, pressionando pra que entreguem essa adaga aí, sem bainha, no seu bolço. Como obrigar a se render para que os demais não tenham que sofrer por sua causa.

Ignorando a parte provocativa no comentário de Rie — que até parecia um requisito obrigatório na hora dela de falar —, isso fez com que ele se recordasse de algo. Lá na praça, quando os dois foram cercados por aquela dezena de soldados, um deles mencionou algo sobre devolver esse objeto, o que Jun não deu muita importância no momento.

— Bem, talvez… Só talvez, mesmo, eu tenha me oferecido pra ir recuperar isso pra você, sabe? Invadindo a cidade dentro das muralhas e roubando deles, ou algo do tipo.

— Então mão foi eles apenas sendo insuportáveis, como sempre… hmm… — Jun cruzou os braços e encarou Rie com as sobrancelhas erguidas.

— Não é roubo quando você pega de volta algo que roubaram de você, certo? E também, eu já te disse antes, esqueceu? Eu queria muito ver você, aliás, como não paravam de falar sobre e a curiosidade de conhecer alguém do mesmo tipo que eu era imensa, fui incapaz de recusar.

— Ai, ai… que fofo…

— Ué!? Mas eu tô falando a verdade.

Então esse era um objeto roubado diretamente da casa dos Ones. Agora tudo começava a fazer mais sentido na mente de Jun. Por mais que parecesse algo insignificante, essa se tratava de uma arma de aura única — o tipo que conseguia ampliar o poder do usuário. Portanto, era óbvio que houvesse tamanha preocupação em relação a ele ao ter a ciência que um Zero era capaz de usar tal ferramenta. O sinal mais claro de extrema ameaça para a magnifica raça dourada acima de todos.

— Então, o que você quer dizer com mesmo tipo?

— Nosso poder é o mesmo.

— Mas tem uma boa diferença, a sua aura já é azul que é uma cor bem comum, quanto a minha, uma meio diferente…

— Bem… Como eu posso dizer? No meu núcleo tem um bloqueio que me impede de brilhar com toda a intensidade, o que acaba servindo como um disfarce.

Isso que ela se referia, tratava-se do núcleo de aura. Basicamente era o ponto onde toda a energia mágica do corpo era gerada e transportada para o restante, assim podendo a manipular. Tecnicamente, não é algo físico, pois não pode ser visto ou tocado, porém sabiam que era lá que tudo surgiam.

— Que você não consegue atingir todo o potencial? — Uma mistura de confusão e curiosidade pairava na mente de Jun.

— Tipo isso, mas ao mesmo tempo também não… De todo o modo, vamos falar de outras coisas, enquanto não chegamos até o capitão — Um desconforto repentino surgiu na atitude dela.

No momento, realmente, a melhor coisa a se fazer é ir até o capitão de uma vez, para terem respostas mais claras. Esse é o foco que os dois precisam ter agora. Contudo, ainda era esquisito, pois mesmo que essa garota não tenha se mostrado confortável agora a pouco, ela rapidamente voltou a falar despreocupada, fazendo piadas e provocando Jun. Ele não tinha certeza se essa era sua personalidade, ou se agia assim por estar nervosa nesse atual ambiente repleto de caos e destruição, ou se era devido aos dois motivos.

De qualquer forma, quando esse problema for resolvido, Jun imaginava que não iria mais se envolver com ela. A companhia de Rie era agradável e divertida, até mesmo conseguindo fazer ele se sentir bastante a vontade, no entanto, existia uma parte dentro dele que suplicava para se afastar dela, e o assunto atual era o motivo disso:

— Eu queria muito encontrar uma forma de me soltar de vez e ao mesmo tempo, como era algo que admirava e gostava demais, ainda mais entre os Zeros, me deu vontade de tentar fazer também. Foi assim que eu decidi começar a cantar.

Zero é o nome dado para qualquer indivíduo que não possua uma aura de cor dourada. Esses mesmos são treinados desde pequenos para apreender a lutar, seja participando de diversas batalhas e competições, como a tal “festa” da academia deles — o maior e principal meio de entretenimento para os declarados “verdadeiros humanos”, chamados de Ones —, arriscando suas vidas desde cedo. Desse modo, se tornando as armas da real humanidade e eventualmente perder a vida, sendo descartados como qualquer misera ferramenta em meio ao campo de batalha, nessa eterna guerra contra aqueles seres do exterior que tanto ameaçam a existência de todos.

É perfeitamente compreensível que Rie almeje fazer algo para provar sua própria existência. Aliás, querendo ou não, ela ainda era uma Zero cujo carrega o mesmo destino inevitável de morrer jovem, protegendo uma raça esnobe que a despreza e ser esquecida por toda a eternidade como um objeto que perdeu sua validade.

— Mesmo assim, o resultado que tive dessa minha atitude, acabou que não foi bem recebido. Os outros passaram a me ver com reprovação e assim começaram a me evitar, pois para eles era como se eu estivesse sendo arrogante ao ponto de dizer que sou como a Lily, ou como se estivesse debochando da imagem dela, simplesmente.

— Então essa é a sua inspiração? Bem… é claro que sim… ninguém tentaria fazer a mesma loucura, a não ser que fosse influenciado por ela…

— Hehe… — Rie deu uma risadinha, na tentativa de disfarçar sua vergonha e constrangimento.

Essa cantora chamada de Lily, até então foi a primeira e única cantora que existiu entre os Zeros. Ela fazia músicas para motivar e dar esperança às pessoas em meio seus ciclos de batalhas e mortes infinitos. Aliás, não há nada melhor do que ouvir uma canção que incentive você a continuar e a dar o melhor de si, logo após uma árdua luta. É perfeitamente compreensível que Rie tenha alguém assim como sua principal inspiração.

— Eu realmente devia ter imaginado que você fosse pegar isso tão rápido, aliás esse é um assunto que sabe bastante — A breve timidez da garota, então se dissipou, com Rie se inclinando de leve e voltando sua postura provocadora com o garoto.

— É tão na cara assim?

— Muito, mas muito mesmo, viu?

Jun apenas a escutou em silêncio, desviou o olhar para o lado e coçou a bochecha com o dedo, procurando quais palavras falar para se justificar, contudo antes que pudesse falar, Rie disse:

— De todo modo, eu vou parar com isso, pois não quero te deixar desconfortável…

— Que nada, tá tudo bem você falar disso. É algo que realmente ama.

— Realmente! Mesmo assim, eu ainda quero me dar bem com você, já que vai ter que me aturar por um bom tempo — Ela gesticula movendo o dedo indicador em círculos enquanto fala.

— Espera aí, como assim? Acho que eu perdi a linha de raciocínio no meio da conversa.

— Eu tô falando da festa, pois vou ser a sua dupla.

— Isso é uma piada, ou você realmente tá falando sério?

— Ué? Mas isso é tão óbvio, como que você ainda não percebeu? Sabe? Nós somos os únicos do mesmo tipo, então não tem ninguém melhor pra ser sua parceira do que eu.

— E mais uma vez você volta a esse assunto… Eu realmente queria que você me explicasse isso direito.

Entretanto, a resposta para essa dúvida não pode ser dada para Jun. Todo o som ambiente ao redor e até mesmo o barulho desagradável de fundo, foram cortados por um muito maior e pior, próximo aos dois. Um grito forte de desespero e agonia, como se alguém estivesse implorando pela própria vida.

Ao ouvirem isso, eles imediatamente deixaram a conversa de lado, agindo por um instinto em comum, indo de atrás do que acabaram de ouvir. E foi uma questão de instante para que encontrassem a fonte de origem. Virando a calçada ao lado de um prédio se depararam com uma visão abominável.

Uma garota jovem que aparentava ter uma idade próxima dos dois, estava caída no chão de bruços com a perna ensanguentada. Entretando, o pior estava logo ao lado dela, pois além das duas crianças que gritavam suplicando para que ela alevantasse, havia um terceiro menino adiante que, infelizmente, o tiro que recebeu não foi apenas um machucado que o impediu de andar.

Esse já havia sido descartado…

E quem foi que decidiu se livrar dele, como se fosse algo insignificante e imprestável? A resposta estava logo adiante. Para nem uma supressa, lá estavam um grupo de quatro soldados usando aquele mesmo tipo de armadura preta de antes, empunhando suas armas de fogo. O rifle de um deles expelia fumaça da ponta.

— Rie, presta socorro para eles… eu vou cuidar do resto — disse Jun dando uma arrancada de aura na sequência.

— Certo!

Fazendo com que uma pressão de ar avassaladora se propagasse ao redor, ele golpeou um dos homens no rosto com o joelho, quebrando o capacete e causando uma explosão de impacto que quebra o vidro dos prédios ao redor. E em meio as partículas dos estilhaços que se espalham, ele aterrissa com seu pé se sustentando em cima da cara daquele indivíduo que se espatifa feito merda. Ele olha pro restante e suas ires são tomadas pelo poder de brilho prateado.

— Droga! Eu avisei pra aquele idiota não fazer barulho! — Um dos soldados exclamou, instantes após se recuperar do choque que o surpreendeu, causado pela aparição repentina do garoto que surgiu abruptamente na frente deles em milésimos.

Jun leva a mão até o bolço e pega sua adaga, fazendo com que linhas de energia preencham seu corpo do cabo até a ponta. A lâmina começa a crescer e, antes mesmo que possa terminar, já golpeia seu primeiro alvo deixando um rastro de poder no formato de arco. O inimigo, então é esmagado numa rajada que o arremessa criando um rombo nos cacos na atmosfera e uma cratera na construção atrás.

E ao processar o ocorrido, o próximo inimigo ataca Jun com sua espada imbuída pelo ouro luminoso. Contudo, o metal daquilo é partido ao meio ao ponto de se espalhar como líquido graças a carga massiva de magia que o garoto de cabelos vermelhos tinha concentrado na sua arma. O restante, então tenta intercepta-lo no meio do embate, na tentativa de salvar seu companheiro que agora não tinha mais como se defender.

Para Jun, nesse momento, aquele último soldado era o mesmo que uma lesma se movendo. Um formigamento, seguido de uma forte corrente que percorre por todo o seu corpo, como um fluxo que aumentava exponencialmente, faz com que o mundo ao redor comesse a passar de vagar. Não, na realidade o tempo continuava seguindo na mesma velocidade, a questão era que agora ele estava acelerado em relação a realidade.

Ele empurra o primeiro para frente e se vira em direção ao outro. Fragmentos jorram da sua arma intensamente e num movimento circular, o fio rasga as duas armaduras, as dilacerando por completo. Por fim, uma onda de aura é deixada para se propagar nesse ambiente que, repentinamente, volta a receber o garoto na sua velocidade habitual.

— Está tudo bem com vocês? — perguntou Jun indo em direção aos três indivíduos.

Rie que havia ficado para socorrê-los, retirou do seu blazer um pequeno frasco, menor que a palma da mão. Ela o abriu e então deixou o líquido de dentro escorrer na perna ferida da garota. Uma expressão que remetia a sensação de ardência pode ser visto na face dela, mas que foi sumindo aos poucos.

Gradualmente, aquele machucado que a impedia andar foi desaparecendo até se curar completamente. Então, Jun sacou do que se tratava aquilo que Rie usou. Era uma das raras poções de cura — somente alguém com um nível mais alto em magia conseguia fazer algo desse tipo, porém como exigia muito da pessoa, fazia com que as produções não fossem tão rápidas —, aliás, era algo muito requisitado e Jun poucas vezes teve a sorte de comprar antes que ficasse esgotado.

— Muito obrigada.

— Uau!

— O que foi que você fez, moça?

Uma feição gentil surgiu na garota que começa a se reerguer, e pequenos olhares fascinados das crianças. No entanto, os agradecimentos e inocentes comentários de surpresa, foram interrompidos antes mesmo que pudessem prosseguir.

Uma figura maior e mais imponente, lentamente foi surgindo entre os soldados que foram drasticamente abatidos. E com sigo, carrega uma espada do tamanho do corpo apoiada sobre o ombro, como se fosse qualquer coisa.

 

* * *



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