Ataque as Torres! Brasileira

Autor(a): K. Luz


Volume 1

Capítulo 1: Invasão

Pelas janelas, adentrava a luz mórbida, pela sala, figuras humanas aguardavam com armas em mãos. Baforadas escapavam das bocas rasgadas cheias de dentes deformados; por seus braços estarem caídos, suas espadas, machados e lanças arrastavam pelo chão. No fundo, apenas um dos monstros aguardava com postura ereta e olhar afiado à frente — direcionado aos portões.

Do silêncio… sons abafados chegaram ao lugar, transpassando a madeira da saída até se calarem subitamente.

Abandonada ao mistério, a sala foi congelada no tempo, inerte.

A criatura no fundo da sala estendeu seu cajado, ordenando que alguns dos outros se aproximassem dos portões. Enquanto alguns coçavam suas peles amareladas, seus passos desleixados soavam pelo ambiente; cada vez mais próximos da saída.

Alertas, levantaram as armas próximo ao objetivo, e, quando prestes a abri-lo, a madeira rachou e estourou. À frente, todos foram engolidos por uma nuvem de fumaça, ficando rodeados pelos fragmentos dos portões maculados enquanto ensurdecidos pelo estrondo.

Caminho livre.

Com o espanto, grunhidos se espalhavam pelo lugar; até as posturas dos monstros se abalaram, atordoadas e desajustadas. Então, do amontoado invasor de fumaça, um rapaz saiu num avanço veloz, abrindo-a de uma vez, cercado pelos resíduos.

Pela velocidade, seus cabelos negros foram para trás como as extensões da sua vestimentas e, o seu olhar determinado, logo encontrou-se com o daquele monstro no fundo — um alvo claro. Suas íris castanhas foram de um lado ao outro, reparando nos futuros obstáculos da missão — inimigos.

Na altura da cintura, sua lâmina curvada para trás refletiu a luz da janela em seu metal negro, misturando-a ao brilho verde próprio, que se intensificou até se transformar em chamas.

“Quatro… oito… quinze… não. São demais para contar”, pensou o rapaz.

Uma das criaturas mais robustas destacou-se à sua frente. Estava perto, perto demais.

Preparando-se para outro impulso, o espadachim pisou forte e expirou densamente pelas frestas dos dentes, irado.

“Esse pouco tempo de vantagem… vou fazer valer a pena!”

Seus pés abandonaram o solo com um som estridente e uma explosão de poeira. Depois, a uma curta distância do inimigo, o encarou da mesma posição com que atravessou os portões.

A criatura agiu por reflexo e balançou o machado com força, chegando em um instante ao rosto do rapaz; perto de ter a cabeça aberta, ele abriu os olhos ao limite, abaixou-se e, em meio a outro impulso, conectou a ponta da sua espada com o braço do monstro, cortando-o numa linha cheia de irregularidades.

Ao ser puxada, a espada saiu por próximo do ombro junto a um laço de sangue. O rapaz freava à frente; o monstro berrava de dor, largando o machado para o chão ao agarrar no membro ferido. Sangue escorria para o chão.

“Esse tanto de dor foi o suficiente?” O rapaz focava-se no adversário, barrado de grandes detalhes pelas costas no caminho, mas ouvir os berros e o ver travado foi o suficiente para um entendimento. “Apenas um soldado; a distração serviu.”

Suas mãos se firmaram no cabo da espada.

— Agora! — gritou, intensificando sua hostilidade na próxima ação.

O espadachim rodou o pé pelo concreto do piso, logo acompanhado pelo giro do corpo e dos braços, erguendo-se em um ataque com toda a força. Sua imagem tornou-se um borrão feroz; na caça, uma besta. A arma — agora radiante — era consumida por chamas verdes que marcavam um trajeto intenso, que, em um instante, uniram-se ao vermelho pelo afundar da lâmina no pescoço.

Exposta, a carne cedeu, mas não abriu.

A lâmina ficou presa em um dano superficial. Vendo isso, o espadachim arrastou a perna para o lado e empurrou a arma no mesmo sentido, rangendo os dentes para partir cada fio de carne a qualquer custo. E devagar, adentrou.

Com o rosto borrifado pelo sangue, a mente do rapaz ficou nublada com manchas de igual cor, atiçadas das recordações de pessoas caídas — não importava; continuava cortando.

O volume de chamas aumentou drasticamente e, com um estouro repentino, a lâmina decepou.

Pasma, a cabeça rodava no ar. Vitoriosa, a espada foi para o alto, desajeitando a postura do espadachim por tamanha força residual.

“Primeiro, eliminado!”

Morto, o corpo do robusto despencou. O baque seco reverberou pelo lugar, momento seguido de um silêncio medonho. Os monstros — desde os mais esguios aos altos e fortes — se amedrontaram, desnorteados pela figura no centro do local: um manto negro abaixou-se no ar pelo enfim, porém temporário, sossego; a katana desceu para perto do piso com uma mancha curvada de chamas que a fez parecer uma foice de cabo curto. Coberto pelos cabelos, o rosto do invasor distorceu-se com o olhar insano, transformado numa figura de trevas com escleras longas, pontiagudas e… desumanas.

“Agora que vai começar de verdade, mantenha o foco!”, reclamou o rapaz para si mesmo. Exalou fundo e ajeitou a pose abalada. “Tenha o máximo de rendimento, senão tudo irá desabar!”

O humanoide no fundo do lugar recuou um passo; o invasor apontava a espada em sua direção para o intimidar.

“Aquele é o objetivo! Lembre-se do seu dever como vanguarda e mate-o!”

Preparado, o espadachim avançou num salto. Todos no local ficaram paralisados pela surpresa, ao menos até o líder levantar o cajado e gritas ordens. Todos os monstros se preencheram de vigor e partiram contra o invasor como se nunca tivessem sido abalados. O caminho dele chegou a ser bloqueado por alguns, forçando a parada da investida.

— Tch! Saiam da frente!! — disse.

Um alto se achegou o suficiente e o atacou desde cima com sua clava, da qual o rapaz esquivou, ficando para o solo o papel cruel de lidar com o impacto. Em seguida, aproveitou a abertura desse balanço excessivo e segurou a nuca inimiga com a palma, jogando a cabeça dele contra o concreto.

“Segundo, nocauteado!” Apressado, recolocou a mão recém-usada no cabo da espada e se preparou para o arredor hostil.

 O espadachim desviou de um troncudo que tentou agarrá-lo e em sequência o cortou nas costas, paralisando-o com a dor. “Não tenho tempo para matá-lo, devo continu-!” Ao perceber uma lâmina descendo contra sua nuca, saltou, evitando o corte lateral de uma espada.

A fadiga crescia.

Ao prender a respiração, investiu e partiu a cara de um monstro magricelo em dois, a explodindo em chamas. Enquanto o corpo dele caia, o rapaz foi obrigado a defender a ofensiva de outro inimigo, a fazendo deslizar da lâmina curvada para o solo. Exposta, logo a criatura teve o pescoço perfurado e pulverizado pelo verde intenso. 

O rapaz se movia pelo local e — obviamente — era perseguido pelas aberrações. Evitar uma situação em que ficaria cercado ocupava muita de sua atenção, tirando o fio da lâmina que deveria cortá-los facilmente em um combate de um contra um, que era inexistente. Mas essa era guerra, a aceitada por um homem só. Consequências empilhavam-se.

“Quinto, morto!”

Abriu o estômago de uma criatura e a empurrou com a perna para tirar a espada. Em outro momento, defendeu uma machadada ao fatiar a madeira do cabo, fazendo a parte superior voar contra o chão e quicar para longe. O destino desse monstro era traçado: a katana primeiro lhe tirou a luz, lhe tirou os olhos. Confuso, ele se tornou um alvo fácil, que foi rasgado no soar de um zunido metálico.

“Oitavo, morto!”

Apesar do recente sucesso, o espadachim era pressionado no surgir de um inimigo pelas suas costas, que sucederam de serem cortadas. Não conseguiu desviar, apenas amenizar; sangue fugia das suas costas, mas aguentava a dor e continuava se movendo. As pernas deslizavam em passos coordenados — inteligentes — e, com esse ritmo cansado, sobrevivia a mais um amontoado eterno de segundos. 

Seu laço de sangue o rodeava. À frente, inimigos não paravam de surgir numa barricada inultrapassável.

O avanço continuava, inconsequente e marcado por um brado.

Lembrou-se de estar rodeado por outros homens numa batalha antiga: as lanças eram mandadas à frente por guerreiros desajeitados — desesperados. Trajados com roupas simples e partes aleatórias de armaduras e armas, seguiam para embates contra os monstros.

Caiam os números. Pessoas frágeis.

Os que sobraram do confronto — diante das cinzas e corpos — eram abatidos pela paisagem. Mesmo que vitoriosos e com a conquista do edifício, não comemoraram, apenas verificavam e organizavam o que podiam com a companhia do cansaço e sujeira. Decrépitos, poderiam mesmo serem chamados de sobreviventes?

Mais tarde, os portões largos foram abertos. Mulheres, idosos, inválidos e crianças adentraram, responsáveis por lidar com os feridos e os corpos dos inimigos e companheiros que se foram.

Para o rapaz, o peso do resultado: insatisfatório. Tinha vergonha até de encarar os outros, isolando-se num canto com olhar vago em seu semblante exausto. Antes que seus olhos se fechassem em amargura, uma moça de idade semelhante se aproximou apressada e o abraçou, feliz pela sua sobrevivência.

Uma lança atravessou o ombro do espadachim, trazendo-o de volta à realidade com a dor maldita, despedaçando a lembrança.

O rapaz rangeu os dentes e devolveu o ataque com um da sua espada, rasgando carne. O cabo da lança se quebrou, permitindo seu distanciamento, mesmo que temporário.

Puxou o cabo e retirou a lâmina do seu ombro. Com pouco tempo até para se recuperar da aflição, se colocou em pose defesa para repelir outro golpe. 

Cortava carne, causava dor. Matava.

Independente de quantas das criaturas fossem inutilizadas, o espadachim, gradualmente, também era. Logo seu braço caiu mole, inutilizado por tantos cortes; dois soldados caíram, abatidos. Espadas e outras lâminas rasparam em sua carne; mais soldados caíram.

“Vinte e seis… Morto.”

Os pedaços do manto negro se espalharam à volta, acompanhados das centenas de gotas de sangue. O rapaz expirava densamente, seus lábios estavam ressecados.

“Trinta… e um. Morto.”

O invasor se moveu rápido, abaixou e evitou uma machadada, com a brecha que surge, cortou a coxa inimiga, fazendo-o ceder de joelhos ao chão. Em seguida, saltou para trás antes que fosse pego numa investida com o intuito de derrubá-lo, mas apesar de desviar, foi obrigado a uma colisão de espadas pelo oponente ao lado.

Mesmo com a quantidade que derrotava, estava sempre rodeado. Parecia — e estava — longe de um fim. Um desesperador mundo de confrontos; onde estaria a sua luz? Só havia sombras empurrando-o em um buraco com o fundo preenchido do seu próprio sangue.

“Foco… Tenha foco!”

Mesmo cansado, suportava três espadas sobre a sua, deslizando todas para o chão. Libertado, aproveitou para rolar ao lado, obtendo alguma folga.

“Você é a vanguarda, lute! Tenha foco e lute!”

Quando o rapaz levantou, foi recepcionado por uma pancada de clava no rosto, que era amassado pela bola de metal, a marcando com sangue. Na dispersão do impacto, ele foi lançado para trás como um boneco e caiu batendo o corpo numa postura desconfortável.

Cheio de dor, lembrou-se da situação que o levou até ali: estava no andar abaixo, em guerra.

Homens contra criaturas, uma quantidade enorme delas, e não paravam de chegar mais. Tropas com organização notável, difíceis de quebrar.

— Droga! Não vamos durar muito assim! — disse o homem que liderava o grupo de pessoas. — As ordens do nobre estão dificultando demais a situação!

— O que devemos fazer, Dante?! — Logo ao lado estava o rapaz com katana, que recém havia abatido um magricelo.

— Matá-lo. Mas nessa situação… simplesmente não há brechas para mandarmos um grupo. — Cerrava os dentes, frustrado. — Vamos forçar uma rota para recuarmos!

— Não! — falou com um tom maior. 

— O quê?

— Já lotaram lá atrás, vamos perder muitos no processo. Dante! Abra caminho! Apenas eu basta!

— Isso é loucura! O caminho pelo corredor vai estar cheio de soldados!

— Sou o mais ágil, posso dar um jeito! Dante, acredite em mim!

O líder era afligido pela dolorosa dúvida. Sem tempo, logo foi lembrado de que não tinha o direito de pensar melhor:

— Dante! Nesse ritmo vai ser impossível aguentarmos! — avisou um homem negro, que estava num embate contra uma criatura robusta.

— Não se esqueça de que eu sou a vanguarda! — ressaltou o espadachim. — Me deixe salvar a todos! Me deixe… lutar!!

— Certo!!! — respondeu Dante, quase o interrompendo. Em seguida, para todos escutarem seu comando, prosseguiu num tom mais elevado: — Pessoal, me escutem! Iremos forçar mais o flanco direito! Precisamos de uma oportunidade para que nosso trunfo passe e ache o nobre! Com a velocidade dele, será possível!

— Entendido!! — falaram em uníssono.

— Dante… — Surpreso, o rapaz o observava, satisfeito.

— Sempre indo de frente contra os maiores perigos, sinceramente… — O homem se virou e deu a vista das suas costas por não querer mostrar o semblante. — Tudo bem. Nos salve, Karlos.

— Certo!

— E volte!

— Certo!!

Armados com espíritos ardentes, os homens se lançaram contra o amontoado de monstros, iniciando embates brutos. Na primeira brecha da confusão, o rapaz correu com todas as suas forças e obrigou passagem por entre eles.

Pelo corredor havia oponentes recorrentes, mas Karlos os despistou e desapareceu numa bifurcação. Determinado, a vitória procurava.

A luz da janela — um lembrete do retorno ao presente.

Iluminava como um holofote o espadachim caído, que se empurrava do chão com os braços e joelhos enquanto coberto pelo o que sobrou do manto estraçalhado. Do rosto manchando de sangue, se espalhou parte do cabelo bagunçado. Suor e vermelho deslizavam para o piso.

Estava solitário.

“Disse que ia matá-lo sozinho, mas olha minha situação…” Levantava a vista embaçada e via o nobre erguer o cajado, que brilhava de leve na ponta durante o dizer das ordens. “Que vergonha… Todos estão acreditando em mim e mesmo assim não consigo honrá-los.”

Rodeado pelas criaturas, a morte se aproximava junto das lâminas caindo em sua direção.

Os dedos arranhados do espadachim arrastaram pelo chão, enfurecidos.

“Como se eu pudesse partir assim… desapontando a todos!” Com a outra mão próxima do peito, retirou do manto um cristal amarelo. “A vanguarda é quem abre um caminho para seus próximos trilharem!”

O aperto de sua palma destruiu o cristal, de onde saiu vários fios energéticos de igual cor. Apenas por um instante, o ar é preenchido. Misturaram-se com o corpo do Karlos, sendo absorvidos. O radiante amarelo cobria sua silhueta, um que era tomado pelas chamas verdes que surgiram com vigor, o devorando.

“Então lutarei! Os protegerei!”

Ele saltou, desviando dos golpes pesados, que estouraram no chão e levantaram um tufão de poeira. Durante a rolagem, agarrou a sua katana caída à frente. Em seguida, com claro desconforto, se pôs de pé e correu.

“Depois da bomba de fumaça, aquela pedra de cura era meu último item. Vou fazer valer cada gota da força que ganhei!”

Em alta velocidade, coberto pelas chamas, conseguia ultrapassar as criaturas e então ficar próximo ao líder — o objetivo.

Desesperado, o monstro balançava o cajado enquanto inclinado numa pose excêntrica. A última barreira de inimigos, dois soldados, se encheram de vigor e investiram com suas lanças contra Karlos.

A primeira estocada foi desferida, e o rapaz desviou se abaixando sem parar a corrida, passando pelo lado do oponente para se deparar com o outro lanceiro, um prestes a perfurar seu crânio.

O espadachim cerrou os dentes e colocou o ombro ferido à frente, rebatendo a lâmina com a raspada no osso. No processo, teve a carne dilacerada e, pela dor, ficou mais perto de perder a consciência.

“Ainda não!”

Pisou forte, e, seguiu num movimento ágil que driblou a criatura. Depois, restou a visão próxima do líder com cajado.

“Não quando você está a um passo!”

A criatura ficara com tanto medo que bateu as costas na parede em uma tentativa falha de recuar.

Próximo, Karlos pisou forte o suficiente para rachar o solo, começando a girar o corpo para o próximo ataque. As chamas se concentravam na espada, que tinha o cabo apertado como nunca.

Lembra-se novamente de todos, dos momentos difíceis e na confiança que lhe deram, com uma liberdade maior para a imagem reluzente da sua amada.

“Essa torre…!”

O espadachim esbravejava alto, seguindo com o golpe até perfurar a cabeça do nobre, que só conseguia fazer uma expressão desnorteada durante a perfuração do seu cérebro. 

“…é nossa!!!”

As chamas estouraram; a lâmina também transpassou o concreto da parede.

Em meios às suas labaredas e laços de sangue, Karlos caia. Toda aquela agressividade se foi do seu rosto enfim sereno, restando-lhe apenas o cansaço. A sua visão tornou-se escura em um instante, uma passagem direta para outro mundo intocado pela luz, mesmo que ele próprio fosse como uma.

“O resto é com você… Dante. Cuide de todos. Se for você, sei que algo acontecerá… Que alcançar alguma luz no futuro… será possível.”

Com o papel cumprido, o chão daquele canto escuro o recebeu. Um lugar desconfortável, longe de ser exigente, mas era o suficiente. 

Não precisava ser dito o quão impactado ficaram os soldados com a imagem do seu líder pendurado pela cabeça com o corpo sem forças, estirado e — absolutamente morto.

Apesar do mundo estar desabando sobre seus pés, provou-se que logo aconteceria o mesmo para o apoio das suas cabeças: a partir dos portões, com lanças e espadas apontadas, surgia o grupo de homens numa investida implacável.



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