Volume 1
Capítulo 1: Inverno
De repente se viu cercado pela neve, seus passos formaram uma trilha em meio a esse clima difícil, de respirar, se mover e até mesmo deixar os olhos abertos era um desafio.
Sem conseguir ver nada pela densidade da nevasca, ele enterrou os pés na neve e continuou a caminhar. Seus pulmões doíam, apertou seu peito agarrado às roupas, e seus dentes latejavam batendo uns nos outros.
Suas vestes lutavam para permanecerem em seu corpo, eram sopradas com muita força, até mesmo o garoto lutou para ficar de pé após uma rajada sacudir até seus ossos.
Novamente atolou seus pés, cerrou os dentes e fixou seu olhar, penetrando a nevasca que tentava o dominar. Foi então que avistou seu destino, era uma casa velha, feita com madeira escura, apenas uma luz era vista pela fresta da janela que lá estava.
Sorriu discretamente, apertou os lábios prestes a se rachar. Kaleek puxou o cachecol que carregava para esconder seu rosto, depressa, se aproximou da casa.
Após muito lutar contra o clima invernal, alcançou a maçaneta desgastada. Uma sensação agoniante percorreu os músculos de seu braço, ao estendê-lo, teve a impressão que fossem se partir.
A razão disso era a mesma que percorria o corpo todo, era algo que deixava suas articulações e músculos rígidos, difíceis de suportar o frio que lhe corroía.
— Boa noite! — Um garoto saltou em seu campo de visão, chacoalhando os braços enquanto gritava.
Ao abrir a porta, sentiu o vento empurrar seu corpo para dentro. Ao adentrar o espaço, se deu conta das rajadas que invadiam como se fossem lâminas de ar.
Rapidamente lutou contra esse atrito iminente, com a porta contra os ombros ele empurrou ela para impedir a tempestade de adentrar.
Sacudiu todo ambiente, jogou cadeiras e alguns objetos no chão. Mas o que mais o preocupou foi o garoto de cabelos negros que voou com o vento.
O suspiro soou aliviado vendo aquele ambiente bastante bagunçado, ainda estável. Seus olhos amarelos fitaram as paredes, que tremia fracamente mesmo ao fechar a porta.
— Não machucou, né?
— Não, eu sou fortão igual a você — disse ele fazendo uma careta dolorosa.
— Tô sabendo, ajeita as coisas pra mim.
Ken, seu irmão mais novo, suspirou ao cair. Os olhos amarelos fitaram-lhe, assentiu após um sorriso se levantou com apoio dos próprios joelhos.
A casa possuía uma mesa a alguns metros da lareira, junto com alguns armários na esquerda. No centro mais ao fundo, uma poltrona perto da lareira na qual Ken aproximou-se.
O pequeno sofá estreito logo ao lado de um instante à direita, com alguns frascos de remédio e livros de estudo. Alguns deles estavam no chão pela tempestade ter os derrubado.
— Uhhh, que pesado, caramba! — Ken ao tentar empurrar a poltrona, suspirou com indignação.
— Não precisa se esforçar tanto. — Kaleek ajudou seu irmão, ao mover a poltrona para frente da lareira.
As luvas deslizavam pelos dedos cheios de calos, rígidos e igualmente pálidos. Um vapor condensado saiu de seus lábios, ao retirar o capuz revelou lindos cabelos brancos.
Os olhos amarelos fixaram-se no garotinho, que com muito esforço, lutava para colocar mais lenha na fogueira a alguns metros dele. O contato das chamas e do novo combustível, fez aumentar sua intensidade e assustar Ken, que recuou depressa caindo nos braços de seu irmão.
— Cuidado, kenzinho.
— Oh, valeu!
Talvez devesse se impressionar com a velocidade que seu irmão demonstrou, mas não fez. Estava acostumado com esse tipo de coisa, como sempre seu irmão chegava vivo mesmo com tempestades intensas, ou como ele nunca se cansava mesmo correndo horas atrás dele.
Com um pequeno empurrão, ajudou Ken a se levantar. Bateu as mãos nas vestes e conferiu para ter certeza que estava limpo, e então, levantou o queixo apontou e disse:
— Senta aí, vou pegar as cobertas!
Ken foi até o sofá ao lado, com passos desengonçados e um sorriso no rosto. Kaleek assentiu e sentou-se sobre a poltrona, levando as mãos ao fogo logo à frente dele.
O fogo ardente queimava madeira e emitia estalos ao ser consumida, mas o calor que emitia não adiantou, sua mão ainda estava gelada como se fosse um cadáver.
Sua Mana fora distribuída, a sensação percorreu por todos os músculos da sua mão, cada centímetro foi consumido pela energia vital daquele mundo, fazendo sua mão superaquecer com uma citação.
— Fouer.
Mexeu os lábios lentamente, enquanto rachavam a cada movimento, seus olhos se fecharam e sua testa enrugou.
Manipular o calor do próprio corpo, era uma coisa que aprendera a muito tempo, e sempre que usava, ficava com uma sensação quente no peito.
Isso é bem útil. Não sei o que faria sem suas lições, pai.
Pode finalmente mover suas mãos, abrindo e fechando logo em seguida, sorriu por não ter perdido o movimento de nenhum dos dedos, que antes pareciam congelados completamente, agora aos poucos voltavam a se mover livres.
Ele pode finalmente relaxar seu corpo.
A risada que veio a seguir o surpreendeu, uma gargalhada travessa veio por trás de si. Seu irmão, com um sorriso maroto, o cobriu com um cobertor dos pés à cabeça.
— Ei! — Retirou o cobertor, que caiu em seu colo.
Sua risada tomou conta do ambiente, a casa que balançava ou até mesmo os estalos da fogueira, eram ofuscados pelo sorriso de Ken claramente animado com as novidades.
— Como foi hoje, hein?
— Não deu em nada, nem conseguimos chegar no local de encontro. Além de termos nos perdido na tempestade, Kelmoth desapareceu… — Após um leve suspiro continuou: — Tive sorte de achar o caminho de casa…
O tom de voz mudou, agora era baixa e frustrada. A cada movimento era perceptível, nos olhos e na fala, e como suas mãos se moviam sem parar, franziu a sobrancelha e entrelaçou as mãos.
Piscou devagar, quando se recordou dos gritos de confusão da sua companheira. Atônita pela tempestade iminente, ordenou que recuasse.
Em plena luz do dia, as nuvens escurecem ainda mais que o normal. Um grande javali era conduzido pelo garoto de cabelos brancos.
Ele se manteve à frente de todos, exceto pela garota de cabelos loiros, também em um javali.
Um som estrondoso veio acompanhado de um trovão que caiu logo à frente do grupo, logo depois, uma explosão que percorreu quilômetros atingindo-os.
O impacto balançou o ar e afastou a neve. Seus olhos não enxergam nada a sua frente, depois disso, foi assolado pela escuridão.
Foi quando seus olhos se abriram, mas enxergava de forma embaçada, e ele não reagiu a tempo de evitar que sua montaria saísse correndo assustada grunhindo alto. Logo depois, os gritos confusos, eram dela.
Tudo escureceu novamente, e ele acordou no meio da neve, o suspiro foi tão alto que pareceu percorrer a floresta toda, mas mesmo se estivesse ninguém ouviria, pois estava sozinho.
— Vai responde! — Ken puxou os cabelos de sua nuca.
— O que?!
— O que você fez depois?
— Resolvi voltar para casa. Espero que eles estejam bem.
Ainda refletia o motivo, porque ele havia desmaiado com apenas um balanço ao cair? Era estranho, obviamente ele não deveria desmaiar tão facilmente.
Kaleek tinha muita maestria na caça, e um corpo treinado pois diariamente ele trabalhava em um grupo de caçadores. Responsáveis por entregas, e eliminação de pragas na região Norte, onde vivia.
Mas toda essa confiança de caçador foi quebrada, a partir do momento em que não pode fazer nada, além de afundar na neve.
Eles podem estar mortos. Por que estou tão calmo?...
A sua calma era algo assustador.
— Mas você está bem, isso que importa. O Kelmoth é esperto, ele sabe se cuidar, Ellen, também. — Tocou nos cabelos brancos. — Eles e nós, vamos ficar bem.
Mesmo sem olhá-lo nos olhos, ainda sim, sentiu a sinceridade e confiança na voz do pequeno Ken atrás dele. Seus braços se moveram em um movimento lento e carinhoso, entrelaçando-se em seu pescoço.
Ele era pequeno e não entendia o peso que seu irmão carregava, mesmo assim, o acolheu com todo afeto e amor que tinha, em um único abraço. Aquele simples movimento fez os lábios de Kaleek tremerem.
O abraço entre os dois irmãos aqueceu suas almas, assim como o fogo que emitia estalos e dançava na lareira, conectando um ao coração do outro silenciosamente. Ken era a lenha que mantinha o seu fogo aceso.
Uma chama que carregava responsabilidades e deveres, uma chama necessária para alguém que o aguardava. Alguém que vibrava com seu brilho e se alimentava da sua coragem que continuava a transbordar, sempre pronto para reacender a chama, para nunca deixá-la apagar.
— Claro, vamos arrumar uma maneira de pagar as dívidas. E vamos ficar bem.
— Meu irmãozinho burro, é claro que vamos… — Ele alisou os cabelos brancos, enquanto seu irmão sentia o calor de seu rosto sorridente.
As suas respirações condensam visivelmente no ar, a sensação que arrepiava seus corpos, ainda estava presente. O aperto quente e confortável de seu irmão fez o seu peito incendiar, de dentro para fora, com uma determinação inabalável.
Eles ficaram abraçados por um tempo, Ken manteve os braços no pescoço do seu irmão. A fogueira queimava a madeira que restava, quase se apagando.
A tempestade continuava incessante, o vento violento batia na porta fazendo um chiado que balançou a mesma, e isso manteve Kaleek acordado durante um tempo, refletiu sobre a sua situação.
— Sabe, acho que não é tão ruim…
Eles estão bem, é só uma tempestade. Uma tempestade que logo vai passar. Eu verei eles bem amanhã.
Seu olhar estava pesado e deixava marcas aparentes abaixo dos olhos. Algo o fez olhar para uma moldura, foi de um hora pra outra que pegou-se fixando o olhar em uma foto logo acima da lareira.
Uma mulher com cabelos brancos abraçava dois garotinhos, um com cabelos pretos, olhos fechados e um sorriso com espaçamento entre os dentes. E outro garoto com olhos gentis e cabelos brancos como a neve.
A mulher em questão era sua mãe, que abraçava os irmãos com um sorriso no rosto. Suas marcas abaixo dos olhos indicavam que não dormia a muito tempo, mas mesmo com isso ela continuava sendo uma mulher bela, e com sorriso cintilante.
— Mãe…
— Hã?... — Desentrelaçou os braços, coçou os olhos e cochichou confuso. — Tá falando com quem?
— Não é ninguém, se está com sono vai para cama — disse Kaleek, que ao se virar, viu seu irmão que lutava para se manter de pé ao soltá-lo.
Cambaleou, mas não antes de ser salvo pelos braços de seu irmão mais velho, que o impediu de cair no chão. Suspirou aliviado e ao olhar o rosto de seu irmão adormecido — riu com o nariz quando viu o que poderia ser saliva escorrendo no canto de sua boca.
— Ta pesadinho, Hein.
Com cuidado para não o despertar, colocou o garoto em um pequeno sofá e o cobriu com a coberta que estava na poltrona. Ao deitá-lo, percebeu que seus pés estavam suspensos no ar, e ele quase caiu quando se movimentou.
Deu um suspiro longo, e se moveu até umas caixas ao lado. Estavam empilhadas no canto da sala, coberto por poeira que voou em seu rosto e o fez tossir ao assoprá-las.
O pó invadiu novamente suas narinas e boca quando abriu a caixa, revelando um pano que cobria o objeto que preenchia a caixa. Ao retirar reconheceu uma adaga de combate, e olhou confuso para os símbolos ilegíveis no cabo.
Seus olhos brilhavam com a lâmina ao retirá-la da bainha, era afiada o suficiente para cortar carne de um javali sem esforço algum. Girando a lâmina que refletia o ambiente, guardou novamente na bainha.
— Foi realmente um belo presente, pai.
Era um presente, a muito tempo recebido, mas, nunca usado. Por ter sido presenteado pelo seu pai, mesmo antes da sua morte, fez o presente como um santuário.
Era grato por ter tido um pai, uma mãe e um irmão travesso e esperto como Ken. Agradecia pelas broncas de sua mãe e os ensinamentos de seu pai. Por tê-lo treinado, ensinado e preparado para assumir seu lugar como uma estrela no céu. E por fim, um presente tão especial quanto ele.
Preencheu seu rosto com um sorriso trêmulo, e fechou os olhos para que não transbordasse. Mas nada adiantou, elas saíram de forma espontânea e o fizeram ajoelhar no chão.
Agradecia mentalmente e derramava lágrimas, seu sorriso ainda se mantinha mesmo tremendo. Ele soluçou e tentou afastar as lágrimas com os dedos.
Obrigado, obrigado mesmo…
*****
O vento ali presente desprendia as raízes do chão, partiu e jogou as pelos ares. A neve caiu em grande quantidade e soterrou as árvores abaixo dos penhascos que rodeiam a vila.
Nenhum animal era visto perambulando, pois caso estivessem, poderiam ser esmagados pelas árvores ou até mesmo levados por tornados.
Porém uma criatura de pelo macios e pálidos, não era atrasada por esses infortúnios da natureza. Os fios brancos nem sequer se moviam, era como se ele nem estivesse ali.
Não era afetado pelo vento, e nem mesmo deixou pegadas ao afundar as patas delicadas na neve. Caminhava pacientemente até a ponta de um penhasco com os olhos fechados.
A pequena raposa ergueu seu focinho na beira do penhasco. Seus olhos reluzindo em azul avistaram uma uma provocação nos céus, na verdade era lindo. As luzes lançavam em diversas cores, ao tocar o ar com as pastas, se tornou vapor e sumiu ao saltar.
A floresta gelada se acalmou, as luzes podiam ser vistas com mais clareza agora.
Um mal pressagio.
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