Volume 2
Capítulo 16: Uma busca por algo mais
[Sexta-Feira, 09 de setembro de 2412, 21:04 da noite]
O bosque estava bem iluminado pela lua cheia brilhando no céu noturno. As árvores ao meu redor eram cobertas de musgo em sua base, suas copas entrelaçadas quase cobriam o céu estrelado acima de mim. Parei por um momento minha caminhada para respirar o ar fresco e admirar os vaga-lumes vagando como luzes flutuantes entre os arbustos na mata.
Hora da caça!
Comecei a vasculhar a floresta em busca de insetos no chão e árvores. Seus lugares preferidos são abaixo de troncos caídos ou até mesmo andando tranquilamente pelo chão nessas horas da noite. A busca me levou até uma parte sem tantas árvores, um prado que se formou mais ao fundo na floresta. O terreno parecia propenso para insetos, com grilos ecoando seus sons ainda escondidos na grama.
Ainda é pouco… me desculpa, amiguinhos.
O jarro de vidro cilíndrico em minhas mãos estava pela metade cheio de insetos. Eles serviram como comida para as aves do meu avô, li em livros que eles são muito mais saudáveis do que as rações industrializadas. Além do mais, esse é um dos poucos momentos em que posso sair e ver algo além do quintal de casa.
Uma sensação estranha apareceu na minha mão. Olhei a costa da minha mão, um grilo estava caminhando com dificuldade nas bandagens que cobrem o meu braço. Um fugitivo! Antes que eu pudesse pegá-lo e colocá-lo de volta na jarra, um vulto passou acima do grilo, fazendo com que ele desaparecesse e ainda quase deixei a jarra de insetos cair no chão pelo susto.
Era para ser um tempo só para mim… até que durou um pouco.
Olhei para o galho de uma árvore próxima. Uma coruja se destacava da escuridão com suas penas brancas com bolinhas amareladas que terminavam em suas costas com um tom forte de marrom. Ela olhava para mim com grandes olhos negros e o grilo preso no seu bico. Para mim, ela é a Emi, a companheira da minha mãe e também a vigia pessoal que ela usa para me observar.
Mostrei a língua para ela e prendi o jarro em minha cintura com uma cinta. Andei de novo pelo prado em busca de mais insetos escondidos abaixo da grama. Ela estava na altura da canela e úmida, o que certamente seria bom para achar lagartas. Após mais alguns minutos andando no prado, achei uma estrada antiga com placas de sinalização enferrujadas.
Interessante.
Emi pousou na placa à minha frente. Eu sabia que essa floresta tinha algumas casas antigas, talvez eu consiga achar insetos nos entulhos das construções. Comecei minha caminhada seguindo pela estrada acabada, os pedaços de asfalto quebrado davam lugar até para que árvores crescessem. Emi me seguia voando de galho em galho para me acompanhar.
Minutos de caminhada começaram a fazer um aperto surgir no meu peito. Meu Fluxo, como um fio de energia, tremeu antes das pulsações se suavizarem, envie o excesso de energia estranha pelo meu corpo até as profundezas do meu fluxo.
Essa coisa está ficando mais frequente.
Minha mãe e avô me ensinaram essa habilidade, na verdade, me ensinaram como notar ela.
É tão… naturalmente estranho.
Quando descobri o Fluxo, notei algo de muito estranho sobre mim. Meu fluxo está em constante atividade, enquanto minha mãe, avô e todos os outros parecem poder desligá-lo, eu apenas posso reduzir a frequência. Eles tentam suavizar isso dizendo que pode ser algo novo, mas eu sei que tem algo errado comigo e eles se recusam a me dizer o que é.
Eu vou fazer doze anos! Já sou… maduro, eu acho.
Emi pousou no chão à minha frente enquanto eu olhava para baixo. Eu podia sentir seus olhos negros me analisando de dentro para fora, um brilho dourado sutil ocorreu ao redor das pupilas dela. Essa sensação de estar frente a frente com algo tão inteligente que parece apenas uma ave era agoniante, como ter meus olhos vendados para a realidade que alguém quer que eu veja.
Se concentra, Samuel, ou o vovô vai me buscar, de novo.
— Eu estou bem, só perdi o fôlego — disse enquanto recomeçava minha caminhada seguindo a estrada.
Ela voou para os galhos com seus olhos fixos em mim a cada passo. A caminhada estava sendo mais longa do que imaginava até que um som melódico saiu das árvores mais à frente na estrada. Aumentei o passo para encontrar uma casa grande abandonada no final da estrada com a mesma condição de abandono.
O caminho até a casa era coberto com grama alta e poças de água. Olhei bem em busca de uma rota que me deixasse menos sujo. No meio da grama alta, uma trilha com pegadas surgiu após alguns minutos de busca. Essas pegadas… acho que estão frescas. O som da melodia ficava mais alto quanto mais eu me aproximava da casa.
Emi voou em minha direção para ficar em meus braços. Entrei com cuidado na casa acabada, seu interior estava destruído pelo tempo e plantas crescidas em meio ao piso e subindo pelas paredes. O teto tinha buracos grandes o suficiente para que eu pudesse passar, dava para ver a lua cheia brilhando forte no céu através dele e algumas plantas passavam por ele.
Fui para o que parecia uma sala de estar e encontrei a origem do canto. Uma garota estava sentada sobre os joelhos enquanto cantava, seu cabelo negro curto tinha mechas grisalhas, mesmo ela parecendo ter minha idade. Ela estava completamente absorvida em seu canto e isso também absorveu tanto minha atenção que deixei algo passar.
A beleza da garota era tão grande quanto as luzes que a rodeavam. Pequenas esferas prateadas dançavam ao redor dela, um fino lençol de luz prata a cobrindo e dançando conforme sua melodia. Essa luz… Recuperei-me do meu encanto para olhar o pescoço da garota, uma pedra esbranquiçada presa a seu colar era a confirmação da minha teoria.
Ela é uma Lunita!
Apenas essas luzes eram uma prova irrefutável da minha teoria. Pelo que sei, as crianças lunitas ganham essa pedra prateada que contém um poder especial. Eu queria uma, mas são apenas para seguidores da lua. Minha mãe queria que eu me relacionasse com as outras crianças, mas elas são muito chatas e só gostam dos próprios assuntos, então deixei para lá.
Eu já vi essa garota… mas quando? Talvez minha admiração tenha vazado através do fluxo, seu canto diminuiu até que parasse e apenas as esferas prateadas ainda dançavam ao redor dela. Ela olhou ao redor e me escondi de novo no batente da porta em que estava, mas Emi tinha outros planos para mim e fez barulho.
— Eu sei que você está aí. — Sua voz era tão linda e delicada falando do que quando estava cantando.
Engoli em seco e Emi soltou um som semelhante a uma risada. Idiota! Recompondo-me, saio do meu esconderijo para cair no olhar da garota. Sua pele branca destacava um pouco de suas sardas nas bochechas, seus olhos como safira escurecidas tinham curiosidade enquanto me encarava. Minha mente ficou em branco por instantes enquanto eu a observava.
Primeiro é o nome… ou um aperto de mãos? Faz tempo que não converso com pessoas.
— Oi, meu nome é Samuel e essa coruja é a Emi… Sua voz é muito bonita.
Emi soltou um guincho baixo como um comprimento enquanto eu a segurava. O olhar da moça mudo de curiosidade para surpresa, notei uma espécie de encanto enquanto ela parecia se preparar para falar. Eu fiz certo? As apresentações são até que bem fáceis.
— Você é o menino que só fica na floresta, eu me lembro de ver você uma vez no Encontro das Pequenas Estrelas.
— Entendi porque te reconheci — falei para mim mesmo enquanto liberava Emi das minhas mãos.
O Encontro das Pequenas Estrelas… havia me esquecido disso. Foi minha última tentativa de tentar fazer amizade com as crianças lunitas, um encontro onde as crianças vão aprender sobre a Dama da Lua e sua história. Confesso que foi legal ouvir a história, mas nenhuma outra criança parecia entender mais do que foi dito ou a parte mística das coisas.
O silêncio fez morada entre nós. Seus olhos pareciam apreensivos enquanto me encarava, ela começou a mexer e esfregar suas mãos uma na outra. Eu coloquei a jarra de insetos no chão e me sentei em seguida. Diversos assuntos me vieram à mente, mas vê-lá se virando para mim me deixou contente.
Ela parece legal.
— Como é seu nome? — Quebrei o silêncio.
— Desculpe, esqueci disso… Meu nome é Maya.
— É um nome bonito, você vem aqui só para cantar? Aliás, o seu canto tem algo a ver com as luzes te rodeando? Você também é um Anômalo?
Seus olhos se arregalaram de surpresa. Depois de alguns instantes, ela parecia confusa, mas um sorriso surgiu em seu rosto em meio a outras emoções. As esferas prateadas se dissolveram em poeira brilhosa antes de desaparecerem na atmosfera.
— Eu gosto daqui, é silencioso e posso praticar meu canto enquanto medito… Eu… consigo invocar as luzes com meu poder, se é o que havia perguntado.
— Mas por que aqui? É tão afastado, você deve ter amigos que gostem de ver você cantar, né?
Seu olhar caiu para as mãos. Ela é uma anômala como eu, é a primeira que eu encontro além das pessoas que moram comigo. Como um desejo inconsciente, meu senso astral estava começando a se ampliar para que eu pudesse vê-la melhor. A aura dela parecia triste, um fino véu a contornava e parecia reagir à minha sondagem.
Um curto momento de clareza me ocorreu. Minha mãe sempre me disse para não contar a ninguém da cidade ou de fora dos seguidores da lua sobre nossa natureza, as pessoas comuns têm medo de nos pôr algum motivo. Os seguidores da lua pareciam me ver apenas como uma criança diferente, será que ela tem dificuldades para fazer amigos lá dentro?
— Desculpa por perguntar tantas coisas… você é a primeira pessoa da minha idade que eu vejo que é como eu… Posso ir embora se quiser.
— Não! — Ela abaixou a cabeça e suas bochechas ficaram rosadas.
— Você está bem?
Ela ficou em silêncio por um tempo antes de falar.
— Eu não tenho amigos lá dentro, eles me tratam como se eu fosse especial, ou melhor, e as outras crianças ficam dizendo coisas estranhas… Os adultos mais velhos conversam e brincam comigo, eu gosto mais deles — disse ela entrelaçando os dedos.
— Minha mãe também me trata de forma diferente, ela sempre tem que estar de olho em mim de alguma forma, ou vou ficar preso no quarto como o urso de pelúcia favorito que ela abraça e dá beijinhos. — Um arrepio percorreu minha espinha ao pensar no que ela faria comigo se ouvisse isso.
Maya tentou segurar uma risada. Emi pulou pelo chão para se empoleirar na minha coxa, ela deu um olhar repreendedor para mim e sacudiu suas penas. Maya tinha um sorriso lindo, suas bochechas ainda estavam rosadas, mas sua aura transparecia sua felicidade.
Seu olhar voltou para mim. Ela parecia me analisar de cima a baixo, seus olhos primeiro foram para meus braços cobertos por bandagens e depois para meu rosto. A faixa que uso para cobrir meu olho direito sempre chama mais atenção que as bandagens em meus braços, mas no geral as duas coisas chamam atenção.
— Se estiver curiosa, posso tentar responder suas perguntas. — Algo em mim se remexeu, mas mantive as lembranças e sensações ruins sob meu controle com ajuda do fluxo.
— Não quero que minha curiosidade me faça perder um possível… amigo.
Minha expressão vacilou. Todas as crianças me perguntavam o porquê de eu cobrir essas partes do meu corpo, até mesmo adultos e idosos faziam isso e alguns eram insistentes em conseguir uma explicação detalhada. Depois de assimilar isso, apenas sorri, nunca achei que conseguiria uma amiga humana.
— São marcas de um acidente antigo… Obrigado pela compreensão, Maya.
O som de bater de asas entrou pelo teto furado da casa. Um corvo escuro como o breu pousou na minha outra coxa de frente para Emi, ele olhou ao redor antes de fixar seus olhos em mim. Jack, o preferido do meu avô, ele era maior que um corvo comum e sempre me surpreendia com sua inteligência desproporcional.
— Casa! — grasnou Jack.
Já tentei escapar do olhar do Jack. Ele sempre me encontra, debaixo da água de riachos ou dentro de troncos ocos. Parece ser impossível para mim me esconder dele. Emi e Jack começaram a trocar sons entre si, ambos eram a escolta que minha mãe usava para me observar e… cuidar de mim.
Olhei para Maya antes de me levantar e, com isso, as aves voaram. Peguei a jarra e a prendi ao meu cinto, andei e ofereci minha mão a ela enquanto Jack se empoleirava no meu ombro e Emi voava para a porta.
— Tenho que ir agora, talvez possamos voltar juntos? Eu gostaria de um melhor momento para nos vermos.
O sorriso de Maya se tornou tímido enquanto colocava uma mecha de seu cabelo curto atrás da orelha.
— Por mim, tudo bem… Como seu corvo sabe falar? — Seus olhos cheios de curiosidade foram para Jack.
— Jack esperto! — Ele abriu as asas em exibição.
— Ele é inteligente, só é uma companhia chata às vezes. — Jack bicou minha orelha por isso. — Eu te explico melhor no caminho.
Ela guardou uma risada enquanto Jack me bicava e assentiu. Nós dois fomos em direção à porta, a noite parecia melhor de alguma forma. As palavras de Maya ainda se movimentavam em minha mente, a forma gentil com que ela admitiu que estava curiosa, mas ainda assim reteve suas perguntas com medo de me machucar… mesmo não me conhecendo.
Isso é… legal.
Andávamos pela zona de poças até a estrada antiga pela trilha que Maya havia feito. Maya ficou quieta durante o começo do percurso, mas depois de um tempo ela começou a fazer perguntas e contar um pouco de si mesma no caminho. Nós trocamos perguntas entre nós e percebi que Maya com certeza era alguém que gostava de conversar… do jeito dela.
Notei também mais de sua beleza enquanto andávamos. A calça jeans que ela usava terminava com as barras dobradas, seu suéter tinha a cor azul marinha enquanto pequenos pontos claros estavam bordados pela roupa dela como um céu estrelado. A pedra do seu colar tinha um brilho opaco que misturava a prata e o azul-claro.
— Então, seu avô treina aves? Parece algo legal de se fazer, esses insetos são para elas ou você tem um paladar exótico? — Sua voz tinha uma zombaria sutil, mas ela ocultou seu sorriso inflando as bochechas.
— Meu paladar inclui uma grande quantidade de seres animalescos falecidos, mas infelizmente tenho pouco interesse pelos insetos. Posso doar alguns para você encher a boca já que parece apreciá-los. — Virei-me para abrir a jarra quando um soquinho atingiu meu ombro.
Olhei para sua direção e ela mostrou a língua para mim. Após a conversa sobre insetos, ela perguntou mais sobre minha família, tentei explicar mais sobre o que eles faziam, mas era difícil falar sobre eles já que faziam tudo em segredo. Minha mãe me trata como porcelana, meu tio e avô falam mais abertamente comigo, mas ainda me tratam de forma parecida.
— Minha mãe ajuda meu avô no aviário, mas ela passa grande parte do tempo me ensinando coisas sobre o oculto e as matérias escolares, e você?
— Eu não conheci meus pais…
Um martelo desceu sobre meu cérebro. Perguntas demais, Samuel! Maya notou minha expressão quando eu estava prestes a me desculpar, mas ela apenas acenou com a mão com um sorriso.
— Tudo bem, eles faleceram quando eu ainda era muito pequena, além do mais… eu sei que eles estão comigo. — Ela colocou a mão sobre a pedra pálida do seu colar, seu olhar para a lua era afetuoso enquanto andava.
Lembrei-me dos ensinamentos do Encontro das Pequenas Estrelas. A Dama guardará os entes queridos que já se foram, ela os vigiava enquanto eles dormem e confortava aqueles que ficaram para trás. Sempre me perguntei sobre os Patronos, essas entidades que escolheram ajudar e nos guiar… Por que eles fazem isso? O que eles ganham com isso?
Maya olhou para mim enquanto andávamos. Paramos em um ponto onde a estrada terminava e ela me guiou para uma trilha, Maya segurou minha mão quando entramos em uma área mais escura. Meus olhos estavam se adaptando à escuridão até que uma luz pálida nasceu do seu colar. Ela tinha um sorriso enquanto me guiava pela mão na floresta.
Isso é divertido!
Essa sensação quente saiu do meu peito e correu pelo meu corpo. Firmei meu aperto em sua mão enquanto aumentava meu passo para acompanhá-la, a jarra começou a balançar e Jack voou do meu ombro quando comecei a correr ao lado dela. Corremos até uma serra com grama alta, algumas mimosas pastavam e, ao longe, dava para ver a pequena cidade em que vivíamos.
Maya se virou para mim e seu sorriso se tornou um olhar curioso. A energia quente ainda corria por meu corpo, meu Fluxo e essa energia eram um só, a meu ver, já que era incapaz de ver onde ela começava e meu fluxo terminava. Esses picos de energia aconteciam muito mais durante meus sonhos e sempre que eu tenho esses picos de energia ocorre algo em mim.
— Seu olho… tem um anel dourado nele, mas agora está… brilhando? Espera! Apagou! Como você fez isso?! — Ela chegou mais perto para vê-lo.
Ergui minha mão livre para deter sua aproximação. Ela fez um bico antes de recuar e suas bochechas ficarem vermelhas, Jack pousou na minha cabeça e Emi no meu ombro, a pegando de surpresa. Esse anel que ela disse brilha nesses picos de energia ou por nenhum motivo em diferentes horários no dia, mas só quando esqueço de controlar minha energia.
— É normal, vamos, está ficando tarde. — A puxei pela mão e as aves voaram em direção à cidade.
Maya começou a perguntar mais sobre meus poderes. Eu disse que não os entendia e ainda estava treinando para aprender mais, ela começou a dizer coisas relacionadas às três energias e falhei em conter minha surpresa. Para a grande maioria de nós, apenas duas fontes de energia conhecidas, essas são a energia da fonte da alma: Sine, e a energia da fonte astral; Fie.
A terceira energia é muito mais complicada e me impediram de aprender sobre ela até amanhã, no meu aniversário. Perguntei a ela o que ela sabia e ela fez uma careta boba enquanto dizia que só sabia disso. Minha mandíbula caiu em perplexidade. Só sabe disso, mas parece ter tanta facilidade com o astral.
Paramos quando chegamos à cidade. A rua estava vazia, exceto por um ou dois transeuntes, Maya parecia triste e compartilhei o mesmo sentimento ao perceber que era hora da despedida. Uma ideia se formou em minha mente, juntei coragem o suficiente para falar dela para Maya.
— Você… — dissemos em uníssono.
Ela virou o rosto envergonhada.
— Fala você — disse ela, sacudindo minha mão.
Respirei fundo, pensando em minhas palavras.
— Eu conheço um lugar que você iria gostar e eu queria te conhecer melhor… você quer ser minha amiga?
Ela soltou um som baixo e sufocado enquanto ainda estava com o rosto virado. Meu senso astral notou como a energia dela estava agitada e enviando ondas pequenas pela atmosfera ao redor. Seu aperto sobre minha mão ficou forte que até doía. Após o que pareceu minutos de silêncio, ela se virou com seu rosto completamente vermelho e uma expressão complicada.
— Sim… podemos nos ver amanhã ou depois de amanhã? — Sua voz tinha expectativa.
— Amanhã seria bom, podemos nos encontrar aqui pela tarde — falei com um sorriso.
Sua expressão se aliviou e um sorriso nasceu em seus lábios. Ela se jogou em mim para um abraço repentino, retribui o gesto que durou pouco na minha opinião. Seu cheiro era doce, algo semelhante a ervas naturais que encantaria até o olfato mais aguçado e exigente.
— Até amanhã, Samuel. — Ela disse enquanto se afastava de mim.
Fiquei hipnotizado, vendo-a seguir em direção à sua comunidade. Eu sempre tive dificuldades em fazer amigos, estava até pensando em desistir, mas ela apenas me conheceu hoje e já me abraçou. Meus devaneios ficaram ainda mais profundos à medida que eu tentava entender a situação, mas no final minha mente girou em círculos e desisti.
Quando voltei à realidade, ela já havia desaparecido. Conferi a jarra e me ajeitei antes de virar em direção a uma estrada baldia. Notei Emi e Jack que estavam empoleirados no teto de um ponto de ônibus, provavelmente observando tudo. Emi soltou a sua risada de coruja enquanto sacudia as penas, um arrepio se solidificou ao notar que isso logo chegaria aos ouvidos da minha mãe.
— Meu garoto! — grasnou Jack em tom de orgulho enquanto abria as asas.
Os ignorei e comecei a seguir a estrada. Esse encontro é bom, mas também estou animado para o dia de amanhã por outros motivos. Minha mãe e meu avô começaram a me ensinar truques e formas de poder, além de me explicarem melhor sobre o oculto e nossa família.
O pensamento de aprender a usar meu poder enchia minha mente de felicidade. Se eu puder aprender mais sobre meu poder, talvez eles me contem mais sobre o que aconteceu no passado. Esse pensamento envia uma onda de frieza por meu corpo, a memória embaçada de fogo e dor ainda era capaz de me travar às vezes.
Contive o desejo de parar. Eu sei que eles se recusam a me contar para me proteger de alguma forma, mas viver sob a sombra de um pesadelo real que não entendo e sei tão pouco é mais que desconfortável. O arrepio se intensificou a cada passo em direção à minha casa, a mata me cercava e se abria para revelar uma grande casa em meio a uma clareira.
Os muros de pedras escuras rodeavam o lugar e se conectavam na frente com um portão de metal. A casa de dois andares era grande e feita das mesmas pedras do muro e se aliaram à madeira para dar um charme rústico. Havia casas menores ao redor da principal que meu avô usava para trabalho. Aproximei-me do portão com um suspiro de alívio.
O dia foi bom… mas estar em casa é melhor.