Volume 1
Capítulo 27: Do lado de fora
Quando amanhecia, o sol mal entrava pela janela. Fossem as árvores altas demais ou a neblina capaz de ocultar dragões, quase não dava para diferenciar o dia da noite no norte da Tríplice.
O frio era tão intenso que só quem fosse de coragem ilimitada e de plena perseverança conseguiria viver ali, sob suas condições severas e nada habitáveis. Bem, não tanta coragem assim, apenas roupas de frio, uma espada longa e uma cabana com fogão a lenha para esquentar as pernas.
No coração de uma floresta gélida, seria impossível que as frágeis fadas, acomodadas com seu calor razoável, trouxessem alguma magia até ali — e não tinha relógio mais forte que a fuça alérgica de Hans. Todo dia, o lobo era obrigado a arrancar Castiel da cama com as mesmas palavras.
— Vambora, temos nossas barrigas para encher.
No começo relutava, mas quando o moleque se erguia, não deitava mais. Em curto tempo, tornou-se forte. A puberdade veio cedo para ele, então Hans não teve muitos problemas em ensiná-lo o trabalho de um lenhador. Castiel aprendia rápido, isso quando não estava se espreguiçando e rolando nas cobertas.
Era madrugada quando se viram pela primeira vez. Mesmo que o norte da floresta fosse fatal, ainda havia épocas piores, como o inverno que fazia naquela manhã. Estava voltando de uma caça matinal e logo quando abriu a porta notou a diferença.
O único pão que havia sobre a mesa virou farelo, o bule de café sem uma única gota, e as cobertas, reviradas com uma silhueta sob elas. Sempre teve pés de aço, mas se aproximou num silêncio que nem ele mesmo conhecia.
Não costumava depender de armas, mas desembainhou a espada lentamente, sem ruído. Fosse quem fosse a pessoa, não viria desarmada. Encostou a lâmina no que só devia ser seu peito, mas um rostinho infantil se desembalou.
Perdido em alguma afeição, se recompôs ao pensar que decerto aquele pirralho podia ser um espião bem capaz de matá-lo — a sociedade podia ser bem assustadora às vezes, botando assassinos disfarçados de inocência em plena guerra.
No entanto, o azul daqueles olhos era níveo demais para ser apagado. Se aquele guri fosse mesmo um espião, que este o matasse enquanto dormia. Não suportaria lutar contra ele e ter de tirar sua vida.
Abaixou a espada, tentando permanecer impassível. Apreciava certo sarcasmo e usou dele quando perguntou:
— O que um fracote como você faz aqui, hein?
O pequeno cão lhe lançou um olhar nada menos que insolente, e o medo foi embora. “Sacanagem.” O moleque invadiu sua casa, comeu da sua comida, dormia em sua cama, e ainda ousava se indignar por ser chamado do que realmente era.
Botou-lhe o gume na garganta de novo.
— ... N-não lembro de nada... — A criança engasgou, tentando afastar a espada que se pressionava em sua pele. — ... Acordei lá fora... aí achei essa casa, então eu...
— Então está perdido? — “...suspeito”. A ideia de espionagem voltava a surgir.
— Não! Eu só acordei aqui sem motivos... — Preparou um espirro, no que Hans teve a piedade de afastar a arma antes de degolar por acidente o mísero desgraçado.
Alguma coisa não fazia sentido e tinha a ver com aquele espirro. E aquela aparência. O rosto era familiar demais.
— Uhum. Não tenho dúvidas agora. Te largaram para morrer mesmo, garoto. — O menino fitou-o, intrigado. — Mas num lugar como esse e com essas roupas... É coisa do capeta mesmo. Uma criança normal nesta floresta morreria em minutos. Você só tá resfriado. Se é que isso é um resfriado. — Soltou um riso abafado. — Mas que desgraça.
— O que está dizendo? — O menino enfureceu-se. — Fala de novo que eu sou do capeta, seu velho biruta...!
— Que audácia! — interrompeu alto. — Então do que quer que eu te chame, senhor da neve?
No mesmo instante, o cãozinho se silenciou.
— Ah, você não tem nome? Então a dúvida é maior do que a audácia.
Poderia rir dele novamente, mas a brincadeira não fazia mais sentido diante da tristeza do menino. Ele parecia ter mais perguntas do que respostas.
— Ei, chorão. Escuta, ficar retrucando não vai salvar sua vida, nem tirar a minha. Acho melhor você me obedecer, senão eu te jogo lá fora de novo, dessa vez pelado. E vamos ver quantas noites dura.
— Tá legal. — O jovem respondeu, sem opções. Instintivamente, o lobo riu baixo, coçando-lhe a cabeça como se aquele nanico desconhecido fosse algo parecido com um aprendiz.
— Gostei de você, brabo feito o frio. Trate de me chamar de Hans, e talvez eu até pense em te chamar carinhosamente de Castiel.
E assim fez-se a união dos dois. O lobo o lembrava constantemente que devia lutar para viver e o garoto nunca esquecia. Talvez nunca se passasse naquela cabecinha que essa frase resumiria sua vida.
Podia viver no meio do mato, mas o mundo afora não era estranho a Castiel. Hans costumava contar coisas xiaghas para ele enquanto trabalhavam, enchendo a cabeça de beldades que não faziam sentido, não pra ele. Contava só porque gostava de recordar das coisas boas, embora não recomendasse Xiaghe nem a seu pior inimigo.
As coisas que Castiel sabia o nome e nunca vira na vida se equiparavam ao número de folhas de todas as árvores da floresta. Portanto, gostava de inventar as aparências por si só, como o dinheiro, que imaginava como várias medalhinhas com números e tamanhos crescentes de acordo com o valor.
Não entendia como as pessoas conseguiriam carregar tanto dinheiro se seriam necessárias muitas medalhinhas para fazer só dez vizes. Nem dinheiro tinha e nem sabia para que servia já que viviam de trocas.
Hans usava seus dotes selvagens doando caça ao bode que os fornecia materiais como roupas de pele, flechas e peças de armadilhas — inclusive sua reserva de comida, até porque não sabiam cozinhar nada além de café.
Sabia pouco do bode. Dizia-se carpinteiro ou ferreiro que servira para a nobreza, então sabia fazer armas leves e entendia de maquinações. Tinha uma esposa, uma ovelha não muito simpática que costurava e cozinhava muito bem.
Já jantaram lá algumas vezes, embora Castiel não curtisse a longa caminhada e convivesse constantemente com a relutância. Certamente, se soubesse se virar, não faria questão de estar com aquelas pessoas.
Tentava trocar palavras com a mulher, mas ela falava pouco e dava muitas ordens inúteis, como o modo como Castiel deveria jogar farinha no prato. Era chata e sentia que não podia confiar muito nela.
Bem, não que sua confiança valesse de algo, já que era Hans que decidia o que era melhor. Pelo menos assim poderia pensar na própria fuça e fabricar um modo de se defender dela caso o atacasse.
Também tinha uma menina que andava pelas frestas como um roedor. Era pequena, de pele e cabelos brancos como a neve. Várias vezes achara que era coisa da sua cabeça, uma assombração, mas depois Hans lhe contou do que se tratava.
A acharam no meio do mato recém nascida, a anfitriã não gostava muito dela porque, segundo o lobo, “já não queria a própria filha amaldiçoada, quem diria uma pior, e ainda por cima, mais uma boca a alimentar”.
Concluiu que a ovelha odiava crianças e que com certeza deixara muito mais para trás do que apenas a vida como plebeia.
Certa vez, ele e a jovem acabaram por dividir o mesmo cômodo por acidente. Hans estava no quintal fumando com o velho enquanto a ovelha fazia nada em algum outro lugar da cabana.
A menina separava pele e carne da grande criatura que trouxeram hoje. Não tinha muito o que fazer na casa, então ficara ali sentado num toco observando-a trabalhar.
Parecia maligno como suas mãos níveas se tingiam de vermelho quando ela obrigava-se a revirar as entranhas para um corte mais preciso. Dava para ver que não gostava de fazer aquilo, mas fechava a cara e agia com brutalidade e rapidez.
— Tá olhando o quê? — Ela perguntou, ríspida, e Castiel jogou o rosto pro lado. Não entendia por que mulheres eram sempre tão grossas.
— Não tem mais nada pra olhar aqui — respondeu a ela.
— Por que não me ajuda, então? — Castiel não queria pensar no quão sua ordem era revoltante, pois sabia que o trabalho era cansativo e nojento demais para uma pessoa tão pequena. — Ali, preciso que separe todos esses músculos em filés. Corte no sentido das fibras. Assim termino mais rápido e podemos conversar.
Era assim que fazia para falar com uma garota? Nunca mais tentaria se toda vez requeressem um serviço chato. Pelo menos valia a pena, também não tinha com quem falar quando Hans sumia.
— Você caça com ele ou fica em casa olhando as chaleiras? — Ela perguntou, curiosa.
— Em casa.
— Ah, entendi porque é calado. E o que você faz além de comer na mesa? — falava como se o ato fosse algo valioso, e devia ser mesmo.
Ela nunca comia junto deles, ficava com os restos da panela, aquelas tripas que ninguém queria, e sempre levava para um canto distante para que as raspadas no metal não incomodassem.
Depois, ia lá fora meter a mão na neve para limpar o caldeirão enquanto a ovelha fazia mais nada junto deles. Várias vezes teve vontade de ir comer com ela.
— Derrubo árvores — respondeu, apenas.
— Ah, então as lenhas são trabalho seu? O bode sempre diz que estão bem cortadas, que Hans te ensinou bem. Você sempre acerta nas melhores árvores.
— Obrigado, eu acho.
— Você acha? Isso é ótimo, ora. Se eu soubesse derrubar árvores... — jogou os olhos pro canto, provavelmente imaginando coisas. — Bom, você não fala muito.
Não mesmo. Gostava do trabalho manual e cortar filés era mais prazeroso que separar tocos. Deveria pedir a Hans para ensiná-lo a matar de verdade, não só a assisti-lo e depois carregar cadáveres pesados.
— Há algo que goste de fazer? — A menina continuou.
— Sei lá. Eu vejo as estrelas de noite.
— O que são estrelas?
Olhou-a sorrindo. Ela só podia estar de brincadeira. Se viu enganado ao topar com a ingenuidade de seus olhos.
— São... er, pontinhos brilhantes no céu. Aqui é mais aberto, então deve dar pra ver muitas. Tente observar quando todos dormirem.
— Ah, sim, sei. Gosto de ver também, às vezes queria juntar um monte num pote. E sair pelo escuro, sozinha, coberta com as peles que corto. Um potinho de estrelas, já pensou?
Olhando melhor, tinham olhos iguais. Tão azuis que quase brancos, mas os dela sempre estavam tristes. Devia ser bonita quando sorria, mas mesmo quando ela tentava, se desfazia no mesmo semblante vazio.
— Obrigada. — Ela sussurrou como se lesse sua mente. Levantou e levou a vasilha na qual Castiel deixava os filés, nem reparou que havia acabado. Depois, voltou e juntou as peles ensanguentadas numa espécie de peneira e levou lá pra fora.
— Beatriz. — O grito veio ríspido. A ovelha de voz feia a esperava na porta, para então agarrar sua orelha e a levar pra cozinha. A garota não reagiu à dor, embora Castiel houvesse reparado que o interior de suas orelhas caninas era cheio de feridas e manchas.
Inclinou-se para ouvir o que acontecia. A chata dizia que os filés estavam mal cortados e por isso iriam ficar com gosto de merda. A empurrou, xingando-a: cadela de vala, vadia, puta, escrota, inútil.
E ergueu a mão para descer-lhe o tapa, mas de repente Castiel estava segurando seu punho. Beatriz podia ser mesmo tudo aquilo, tanto fazia, não sabia o que nada significava mesmo.
Só sabia que inútil ela não era. Não entendeu como de repente estava se intrometendo tanto, mas guardou bem o rosto insolente da ovelha e o jeito que sua boca retorcia em desprezo. Se pegou desejando quebrar seus dentes.
— Me solte, idiota. — Talvez estivesse com medo de gritar com ele porque Castiel dava dois dela, embora sua expressão continuasse enojada.
— Castiel. — O grave de Hans reverberou.
— Não foi ela que cortou os filés. Fui eu. Se tiver que punir alguém, faça comigo.
— Você educa seu menino pra falar tolices? — A ovelha sacudiu o braço para se soltar, então cuspiu em Beatriz, sujando ainda mais seus trapos. — Vá lavar as peles.
— Ninguém te chamou na conversa, moleque. Não se intrometa. — O lobo disse. Não podia descrever o quanto ficara bravo em ouvir aquilo, mas deu-lhe o silêncio em respeito unicamente à imagem que tinha dele.
— Come da nossa comida e se acha no direito de me desrespeitar? — A chata continuava a tagarelar.
— Não irá se repetir. Vá pra casa, Castiel.
— Não sei voltar sozinho. — Nunca se orgulhara tanto da própria lerdeza.
— Então espere lá fora.
Castiel saiu do casebre, inconformado e injustiçado. Não estava nem aí com a própria mágoa, mas sabe-se lá o que a ovelha faria à menina mais tarde quando não estivesse ali para defendê-la.
Sentiu vontade de chorar. Secou as lágrimas fazendo delas duas pedrinhas de gelo. Sentiu-se na obrigação de se desculpar quando, nos fundos, encontrou a jovem.
As peles do bicho estripado estavam estiradas e ela as limpava jogando neve e esfregando uma pedra. Assim, tirava o máximo de carne e sangue, deixando só uma camada fina do couro que segurava os pelos quentes.
Ela também não parecia sentir dor ao enfiar as mãos no gelo — devia ter razão quando achava que essa parte era frescura de Hans.
— Obrigada. — Ela disse primeiro, mostrando um princípio do princípio de um sorriso.
— É injusto. — Abaixou-se para ajudá-la de novo. — Não foi sua culpa.
— Pensando bem, você fala até demais.
Conversaram mais um pouco. Ela explicava-lhe como faziam-se as roupas e perguntava de qual bicho viera aquela pele, e a anterior, e a que compunha o colete que ele usava, sempre curiosa.
Por mais que achasse cansativo abrir a boca, apreciava contar aquelas coisas pra ela, assim como gostara de explicar o que eram estrelas. Às vezes ela se perdia na quantidade de palavras e Castiel se distraía olhando o modo como ela trabalhava.
Beatriz tinha braços muito magros, pelos buracos da blusa podia ver seu peito repleto de costelas — a carregaria com facilidade se decidisse sequestrá-la, mas não podia.
Por pior que fosse, ela dependia daquela vida e Hans dependia da ovelha e do bode para sobreviver, logo, não tinha pra onde ir. A menos que saísse da floresta.
Sempre passava por uma trilha de cascalhos quando ia buscar lenha e sua curiosidade de segui-la para ver onde dava o cutucava toda vez que o fazia. Era incerto e perigoso. Não podia dizer que não custaria nada tentar; podia custar sua vida.
— Psiu — tentou chamá-la sem sucesso. Beatriz estava bem concentrada no que falava: que deve-se cozinhar a carne antes de fritar porque ficava com um sabor ótimo. Ouvia o que ela dizia sem deixar de ouvir a si mesmo.
Era muito grato a Hans, mas queria viver por si mesmo só pelo simples fato de poder livrar a garota. Acabara de conhecê-la e não sentia nada por ela senão compaixão e pena. Era triste que vivesse assim.
O vozeirão do lobo o chamou e a jovem desanimou. Mesmo assim, ela se despediu com doçura e disse que esperava vê-lo de novo. Castiel beijou sua testa, como Hans fazia com ele quando achava que já dormia.
— Quando eu for embora, te levarei comigo. — sussurrou antes de ir. Para onde? Quando? Não fazia ideia. Já que não podia quebrar a ovelha ao meio, podia ao menos pensar nisso, mas sentia-se perdido. Não soube por que disse.
E foi, dedicando um último olhar a ela, que parecia abismada com o que seus ouvidos escutaram. Castiel revisitava a visão quando se aborrecia com a quantidade de sermões que o lobo reclamava no caminho.
— Não quero que faça loucuras, moleque. Aquela mulher é o nosso sustento. — Ele queria dizer que não, que era a menina que sabia fazer tudo sozinha, mas estava ocupado demais conversando consigo mesmo e ignorando-o. — No que estava pensando? Ah, o que você fez era certo, mas aquilo podia valer as barrigas de todos nós. A mataria se ela batesse em você também, por acaso? Você não pode machucar todo mundo que vê só porque é ruim. Assim você se torna ruim também. E trate de decorar o caminho, bocó. Não preciso dizer que a vagabunda da Sonya não gostou de ver você falando com a garota de novo...
— Hans, como é o mundo lá fora? — Tentava marcar o caminho pelo odor.
— Hã? Você não ouviu bulhufas do que eu disse? Não sou a merda de uma enciclopédia pra você ficar...
— Digo, por que você nunca voltou pra lá? Ou procurou outro lugar? Por que ainda moramos aqui, passando frio e dependendo de gente como a ovelha?
Ele pensou um pouco, claramente intrigado.
— O mundo é injusto e cruel — respondeu, apenas.
— Sonya também.
— E quem liga? Pelo menos ela não quer nos matar, estamos bem aqui. Lá fora é cheio de inimigos, Castiel. Ninguém é confiável, vão te roubar e tirar tudo de você se vacilar por um minuto, e você já é vacilão só por me perguntar toda vez a mesma coisa. Você não sabe o que tem lá.
— Eu posso aprender...
— Não, não pode. O mundo não é aprendível.
O cão grunhiu, apressando o passo.
— Fala isso porque tem medo.
— Sim, eu tenho. E aí? Todo mundo lá fora pagaria mil milhares pela minha cabeça, independente do lugar que eu estiver. Pra que sair se de qualquer jeito precisarei estar nas sombras?
Não tinha resposta praquilo. O velho estava sendo egoísta, sabia que dizer isso significava um cascudo. A cabeça de Hans valia, mas a dele não, nem a de Beatriz. Podiam ser felizes até comendo grama, qualquer coisa era melhor que um monte de neve e madeira úmida.
— Não posso colocar a sua vida em risco, garoto. Só de estar comigo, você vale outros quinhentos.
Hans o proibira de fazer sons altos, mas como era uma das coisas que o velho não explicava, não havia muito motivo para respeitar a lei agora:
— E eu lá ligo pra quanto eu valho?! — gritou. Já estava cansado de perguntas sem resposta, que ele o fizesse calar a boca agora se conseguisse. — Não sei nem quanto custa mil milhares, droga. Que diferença faz se vão pagar caro pela minha vida se tudo que vivi foi um nada no meio do mato? Você sempre diz que devo tentar antes de desistir, mas você mesmo já desistiu antes de tentar. Não quero morrer do mesmo jeito que acordei, no frio e sozinho. Eu não quero ser só isso.
— Vá lá ficar famoso, ora essa. — retrucou o velho. — Vá lá pra morrer, se quiser tentar a sorte. Há corvos em poleiros cercando este lugar, não tem como sair sem ser visto. Vão arrancar de você muito mais que suas tripas, e graças ao seu egoísmo, vai matar todos nós. Quando digo mil milhares pela minha cabeça, não estou falando de dinheiro, é de informação. Tenho uma coisa que custa muito mais que dinheiro.
— Se vale tanto, por que você se esconde? Você é que devia ir ficar famoso em vez de mim.
O lobo franziu o cenho. A idiotice irritava, ainda mais quando fazia sentido.
— Famoso por ter morrido em vão. — Hans retrucou.
— Você também vai morrer em vão se morrer aqui.
Odiava quando ele tinha razão. Aquele monte de miolos nunca iria entender do que se tratava “arrancar bem mais do que tripas”. E quem era pra julgá-lo? Hans não entendia mesmo a esperança.