Asas ao Vento Brasileira

Autor(a): Akarui K.


Volume 1

Capítulo 2: O forno

— Não pode ser possível...

Carmela sibilava como se seus olhos estivessem mentindo. Caso nevasse, poderiam dizer que presenciaram uma brutal coincidência, no entanto, o sol estava sorrindo em outra aparição convenientemente rara.

O rasgo era tão grande que foi como se deus houvesse dobrado o pinheiro com as mãos em chamas. E o estrago foi feito por uma criança. Uma pirralha que quase não alcançava a maçaneta. A ursa imaginava como Lucian devia estar se sentindo. 

— Odeio ter que falar como minha irmã, mas o que raios andou ensinando a ela?

A irmã de Carmela era Marieta, conhecida como Fera por motivos óbvios. A ursa odiava Lucian, consequentemente odiava Bruna por odiar os meninos que a provocavam. 

A garota se sentia seguida, observada de longe pelo fantasma dela. Ficar perto de Lucian era a única coisa que a afastava. 

Marieta devia ter algo contra a raposa e pensar nisso era sabotador, porque a única vez que o assunto foi tocado, seu pai dissera que era maluquice.

Não havia muitas coisas que comprovassem a tese. Essa mulher cuidava dos garotos e o próprio inferno que eles faziam implicava em sua ira constante, o que desbancava a suspeita. 

Mesmo assim, a raposa achava que a perseguição se devia por ser a única criança que não era supervisionada por ninguém. Qualquer outro motivo parecia uma cisma inútil da mulher-monstrengo caçando problemas.

Esse era o questionamento presente até o ponto em que entenderia, de fato, a razão. E diferente de todos, ela surgiu cedo demais.

Eu juro. — Lucian se explicava. — Não ensinei nada além de como dar uma machadada.

— Bruna, como você fez isso? — Alva iniciou seu questionário com indignação pela primeira vez. 

Seu olhar irado lembrava-lhe Fera e pensar nela era pensar em apanhar. Achava que não tinha feito nada de errado, mas ninguém via do mesmo modo e não tinha qualquer amparo nisso. Pôde até ver alguns fugindo como se Bruna fosse um monstro. 

O desespero a dominou quando reparou que sequer sabia explicar o que aconteceu. Mantinha a cabeça baixa na esperança de que isso fizesse a velha desistir da pergunta — o que só a fez gritar novamente exigindo sua resposta.

— N-não sei… Eu só fiz o que meu pai mandou...

 — E o que ele te mandou?

— Acertar a árvore com o machado, eu só fiz isso! Não é assim que se derruba uma árvore?

Não, Bruna! — gritou novamente. — O que você fez foi quase impossível!

A raposinha afundou o rosto no próprio colo, apertando a barra da camiseta e se segurando para não acabar aquela conversa com lágrimas.

A explosão da árvore a colocou para questionar se era mesmo uma garota estranha. Não parecia ser só coincidência que todo mundo a tratasse diferente. 

Não achava que a aleatoriedade do destino permitiria que alguém fosse tão azarado de forma excepcional, porque não tinha muitos motivos para ser odiada a menos que inventassem isso. 

Agora o motivo parecia tão demoníaco como ela mesma. Será que sempre teve aquela capacidade ou tudo fora mesmo apenas uma azarada coincidência? O que se tornaria depois daquilo?

Saltou da cadeira e fugiu numa corrida desesperada, passando o braço nos olhos. Alva, incapaz de reagir adequadamente, jurou a si mesma ter visto apenas vapor em vez de lágrimas. A estranheza daquela garota não iria ser explicada tão cedo e, portanto, desistiu de arrancar algo dela.

— ... Não sabe nem explicar como isso aconteceu — dizia a todos, recebendo uma chuva de olhares negacionistas. — não devemos culpá-la.

— Beleza, não devemos culpá-la... — A Fera ironizava. — Vai defender aquela monstrinha de novo?

Monstrinha? — Lucian se ergueu, irado, ao que Alva reagiu.

— Se acalmem! — A velha encarou a Fera franzindo a testa. — Bruna não é um monstro, porque não foi culpa dela. Ela não queria destruir a droga da árvore, foi um acident…

— Mas destruiu, ora essa! — A ursa feroz retrucou. — Quem garante que não o fará com pessoas?

— Você dobra essa língua pra falar dela! — Lucian grunhiu, apontando-lhe o dedo. — Ela não é idiota como você!

— Um assassino defendendo o outro. E como se já não bastasse, ela ainda mente igual o pai! Eu sabia que ela tinha algo maligno. Vocês se recusam a ver que aquela raposa é mais que um problema? Desde que chegou, ela…

Lucian avançou empunhando uma das agulhas de tricô presentes na sala da Alva, indo na direção da ursa. Foi parado por Giovanna, uma serpente com o dobro de sua altura, que certamente sabia que Marieta o partiria ao meio se ele ousasse tocá-la.

— Problemática é você, cala essa boc…! — Lucian chiou, sem chances de continuar. Os braços fortes que o seguravam quase ordenaram se calar. Marieta debochou do homem e seu tamanho limitado.

— Humpf. Nunca gostei da ideia daquela menina vir pra cá e aquela história de copa de árvore... Deveríamos ter nos livrado dela enquanto era tempo. — Fitou Lucian pelo canto do olho. — Sabia que devia ter seguido meu instinto…

Se afastando da porta, Bruna quis poupar seus ouvidos de tamanha barbárie. Recuou em passos silenciosos e disparou quando se viu longe o bastante. 

Era melhor que não a notassem, para que não precisassem fingir que não disseram nada. "É melhor que não me vejam, pra que não precisem fingir que não sou um monstro." Cerrou a mandíbula e fez de tudo para não lacrimejar. 

Não buscaria amparo em nenhum travesseiro, ninguém poderia presumir seu drama e, se ninguém iria apoiá-la, não havia porque mostrar que chorou. 

Até seu pai parecia desacreditar no que seus olhos viram, ele estava lá duvidando da realidade junto deles. Por um momento, desejou uma coragem exorbitante para ser capaz de entrar e dizer que era tudo verdade, mas o sentimento morreu de acordo com a irrelevância de suas palavras diante do ocorrido. 

Estava óbvio que ninguém queria nem iria acreditar. Ninguém defenderia a criança feiosa e comprovadamente bizarra que Bruna era, e isso que doía mais que qualquer forma de solidão que enfrentara em sua vida.

Limpou o rosto quando parou diante da porta do porão, o local que evitava proximidade por temê-lo. Mas naquele momento, tudo lhe causava medo, não mais apenas aquele canto seria o motivo de seus pesadelos. 

O alçapão estava aberto, ela desceu sem hesitar. Lembrar dos boatos que diziam que ali vivia um monstro parecia amigável agora, afinal ela era um também. Dentro estava um calor infernal, insuportável, facilmente ignorável em comparação à sua ira. 

Descia aos saltos a grande escada, já que a altura de cada degrau era a mesma de uma cadeira. Quanto mais adentrava, mais se sentia próxima do inferno, tão quente que fazia suas lágrimas virarem vapor.

Nunca vira uma máquina como aquela: parecia cuspir suas brasas pela portinhola como um dragão a rugir por comida, porém seu atordoamento pessoal a impedia de se fascinar com aquilo. 

Fitando-a sem medo, agachou-se ao lado do monstro de metal sem medir o risco — convencia a si mesma que aquela coisa sequer era capaz de lhe tirar suor e, portanto, não lhe feriria. 

Afinal, preferia mil vezes aquele lugar às árvores lá fora. A neve nunca lhe foi convidativa, menos ainda acolhedora. O único fervor realmente incômodo era o da própria cabeça, o cenho tão franzido que doía na tentativa de impedir as próprias lágrimas de caírem.

Sabia que não poderia ficar ali pra sempre. Uma hora o monstro real viria buscá-la ou lhe fazer companhia — e a isso, não dava real importância. Que a queimasse, devorasse ou qualquer coisa que monstros fizessem, não merecia estar em lugar nenhum; na verdade, achava capaz que ele a expulsasse de lá também. 

Mas isso revelou-se mais cedo do que pensava, num susto urgente que assassinou seu tempo de reação.

Você está maluca?! — Suas miseráveis emoções foram incapazes diante da força colossal que a arrancou dali. Sentiu a própria voz se espremer para fora num grito seco, ao que o monstro a erguia do chão, de forma tão voraz como se a lançasse para cima.

Sua pele era uma couraça que mais lembrava pedra esculpida; seu rosto, repleto de cicatrizes que entornavam os dois chifres dianteiros; seus antebraços, marcados por queimaduras e carimbos de bolhas — além de que era enorme, bem maior e mais medonho que Fera, como jamais pensara ser possível. 

Soube na hora que não sairia dali com a reles cócega de um tapa no lombo, até podia imaginar seu mísero crânio explodindo entre dois dedos daquele colosso. 

Era seu fim. Não havia nada que pudesse fazer para sobreviver e o choque da morte consumia seu corpo aos poucos.

Contudo, no que o pavor se explicava, encontrou algo que a fez questionar se tudo era mesmo tão cruel. Duas estrelas lampejavam através das masmorras de carne do monstro: seus olhos, duas grandes bolas de gude brilhando em vermelho. 

Então ele estava vivo. 

Então podia morrer.

Bruna sacudiu o braço inutilmente, numa chula tentativa de se soltar. Por um milagre ou simples zombaria, o titã recuou no gesto como se tocasse em ferro quente. 

Bruna conquistou sua liberdade, pondo-se a correr o mais rápido que seus joelhos frágeis permitiam. Mesmo assim, não obteve sucesso na fuga: foi novamente erguida pela gola da camisola até diante do grande nariz cinzento. 

O sopro quente que saía dali se equiparava a uma privada suja, e então notou que ele abria a boca. Pensou que ele fosse mordê-la quando um estrondo saiu em forma de voz: — Quem raios é você, demônio?

Bruna grunhia tentando chutá-lo, mas suas pernas eram curtas demais para alcançar sua fuça, quanto mais seu peito.

— Eu não gosto de crianças mal-criadas, mas vou te dar uma última chanc…

Chance essa desperdiçada de forma tosca com seu berro:

— Mal-criada?! 

Ela tentou abocanhá-lo para, em tese, estraçalhar seu braço, porém a única coisa que se feriu foi a própria mandíbula, estalando com o esforço. Ele a afastou como uma mosca e pôs a garotinha rebelde diante de si mais uma vez, em pleno ar. 

Foi então que Bruna sentiu escapar o que trazia na mão: o objeto ricocheteou no chão e rolou para longe, desaparecendo no escuro. Outro ganido deixou sua garganta.

— Mas que droga, sua… — O grandalhão ia dizer, ao que foi interrompido:

— Me larga, seu…! Seu…! Seu merda!

Pensou tê-lo visto sorrir logo antes de se perceber caindo. O chão quase a quebrou quando aterrissou e, dificultosamente, se recompôs.

Ainda estava de pé, porém nem de longe com a mesma força. Em desespero, tentou ir em busca do item, sendo impedida pelo monstro, que novamente apertava seu braço como um pequeno galho ressecado, quase a ponto de quebrar. 

Foi então que uma voz familiar ecoou em todos os lugares:

— Deixa ela em paz, Juan. — E assim se fez. O tal Juan libertou a criança e toda a ira de Bruna sumiu quando viu os olhos de Lucian mirando-a como uma forte presença benévola. 

Sem esperar um minuto a mais, usou o resquício de suas forças para escalar os degraus até, enfim, poder abraçá-lo.

— Esse não é o único lugar vazio pra choramingar! — O titã reclamou antes de expulsá-los com um gesto da mão.

Lucian esgueirou o olhar para ela por um instante. A pobrezinha aterrava o rosto em seu casaco, apertando-a para nunca mais soltar. 

Curiosamente, ele sentiu as costas quentes, mesmo ausente a umidade ali: vapor escapava de seu rostinho desesperado, se esvaecendo em sutis rodopios no clima frio.

Seu pai arrastou-a sem pena para longe o mais rápido que podia, já que ela quase não podia andar e Lucian enfrentara titãs demais por hoje. 

A brutalidade era o único indício de sua ira e, por um momento, Bruna teve mais medo dele do que do monstro.

— Ouvi direito ou estava choramingando? — Ele disse logo quando se viu a uma boa distância do porão.

— Quem era aquele gigante? — murmurou ela na tentativa de escapar.

— Não mude de assunto. Diga logo e pare de ser uma…

— Ser o quê? — Ela cuspiu, largando sua mão com violência. Suas lágrimas voltaram a subir ao ar em excessos de fumaça limpa. — Um monstro? Um demônio? Um peso-morto?! Para de fingir que não sou tudo isso e me trate como a aberração que sou! Para de fingir, inferno!

A desordem da menina se transferiu a ele, que, em choque, perdeu as palavras. Incapaz de se mover e de impedi-la a fazê-lo, escutou o grande alçapão do porão ranger em abertura. 

Aterrorizado com a ideia de que o rinoceronte seria capaz de surrá-la caso a visse ali de novo, a perseguiu, mas sua hipótese se revelou errada quando, de tão monstruoso, Juan sequer conseguia alcançá-la.

Ela o driblava como um passarinho, seu pequeno tamanho contribuindo pro próximo furacão que aquela mansão iria se tornar. 

— Bruna, já chega! — Lucian tentou gritar, sendo ignorado por completo diante da obstinação da menina em revirar o porão. 

— Achei! — Ela, enfim, gritou ao mirar algo dentre as sombras e frestas do forno. Passou deslizando entre as pernas do gigante, correndo pro ponto que olhava, desconsiderando o insuportável e evidente calor.

— Ei, não chega perto daí, sua pirralha! — Juan mirou no único ponto que a impediria, para dar fim àquele rebuliço: a puxou pela gola, arrancando-a do chão e fazendo-a perder novamente a guarda do objeto, que traçou uma rota direta para o fundo do forno. 

Lucian viu os olhos dela lacrimejarem, vermelhos como sangue refletidos pelo brilho das chamas, implorando para que aquele não fosse o destino final do pequeno cubo. 

Não soube o que pensar quando a árvore desabara, muito menos quando viu a ira dissolver aquelas lágrimas em fumaça. Viu-a atirar-se na direção do forno, numa tola tentativa de encontrar um pedaço de madeira dentre as cinzas da própria, sem pensar que aquilo seria o fim dos seus poucos anos de existência. 

Via tudo bem devagar: os fios da blusa se rompendo em cadeia, a aterrissagem perfeita no chão e a aceleração contínua dos passos, seus cabelos desgrenhados ardendo em brasas que ficavam para trás, incapazes de acompanhar a voracidade da raposa flamejante. 

Os farrapos da camiseta se prenderam aos fechos da portinhola, puxando-a para um estrondoso baque e trancando a menina junto com o que explodiu a árvore e agora derreteria sua carne. 

As chamas gritaram dentre as frestas, brasas se cuspiam pra fora como vapor e o fogo  tentava escapar de sua prisão. 

Ou talvez não fosse o fogo.

Antes que pudessem perguntar o motivo de suas lágrimas, se trancou no quarto sem dizer uma palavra. 

Mesmo que ainda houvesse, por um mísero momento, uma chance de tê-la tirado de lá, perderia seus braços e Bruna não resistiria às queimaduras ou à própria pele desprendendo dos ossos. Ela jamais recuperaria o cubo, pois se perdera com ele e com ele virou cinzas.

Lucian não se lembrava de nada além daquela pancada de ferro, que rebatia de novo e de novo, um gongo marcando seu sofrimento. 

Os gritos só chegaram à sua mente agora, indo e voltando na menor tentativa de pregar os olhos; sua voz, mais estridente do que nunca, pedindo socorro a um pai que não podia salvá-la. 

Como quando implorara para que fosse um sonho, implorou para que fosse um pesadelo. As crianças que espiaram a conversa de Alva tomaram o fato apenas como “notícia”: a critério de corações cruéis, poderia ser dada como boa. E o que diriam seria irrelevante, pois o fogo novamente tirou de Lucian sua família.

Poderiam ter passado dias não percebidos, a eternidade dos segundos, mas em algum momento ele forçou-se a levantar. 

Com uma bolsa pendurada no machado sobre o ombro, Lucian andou pelos corredores com o pior que seus olhos podiam mostrar: frieza. 

Seus passos pesavam como bigornas, não lhe restava qualquer vitalidade para caminhar convencionalmente. Carmela parecia saber que iria embora porque o esperava na porta dos fundos. 

A ursa menor olhava a árvore rasgada quando ele apareceu. Ela  voltou-se a ele num susto silencioso. Rodeada de tamanha tristeza, ainda assim ela conseguiu murmurar:

— Não vá, Lucian.

Era a pior coisa que podia dizer.

Um denso suspiro deixou seu peito. Queria pedir para que ela ficasse tranquila, pois não pretendia tornar a mergulhar no sangue da batalha nem desperdiçar a tranquilidade que aquela estranha mansão no meio do nada lhe trouxe. 

Era mesmo uma pena que tal tranquilidade não existisse mais. Também poderia ter desabafado uma resenha sobre isso, se lhe restasse alguma vontade de contar sua história ao mundo.

— Apenas irei buscar flores pro velório. Se é que se importam o bastante para fazer um.

Como não a olhava, apenas voltou a andar, ignorando qualquer feição de culpa da ursa.

— Me deixe ir com você. — Ela suplicou antes de perder o alcance dele. O pedido não fazia sentido e agora não dava pra fingir que gostava de Carmela. 

Assim como sua irmã, a ursa menor sempre teve pressentimentos ruins sobre Bruna. Nunca confiou na menina, menos ainda em Lucian, e agora forjava sua compaixão na base da piedade. 

Podia tê-la xingado, a ela e a seu amor genérico que faltou apenas a sua menina. Poderia tê-la xingado de tudo. 

— Por quê? — Mas Lucian encontrou apenas isso como resposta.

— Porque a solidão corrói. E sei que dessa vez vai ser pra valer.

Ele baixou o rosto, refletindo. Por um momento, ponderou a razão das crianças gostarem tanto dela.

— Deveria ter pensado nisso quando a excluiu de todos — dizia, esperando que doesse nela tanto quanto doía nele. — Ela só queria ser aceita, ser normal, e ninguém estava nem aí pra isso. Dá pra saber quando alguém ouve uma conversa, afinal.

— Não vou dizer que gostava dela, mas também não direi que não tentei. Ela me julgou antes que pudesse alcançá-la, tudo porque minha irmã...

— Ela era uma criança. Parte disso foi culpa sua também, Carmela, foi mal por dizer assim. — Regulou a rispidez com outro suspiro. — Sinto que... Se houvesse mais alguém pra apoiá-la, esse fim não existiria. Ela foi atrás de um pedaço de madeira por minha causa, e morreu porque me queria feliz. O único objetivo dela era que eu a aceitasse. Todo mundo é culpado, afinal.

Sobre aquilo, nada havia a dizer. Carmela não podia discordar, Bruna nunca foi uma de suas tantas filhas adotivas e nunca deixou de notá-la espiando de longe o modo como as garotas se enfileiravam educadamente para receber o almoço.

Realmente, parte da culpa era sua. Poderia ter dado um outro travesseiro a ela quando tivera tantas oportunidades. Agora era tarde demais. Só lhe restava aceitar o desastre. 

A ursa não sabia o motivo de, neste momento, desejar tanto que ele olhasse para trás — Lucian sempre a detestou por conta de Marieta e nunca tiveram a ousadia de conversar civilizadamente. No entanto, apesar das palavras secas, ele nunca lhe soou tão pacífico. 

Deixou-o livre para escolher. Permaneceu parada, assistindo-o se afastar em seu ritmo calmo e não demorou muito para que sua formosa silhueta desaparecesse dentre a escuridão noturna. 

Não havia salvação nem mesmo para um símbolo de resistência como ele. Iria rezar para que não doesse tanto quando a decisão viesse.



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