As Castas de Kodekalain Brasileira

Autor(a): Andre Ludwing


Volume 1

Capítulo 7: O Majestoso Império de Tabélia

Priya mantinha o olhar desfocado, pois toda a sua atenção estava voltada para dentro de si.

Uma sensação perturbadora a acompanhava desde que ela deixou Kodekalain. Vomitou várias vezes, até que uma hora não havia mais nada para colocar para fora. 

Um ranger de rodas soou quando o vagão em que estava passou por um rochedo. Só então ela acordou do transe.

Piscou os olhos e olhou em volta. Seu vagão andava enfileirado numa fila com vários outros. Todos abarrotados de demonianos rubis e obsidianos. 

Ela era um pontinho azul naquele mar vermelho e cinza. 

Mordeu os lábios para conter uma vontade súbita de chorar. Não conseguia compreender o que fazia ali. Não pertencia àquele lugar. Era tudo tão injusto…

Um mulher rubi se aproximou. Priya escondeu o rosto com o capuz do manto. 

Eu sou uma princesa… eu deveria estar na corte.

A mulher rubi levantou manga que cobria a mão de Priya e seus olhos amarelados se arreganharam.

— Então você é mesmo uma safira… — disse fitando parte do rosto da princesa que se deixava ver pelo capuz.

Um contorno de raiva se desenhou em seu rosto.

— Saia de perto de mim, sua… — começou, mas antes que pudesse terminar de falar a mulher já havia se reunido aos outros rubis.

Todos tremiam. Pois, no fim das contas, aprenderam a sentir medos dos do tipo dela. 

Olhou para o horizonte, desolada, onde sumia a extensa planície de grama verde. Poucas árvores espalhadas haviam para dar variedade a paisagem. A brisa fresca soprava em seu rosto.

Como amava essa visão. Mas agora, era incapaz de apreciá-la. Foi nesse ponto que Priya teve uma súbita realização. 

Todos aqui devem estar se sentindo como eu. Todos angustiados, frustrados e com medo. Incapazes de apreciar uma vista como essa.

Lágrimas escorreram por suas bochechas de modo incessante. Enxugava-as com a manga do manto. Soluçava e gemia. Virou-se para as grades e pendurou os pés para fora. Então começou a bater sua cabeça contra a grade de novo e de novo. Tentava ativar seus poderes, mas não importava o quanto tentava, eles não vinham.

— QUE DROGA!! 

Seu capuz caiu para trás, lhe expondo. Batia os chifres contra as barras. 

— SEUS MERDAS! EU VOU MATAR TODOS VOCÊS!!

Os cavaleiros do lado de fora gargalharam. A maioria eram rubis. Aquilo era como um espetáculo de comédia para eles.

Um humano cavalgou para próximo de seu vagão e bateu forte com o punho da espada em sua cabeça. Ele carregava o símbolo da Irmandade do Fogo no peito e vestia uma capa vermelha.

— Silêncio, sua demônia repugnante.

Priya chacoalhou a cabeça e botou o rosto entre as grades.

— EU SOU UMA PRINCESA…

A próxima pancada fora tão forte que acabou com a discussão.

**

Noite. O vento frio fazia Priya tremer.

A baixa temperatura parecia intensificar as emoções e sensações ruins. Ela estava debaixo de uma árvore. Algemas nas mãos, presas a roda da carroça.

Ela era a única dos vagões que estava fora. Estava sob a jurisdição de um soldado da Irmandade do Fogo. Pelo visto, ela era responsabilidade dele. Se alguma coisa ocorresse a ela, iriam culpá-lo. Então ele fazia questão de deixá-la sempre por perto.

— Eu. Sou. Uma. Prin. Ce. Sa. — Ela resmungava, bem baixo, de novo e de novo.

— Você é uma escrava. — Disse o humano da Irmandade. Ele se aproximou com uma tigela do que parecia um ensopado e a estendeu na sua direção.

Ela contorceu o rosto.

Estava fazendo greve de fome, e nos primeiros dias desde quando começou a fazer isso o soldado pareceu se incomodar um pouco. Ela não fazia ideia do que ganharia fazendo aquilo. Talvez um pouco do orgulho que perdeu. Mas agora ele simplesmente jogava a tigela para longe e dizia:

— Que seja. Não quer comer, morra de fome.

Ela bateu com as algemas no chão, seu estômago doía. A greve de fome acabaria naquela noite. Não aguentava mais, esta era a única hora em que todos comiam.

** 

Mais tarde, dois soldados rubis se aproximaram.

Priya já podiam imaginar suas intenções, recuou para próximo da árvore.

Um deles começou:

— Ei amigo — se dirigia ao humano, mas olhava de soslaio para ela. — Que tal alguns ouros por…

Mas não conseguiu terminar o que ia dizer. Sua cabeça ejetou e rolou para perto de Priya que gritou quando os olhos esbulhados e sem vida dele a fitaram. O corpo dele jazeu em pé por alguns segundos, então caiu para trás com um baque.

Foi um movimento tão rápido. Tudo o que ela viu foi um reflexo do gume da espada.

— E você? — Começou o soldado da Irmandade, encarando o comparsa…

— D-d-d-desculpa… não vou mais incomodá-lo.

Com um movimento elegante, ele embainhou a espada longa de volta nas costas. Sentou-se de volta em seu lugar.

O braço de Priya resvalou na cabeça do ex-vivo. Ela fez como se fosse vomitar, mas acabou apenas tossindo, pois não havia nada para colocar pra fora. Pegou a cabeça de uma vez e a jogou longe.

Gritos de mulheres ecoavam na escuridão. E de vez em quando, outra era puxada de um vagão e levada para algum lugar escondido.

O soldado riu.

— Não deixe seus privilégios subirem a cabeça, você não é diferente delas.

**

Priya acordou exausta.

Não devia ter dormido mais que uma ou duas horas, ganhou um forte negror ao redor dos olhos. Sonhara que seu pai trazia um exército e a resgatava, no processo massacrando todos os responsáveis. Nurbolat empalado numa estaca em praça pública. 

Também havia pesadelos. Aqueles em que era uma escrava e que seu pai nunca viera resgatá-la. Seria obrigada a servir homens nojentos e apenas conheceria a dor e angústia.

Não aguentava mais.

Conforme a caravana subia a colina, uma grande muralha se revelava. Gigantes e imponentes. Projetava uma gigantesca sombra sobre as moradias que a cercavam. O símbolo amarelo do Império de Tabélia, o perfil de um leão, impresso em gigantes estandarte.

Os muros se estendiam para os dois lados, até onde a vista batia. A caravana entrou no que parecia ser a estrada principal. Larga e extremamente movimentada. Inúmeros veículos iam e vinham. Vários soldados com uniformes ornados de amarelo patrulhavam.

Meu pai planejava uma guerra contra Tabélia. Mas como? 

A capital de Kodekalain era patética comparada a grandeza da Capital do Império. Ela não conseguia entender o que seu pai planejava, mas uma guerra contra Tabélia parecia suicídio.

A caravana com inúmeros vagões atravessou o portal do gigantesco muro. As paredes grossas e maciças. Poderia algum ariete derrubar aqueles portões colossais?

A avenida principal era asfaltada com pedras de paralelepípedo. O vagão em que Priya estava desviou da rota em entrou em uma rua, ainda movimentada apesar de estreita. 

Era evidente que a rua se localizava em uma região nobre. Haviam inúmeros palacetes com ornamentos que deixariam qualquer prédio nobre de sua terra natal parecendo casa de plebeus. Eram lindos e magníficos. Priya nunca imaginara um lugar como aquele. Só conhecera Kodekalain a sua vida inteira. Aquilo era outro mundo.

Pessoas iam e vinham. E ver um rubi ou um obsidiano andando pelas ruas era comum. Obviamente, todos eles possuíam uma joia em seu peito responsável por anular seus poderes. Se não fosse por aquelas pedras, humano nenhum teria chance contra demonianos.

O vagão dobrou outra rua e… o mar surgiu. Lá em baixo, descendo a colina. Um azul límpido refletia o sol matinal, fazendo a água assumir um brilho cristalino. Priya sentiu uma lágrima escorrer sua bochecha. Era sua primeira vez vendo o mar. Se estivesse ali em outras circunstâncias… 

**

O vagão estacionou no pátio de um gigante palácio. O pátio ficava exatamente no meio da residência, era aberto ao sol. Havia um caminho que levava da rua diretamente até a ali.

— Não pode ser… os rumores eram reais! 

Priya reparou um garoto jovem de cabelos castanhos a encarando como se visse uma criatura mitológica. Ele não parava de puxar a manga de seu colega, um rapaz de cabelos loiros. Este assumia uma postura muito mais confiante do que o outro.

— Você é mesmo insuportável — começou, mas quando viu Priya, congelou. — Uma… safira?

— Mas não qualquer safira, você sabe…

— Shh… Isso não é da nossa conta!

O garoto castanho engoliu em seco.

O soldado da Irmandade do Fogo que a escoltou abriu a grade. Todos os rubis se afastaram. Ele pegou a mão de Priya e a jogou com força contra o chão. Os condutores do vagão deram meia volta e foram embora.

Uma porta dupla num dos lado do pátio foi aberta com violência. Um homem, que já havia passado de sua juventude, caminhou em direção a ela com passos firmes. Seus cabelos eram ruivos e encaracolados. Ele vestia uma armadura cerimonial de ferro com uma grande espada pendurada às suas costas.

Se colocou na frente dela, cobrindo o sol com sua forma larga. Seus olhos verdes a fitaram por um momento. Então disse a aquele que a escoltou:

— Bom trabalho, Felipe. 

— Obrigado, Senhor.

— Dispensado.

**

Ela estava no que parecia um escritório, no segundo andar. Um homem pequenino, atrás de uma mesa larga na frente de uma grande varanda pulou da cadeira com alegria e deu a volta.

— Oh! Que linda! Que perfeita! Maravilhosa! Minha vida! Quanta suculência! Oh! Céus!

Priya contorceu o rosto imediatamente.

— Enfim, aqui está sua escrava, Buttfed.

— Oh! Que maravilho negócio o que eu fiz!!

O homem ruivo revirou os olhos.

— Tire! Tire! Esse manto podre dela!

Ele avançou, a agarrando pelos ombros e cumprindo as ordens que lhe foi dada. Priya tentou lutar, mas era inútil. Nunca se sentiu tão fraca. Ficou apenas com um vestido de trapos que usava por debaixo. 

Ela foi ao chão. Fervilhava de raiva por dentro. Se tivesse seus poderes… Apertou os olhos, resignada.

— Saia daqui, Casper. Eu quero… ficar sozinho com ela.

Casper saiu. A compasso da respiração de Buttfed aumentou.

— Tantas possibilidades…

Priya levantou os olhos na direção dele.

— Você quer que eu satisfaça você? — Disse, com uma voz mansa e sedutora.

Ele se conteve, então assentiu, babava como um cachorro desesperado por um osso.

— Você quer provar minha carne? — Ela puxou a alça do vestido, deixando seu ombro desnudo.

— Sim, sim! — Falou ele, se aproximando e ajoelhando na frente dela. — Você é tudo o que eu quero!

Ele avançou para beijá-la, mas ela colocou as mãos entre os dois.

— Essas algemas… sabe… elas limitam nossas possibilidades.

O nanico engoliu em seco.

— Ah!, sim. Sim, sim… Espere um pouco, vou pegar as chaves.

Buttfed deu a volta na mesa. Seu tamanho fazia com que apenas sua cabeça calva aparecesse pelo outro lado. Era como o sol nascente, mas fosco. Ele abriu uma gaveta e se aproximou de Priya, que estava em pé.

— Aqui, prontinho. Agora — começou, lambendo os beiços — vamos para a parte… 

Crush!

— AAAÍ!

De repente, escuridão.

**

Quando Buttfed acordou, olhou em volta e percebeu que flutuava no ar.

— O que houve?

Estava em sua sala, mas seu corpo agora não tinha peso e era translúcido. Foi aí que viu seu corpo material… ou melhor, seu cadáver, com a fuça contra o chão. Tomou um susto.

— Mas que porr…

Nadou no ar de volta para seu corpo. Pensou que talvez não conseguisse voltar. Mas, quando chegou perto o suficiente, acordou com um profundo suspiro.

— Estou vivo!

Levantou comemorando. Mas uma dor efervescente no saco o fez se retrair.

— MEUS OVOS!! QUE DOR!!!

Seu rosto estava vermelho, suava, veias saltavam seu rosto. Ânsia de vômito, tontura. Mal conseguia dar dois passos sem uma pontada atravessar suas regiões secretas.  

— AQUELA VADIA!! CADÊ ELA!?

Ele notou que as portas da varanda estavam escancaradas. Tomara ela por uma rubi. Esperava total lealdade. Esquecera que se tratava de uma princesa safira.

— PUTA! PUTA! 

Ele andou como pôde, gritando:

— CASPER! CASPER!

Quando chegou ao seu general, no pátio, jogou-se em seus braços, arfando por ar.

— O que aconteceu?

— AQUELA VADIA FUGIU! PROCUREM-NA EM TODA A CIDADE! NÃO, EM TODO O IMPÉRIO!!! COLOQUEM UMA RECOMPENSA POR ELA SE FOR PRECISO, MAS A TRAGAM DE VOLTA!!



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