As Castas de Kodekalain Brasileira

Autor(a): Andre Ludwing


Volume 1

Capítulo 1: Descanso Perturbado

Eroan acordou ouvindo vozes.

Pensou que a fase de ouvir vozes havia passado, mas pelo visto estava enganado.

Apesar delas serem irritantes, a única coisa que poderia fazer era ignorá-las.

— Aposto que esta é a casa dele.

Filetes de luz invadiam seu quarto por brechas no telhado. Já era manhã, mas não é como se houvesse algo para fazer. Planejava dormir o dia inteiro. 

Sua visão turvou conforme fechou os olhos.

— Você realmente acha que ele moraria num lugar desses?

— Foi o que disseram…

Eram memórias de sua infância?

Era possível, já que ele e Casper costumavam gastar suas manhãs enchendo o saco dos outros.

— CASPER!!

Se sentou de uma vez na cama. Lembranças desagradáveis mandou o que pareceu ser brasas por toda extensão de seu corpo.

— Ouviu isso? V-vamos sair daqui.

— Seu medroso, não vai me dizer que está amarelando…

— Eu não, mas… se realmente for ele…

Espera um pouco, eu não tô sonhando. Eroan caminhou em direção a porta, são vozes de pirralhos.

A porta se escancarou com a violência.

— Vocês!!

— Aaaahhh!! — Gritaram em uníssono.

Eram de fato dois pirralhos, não deviam ter mais que dez anos. Eles começaram a correr pela areia da praia aleatoriamente até que colidiram um no outro e caíram.

Eroan andou na direção deles com o calor de um sono interrompido.

Um velho segurando um barco sobre a cabeça se colocou entre ele e as crianças.

— Eu sei que gente não é o seu gênero favorito, mas até você não seria tão baixo ao ponto de machucar duas criancinhas inofensivas.

Ele se conteve.

Os garotos soltaram um suspiro profundo.

— Eles me acordaram!

— Oh!, eu não sabia… bem, nesse caso…

O velho saiu do meio, as expressões no rostos dos meninos se contorceram de terror. Eroan sorriu. Eles correram como se suas vidas dependessem disso. Deixaram a praia por uma estradinha que subia até a cidade.

— Pronto, não acho que eles vão perturbar você novamente.

O velho mirou Eroan de cima a baixo. 

Eroan usava roupas comuns de linho de cor amarronzada. Seus cabelos desciam até a altura dos ombros e nessa ocasião estavam desgrenhados assim como sua barba. Perfeitos para o trauma das crianças até mais corajosas.

— Você criou uma reputação terrível na cidade, não é, Eroan? He he he… Ou será que foram aqueles seus amigos da Irmandade do Fogo que saíram espalhando rumores sobre você?

Eroan contorceu o rosto ao ouvir o nome da antiga companhia de mercenários da qual já fez parte.

— E você, Loke, que faz aqui? — Perguntou. — Não acha que ganharia tomando concelho dos rumores?!

Ele avançou sobre o velho Loke, que deu duas passadas para trás.

— Do que você está falando…? — Disse, pondo o barco na areia — a ideia foi sua.

— Como?

— Ou vai me dizer que havia esquecido?

**

Guilda dos Aventureiros 
(Anúncio de Tarefa) 

Tarefa: Pescar o dragão do mar que assola o nordeste de Tabélia
Recompensa: 300 ouros
Risco: Muito Alto
Solicitação: Eu, Dormiter Alavanqué, o chefe do mais ilustre restaurante de Tabélia, Shulevron Marmité, faria bom proveito do dragão do mar que vem atrapalhando a vida dos pescadores simples. Como o monstro ainda não chegou a atrapalhar as politicagens do Rei e ninguém, por boa razão, iria atrás da criatura sem incentivo monetário, resolvi patrocinar essa tarefa para a Guilda. Seria muito proveitoso para mim já que eu poderei colocar em prática uma receita familiar secular.

** 

A superfície do mar refletia perfeitamente os céu azulado e sem nuvens, como um grande espelho d’água. O barco de Loke sacudia tranquilamente. Ele puxou mais uma vez sua vara de pesca. Um peixe caiu em cheio no seu balde.

Eroan olhou para frente, estavam bem distantes da orla. Dali, dava para ver a pequena baía onde o ex-mercenário vivia seus dias solitários. Subindo a praia, inúmeros prédios compunham o cenário urbano de Tabélia.

— Talvez com trezentos ouros você possa comprar um embarcação nova, não é?

Eroan apanhou o arpão, o amarrado a uma corda, e fez como se mirasse algo imaginário.

— Sim, aí você vai poder parar perturbar minha paciência.

— He he he… Você quebrou seu barco quando tentou pescar o monstro a primeira vez.

— E daí?

— Situação típica de alguém que viveu a maior parte de sua vida engajando em aventuras e não é capaz de se contentar um ano sequer com uma vida pacata.

— Boa tese, seu velho decrepito.

Outro peixe pulou da água, se debatendo para se livrar da vara de Loke, e caiu no balde.

Eroan jogou outra isca, uma marmota esfolada, para as profundezas do oceano. Ele esperava que a criatura fosse atraída pelo cheiro de sangue e depois tentasse atacar a embarcação, já que um dragão do mar tende a ser extremamente agressivo. O uso do arpão é autoexplicativo.

— O problema não são as aventuras e sim as pessoas que inevitavelmente cruzam seu caminho. Você é uma exceção, Loke… Hoje, é uma exceção… 

— Claro que sim, he he he.

— Shh!

Eroan levantou o arpão quando avistou uma sombra estranha se movimentando abaixo da embarcação. Ele atirou o arpão e o barco guinou para frente de uma vez. Peguei. A corda tensionou e começou a se mover em círculos na água. Então, outra guinada, e o barco agora foi puxado a uma velocidade incrível. Foram arrastados por sei lá quantas dezenas de metros. Eroan com o punho firme na corda.

Até que o barco diminuiu a velocidade subitamente.

Por um momento a corda ficou frouxa.

— Isso com certeza vai espantar os pei… argh!

Um baque surdo ecoou. 

Algo colidira contra o casco da embarcação por debaixo. 

As cordas tensionaram novamente. Eroan as puxou com força. Cada músculo de seus braços no limite.

Estava competindo contra um dragão do mar na força. 

O barco se inclinou, a proa subindo.

— Aí aí aí meus peixinhos — disse Loke, agarrando seu balde de peixes, que se espalhavam por todos os lados.

Ele subira a proa para criar uma contrabalança.

Eroan empurrou seu pé contra a tábua de assento e soltou a corda de repente, deixando-a escorrer por entre seus dedos. A criatura pareceu aproveitar a chance para fugir da agonia que era esse cabo de guerra com um arpão atravessando seu corpo. 

O barco se ajeitou, então ele apertou o punho novamente, fazendo-o retornar a sua aceleração desenfreada pelo mar.

Na última vez, a criatura tinha pulado sobre sua cabeça e Eroan usaria sua adaga para esfolá-la com um golpe certeiro, se não tivesse perdido o alvo e ele destruído seu barco. No fim, depois de tentar devorá-lo como pode, a criatura fugira, pois viu que não lidava com um ser humano qualquer. 

Hoje era a revanche.

— Eroan — Loke gritou — chegaram bebidas clandestinas direto daquela cidade universitária… 

Ambos lutavam para manter o equilíbrio.

— E daí, porra?! — Disse, já ofegante.

— Se voltarmos com meu barquinho intacto, eu levo umas até sua cabana amanhã e bebemos juntos, he he he.

— O que? Nem pensaaaaaaaarrr…

O barco voltou ao seu balanço sereno. 

O velho levantou de onde caíra e colocou a cabeça sobre a borda.

Viu a sombra de Eroan diminuindo mais e mais conforme afundava.

Ele suspirou com um sorriso.

— Não exite dia bom que não possa melhorar, né? He he he.

Voltou a pescar e ficou ali por um tempo, mas o mar não estava mais para peixes. Começou a juntar os que tinham se espalhados pelo chão, alguns fugiram.

— Fazer o quê… Puta merda!

Atrás dele, Eroan jogou seu torso para fora da água e caiu deitado para dentro do barco. Respirava sem pausa. Com um pouco de força retornando, amarrou o final da corda do arpão na tábua de assento. 

O dragão do mar boiou para a superfície com o projetil atravessando o corpo e uma adaga em seu olho esquerdo. Ele tinha escamas azuladas e mais parecia uma enguia gigante. Tinha um comprimento um pouco maior que o do barco. Com certeza era um filhote, que se separou de seu cardume em alto mar.

Eroan se permitiu deitar novamente, mas notou Loke olhando para o horizonte igual um pateta.

— Tempestade.

Num giro rápido, o velho se sentou na tábua e pegou os remos. Mesmo debilitado, Eroan se forçou a fazer o mesmo. Pois no horizonte se pintava nuvens gordas e sombrias. Ambos foram remando de volta, a criatura moribunda boiando atrás da embarcação. 

A pequena baía em que vivia era praticamente toda circundada de rochedos altos. A praia era pequena, e apenas uma pequena estradinha levava para fora da cidade.

A frustração pelas crianças insolentes que o acordaram ainda pairavam a mente de Eroan, quando… 

— Há alguém descendo para a minha praia?!

Um indivíduo desceu pela areia e seguiu para a cabana de Eroan.

— Acho que estão competindo para ver quem consegue fazer você cometer um homicídio primeiro, he he he.

Eroan cerrou os dentes e remou com mais força.

— Bem, então acho que temos um vencedor.

A chuva pegou eles no mesmo momento em que a proa do barco tocou a terra. Os dois saltaram pela beirada. 

— Vamos fazer assim — Loke começou, entregando seu balde de peixes a ele —, eu pego a recompensa por esse peixão para você e em troca você fica com meus peixes e os trata. Claro, depois de tratar o companheiro ali dentro. Amanhã eu busco eles. Seja gentil, he he he.

— Tanto faz. Se manda, Loke.

**

Chutou a porta da cabana, que o ladrão deixara semi aberta, ao tempo de um trovão. Viu as pegadas de terra do intruso. Largou o balde e as seguiu. 

Memórias sangrentas dos velhos tempos voltavam a mente. Passou o primeiro cômodo, onde ficava a lareira.

Ao entrar no quarto, o último cômodo, uma mão — segurando sua adaga — surgiu detrás da parede para tentar acertá-lo.

Eroan a deteve com facilidade, puxou o meliante e usou a inércia do corpo dele para empurrá-lo com mais força para trás. A adaga tilintou no chão e o indivíduo sem sorte bateu com um gemido no parede ao lado da cama. 

Foi apenas aí que Eroan se deu conta dos chifres retorcidos na cabeça dela e de sua pela estranhamente azulada. 

Seus cabelos negros e lustrosos se derramavam sobre seus ombros estreitos. Seus olhos confusos, ao se abrirem, tinham a esclera negra e a íris de um amarelo vibrante. Uma calda fina e delgada se agitava entre as suas coxas.

Uma mulher, mas não qualquer mulher… 

Uma demoniana da casta safira, a casta mais elevada e culta dos demonianos. E para piorar, ela possuía um pequeno diamante energizado sobre seu peito, indicando que era uma escrava. Mas como é possível escravizar um safira?

Ele suspirou.

— Safira ou não, detesto que invadam minha praia.

Outro trovão rugiu fora da cabana.



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