Volume 2

Capítulo 37: A súbita mudança dos Haulia

(Shia): “Ehehe, uhehehe, kufufufufufufu”

Recebendo a permissão para acompanha-los, Shia estava feliz. Com as duas mãos em suas bochechas, uma expressão relaxada em seu rosto e essa estranha risada, ela começou a se soltar enquanto girava seu corpo. Era uma aparência lamentável. Tão lamentável que aquela seriedade anterior quando ela estava confrontando Hajime parecia uma mentira.

(Yue): “... nojento”

Foi o que Yue murmurou porque ela não podia mais aguentar ver isso. Os excelentes ouvidos de coelho de Shia captaram esse murmúrio.

(Shia): “... quuu... quem é nojenta! Por que você me chamaria de nojenta? Eu só estou feliz demais que não posso me controlar. Afinal, esta não é a primeira vez que eu vejo o lado dere[1] de Hajime? Você também não viu isso? A expressão anterior dele. De repente, meu peito ficou apertadoooo. Com isto, o momento em que ele vai se apaixonar completamente por mim não está tão longeeee”

Shia estava eufórica e ficou ainda mais animada. Vendo Shia assim, Hajime e Yue resmungaram juntos com desgosto.

(Hajime e Yue): “... coelha irritante”

(Shia): “Q-quêêêê!? O que foi isso? Me chamando de coelha irritante! Por favor, me chamem pelo meu nome agoraaaaa, nós somos companheiros de viageeeem. Não me digam que vocês estão se segurando para me chamar pelo meu nome desde o início. É isso? É isso?”

(Hajime e Yue): “...”

(Shia): “Por que vocês ficaram em silêncio? Esperem, por favor, não me ignoreeeem. Vamos lá, é Shia, Shi-a. Repitam depois de mim, Shi-a”

Enquanto Shia desesperadamente tentava faze-los chama-la pelo seu nome, Hajime e Yue apenas semicerraram os olhos e começaram a discutir seus planos futuros. Então Shia se agarrou a eles com olhos lacrimejantes e disse: “Não me ignoreeeem, eu não quero ser deixada para tráááás”. Depois de virar uma companheira de viagens, eles continuaram tratando ela tão mal quanto antes.

Enquanto alguém estava fazendo um alvoroço (Shia), vários membros da tribo Haulia apareceram do nevoeiro, eles voltaram depois de completarem o desafio de Hajime: derrotar Feras Mágicas e voltar com provas em mãos. Se você olhasse com atenção, um deles era Kam.

Shia estava sorrindo alegremente. Esta era a primeira vez que ela via sua família há dias. A última vez que ela viu eles foi quando ela explicou seus sentimentos a eles, antes de começar seu treinamento com Yue. Mesmo tendo sido apenas dez dias, todos os dias, o treinamento era mortal. Um treinamento extraordinariamente concentrado. Devido a isso, para Shia, era como se eles não se encontrassem há meses.

Imediatamente, Shia começou a falar com seu pai, Kam. Havia muito a contar. Contudo, antes de ela dizer qualquer coisa, Shia engoliu suas palavras. Ela notou a estranha atmosfera ao redor de Kam e dos outros.

Kam, que viu Shia, apenas mostrou um pequeno sorriso e logo em seguida seus olhos foram postos em Hajime. E...

(Kam): “Chefe. Sobre as Feras Mágicas, nós caçamos elas a tempo?”

(Shia): “Che-chefe? Pa-pai? De alguma forma, o seu tom... ou melhor, o ar ao seu redor está...”

Pelo discurso e comportamento de seu pai, a voz confusa de Shia podia ser ouvida. Contudo, ela foi ignorada enquanto Kam e os outros pegavam as garras de Feras Mágicas que poderiam ser consideradas de alto nível no |Mar de Árvores|.

(Hajime): “... eu pensei ter dito que uma seria o suficiente...”

O desafio de graduação imposto por Hajime era caçar uma Fera Mágica de alto nível por time. No entanto, havia garras o bastante para dez Feras Mágicas. Para o questionamento de Hajime, Kam e os outros responderam com sorrisos destemidos.

(Kam): “Sim, isso foi o que você ordenou, não é? Enquanto nós estávamos fazendo isso, os companheiros dele apareceram... como eles imprudentemente mostraram suas intenções assassinas, nós apenas os aceitamos educadamente. Certo? Todos?”

(Haulia A): “Isso mesmo Chefe. Esses caras foram imprudentes demais para Feras Mágicas

(Haulia B): “Nós os derrotamos completamente. Sem deixar nenhum escapar, não é?”

(Haulia C): “Mesmo eles sendo tão barulhentos... seus latidos foram engraçados, fufu”

(Haulia D): “Bem, isso foi bom para servir como aviso...”

(Haulia E): “Bom, nós já os cortamos em pedaços, isso não foi o bastante?”

Foi uma sequência de frases perturbadoras. Não havia traços da original atitude pacífica e gentil da tribo dos Homens-Coelhos neles. Eles relataram os resultados de seus combates perigosos a Hajime com sorrisos destemidos e olhares ferozes.

Atordoada, Shia assistia a isso sem poder dizer nenhuma palavra...

(Shia): “... quem?”


(Shia): “O qu-que aconteceu!? Hajime-san! O que diabos aconteceu ao pai e os outros!?”

(Hajime): “Se-se acalme! Na-nada aconteceu... isso é resultado do treinamento...”

(Shia): “Não, não. O que aconteceu para eles ficarem assim!? Eles não são pessoas completamente diferentes!? Espere, por favor, não olhe para longe! Olhe para mim!”

(Hajime): “... não é como se houvessem grandes diferenças, certo?”

(Shia): “Seus olhos são apenas enfeites!? Por favor, olhe para eles. Há pouco tempo, eles estavam assustados apenas por olhar para suas facas! Ah, agora mesmo, alguém chamou sua faca de Julia! Normalmente, isso não seria assustador?”

A voz irritada de Shia cheia de frustração ecoou pelo |Mar de Árvores|. “O que diabos aconteceu?”, era o que Kam e os outros pensaram enquanto olhavam para Hajime e Shia com expressões confusas. Eles trocaram olhares por um tempo até que os outros membros da tribo Haulia chegaram. Todos eles estavam... como posso dizer? Eles pareciam selvagens. Não apenas os homens adultos, mas também as mulheres, crianças e até os idosos.

Shia apontou para sua família completamente mudada enquanto se aproximava de Hajime com uma tremenda velocidade para fazê-lo se explicar. Hajime desviou seu olhar com desconforto enquanto era interrogado por Shia.

Talvez ela tenha julgado que não faria nenhum progresso, então Shia mudou seu alvo para Kam e os outros.

(Shia): “Pai! Todo mundo! O que aconteceu!? É como se vocês fossem pessoas diferentes!? Vocês só estão dizendo coisas assustadoras... por favor, voltem ao normal!”

Kam, que estava sendo agarrado por Shia, começou a relaxar sua expressão feroz e voltou a seu lado gentil. Isso deixou Shia um pouco mais tranquila.

No entanto...

(Kam): “O que você está dizendo Shia? Nós estamos bem. Nós apenas acordamos para a verdade deste mundo. Isso tudo graças ao Chefe”

(Shia): “A-a verdade? Que verdade é essa?”

Tendo um mau pressentimento sobre isso, Shia perguntou enquanto suas bochechas se contorciam e Kam sorria para declarar com confiança.

(Kam): “90% dos problemas podem ser resolvidos com violência”

(Shia): “Era uma pessoa diferente no final!? Meu pai gentil já está mortoooo, uwaaaaan”

Devido ao choque, Shia correu para desaparecer dentro do |Mar de Árvores| enquanto chorava. Contudo, antes de ela entrar no nevoeiro, uma pequena sombra apareceu diante dela e ela caiu com a bunda no chão com um “Hauu” em uma voz miserável.

Essa pequena sombra foi capaz de manter seu equilíbrio sem cair, então, ela esticou sua mão para Shia.

(Shia): “Muito obrigado”

(???): “Bom, disponha, Shia anego[2]. Isso é algo natural para um homem”

(Shia): “A-anego?”

O que apareceu do nevoeiro foi um garoto da tribo Haulia que ainda podia ser chamado de criança. Em seu ombro estava uma grande besta[3] com duas facas e uma arma parecida com um estilingue presos em sua cintura. Era um garoto que costumava mostrar um sorriso feliz. Shia, que nunca foi chamada de Anego até agora, olhou para cima. Na sua frente estava o garoto que normalmente a chamava de “Shia-oneechan”, então ela ficou assustada com isso.

Com Shia encarando ele com um olhar desconfiado, o garoto caminhou até a frente de Hajime e então o saudou grandiosamente.

(Garoto): “Chefe! Eu sinto muito voltar de mãos vazias! Há algo que eu devo relatar! Permissão para falar!”

(Hajime): “O-ou? O que foi?”

Com a atmosfera de soldado veterano do garoto, mesmo que agora fosse tarde demais, Hajime pensou que Shia estava certa e isso era mesmo um pouco exagerado. E então ele gaguejou um pouco. O garoto continuou seu relatório sem se importar.

(Garoto): “Afirmativo! Problema encontrado enquanto perseguia Feras Mágicas. Eu descobri um grupo de Homens-Urso totalmente armados. O lugar era uma das rotas da |Grande Árvore|. Talvez eles pensem em nos emboscar!”

(Hajime): “Aaaa, eles apareceram como eu imaginei. Apesar de eu ter pensado que eles apareceriam imediatamente... entendo, eles querem nos esmagar na frente do nosso objetivo, huh. É um comportamento interessante... então?”

(Garoto): “Afirmativo! Se estiver tudo bem, que tal deixar esses caras conosco? Haulia!”

(Hajime): “Beeeem. Que tal isso Kam? Você tem algo a dizer?”

Ouvindo isso, Kam se abalou e, como era algo que ele queria desde o início, ele começou a gargalhar com um sorriso destemido e então concordou.

(Kam): “Por favor, deixe isso conosco. Nosso poder, nós queremos saber... quão longe nosso poder chegou comparado ao deles. Não é como se fôssemos mostrar algo vergonhoso”

Ouvindo as palavras de seu chefe, os Haulia ao redor, todos eles, mostraram expressões beligerantes[4]. O número de pessoas (que chamavam suas armas por nomes) com admiração crescente podia ser sentido. A expressão de Shia foi tomada pelo desespero.

(Hajime): “... vocês podem fazer isso?”

(Garoto): “Afirmativo!”

Aquele que respondeu alegremente a última confirmação de Hajime foi o garoto. Hajime mais uma vez fechou seus olhos e respirou profundamente. Então, ele abriu bem seus olhos.

(Hajime): “Me escutem! Todos da tribo Haulia! Cada um de vocês, seus bravos e determinados guerreiros! Hoje, vocês deixaram de ser vermes ridículos! Vocês não são mais aquela existência patética que deveria ser erradicada! Esmaguem a injustiça com força, detenham a hostilidade com sabedoria! Ó mais fortes entre os guerreiros! Ensinem uma lição a esses ****** ursos por incitarem nosso ressentimento ao nos colocarem nessa situação! Esses caras não são nada além de trampolins! Eles são apenas ******! Construam montanhas com os corpos deles e rios com seu sangue! Como prova! A prova de seu renascimento! A prova para todos no |Mar de Árvores|, para mostrar que a tribo Haulia renasceu!”

(Tribo Haulia): “Senhor, sim senhor!!”

(Hajime): “Me respondam! Todos vocês! Os maiores e mais fortes guerreiros! O que vocês desejam?”

(Tribo Haulia): “Matar eles!! Matar eles!! Matar eles!!”

(Hajime): “Qual é a sua especialidade?”

(Tribo Haulia): “Matar!! Matar!! Matar!!”

(Hajime): “Se eles são inimigos, o que vocês vão fazer?”

(Tribo Haulia): “Matar todos eles!! Matar todos eles!! Matar todos eles!!”

(Hajime): “Isso mesmo! Matem todos eles! Vocês podem fazer isso! Tomem o direito de viver com suas próprias mãos!”

(Tribo Haulia): “Sim, sim senhor!!”

(Hajime): “Esse é o espírito! Todos da tribo Haulia! Eu só tenho uma ordem! Procurar e destruir[5]! Vão!!”

(Tribo Haulia): “YAHAAAAAAAAAAAAAAAAAA!!!!!!”

(Shia): “Uwaaaaan, todos os membros da minha família estão mortoooos”

Sob o comando de Hajime, a tribo Haulia respondeu com ferocidade e desapareceu dentro do nevoeiro. A tribo que já foi chamada de gentil, pacífica e, acima de tudo isso, fraca... “Para onde eles foram?”, essa era a única coisa que Shia podia dizer. Vendo sua família mudando completamente mais uma vez, enquanto caía no chão, o choro inútil de Shia ecoava pelo |Mar de Árvores|. Como esperado, ela não conseguiu aguentar mais essa situação e Yue afagou a cabeça dela para conforta-la.

Quando o garoto ao lado de Shia (que estava chorando e soluçando) tentou partir, ele foi chamado por ela.

(Shia): “Pal-kun! Por favor, espere! O-olhe, você não está vendo a bela Flor-san logo ali? Mesmo que você não vá... que tal você esperar aqui com a Onee-chan? Tudo bem? Que tal isso?”

Aparentemente, ela parecia estar tentando ao menos fazer este garotinho voltar ao normal. Ela apontou para as lindas flores enquanto desesperadamente tentava persuadi-lo. O motivo para ela usar uma flor era porque este garoto amava flores tanto que até as chamava de “Flor-saaaan”.

O garoto das flores chamado Pal, que foi impedido de seguir por Shia, apenas balançou sua cabeça e encolheu seus ombros enquanto suspirava. Parecia uma daquelas reações exageradas que os europeus e americanos costumam usar.

(Pal): “Anego, por favor, não abra minhas velhas feridas. Eu já enterrei o meu passado. A mente fraca que admirava a beleza das flores não existe mais”

A propósito, este garoto chamado Pal tinha 11 anos de idade.

(Shia): “Ve-velhas feridas? Enterrou seu passado? Espere, eu não entendo, você está dizendo que não gosta mais de flores?”

(Pal): “Sim, eu descartei esses sentimentos com o meu passado”

(Shia): “É que... mesmo você amando tanto elas...”

(Pal): “Fuh, foi só um erro da juventude”

Eu repito, Pal-kun só tem 11 anos de idade.

(Pal): “Mais importante que isso Anego...”

(Shia): “O q-que foi?”

Vendo as mudanças no garoto que algumas vezes pegava flores e afetuosamente a chamava de “Shia-oneechan! Shia-oneechan”, a consciência de Shia começou a escapar da realidade. Ela mal foi capaz de responder as palavras de Pal. Contudo, esse foi o sinal para ela aumentar sua busca (pelo escapismo[6]).

(Pal): “Eu também joguei fora meu nome de fraco junto com o meu passado. Agora o meu nome é Baltoferd. A partir de agora, por favor, me chame de Baltoferd da Morte Certa

(Shia): “Quem é esse!? De onde esse Baltoferd veio!? Ou melhor, o que é isso de morte certa!?”

(Baltoferd): “Oh, me desculpe. Meus companheiros estão me esperando, então está na hora de ir. Portanto...”

(Shia): “A, hey! O que você quer dizer com ‘portanto’!? Nossa conversa ainda não... eh, que rápido! Espere! Por favor, espereeee”

Exatamente como uma mulher que foi deixada por seu amor, Shia se jogou no chão enquanto sua mão tentava alcançar o outro lado do nevoeiro. Ninguém respondeu ela. A família desta garota, todos eles seguiram para o campo de batalha com ferocidade. Shia, que estava jogada no chão, mais uma vez chorou e soluçou. A família que esta garota conhecia não existia mais. Era mesmo uma visão miserável.

A aparência de Shia foi vista por Yue com uma expressão sutil porque ela não podia dizer nada a Shia. Hajime sentiu que isso era algo desagradável e deixou seu olhar vaguear pelo local. O olhar de Yue se voltou para Hajime e então ela murmurou bruscamente.

(Yue): “... como esperado de Hajime. Ser capaz de tranquilamente realizar algo que mais ninguém poderia”

(Hajime): “Bom, como eu disse antes, de onde você tira essas coisas?”

(Yue): “... ser capaz de usar ‖Magia Negra‖, lavagem cerebral... incrível”

(Hajime): “... honestamente, eu acho que isso foi um pouco demais. Apesar de não sentir vontade de refletir nem nenhum arrependimento”

Por um tempo, no lugar que a tribo Haulia deixou para trás, o choro de Shia e a atmosfera sutil permaneceram no ar.


Notas

[1] Tsundere, em japonês, define uma personalidade que é inicialmente agressiva, que alterna com uma outra mais amável. O termo deredere significa "tornar-se amável/amoroso".

[2] Anego significa “irmã mais velha”.

[3] A besta (ou balestra) é uma arma com aspecto semelhante ao de uma espingarda, com um arco de flechas adaptado a uma das extremidades de uma haste e acionado por um gatilho, o qual projeta dardos similares a flechas, porém mais curtos.

[4] Beligerante é uma característica ou particularidade de quem se encontra em guerra.

[5] Procurar e destruir (em inglês: Search and Destroy ou Seek and Destroy) é uma estratégia militar que se tornou notória durante a chamada Emergência Malaia e na Guerra do Vietnã. A ideia é enviar unidades terrestres a território hostil para procurar o inimigo e então destruí-lo, se retirando da área logo depois. O surgimento do helicóptero, que mudou o formato de muitas táticas, deu uma nova cara a este tipo de luta. Esta estratégia é considerada uma boa forma de contraguerrilha. Ela veio como uma segunda opção à estratégia Clear and Hold ("limpar e manter"), que consistia em tomar a posição do inimigo e então fortificar a posição para mantê-la sob controle. Em teoria, já que o método tradicional não funcionava contra guerrilheiros bem treinados e preparados, esta estratégia vem como uma forma de "guerra de atrito", procurando o inimigo e o destruindo, infligindo a eles o máximo de perdas possível. No Vietnã, onde esta tática se tornou mais conhecida, pequenos grupos de soldados invadiam o território inimigo (a pé ou de helicóptero) a procura dos guerrilheiros vietcongs e então os matavam. A eficiência dessa tática foi bastante questionada e muitos civis morreram nos combates.

[6] Escapismo ou desejo de evasão é o alívio ou a distração mental de obrigações ou realidades desagradáveis recorrendo a devaneios e imaginações.



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