Volume 2
Capítulo 123: As Memórias de Alexia I
Alexia sente dor no seu corpo e na sua cabeça, como se tivesse caído de uma altura grande, ao abrir os olhos ela se vê dentro de um cômodo simples com os móveis bagunçados, a janela quebrada atrás dela indica que ela deve ter entrado através dela, ela se levanta, se recompõem e analisa o lugar atentamente:
– Que lugar é esse? Será que eu já estou dentro da Magia Electi?
Ela anda pelo cômodo procurando por pistas e pensando alto:
– Ray disse que a Magia Electi é a única que tem pleno poder da mente, ela deve criar um mundo com armadilhas e elementos para atrapalhar a minha missão dentro dela... Mas qual será a minha missão?
Alexia vai até a janela e percebe que está dentro do Castelo de Cristal, ficando admirada com a paisagem.
– Esse lugar é muito grande e muito bonito, é de admirar esses cristais... Por que será que a Magia Electi reproduziu o castelo para mim?
Alexia ouve ao longe um som de batalha, aumentando suas suspeitas:
– Luta? Deve ter algo a ver com a missão... Será que o Electi assumirá a imagem de Xarles? Infelizmente nunca o vi cara a cara.
Alexia sai do cômodo e chega em um corredor pequeno, que liga o lugar com vários outros cômodos e corredores maiores, ela anda com cautela se atentando ao som de luta para se guiar furtivamente, ela olha e analisa dentro de cada cômodo e verifica a paisagem através das janelas para se localizar e identificar em que parte do castelo ela está.
– Pelo tamanho, a distância do centro e das grandes torres eu devo estar na área onde ficam os empregados do castelo... Vejo sinais de batalha e de fuga... A guerra tomou toda Sodorra, e infelizmente os fracos e inocentes pagaram o preço primeiro.
Alexia demostra tristeza ao ver corpos de cidadãos comuns mortos, empregados que só serviam foram mortos aparentemente de uma forma brutal.
– Se essa Magia está representando a real Sodorra quer dizer que o plano de Ray está certo... Devemos acabar com todo o mal pela raiz.
Andando mais a frente ela encontra mais mortos, incluindo cadáveres de crianças e comenta:
– Não há mais nada para ser salvo aqui, essa cidade deve ser destruída... Infelizmente...
Alexia espia alguns homens do Império lutando entre si e depois contra Guerreiros Caos.
– O que está havendo? Essa magia deve estar querendo me confundir... Eles estão se atacando... Preciso lembrar-me do que Ray falou exatamente: “A Magia Electi usará várias formas para nos confundir e de nos seduzir para situações complicadas e confusas, entrando nela damos total liberdade para que entre em nossas mentes afetando até as nossas almas, a realidade é alterada em partes ou em tudo, podendo fragmentar nossas memórias ou acrescentar informações falsas, o poder de um Electi é superior ao poder dos mortais, uma vez dentro, só um Electi poderá nos libertar, eles não são os vilões, mas eles acham que nós somos”... Essas magias que afetam a memória são complicadas, principalmente essa.
Alexia admira o local em que está e observa cada detalhe da realidade criada pela Magia Electi, ela passa a mão nos móveis, nas paredes e comenta:
– O que será que essa magia mudou na minha memória, o que é real, o que é falso?
Ela coloca suas mãos na cabeça percebendo que vai enlouquecer, ela fica ofegante, seus membros ficam trêmulos, a cabeça começa a doer e ela começa a sentir tonturas, com a pressão sanguínea baixando ela vai até um canto próximo e se senta, ela respira fundo e lembra de uma técnica que aprendeu com um viajante.
Noite, 25 de setembro de 1590. Arredores de Baron.
Alexia está vigiando enquanto Anirak descansa, as duas ainda estão se recuperando de seus ferimentos e da energia usada na luta anterior, ela conta a comida para ver se será o suficiente para as duas sobreviverem sem precisarem ir atrás de mais suprimentos, ao ouvir um barulho ela fica em alerta, o barulho se aproxima e ela atira com seu arco e flecha, aparentemente ela erra o alvo que desaparece.
– Que vulto foi aquele? Não deve ser um animal, se fosse eu saberia.
– Saberia?
Um senhor surge perto dela, ele é negro, careca, estatura média, porte físico normal, olhos escuros, barba longa com tranças, veste roupas simples e comuns como as de um aldeão e carrega uma mochila de tecido fraco de cor marrom amarrada por folhas, Alexia se espanta com a presença dele e diz por impulso, ameaçando atacá-lo novamente:
– Se afaste?
Ela puxa a flecha para atacá-lo, mas sente algo misteriosamente bom vindo dele, fazendo com que ela abaixe a guarda, o senhor se aproxima e diz sorridente e tranquilamente:
– Se acalme, eu estou em paz.
– Quem é o senhor?
– Sou um protetor da floresta.
– Um Mestre Arbol?
– Sim, e você é?
– Eu sou Alexia e essa é minha amiga Anirak.
Alexia achou que o barulho acordaria Anirak, mas ela permanece em um sono profundo, o mestre senta próximo de Alexia e continua a conversa:
– E o que duas belas jovens fazem por aqui? Achei que essa floresta estava tomada por feras ferozes.
– Sim, estava, mas já foi resolvido.
– Entendo, então eu cheguei atrasado... Vocês são guerreiras de Baron ou Lubmatsi?
– Não senhor...
– Porque do Império eu tenho certeza de que não são.
– Somos ajudantes dos que precisam.
– Ótimo.
Ele fecha os olhos e respira fundo sentindo um vento passar por eles, ele demostra estar admirado a paisagem e comenta:
– Natureza... Bela como sempre.
Alexia segue o seu gesto, fazendo igual ao mestre e sente como se o seu corpo flutuasse.
– Verdade, a natureza é perfeita... Sempre sonhei em ser uma Mestra Arbol.
– Estranho, quando eu a vi eu achei que era uma.
– Eu treinei com Mestres Arbol, mas não me sinto como uma mestra, acho que falta muito para eu aprender.
– Entendi... Mas eu sinto algo especial em você.
– Obrigada, mas sou só uma caçadora que não caça ou uma Mestra Arbol que não mestra.
Ela ri junto com o mestre que acrescenta:
– Já vi alguns assim como você... Você não é a única, eu sei que existem muitos caçadores e mestres iniciantes que buscam essa classe para se aventurar e para testar sua força contra os animais, utilizando-os para alimento excessivo, recompensas e para materiais diversos, incluindo mágicos, mas há aqueles que seguem como ajudantes da natureza, mestres em sobrevivência longe de civilização, amantes de tudo que o nosso criador fez e faz, que admiram cada detalhe dessa imensidão natural e auxiliam aqueles que não entendem a importância dela.
Alexia fica maravilhada com as palavras dele, sentindo um reconhecimento que pouco existe em sua vertente de classe:
– Parece até uma poesia de tão bonito.
– Não minha querida, quem sabe quando eu era mais jovem.
Ela ri e explica:
– Não, não! Estou dizendo que, o que o senhor falou é muito bonito.
Ele ri alto e concorda:
– Verdade, nossas classes são maravilhosas, não desfazendo das outras é claro.
– Certo.
– Bem... Já esta tarde e o meu tempo é curto, vou-me indo.
– Não é perigoso o senhor ir assim?
– Não se preocupe, eu conheço bem a floresta, ela é uma velha amiga... Aliás, já que você sonha em ser uma Mestra Arbol, vou lhe ensinar algo esquecido pela nossa classe.
– Sério?
– Claro, isso deve lhe ajudar algum dia, quem sabe para testes para ser uma mestra plena futuramente...
– Isso seria ótimo!
– Bom... Então olhe. Sente-se como e estou sentado.
– Assim?
– Melhore a posição das pernas e preste atenção na postura da coluna.
– Certo.
– Muito bom... Agora feche os olhos, igual você fez para sentir o vento, muitas vezes com a mente cheia de informação, problemas, batalhas, angústias, medos, entre muitas outras coisas esquecemos-nos da simplicidade que é viver e do mundo ao redor, nossa existência não é nada sem a natureza, do que ela nos fornece, como nos protege, como nos transforma... Sinta o vento... Sinta a luz das luas no céu, o barulho da vida ao seu redor...
Alexia começa a se aprofundar nas palavras dele como se elas a hipnotizasse, ambos criam uma aura individual que se conecta à natureza ao redor, Alexia sente como se tocasse tudo ao redor, desde a grama no chão até o galho mais alto da árvore, ela respira fundo e ele continua a falar:
– Não basta ter uma prontidão perfeita, visão e olfato apurados, você precisa ter a mente, corpo e alma aberta para a natureza, sentir seu poder e sua importância, entender até onde ela oferece para não tirar mais do que você deve... Está sentindo algo de diferente?
– Sim... Posso sentir uma paz, uma calmaria...
– Me fale de um animal que você goste.
Alexia pensa um pouco, entre tantos que ela gosta ela escolhe um.
– A coruja.
– Bom... Corujas são aves bonitas... Tem algo nela que você admira mais?
– A visão delas.
– Sim, uma visão apurada além de poder ver no escuro.
O senhor levanta seus braços lentamente, junto com seu movimento as árvores ao redor se mexem, cobrindo-os e impedindo a luz lunar de iluminá-los, Alexia abre os olhos e se assusta.
– Como?
– Está vendo?
– Sim... Eu sinto que posso ver como uma coruja.
– Impressionante.
– Mas como? Eu já vi algo parecido ser usado entre os mestres.
– Essa técnica é mais usada para meditação, recomendo que você dedique uma parte de seu treinamento para isso.
– Meditar?
– Sim, isso é muito importante, para ampliar suas habilidades e até ganhar as vantagens e habilidades de vários animais por um curto tempo e para tranquilizar o corpo também, alinhar o corpo e seu estado emocional, resumidamente é algo para relaxar.
– Obrigada, eu vou me dedicar a essa técnica, mas eu achava que só tinha uma forma de meditação.
– Existe a mais comum, mas existem classes que se aprofundam em uma parte específica, grandes Mestres de Magia se conectam ao poder da mente, nós Mestres Arbol meditamos com o corpo e com a conexão que o corpo faz com a natureza, por isso falei que é “esquecida”, por ser uma classe pacífica ela raramente é usada para outros fins.
– Incrível.
Alexia levanta e olha ao redor usufruindo totalmente da técnica, em pouco tempo ela sente uma fraqueza e diz:
– Eu consigo sentir..., cansaço agora.
As árvores e a visão de Alexia voltam ao normal, ela se senta, o senhor sorri e a alerta:
– Cuidado porque essa técnica usa muito de nossa energia, você pediu a benção da natureza, mas tem um preço para o seu corpo, recomendo estar bem alimentada antes de usá-la e com a mente descansada e focada, benefícios que a meditação traz.
– Entendi, pode deixar.
– Essa técnica pode ser usada para se recuperar também, dentro da criação existem várias peculiaridades que podemos replicar para nos ajudar, algumas reservadas só para seres imortais, mas muitas delas para os mortais, até mesmo em batalha. Você já imaginou ter a força de um leão, a velocidade de um guepardo, entre outros atributos de animais?
– Seria incrível.
– Recomendo que você treine muito, você tem aptidão para isso, me surpreendo ninguém ter notado isso antes.
– O senhor tem certeza?
– Sim percebi desde que me aproximei de você. Você mesma viu, saiba que muitos mestres não conseguem fazer esse feito tão rápido, comece com animais que você admira e conhece bem, é mais fácil iniciar por eles.
– Certo, muito obrigada!
– Foi um prazer.
O senhor se levanta e caminha até uma abertura que leva para a parte densa da floresta, antes de se afastar Alexia se despede:
– Obrigada, espero vê-lo novamente.
– Será ótimo...
– Desculpe, o assunto foi tão simpático e acolhedor que o senhor não falou o seu nome.
– Eu sou Ynis Mon.
Ynis sorri e diz olhando para Anirak no chão:
– Quem sabe na próxima a sua amiga se levanta para conversar também, espero ter ganhado um pouco da confiança dela, pois nem todos que parecem são inimigos.
Alexia estranha e olha para Anirak que levanta enquanto Ynis se afasta e desaparece na floresta. Alexia a questiona:
– Achei estranho você não ter acordado.
– Eu estava acordada, eu fingi estar dormindo para ver as intenções dele.
– Ele pareceu ser uma boa pessoa.
– Sim, eu senti algo bom vindo de vocês, aquilo era algum ritual dos Mestres Arbol?
– Era uma meditação.
– Eu vi os insetos se afastarem como se respeitassem o nosso local depois que vocês ficaram parados meditando.
– Não percebi isso, você ouviu os ensinamentos?
– Ensinamentos? Eu só o vi chegando e meditando com você, nada mais.
– Como assim? Ficamos conversando o tempo todo.
– Não, vocês meditaram e ficaram quietos o tempo todo.
Alexia lembra que é uma técnica de Mestres Arbol, associando ser algo exclusivo e Ynis deve ter lhe falado tudo mentalmente, ela sorri e comenta com admiração:
– Impressionante...