Volume 1 – Arco 1
Capítulo 23: Conexões
Éeh... tá, deixa eu tentar explicar isso do jeito certo, porque ainda parece coisa que só acontece quando a gente tá com sono demais ou emocional demais. Mas não, foi real. Tudo.
Aquele dia foi... estranho pra caralho. E pesado. E confuso. Eu nunca pensei que fosse sentir esse tipo de medo por amigos. Tipo, medo real. Medo que aperta o peito e fazer você repensar todas as decisões idiotas que tomou você na vida. Eu sempre pensei que não precisava de amizades, que amigos é só uma palavra pra deixar a gente mais frágil... mas aí eu percebi que, se eu perdesse algum deles — Firefy, Glomme, Gumer — eu ia desmoronar de um jeito muito feio. Feio mesmo. Parece ridículo falar isso em voz alta, mas vocês tão aqui comigo, então foda-se, vou falar: eu acho que eu amo esses idiotas. Como família. E isso me deixa apavorada.
E sim, eu fiquei dois dias pensando nessa porra. Dois dias inteiros com a cabeça girando, repensando aquele choro da Marry, repensando o rosto do Gumer quando surtou, repensando cada coisa estranha que vem acontecendo nessa escola. E nesse processo maluco eu virei meio que... amiga da Marry? Não sei se amiga. Mas eu fui lá ver ela. Só pra ter certeza que ela não tinha se matado. Porque, do jeito que ela fala daqueles sonhos, eu ficava achando que qualquer barulho no corredor era o aviso tardio de que eu falhei com ela.
Ela não consegue falar sobre o que aconteceu ainda — tudo o que sai são os tais sonhos de morte com aquele demônio. O mesmo que o Gumer vê. O mesmo que o pegou. O mesmo que, se tudo que eu tô juntando estiver certo, também ganhou uma chave-extra no corpo da Marry. Eles tão conectados. E isso... sinceramente? Me arrepia de um jeito muito ruim.
Só que tem algo que eu não contei pra ninguém até agora. No dia no refeitório... quando ela chorou e eu desabei junto... teve um momento que eu juro que pensei que a escola inteira ia quebrar em cima da gente. Ela chorou com tanta força, com tanta dor, que parecia que o mundo tava tentando acompanhar ela. A aura dela simplesmente explodiu lentamente pra fora. Não é brincadeira — se manifestou mesmo. O chão rachou embaixo da mesa. A parede atrás dela trincou. Eu ouvi o estalo. Eu senti o banco vibrar. Parecia que tudo naquele canto ia afundar a qualquer momento.
Eu tive a impressão muito nítida de que, se eu não tivesse feito ela respirar, se eu não tivesse segurado ela, se eu não tivesse puxado ela de volta... aquele canto do refeitório ia quebrar.
A Marry é poderosa. Muito poderosa. Poder do tipo que ninguém deveria ter sem supervisão, manual de instrução e três terapeutas especializados em trauma mágico.
E isso é incrível — ou péssimo. Porque, se ela alguma hora quebrar do jeito que o Gumer quebrou...
Cês já sabem.
A gente tá fodido.
E eu tô tentando não pensar muito nisso, mas vocês sabem como minha cabeça funciona: quando eu digo "não vou pensar nisso", eu penso dez vezes mais. E agora eu tô aqui, com essa teoria maluca que só faz sentido pra mim, eu acho, juntando cada peça solta desse quebra-cabeça do inferno e torcendo pra não estar cem por cento certa.
Porque, se eu tiver... essa escola vai virar cenário de filme de terror antes do fim do mês.
Eeeh... vocês sabem, né? Cada um de nós tá se virando do jeito que dá pra tentar salvar o Gumer. Tipo uma missão coletiva, só que ninguém combinou nada — aconteceu porque tinha que acontecer. Eu tô indo atrás da Marry porque, pra mim, ela é a peça mais importante dessa merda toda. Ela e o Gumer são vítimas do mesmo bagulho. E se eu conseguir fazer ela falar, mesmo que seja um pouquinho, mesmo que seja uma frase estranha... isso já pode ser o fio que falta pra provar que o Gumer não é louco. Que ele não inventou nada. Que ele foi possuído de verdade e que dá pra ajudar eles.
E vocês aí do outro lado sabem que isso importa pra caralho. Porque ninguém merece carregar o rótulo de maluco quando a única coisa que fez foi sobreviver a um diabo escondido dentro da própria cabeça.
Agora... eu sei que vocês tão curiosos sobre a Firefy e o Glomme. Sempre ficam. E eu queria muito dar uma resposta bonitinha, um relatório certinho, mas a real é que... eu não faço a menor ideia do que esses dois tão aprontando. A gente quase não se viu nesses últimos dias. Sério, cada um tá correndo pra um lado tentando resolver suas próprias paranoias, seus próprios medos, seus próprios jeitos de ajudar.
Eu conheço a Firefy — ela é do tipo que guarda tudo no peito e depois vem com um "tá tudo bem" que só engana quem não sabe olhar nos olhos dela. E o Glomme... bom, o Glomme é aquele silêncio que parece inocente, mas que esconde umas coisas tão profundas que eu nem sei como ele não implode às vezes.
Eu não sei o que eles tão fazendo. Não sei mesmo. Mas vocês vão descobrir.
E quando descobrirem... vão entender que essa história tá só começando.
A sala estava quase totalmente às escuras, iluminada apenas por pequenas luzes penduradas que piscavam como vagalumes preguiçosos, e Firefy, encolhida na cadeira rangente, puxou o capuz mais pra frente enquanto ajeitava os óculos falsos no rosto com um gesto rápido, tentando parecer que sabia o que estava fazendo ali. Os garotos falavam alto, cada um mais empolgado que o outro, debatendo as regras do jogo de tabuleiro com uma paixão tão exagerada que parecia até ensaiada, batendo miniaturas sobre o tabuleiro e discutindo estratégias com a intensidade de generais decidindo sobre guerras antigas. Ela imitava a energia deles, murmurando comentários aleatórios, fingindo entender quando não entendia nada, e levantou um copo quando alguém comemorou, bebendo um gole do líquido amargo que a fez estremecer por dentro, mas sem deixar o sorriso cair do rosto.
À medida que o jogo avançava, a animação deles parecia tomar conta da sala, criando uma bolha calorosa onde todos se perdiam em narrativas de mundos fictícios, criaturas bizarras e heróis improváveis. O entusiasmo deles era tão infantil e puro que quase parecia mentira, e Firefy esperou pacientemente até o fim da partida, onde sempre surgia o momento das conversas informais — aquela pausa em que todo mundo relaxava, jogava o corpo nas cadeiras e começava a falar besteira com a boca meio cheia de bebida. Quando Selindra jogou os dados e venceu, os gritos ecoaram pela sala, e o grupo se espalhou numa roda torta de cadeiras, cada um segurando um copo qualquer, enquanto as luzes piscavam criando uma sombra mística sobre os rostos animados. Era o momento perfeito, e o coração dela batia levemente acelerado pelo nervosismo de estar ali por um motivo que tinha zero a ver com diversão.
— Posso perguntar uma coisa? — disse Firefy, cruzando os braços e recostando na cadeira, balançando as asas de leve, tentando soar casual. — Algum de vocês já ouviu história de possessão ou feitiço rolando por aqui? Tipo... coisa estranha mesmo, daquelas que a gente devia levantar e sair correndo?
Vários olhares cruzaram no ar. Um deles começou a rir baixinho, outro bebeu como se estivesse se preparando para responder uma idiotice muito grande, e Dreyko ergueu a sobrancelha como se tivesse sido provocado diretamente.
— Feitiço? Possessãozinha? — disse Dreyko, esticando as palavras com aquela arrogância brincalhona. — Claro que já ouvimos. Porra, a gente é literalmente o grupo mais informado dessa escola. A gente sabe de tudo, absolutamente tudo.
Tioran deu um tapa forte no ombro dele, rindo alto, quase derrubando o próprio copo, e virou o corpo na direção de Firefy com um sorriso torto.
— Pelo amor de Deus, não cai nessa. Esse idiota só lê revista barata que tem bruxa de biquíni na capa — disse ele, balançando a cabeça. — Aqui não tem mago fodão, nem feiticeiro oculto, nem caralho nenhum desses filmes. Aqui só tem syntrahs como nós, gente com poderzinhos de nascença. Feitiçaria de verdade é pra quem vai pras escolas separadas pelo governo, lugares que eles escondem a milhas daqui. Eles não misturam "inferior" com mago.
Os dois garotos mais ao fundo, Kaelun e Ezven, riram com aquela animação irritante de quem já sabe o que vai acontecer e puxaram três jornais velhos de uma pilha caótica no canto. Jogaram os papéis na mesa com um baque seco, levantando poeira.
— Aqui, ó — disse Kaelun, empurrando um jornal pra perto dela. — Isso aqui fala de casos sombrios que aconteceram na cidade, tem até da velha cadeirante que morreu há uns vinte anos. A bruxa louca era obcecada por essa escola, ficava dizendo que tinha maldição, possessão, essas merdas todas por aqui.
Ezven se inclinou pra frente, os olhos estreitos como se estivesse prestes a contar um segredo proibido.
— E não é só isso. A véia vivia falando que quando a Lua de Sangue voltasse, ia trazer problema pro mundo inteiro de Aflhenia. Uma maldição sem fim, caos total. E se tu procurar direito, vai ver que a escola já passou por umas paradas bem feias. Tipo aparição, aluno enlouquecendo, magia fora do controle, essas histórias que ninguém gosta de admitir que são reais.
Kaelun mexeu nos jornais, espalhando páginas amarelas, e apontou para manchetes antigas, algumas borradas, outras quase ilegíveis.
— Tem um monte de gente que jura que viu sombra andando sozinha nos corredores. Outros falam que ouviam vozes nas paredes, como se a escola tivesse uma consciência velha e doente. Parece até que o prédio carrega coisas ruins desde antes da gente nascer, cheio de mistério que ninguém tem coragem de encarar.
Firefy folheou as páginas devagar, sentindo o cheiro de poeira subir com cada movimento. As matérias eram curtas, os textos confusos, mas havia um padrão perturbador ali: a tal mulher era considerada insana, mas suas previsões e suas "obsessões" tinham a escola como ponto central. A menção da Lua de Sangue fazia seu estômago apertar, como se algo estivesse coincidindo cedo demais com tudo que tinha acontecido nos últimos dias.
— Esses jornais... alguém sabe de que ano são? — perguntou ela, tentando manter o tom desinteressado, mas os olhos examinavam obsessivamente o rodapé.
Selindra deu de ombros, relaxando na cadeira.
— Boa pergunta. A gente achou isso aí num brechó perto do centro. Tava empoeirado, no meio de uns quadrinhos velhos. Mas parece ser bem antigo, da época em que essa velha morreu. Deve ter uns vinte anos, fácil.
Malrik, que estava encostado na parede, ergueu a mão preguiçosamente.
— Pode apostar que é dessa época aí. Ninguém liga pra esses jornais velhos, mas se tu curte história estranha, pode levar. Não vai fazer falta pra gente.
Firefy segurou o jornal com cuidado, como se estivesse lidando com algo frágil e perigoso ao mesmo tempo, e sentiu o coração bater um pouco mais rápido.
— Valeu, sério. Isso pode... sei lá, ser útil pra uma coisa minha.
Selindra riu de leve, coçando a nuca.
— Pode ficar então. Quem sabe tu não descobre algo que a gente deixou passar? Só não volta possuída, beleza? A gente já tem problema demais.
O quarto abafado dos garotos parecia sugar o ar dos pulmões, e assim que Firefy empurrou a porta e saiu para o corredor fresco, respirou fundo como quem volta à superfície depois de muito tempo submersa. O corpo dela relaxou de imediato, e ela apertou o jornal contra o peito, como se fosse um pedaço roubado de algum arquivo proibido, e caminhou depressa pelo corredor silencioso, ouvindo o eco das próprias botas enquanto subia as escadas para o dormitório da Ártemis, onde havia combinado de encontrá-la junto com Glomme. O coração batia inquieto, e cada passo parecia arrastar consigo a sensação de que aquele jornal velho escondia mais do que deveria.
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