Volume 1 – Arco 1

Capítulo 22: Olhar Ferido - Parte 1

5 de abril de 2019

Na enfermaria, pela manhã. O brilho no olho esquerdo de Firefy parecia mais intenso sob as luzes frias do ambiente, como se pequenas chamas estivessem se fundindo e dançando dentro de sua própria íris. A cor alaranjada e dourada consumia sua pupila e esclera, tornando-se um redemoinho vivo. Ela mantinha-se imóvel, os dedos apertando o lençol da cama enquanto os médicos e a enfermeira examinavam seu rosto com olhares atentos.

— Você tem certeza de que ninguém na sua família passou por algo assim antes? — Um dos médicos questionou, olhando para ela com um misto de preocupação e curiosidade.

Firefy desviou os olhos para ele, a pupila oscilando ligeiramente, como se reagisse à pergunta.

— Nunca ouvi falar disso — sua voz saiu mais baixa do que o normal, carregada de incerteza.

— Dói? — perguntou o outro médico, a voz neutra, mas com um fundo de preocupação.

Firefy piscou devagar, sua pupila brilhante oscilando ligeiramente.

— Não. Não é bem dor — ela hesitou, buscando as palavras certas. — É... como se estivesse queimando por dentro, mas sem me machucar.

Os médicos trocaram olhares rápidos antes de um deles se aproximar mais, analisando de perto a oscilação mágica em seu olho.

— Você tem certeza de que ninguém na sua família passou por alguma transformação espontânea, algum tipo de evolução mágica?

Firefy franziu a testa, o incômodo crescendo em seu peito.

— Eu já disse... nunca ouvi falar disso antes. Nenhuma fada da minha família mudou assim.

Ártemis, que estava ao lado, inclinou-se um pouco, sua voz saindo hesitante:

— Pode ser o estresse.

Firefy virou o rosto na direção dela, suas feições endurecendo por um segundo. A ideia parecia óbvia agora que ela ouvia em voz alta. Fazia sentido. Todo o peso que ela vinha carregando, a preocupação constante com Gumer, a impotência esmagadora... era como se seu próprio corpo estivesse explodindo por dentro, encontrando uma forma de manifestar todo o caos que ela não conseguia processar.

Os médicos trocaram olhares entre si antes de um deles se aproximar mais.

— O estresse pode ser um fator determinante. Emoções reprimidas, principalmente em seres mágicos, podem acabar influenciando o corpo de formas inesperadas. Se existe uma energia contida dentro de você há muito tempo, o corpo pode encontrar uma maneira de manifestá-la sem que você esteja mentalmente preparada para isso — o segundo médico anotou algo no prontuário. — Você tem passado por alguma situação que possa estar desencadeando isso? Algo que esteja consumindo sua energia emocional?

O estômago de Firefy revirou. Cada noite mal dormida, cada pensamento sufocante sobre Gumer, cada vez que sentiu ódio de si mesma por não poder ajudá-lo, cada vez que sentiu a escola como uma prisão... tudo aquilo se acumulava dentro dela como uma bomba prestes a explodir. Mas falar sobre isso? Como se palavras fossem resolver algo?

A enfermeira percebeu seu desconforto e tocou seu braço com gentileza.

— Você não precisa responder agora. Tem tempo para se abrir quando estiver pronta. Mas precisa entender que seu corpo está tentando te dizer algo. Se não encontrar uma forma de aliviar essa tensão, pode acabar piorando.

Firefy assentiu devagar, mas a sensação de sufocamento continuava apertando seu peito, como se algo invisível estivesse prendendo sua respiração. Cada batida de seu coração parecia desproporcionada, refletindo o pulsar inquieto da energia mágica dentro dela.

O médico suspirou, fechando o prontuário com um gesto calmo, mas seu olhar carregava uma preocupação velada. Com um tom paciente, explicou que o primeiro passo seria o descanso. Manter uma rotina mais calma e estruturada poderia ajudar, e um remédio leve seria o suficiente para conter aquela atividade mágica até que seu corpo encontrasse um equilíbrio. Mas, se a situação piorasse, novas investigações seriam necessárias.

Firefy apenas assentiu. O peso da exaustão a impedia de discutir ou sequer questionar o diagnóstico. Quando recebeu os remédios e se deitou em seu dormitório, esperando que o sono aliviasse o desconforto, percebeu que aquilo não iria embora tão facilmente. O brilho em seu olho continuava a pulsar, insistente, como uma centelha viva que não queria se apagar. Algo dentro dela estava mudando—crescendo, se expandindo, tomando espaço—e, por mais que tentasse, não sabia se conseguiria impedir.


Algumas horas se passaram, e a manhã cedeu espaço à tarde sem pressa. No internato escolar, o sol subiu no céu, aquecendo suavemente o ambiente, enquanto as sombras se encurtavam. A luz, antes dourada e suave, agora era mais intensa, iluminando cada detalhe com clareza. O vento, antes fresco, trazia um calor leve, marcando a transição sutil do dia.


No dormitório de Ártemis e Leonarda. O ambiente estava silencioso. Ártemis estava sentada na cadeira da escrivaninha. Glomme estava no chão, encostado na parede, com as pernas esticadas, confortável sobre um travesseiro. Leonarda e Tiruli estavam deitados na beliche de cima no canto esquerdo do quarto, e Vanpriks, jogada no colchão inferior embaixo de Tiruli e Leonarda, olhando para cima sem dizer nada.

A conversa no quarto ia e vinha em ondas, entre assuntos sérios e distrações passageiras. O peso das últimas semanas ainda pairava sobre eles, como uma sombra silenciosa que se recusava a ir embora.

Glomme parecia inquieto, os dedos traçando padrões invisíveis na madeira enquanto falava:

— Mas os artefatos amaldiçoados... — ele falou, sua voz baixa, quase como se estivesse falando consigo mesmo. — A gente pode encontrar algo neles. Alguma pista de quem os amaldiçoou. Talvez os símbolos que vi na biblioteca tenham ligação com isso.

Tiruli, deitado com um dos braços servindo de apoio, ficou tenso ao ouvir aquilo. Seu coração bateu mais forte. Kaldorak. Aquele nome ecoou em sua mente como um sussurro indesejado. Naala havia avisado... Glomme estava chegando perto de algo perigoso, algo que talvez ele não devesse saber. Mas como ele poderia impedir sem chamar atenção?

E agora, ali estava Glomme, com toda sua sede por respostas, cada vez mais perto de algo que talvez não pudesse ser desfeito. Tiruli apertou os lábios, tentando decidir se deveria dizer algo ou simplesmente deixar para lá.

Atrás de Tiruli, Leonarda dividia o colchão, mas não parecia tão presente na conversa.

— Eu não vou poder ir — ela murmurou, virando-se de costas para a parede. — Tenho uns problemas com a minha tia. Coisa de família.

A forma como ela falou deixou claro que não queria entrar em detalhes. Ninguém insistiu.

Ártemis estava sentada na cadeira, seus dedos levemente tocando suas coxas enquanto observava Glomme no chão e Vanpriks na cama. Seus olhos alternavam entre os dois. Ela empurrava a cadeira de um lado para o outro com os pés, enquanto falava:

— Trrira já tinha falado sobre as visões semanas atrás... — murmurou. — A gente está perto de descobrir algo, todos sentimos isso.

Vanpriks, que até então estava deitada de qualquer jeito, suspirou e cruzou os braços atrás da cabeça.

— Eu tô dentro. Quero saber o que a Trrira viu. Essas visões... Estou curiosa.

Ela falava de um jeito casual, mas havia um brilho de interesse real em seus olhos.

Glomme olhou para os amigos, buscando alguma resposta nos rostos deles. Ele entendia que aquilo era perigoso. Mas o que mais o incomodava era a sensação de que, se não descobrissem logo, Gumer ficaria cada vez mais distante. Ele não queria perder mais ninguém.

Tiruli queria falar. Queria avisá-lo. Dizer que certas perguntas não deviam ser feitas porque as respostas podiam ser piores do que eles imaginavam. Mas algo o impediu. Medo? Insegurança? Ou talvez fosse o fato de que, no fundo, ele sabia que ninguém ali estava pronto para desistir. Tiruli era novo ali, e mesmo com a vontade de entregar tudo, a Naala e a ele, algo dentro dele o segurava. Quando mentiram para Glomme, dizendo que não haviam encontrado nada, e ele e Naala já sabiam a verdade, mas decidiram esconder do grupo. A culpa o atormentava, mas o medo de quebrar o vínculo com os outros, de colocar tudo em risco, o impedia de falar.

Então, ele apenas suspirou, se deitou completamente e ficou olhando para o teto, perdido em pensamentos.

Depois de combinarem o horário para a tarde do dia seguinte, a conversa mudou para bobagens, piadas sem sentido e assuntos aleatórios. O peso do tema anterior não desapareceu, mas ficou temporariamente encoberto pela tentativa de leveza. Algumas risadas foram compartilhadas, mas Tiruli ainda sentia aquele aperto no peito.

E quando o sinal para a próxima aula tocou, Tiruli se perguntou se no dia seguinte não estariam abrindo uma porta que deveria permanecer fechada.


A sala de aula de História da Magia estava em silêncio, exceto pela voz firme e envolvente da professora Lira. O grande quadro negro atrás dela estava preenchido com símbolos arcanos e esquemas explicativos sobre as diferentes tradições mágicas ao longo dos séculos. O cheiro de pergaminhos envelhecidos e tinta mágica pairava no ar, misturando-se ao leve aroma de incenso que Lira costumava usar para manter a concentração dos alunos.

— A magia, como tudo neste mundo, tem seus altos e baixos. Mas a feitiçaria, por exemplo, é a mais organizada dentre todas — Lira falava com gestos controlados, sua presença imponente. Seus olhos percorreram os alunos com atenção, certificando-se de que estavam absorvendo as informações. — Ser um feiticeiro exige muito mais do que talento. Conhecimento e prática são essenciais. Por isso, bruxas fazem parte de covens, e feiticeiros são vinculados a grupos ou famílias. Mago, mágico, feiticeiro... São etiquetas que vêm acompanhadas de uma responsabilidade imensa.

Os alunos ouviam atentamente, alguns anotando em pergaminhos, outros simplesmente absorvendo a aula. No fundo da sala, Icegren cruzava os braços, apoiada contra a mesa, enquanto observava a professora com um olhar avaliador. Evelyn Evie, por outro lado, parecia inquieta. Seus dedos tamborilavam levemente na madeira da mesa, e seu olhar estava fixo em Lira, como se estivesse esperando o momento certo para intervir.

— Em Alfhenia — continuou Lira, sua voz assumindo um tom mais sério —, o uso da magia é totalmente controlado e regulado de maneira severa. Tentativas de praticar magia independente, sem a devida autorização ou sem pertencer a uma ordem reconhecida, resultam em exílio, absorção forçada ou até mesmo morte.

Um murmúrio percorreu a sala, uma mistura de espanto e reflexão. Alguns alunos trocaram olhares preocupados, enquanto outros apenas registravam a informação. Foi então que Evelyn se levantou abruptamente de sua cadeira.

Todos os olhares se voltaram para ela. O silêncio que se seguiu foi quase sufocante.

Evelyn caminhou até o quadro com passos controlados, seu olhar determinado. A professora Lira arqueou uma sobrancelha, surpresa com a interrupção, mas permaneceu em silêncio, esperando para ver o que a aluna diria.

— Então, para ser um feiticeiro, mágico ou mago, deve-se nascer com magia e ter uma boa experiência com a organização de feitiços e recitações, né? — Evelyn perguntou, sua voz ecoando na sala.

Lira inclinou a cabeça, tentando entender aonde Evelyn queria chegar, mas acabou concordando com um aceno.

— Sim, Evelyn, é exatamente isso. O domínio da magia requer estrutura e disciplina. É por isso que vocês estão aqui, estudando — Lira passou os olhos pela turma antes de fechar o livro com calma exagerada. — Durante esses três anos, vocês se preparam não apenas para aperfeiçoar suas habilidades, mas também para obter a licença mágica no final do terceiro ano. Sem ela, nenhum meta-humano pode atuar legalmente em Hiden. No futuro, essa licença permitirá que cada um de vocês busque um emprego que esteja alinhado com seus poderes e suas magias.

Evelyn então virou-se para os alunos, um sorriso surgindo em seus lábios.

— Estão ouvindo isso? Para serem magos, vocês precisam ser responsáveis e organizados, exatamente como eu!

Alguns alunos trocaram olhares desconfortáveis. Outros riram baixinho. Evelyn começou a contornar o assunto, gesticulando com confiança enquanto se dirigia à turma.

— Por isso mesmo, eu sou a pessoa perfeita para ser a diretora da turma! Eu tenho ótimas ideias para melhorar a nossa organização e garantir que o segundo ano seja ainda melhor. Eu vou concorrer e conto com o voto de todos vocês.

Lira estreitou os olhos. Agora tudo fazia sentido. Evelyn não estava interessada em magia organizada—ela estava apenas usando a aula como plataforma para sua campanha. A professora suspirou, percebendo a estratégia da aluna.

Antes que pudesse intervir, porém, um barulho ecoou pela sala.

Icegren havia se levantado.

A expressão dela era inabalável, seus olhos azul-ciano brilhavam com intensidade. Ela cruzou os braços e caminhou alguns passos à frente, deixando sua postura calma e seu olhar predatório dominar a sala.

Ahelys estava sentada na cadeira, com as mãos apoiadas sobre a mesa escolar atrás de Icegren. Seu olhar se ergueu lentamente, a surpresa discreta se refletindo em seu rosto enquanto observava a amiga em silêncio.

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