Volume 1 – Arco 1

Capítulo 20: Três Mentes - Parte 4

A frustração cresceu dentro dele como um nó apertado no peito. Ele apertou os punhos e socou as coxas com força, tentando descontar a raiva na própria pele. O impacto ecoou pelo dormitório vazio, mas não aliviou a sensação sufocante de impotência.

Ele sentia os olhos arderem, e antes que pudesse evitar, as lágrimas começaram a se acumular.

Ele só queria estar perto do Gumer. Só queria o abraço apertado dele, aqueles braços fortes que o envolviam sempre que ele se sentia perdido. Queria os beijos brincalhões que Gumer dava em sua testa ou no topo de sua cabeça, o jeito despreocupado e protetor que fazia tudo parecer mais fácil. Gumer era como um irmão mais velho, sempre ali, sempre apoiando, sempre garantindo que ele soubesse que não estava sozinho.

Mas Gumer não estava ali agora.

Ele odiava não conseguir falar com Firefy, odiava depender de alguém para fazer os dois se soltarem. Firefy sempre parecia tão distante, e Glomme nunca sabia o que fazer para quebrar essa barreira. Sentia que, não importa o quanto tentasse, nunca conseguia se aproximar completamente.

E Ártemis... ela só queria ficar com Firefy. Sempre ao lado dela, sempre conversando, rindo, compartilhando momentos. Nunca sobrava espaço para ele.

Ele apertou os olhos, tentando conter as lágrimas que ameaçavam escorrer por seu rosto.

Ele finalmente tinha encontrado alguém legal como Gumer. O Tiruli. Tiruli era inteligente, curioso, engraçado. Ele compartilhava da mesma sede de conhecimento, da mesma necessidade de entender o que ninguém mais entendia. Mas Glomme não sabia se podia ter esperança. Ainda achava que Tiruli era hétero. Que, no fim das contas, preferia Naala.

O pensamento fez seu estômago se revirar. Ele odiava sentir essas coisas, odiava se importar tanto, odiava como essas dúvidas o faziam se sentir pequeno e fraco.

Ele limpou o rosto com a manga do uniforme, sua garganta apertada. Ainda tinha aula. Ainda precisava resolver esse mistério. Mas, naquele momento, nada disso importava.

Naquele momento, tudo o que ele queria era um abraço.


Em outra parte da escola, Naala caminhou até a porta do escritório de Lira e bateu suavemente, esperando a resposta da professora.

— Pode entrar, Naala — Lira disse, com um sorriso caloroso, gesticulando para que ela se aproximasse.

A voz de Lira, gentil e acolhedora, convidou Naala a adentrar. Lira estava sentada atrás de uma mesa cheia de papéis, organizando anotações para as próximas aulas. Naala sentiu um calor no peito ao ver a professora; ela sempre a tratava com tanto carinho, como se fosse mais que uma aluna.

Naala respirou fundo antes de dar o passo para dentro, nervosa, aproximou-se e puxou uma cadeira, colocando-a ao lado da professora antes de sentar. Ela respirou fundo, o peso daquilo tudo apertando seu peito.

— Professora, eu preciso de ajuda... — disse, a voz tensa.

Lira franziu a testa, percebendo a seriedade na voz de Naala. Ela a olhou com mais atenção enquanto a jovem abria seu caderno e o colocava sobre a mesa, apontando os símbolos desenhados, seus dedos tocando os contornos com cuidado.

Quando Lira viu os símbolos, seu rosto ficou pálido, os olhos se arregalando em choque.

— Onde você encontrou isso? — ela perguntou, quase sussurrando.

Naala olhou para ela, um pouco hesitante, mas respondeu com sinceridade.

— Na biblioteca... Eles estavam lá, em livros antigo.

Lira engoliu em seco, seus dedos tremendo levemente enquanto ela olhava novamente para os símbolos.

— Esses... Esses símbolos são extremamente perigosos. Foram apagados dos registros por um motivo. Se alguém de fora descobrir que os alunos aqui sabem sobre eles, a escola... a escola pode estar em risco.

Naala sentiu o peso das palavras de Lira e, por um momento, não soube o que dizer. Ela olhou para os símbolos novamente e depois para a professora, sentindo um nó na garganta.

— Mais alguém sabe sobre isso além de você? — Lira perguntou, seu tom mais grave.

Naala hesitou, mas acabou confessando.

— O Glomme está atrás desses símbolos... Ele descobriu que têm relação com uma Lua de Sangue e... alienígenas. E o Tiruli também está ajudando a investigar. E todos os amigos do Glomme estão envolvidos nisso também. Nós achamos três símbolos na biblioteca e... acredito que devem haver mais espalhados por Michilli.

Lira ficou atônita, seu olhar fixo em Naala enquanto processava as palavras dela.

— O Glomme está envolvido em tudo isso? — Lira parecia em choque. — Ele não pode descobrir mais.

Naala ficou em silêncio, o peso da preocupação crescendo dentro dela. Ela não sabia o que fazer.

Lira suspirou profundamente, afastando-se da mesa. Seus olhos estavam cheios de uma sabedoria pesada, como se ela tivesse algo muito importante a dizer, algo que não deveria ser compartilhado. Ela olhou para Naala, seus olhos se estreitando com a seriedade de suas palavras.

— Esses símbolos, Naala, são variantes de feitiçarias muito antigas. Eles estão ligados a uma língua omniversal, uma língua usada em todos os infinitos cosmos. Mas foi banida de Alfhenia, há muito tempo.

Naala ouviu cada palavra atentamente, absorvendo tudo como se fosse um segredo guardado há séculos.

— Por que baniram essa língua? — Naala perguntou, tentando entender o motivo de tamanha proibição.

Lira fechou os olhos por um momento, como se pesasse o que iria revelar.

— Para impedir os meta-humanos de se comunicarem com outros planetas, de expandirem seu conhecimento e poder. Os humanos desse planeta queriam se isolar, queriam ser os seres mais evoluídos, criando suas próprias línguas, afastando-se de outras espécies.

Naala ficou em silêncio, perplexa. Ela não sabia que a história de Alfhenia escondia algo tão profundo. Lira continuou, sua voz mais suave, mas carregada de um pesar antigo.

— Eu sei disso porque ainda existem relatos de Deuses, de seres que viveram ao longo do tempo e falaram sobre isso. Mas a língua... a língua se perdeu. Só os alienígenas e heróis cósmicos sabem dela. Esses heróis, no entanto, abandonaram Alfhenia há séculos. Não há mais heróis capazes de atravessar o espaço como antes. Todos os heróis e meta-humanos estão limitados a este planeta agora.

Naala estava completamente em choque. Ela nunca imaginou que fosse ouvir algo tão grandioso e aterrador.

Lira olhou para ela, seus olhos fixos, quase como se tentasse avaliar se Naala estava pronta para ouvir mais. Ela respirou fundo antes de falar.

— É impossível aprender essa língua. Não é algo que qualquer um possa aprender. O Glomme... ele é inteligente demais. Ele é um Goblin híbrido, diferente dos outros. Ele é descendente das florestas, e usa a magia verde, a mais antiga antiga que existe. A capacidade intelectual dele é maior do que qualquer humano... Por isso, você precisa entender a gravidade disso, Naala. Ninguém das florestas pode saber sobre essa língua. É por isso que não existem mais nenhum ser com superinteligência. Todos eles são mortos ou têm seus poderes extraídos pelos governos.

Lira olhou para Naala com seriedade absoluta, quase como se fosse uma ordem.

— Você não pode contar a ninguém sobre isso. Não pode contar nem ao Glomme. Ele não pode descobrir sobre a língua, porque se ele souber, ele estará em risco. E você... você deve prometer que não dirá que fui eu quem lhe contou tudo isso.

Naala ficou completamente paralisada, seu coração batendo mais rápido. Ela sabia que a história que acabara de ouvir mudaria tudo. Mas, ao mesmo tempo, sentiu uma responsabilidade imensa.

— Eu prometo... — Naala murmurou, ainda pasma com a gravidade da revelação.

Lira olhou para ela uma última vez, seu olhar se suavizando, como se esperasse por essa promessa.

— Então é melhor que você vá. Não fale com ninguém sobre isso, Naala. E mantenha a segurança de todos, inclusive a sua.


Naala saiu da sala de Lira com a mente girando. Cada palavra da professora parecia ainda ressoar dentro dela, como se tivesse sido atingida por uma tempestade de revelações. Ela andava apressada pelos corredores, tentando processar tudo o que acabara de ouvir. Sua respiração estava mais acelerada do que o normal, e seus passos, instintivos, a levaram até o refeitório.

Lá, ela encontrou Tiruli, que a chamou em voz alta, o que fez com que Naala se aproximasse e se sentasse ao seu lado. Tiruli, com um sorriso que tentava disfarçar a curiosidade, sabia que ser visto com ela em público era diferente pois pensariam que ele estava namorando ela, o que tornava tudo mais fácil. Diferente dele e Glomme, por exemplo, se fosse visto com o Bambi verde, as coisas poderiam ser complicadas para ele.

Assim que ela se sentou, Tiruli logo percebeu que algo estava errado com Naala. Ela parecia tensa, diferente de antes. Ele a observou por um momento, então perguntou:

— Está tudo bem, Naala?

Ela negou, um pouco nervosa, mas não enganou Tiruli, que franziu o cenho e insistiu:

— Você está mentindo. Pode me contar, sabia? Eu gosto de você, e não posso confiar em você se não for sincera comigo.

Naala suspirou fundo, não queria mentir para ele, mas também não sabia como contar tudo o que acabara de aprender com Lira. Ela ficou em silêncio por um momento e, então, pediu para Tiruli prometer que não contaria a ninguém, muito menos a Glomme. Ele garantiu que não contaria, e foi aí que ela começou a falar, baixinho, para que ninguém mais ouvisse. Ela contou tudo o que Lira lhe disse. Naala ainda insistiu que ninguém poderia saber disso, especialmente Glomme.

Tiruli, ao ouvir tudo, parecia um pouco chocado, mas, ao mesmo tempo, não parecia tão surpreso quanto Naala esperava. Ele parecia mais calmo do que ela imaginava. Depois de um momento de silêncio, ele falou, como se estivesse aceitando aquilo com uma naturalidade um tanto desconcertante:

— Eu... Eu não imaginava que o governo fosse tão egoísta assim... — ele murmurou. — Mas, pelo visto, o mundo em que vivemos não é tão simples quanto parece, né?

Naala, ao ouvir sua resposta, ficou em silêncio, pensativa. Ela havia falado tudo, mas agora, com a reação de Tiruli, começou a questionar se aquilo realmente era tão extraordinário assim. Talvez ela só estivesse exagerando.

O clima na mesa de repente ficou mais descontraído, enquanto os dois conversavam sobre outros assuntos, tentando aliviar a tensão do momento.

Mas de repente a conversa foi interrompida por Makkolb, que se sentou na mesa deles com um olhar desconfiado. Tiruli ficou visivelmente tenso ao vê-lo, e Naala sentiu a atmosfera ao redor deles mudar.

— Então, quem é a namorada, Tiruli? — Makkolb perguntou, com um sorriso sarcástico no rosto, observando-os com um olhar analítico.

Tiruli, visivelmente nervoso, deu uma risadinha sem graça, mas antes que pudesse responder, Naala, tentando parecer tranquila, falou rápido:

— Sim, nós estamos namorando.

Makkolb não parecia satisfeito com a resposta e, com um olhar fixo e intimidante, mandou que eles se beijassem. Naala e Tiruli trocaram olhares nervosos, ambos sentindo a pressão de Makkolb, que claramente sabia que eles estavam mentindo. A situação estava ficando cada vez mais desconfortável, e o que começou como uma brincadeira se tornou algo sério demais.

O pedido fez com que ambos ficassem tensos. Tiruli e Naala trocaram olhares rápidos, ambos com medo do que Makkolb poderia fazer se eles não seguissem suas ordens. Com o coração batendo rápido, Tiruli, ainda tremendo, se aproximou de Naala. Eles se beijaram rapidamente, mas, ao olhar para Makkolb, perceberam que ele não estava convencido. Ele queria mais.

— Agora, um beijo de língua — Ele disse com uma expressão fria. sabendo que eles estavam mentindo.

Naala riu de nervoso, sem saber como lidar com a situação, mas os dois estavam tão desesperados por sair daquela situação sem mais problemas, que se aproximaram novamente e, dessa vez, se beijaram com mais intensidade, como Makkolb queria. O beijo foi tão desajeitado quanto forçado, mas parecia ser o suficiente para agradar Makkolb, que agora estava com um sorriso de satisfação no rosto. Ele observava com uma expressão séria, sem deixar escapar nenhum detalhe.

Quando finalmente pararam, Makkolb se levantou, rindo e batendo nas costas de Tiruli, de maneira exagerada, como se estivesse satisfeito com o que acabara de presenciar.

— Foi só um beijinho, hein, Tiruli? — Makkolb disse enquanto saía, rindo sarcasticamente enquanto se afastava.

Quando Makkolb se foi, Naala e Tiruli ficaram sentados ali, ofegantes e nervosos. O medo ainda pairava no ar, e ambos estavam em choque. A sensação de alívio era quase palpável, mas o desconforto de tudo o que haviam acabado de passar ainda os consumia.

— Foi... estranho, né? — Tiruli tentou sorrir, mas não conseguiu esconder o nervosismo.

Naala assentiu, o olhar distante. 

— Sim, foi humilhante. Makkolb sabia que estávamos mentindo.

— Não tínhamos escolha — Tiruli passou a mão no rosto, frustrado. 

Naala respirou fundo, olhando para ele.

 — Só... não sei o que pensar agora. Parece que estamos criando uma mentira em cima da outra.

Tiruli a olhou, compreendendo o peso das palavras dela. 

— Talvez a gente precise de um tempo para pensar em tudo isso.

Naala assentiu. Sem mais palavras, os dois se levantaram e saíram do refeitório em silêncio, sabendo que, no fundo, as coisas entre eles nunca seriam as mesmas.

Apoie a Novel Mania

Chega de anúncios irritantes, agora a Novel Mania será mantida exclusivamente pelos leitores, ou seja, sem anúncios ou assinaturas pagas. Para continuarmos online e sem interrupções, precisamos do seu apoio! Sua contribuição nos ajuda a manter a qualidade e incentivar a equipe a continuar trazendos mais conteúdos.

Novas traduções

Novels originais

Experiência sem anúncios

Doar agora