Volume 1

Capítulo 8: A Balada da Segunda Chance

Novamente na única cidade que conhecia, o homem-cão chegou já sem medo dos olhares e julgamentos dos cidadãos locais. Contudo, nessa visita, havia uma comoção muito maior na cidade, e toda a população parecia estar eufórica nas ruas. 

Eram inúmeras e coloridas caravanas de comerciantes que chegaram na cidade, com seus produtos exóticos e variados trazidos dos lugares mais distantes deste mundo. Não só os itens eram singulares e estranhos, mas também seus mercadores que se adornavam com ouro e pedras preciosas, ou tinham tatuagens que emitiam luz própria, assim como também se mexiam em alguns casos. Era tudo um show a parte de extravagâncias e excentricidades que faziam valer a pena sair de casa naquele dia. 

Impressionado e sempre curioso, o homem-cão vê ali uma ótima oportunidade de descobrir mais sobre tudo que ele não conhecia deste mundo. 

Materiais exóticos, poções e bebidas estranhas, armas e ferramentas exuberantes, tudo era digno de atenção nesse passeio, mas dentre essas, apenas uma se destacou em meio a todos aqueles itens. 

Era uma melodia que ecoava por toda a feira da cidade. Melodia essa, que espalhava um som harmônico e agradável por todos os cantos onde passava, e trazia razoável ânimo para um interior já tão cansado que o homem-cão possuía. 

E após procurar um pouco, ele finalmente encontra um comércio que se localizava quase ao final da feira. Essa barraca com certeza era a origem dessa música peculiar e envolvente. E dessa forma, o homem-cão começou a se aproximar devagar, enquanto desfrutava da melodia tão viva, que o enchia de energia e força. 

Ao chegar, ele vê uma barraca grandiosa, tanto em aparência quanto em tamanho, e cheia de instrumentos musicais que brilhavam com luz própria, onde em seu interior havia um homem tocando um instrumento, que mais se assemelhava com uma guitarra bem rústica e brilhante, e de onde se originava aquela melodia espirituosa. Assim, o homem-cão fica em frente da barraca apreciando a melodia que se destacava de tudo ao seu redor. E vendo o interesse daquele ser destinto na multidão, o mercador que tocava o instrumento o indaga.

– Você gostou lycan!? 

O homem-cão, no primeiro momento, olha em volta sem saber que a pergunta se direcionava a ele, e por isso o mercador insiste.

– É você mesmo pequeno lycan! Tanto o que eu toco, quanto qualquer outro que tenho aqui podem ser seus he!he!he!...Você só precisa do valor correto.

O homem-cão então olha para seus únicos pertences, uma espada estranha, e um par de gemas azuis. E após pensar um pouco, ele os mostra para o mercador um pouco relutante. Mas o mercador rapidamente se prontifica a avaliar os itens a ele oferecidos. E logo ele se desfaz da espada dizendo.

– Blargh! Isso é lixo! Anda! Tira essa coisa de perto dos meus instrumentos!!!

Mas, quanto às gemas, ele retém com um sorriso malicioso, e buscando uma espécie de monóculo em seus pertences para lhe auxiliar, o mercador começou observar os detalhes das pedras em sua posse. Observando e avaliando por uns cinco minutos, o mercador finalmente para de olhar no monóculo e diz.

– Vira-latas… Só não chamo os guardas... porque é uma falsificação em vidro muito interessante! Mas aqui você não vai comprar nada com isso! Agora se manda vai! vai encher o saco de outro anda!

Dessa forma, o homem-cão pegou de volta seus pertences, e olhou para as gemas com um semblante decepcionado, já que aquela mulher assustadora deu a entender que eram um presente muito valioso. Então ele suspirou entristecido, e se preparou para seguir o seu caminho cheio de incertezas. 

No entanto, ao se virar, dá de cara com um dos poucos rostos conhecidos que ele tinha naquele momento. Paragor o olhava com um aspecto que mesclava a raiva, por o homem-cão ter fugido, e o alívio, por ter o encontrado de volta, e novamente fala com o homem-cão, esperando convencê-lo a aceitar sua proposta.

– E então!?... Já ficou rico!?...Ou então fez renome em algum exército!?... Se tornou um comerciante internacional!?... Heim?...E aí? Acertei?... Porque… se você saiu da minha hospitalidade pra vir dormir na rua de novo… eu juro que vou te chutar até minha perna crescer de novo, seu cachorro maldito!

O homem-cão ouve Paragor, mas diferente da última vez, ele não se sente intimidado, nem humilhado pelas palavras provocativas do anão sem uma perna. Essa mudança de sentimentos pode se dever ao contraste de agora, um momento mais calmo e contemplativo que se difere com o momento tão conturbado e temeroso que foi o primeiro encontro dele com esse velho homem baixo e barbudo. Ou também, por entender que a proposta oferecida é uma boa chance de ganhar algo de bom nesse mundo, completamente novo em que o homem-cão foi inserido bruscamente. No entanto, é mais provável que tenha visto com seus próprios olhos, que não teria outra escolha se quisesse ter chance de sobreviver até a próxima noite nesse lugar. E assim, mais calmo, o homem-cão responde a Paragor.

– Não senhor… Não fiquei, nem virei nada disso não senhor...

– Hum, que pena! – Fala Paragor – Mas e então já que estamos aqui… Agora é você que vai me convencer do porque que eu devo te ajudar garoto!... E é melhor ser mais convincente do que eu fui...

O homem-cão então fala a única coisa que ele conseguiu pensar naquele momento.

– … Dessa vez… eu vou ouvir o senhor… Eu prometo… 

Paragor olha diretamente para ele, e então sorri dizendo.

– He!He!... Começou bem… Agora vem comigo!! Nossa conversa não interessa a ninguém nessa baderna!

E seguindo Paragor, o homem-cão chegou, já próximo ao anoitecer, na mansão em ruínas do anão. E entrando sem cerimônia, os dois vão direto para o outro cômodo, que era usado como cozinha, apesar de estar mobiliada com algumas camas espalhadas. E logo Paragor convida o homem-cão para se sentar junto com ele em uma mesa de jantar com bancos largos para várias pessoas. E se sentando à mesa, um de frente para o outro, Paragor inicia sua conversa.

– Bom… Então agora que vamos conversar de verdade… Você pode começar me falando quem é você?

O homem-cão, mais disposto a cooperar com Paragor, o responde.

– … Eu não lembro de muita coisa, senhor… Eu só lembro de acordar na beira de uma encosta cheio de machucados e vir pra cá pra essa cidade senhor...

Paragor, um pouco pensativo, responde ao homem-cão.

– … É… Faz mais sentido que a sua outra história furada… E você tem cara mesmo de vira-latas sem dono… Bom… Então é isso… Agora é nossa vez! Essa atrás de você é a Novah.

O homem-cão se surpreende, já que não havia ninguém atrás dele quando se sentou. Então ele se virou desacreditando nas palavras de Paragor, no entanto, ali estava ela, calada, e sempre de olhos fechados, a mulher agora conhecida como Novah saiu de traz do homem-cão e se sentou ao lado do mesmo falando para todos ali.

– Pula essa parte, velho! A Gente vai ter uma eternidade pra se conhecer na viagem. Agora nós precisamos aprender como não ferrar tudo durante o caminho.

Paragor intende o imediatismo de Novah, que esperou sete anos para finalmente seguir seu destino, e começa a resolver os trâmites de seu plano a tanto tempo orquestrado.

– ... Então tá… Garoto cachorro! Eu num sei se já te falei, mas de qualquer jeito vou repetir...Vou dar dinheiro suficiente pra vocês irem até a cidade onde está o destino dela! você não precisa, e nem quer, saber que raio de destino é esse, tá legal!? Mas pode ficar tranquilo que se tudo der certo você vai ter lugar pra morar e ter uma vida decente no que for possível é claro… Você vai manter Novah sempre ao alcance de suas mãos, guiando e informando tudo que ela pedir, sem questionar! Deixe as perguntas para depois da ação! Assim vocês chegam lá sem faltar pedaços, entendeu!?

O homem-cão, alarmado com alguns detalhes do discurso de Paragor, responde.

– ...Háááá… Sim!!... Hãããmm?... Mas calma aí! Mas Como assim "faltar pedaços"!?

– Ei! Foca em obedecer o que eu falei e vai estar tudo bem, ok!? – continua Paragor – … Bom… é uma viagem longa por metade do continente, e vocês irão a pé! Já que é melhor pra passar despercebido. No meio do caminho, vocês ainda irão passar no meio de uma guerra civil bem ativa. Lá, vocês não poderão parar por muito tempo em nenhuma cidade, porque qualquer estrangeiro pode ser considerado espião por qualquer uma das facções de lá. Mas fique tranquilo, garoto cachorro! Novah vai te tirar inteiro de lá! Mas vou falar de novo! Não pergunte! Só obedeça! Aí tudo vai dar certo, entendeu!?

–  ... Entendi... – responde o homem-cão, aceitando a sua única chance de ficar vivo por mais algum tempo.

– Então, pra começar é isso! – Fala Paragor – O resto você aprende melhor na prática. Agora vamos arrumar suas coisas pra viagem.

– Espera! –  Fala Novah.

– O que foi, menina? – pergunta Paragor.

Novah então direciona sua atenção para o homem-cão, e pergunta.

– Até onde vai sua falta de memória?

Paragor um pouco contrariado pergunta a Novah.

– Ué menina!? você num falou pra deixar as conversas pessoais pra depois?

– Não foi isso que eu falei –  responde Novah – E eu quero saber o que ele sabe. Porque eu não quero pedir pra ele me dar minha espada e receber um salame no lugar!

O homem-cão, um pouco ofendido com o tom sarcástico de Novah, a responde para sanar suas supostas dúvidas.

– Eu sei o que é uma espada! Olha só!

Então, o homem-cão pega sua sacola, e à vira na mesa, deixando cair os itens de seu interior.

– Eu tenho até uma comigo! Olha só!

Novah ouviu o som dos itens caindo em cima da mesa a sua frente, e antes mesmo que os objetos parassem de se mexer, ela pôs sua mão rapidamente sobre a espada, o que deixou o homem-cão impressionado, e começou a examiná-la enquanto falava com o homem-cão. 

– … Hum… É realmente um design peculiar… Mas… É só um protótipo...

– Hãm!? Como assim? – Pergunta o homem-cão.

– É verdade – confirma Paragor – É só um protótipo de design de arma que os ferreiros fazem para apresentar aos nobres. Não deve ter nem fio na lâmina. Onde você encontrou isso Garoto?

O homem-cão sem saber o que responder, já que ele havia praticamente roubado a espada, baixa um pouco sua cabeça e fica calado.

– Você roubou não é? – pergunta Paragor.

O homem-cão olha para Paragor, e fala.

– Eu não roubei! Eu tinha um machado quando eu acordei, mas um velho pegou ele e me deixou morrendo lá na floresta! Aí eu melhorei um pouco e fui pegar meu machado de volta! Mas o velho já tinha sumido com ele… Aí… aí eu achei essa espada… e… e...

– E Roubou ela! – fala Novah.

O homem-cão, sem coragem nem mesmo de olhar para Paragor ou Novah, fica quieto novamente.

– E esse velho ainda está vivo garoto? - pergunta Paragor.

– Hããm!? – Fala o Homem-cão – Como assim?!... Eu só peguei a espada!... Vocês acham que eu matei o velho?!

– Não!... Não acredito que você teria coragem. – respondeu Novah. – Pelo menos não de maneira direta.

– … Hum… Está bom então – fala Paragor – Mas e essa gemas, garoto?

– Hã? O que?... Há é! Foi uma senhora assustadora na floresta que me deu. Ela falou pra gente dar um jeito de iniciar, ou abençoar, sei lá, a mulher cega pra depois poder usar essas gemas!

– Há é!? – Pergunta Novah – E o que mais você falou pra essa mulher de mim? Sem autorização é claro!

– Chega Menina! – fala Paragor – Ninguém exigiu segredo dele pra começo de conversa! Agora continua sua história, garoto! Essa mulher é sua conhecida?

– Não mesmo! – retrucou o homem-cão. – Eu dei de cara com essa mulher toda chique na floresta examinando um cristal grandão que estava lá!!

– Não tem cristais na floresta! – afirma Novah.

– Mas tem um grandão lá na parte de cima da floresta! Eu vi! E essa mulher estava lá estudando o cristal! E tinha um bicho tipo eu dentro do cristal… mas era mais tipo um pássaro do que um cachorro, sabe!? Eu acho que ele estava morto… e… e… essa mulher tinha um vestidão que ficava mudando de cor… aí eu falei com ela, mas ela levantou e virou um bicho esquisito com um olho estranho, e eu achei que eu ia morrer, mas depois ela voltou ao normal e pediu pra eu segurar as coisas dela! Aí eu ajudei, mas depois ela virou bicho de novo e apertou a minha mão… aí eu apaguei!

– … Então… isso tudo aconteceu em um dia que você ficou na rua certo?! – pergunta Novah com descrença.

– Mas foi isso mesmo! – responde o homem-cão – E tem mais! Aí eu acordei numa mesa e essa mulher ia me abrir dizendo que eu devia estar orgulhoso por ser útil pra ela ou alguma coisa assim… Mas eu num sei o que aconteceu que depois que ela me apagou de novo, ela mudou de ideia, e começou a me perguntar essas coisas que vocês me perguntam também... Então eu falei com ela de vocês, e do acordo que a gente ia fazer. Ela disse pra eu aceitar porque era o melhor que eu ia conseguir e me deu essas gemas dizendo pra dar um jeito de a mulher cega ser abençoada, ou iniciada, sei lá… e acabei saindo de lá… e… e foi isso...

– Hum… que história fantasiosa e inacreditável – fala Novah.

– Porém, sincera e verdadeira – fala Paragor.

– Sério velho!? – responde Novah.

– ...Mas e então garoto... – fala Paragor. – Descreva melhor essa mulher pra mim. 





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