Volume 3
Capítulo 83: Lâmina Confidente
GRIS
Afirmei que renegaria ao código, mas está tão entranhado em mim agora que mal saberia me definir sem ele. Assim sou, e isso me corrói.
— Fix! — grita Kali e cerra seus punhos. — O que fez com a Fix!?
— Ah! Esta avezinha bonita aqui. — Ele estende a coruja desfalecida em nossa direção, enquanto leva a outra mão ao queixo e observa a lua minguante, pensativo. — Bem que que eu te disse se tratar do familiar de alguém, Samira.
A mulher saca sua cimitarra da cintura, repousa a arma em sua coxa desnuda e desliza o dedo sobre o fio da lâmina, enquanto diz pausadamente e com uma voz doce: — Só achei estranho uma besta rara dessas em um lugar repleto de demônios, Douglas.
Dou um passo à frente e digo: — Devolvam a coruja, agora.
— Escutou algo, Samira?
— Acho que um cachorro latiu, Douglas.
Tudo o que eu quero é chegar o mais rápido possível até Cintia, não tenho tempo para isso. Levo minha mão à empunhadura da espada.
— Os filhotinhos sempre têm dentes afiados — comenta a mulher e passa a lâmina da espada em sua língua. — Por que não vem aqui para eu te fazer um carinho?
— Ele pode morder, Samira. Deveríamos lixar os dentes dele primeiro.
Conor limpa o pigarro da garganta e, apesar de sua pele morena e a pouca luminosidade, consigo notar suas bochechas coradas. — Apesar de ser uma cena interessante, acho que o Gris precisa recusar. Senhores aventureiros, será que...
— Caçadores de recompensa — corrige o loiro, enquanto exibe a palma da mão e eleva o queixo.
— Claro, senhores caçadores de recompensa, essa ave é de muita estima da minha colega aqui. Será que vocês poderiam devolvê-la? Eu ficaria muito agradecido.
— Não sei. — Douglas inclina sua cabeça para o lado e debocha: — Acho que gostei dela, estou pensando em domá-la para mim.
— Estúpido, ignorante! A Fix já tem um pacto comigo, não pode ser domada!
— A lumen tem garras afiadas também, Samira.
A dançarina se levanta, enquanto evidencia seu decote chamativo de propósito. — Quero muito acariciar a orelhinha dela, Douglas.
— Ah, lembrei! — interrompe Conor. — Lâmina Confidente é nome do seu grupo. Ouvi o pessoal da guilda comentar a respeito de vocês, e a Srta. deve ser aquela que chamam de Viúva Negra.
— Um apelido que pegou — ela leva o indicador ao queixo e contempla o céu estrelado —, mas que não faz qualquer sentido, afinal nunca me casei.
— Talvez você devesse se casar mais rápido da próxima vez, Samira.
— Sou muito jovem para isso, Douglas.
— Então são vocês. O nome do nosso gru...
— Não temos interesse em saber o nome de um grupo de latão — aduz o loiro. — Ainda mais um que forja batalhas para tentar subir de classificação... Grupos assim não duram muito tempo, se é que me entendem.
— Ah! Quer saber?! Vão se foder vocês dois! — esbraveja Alienor e faz sinais obscenos para eles. — O nome do grupo de vocês poderia ser Veado Arrogante ou Prostituta de Merda que eu não ligo! Lâmina Confidente? Isso era para assustar? Pois saibam que mais parece o nome de uma casa de depilação de putas baratas! Então, só devolvam a caralha do pássaro e rápido, porque não tenho todo o tempo do mundo!
— Alienor!? — exclama Kali.
— Que foi!?
Ao passo que a ruiva bufa como um animal selvagem e recupera o fôlego perdido, ela franze a sobrancelha e encara Kali.
Já o casal inusitado se entreolha. Douglas leva a mão à boca; e Samira, suas mãos na cintura. — Hahaha! — gargalham os dois.
— Alienor de Vermilion, correto? — interroga Samira.
— E se eu for, vadia, vai fazer o quê!?
— Nada, princesinha. Não há mais recompensa por sua cabeça, e não trabalhamos de graça — contesta o loiro.
— Soubemos de uma há algum tempo atrás; mas, quando descobrimos, ela foi revogada. Pensei que já havia sido decapitada, mas sua cabeça segue presa aos ombros — comenta a dançarina.
— A propósito, tomem o pássaro aqui. Eu só o coloquei para dormir, e logo ele acordará revigorado.
Conor se aproxima devagar do caçador de recompensa, porém é da dançarina que ele não retira os olhos, a qual o espreita dos pés à cabeça com um sorriso indecente em seu rosto.
— Imagino que vocês não fizeram tudo isso por acaso — afirma Conor, ao passo que coleta a ave branca das mãos do mago de morte. — Estão rastreando algum criminoso?
Kali se aproxima da ave e a coleta com carinho das mãos de Conor. Então se afasta dos estranhos e analisa o familiar.
— A Samira seguiu o rastro de um jovem rapaz até aqui.
— Se falar assim, eles pensarão coisas indecentes, Douglas.
— Ah! Descuido o meu, quase que maculo sua reputação ilibada, Samira. Estamos à procura de Diego, o filho repudiado pelo barão de Lumínia, o viram por acaso?
— Conheço o rapaz. Acabamos de nos deparar com alguns bandidos aqui, mas não o vi entre eles. Ele se tornou um criminoso? — questiona Conor.
À medida que Douglas conversa com nosso companheiro dissimulado, Samira espreita nossa reação com um olhar felino.
— É um trabalho de rastreamento e escolta, ele não foi declarado criminoso por um magistrado ainda. Mas o barão ofereceu uma recompensa tão boa que não poderíamos recusar — responde o loiro.
A dançarina guarda sua espada na bainha e desfila até mim sem hesitar. Ela para na minha frente e observa minha mão direita que segue sobre a empunhadura. — Sabe como usar essa espada cara?
— O lado afiado corta, e a ponta perfura.
Ela sorri, joga seu cabelo para trás e inclina sua cabeça para o lado, a mostrar seu pescoço desprotegido para mim. — Eu poderia te ensinar melhor... tantas coisas.
— Vá embora.
— Um olhar vazio — ela se inclina para perto de mim, fecha suas pálpebras e respira fundo, com um semblante de prazer em sua face — e cheira a sangue. — As maças do rosto da dançarina se ruborizam, e suas pupilas se dilatam assim que abre os olhos.
— Já acabou, assanhada? — interroga Alienor.
— Nem comecei, princesinha.
— Conor, já conseguimos o que precisamos. Temos pressa.
— Hum... Deixará o rapaz te dar ordens, Conor?
O moreno volta até nós, para ao meu lado e cruza os braços com uma postura ereta. — Você nos comparou com cães. Este aqui sempre segue o líder da matilha.
— Quer dizer então que você é o líder? — A dançarina me fita, mas volta sua atenção à ruiva. — Acho que vou adotá-lo.
— Vai à merda, piranha!
— Eles estão com pressa, nós também. Seus instintos estão afiados, este é o local certo. Você poderá irritá-la mais no futuro, Samira.
— Mal posso esperar, Douglas.
Eles passam por nós e entram na caverna que acabamos de sair.
Uh! Escuto o piar da coruja.
— Fix, que bom que você acordou. Desculpe por pedir para ficar em um lugar assim. Volte para a Floresta de Prata e fique segura. Revocare Fix.
O corpo da coruja do luar se desintegra em pequenos flocos verdes e brilhantes até desaparecer por completo das mãos da lumen. Kali leva a mão ao peito, fecha os olhos e respira fundo, aliviada.
— Sinto muito por colocá-la em perigo.
— Não foi sua culpa — responde a santa.
— É o que ela me diria também.
— Quem?
— É naquela direção — interrompe-nos Alienor. — Se formos pelo pé da montanha, chegaremos ao Desfiladeiro das Aranhas. Depois dele, está o Vale dos Ossos.
— Sei que não temos tempo, mas não é perigoso andar por aqui de noite? — questiona Kali, enquanto olha para as montanhas.
— Tanto o vale quanto o desfiladeiro são perigosos, mas não precisam se preocupar se vierem comigo, pois conheço os demônios mais poderosos daquele local. Além disso, o Vale dos Ossos é um lugar restrito, e os guardas de Galantur não deixarão que entremos — responde a ruiva.
— Pela noite será melhor para passarmos despercebidos.
Mas o que ela quer dizer sobre conhecer demônios poderosos?
— O Gris tem razão — comenta Conor. — Não será nada bom ter o exército de Galantur em nossas costas ao entrar em um desfiladeiro com demônios do outro lado. Ir pela noite é nossa melhor alternativa.
Talvez Kali esteja certa, pode não ser minha culpa. Mas sinto que eu poderia ter evitado tudo isso de algum modo. É possível que eu não tenha causado esses eventos, mas fingirei que sim. Se desse modo eu o fizer, talvez consiga evitar que coisas como esta ocorram novamente.
Prometi para Cintia que não assumiria a responsabilidade pelas condutas dos outros. Mais uma promessa feita, outra uma promessa que não cumprirei. Entretanto, eu me preocuparei com isso quando ela estiver segura.
Definimos um plano sólido. É tempo de executá-lo. — Vamos agora, está decidido. — Aponto para o leste, em direção a Galantur.
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esse é o melhor presente que um escritor pode receber.
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