Aelum Brasileira

Autor(a): Marin


Volume 2

Capítulo 59: A Flecha Transpassante

GRIS

O som da plateia é ensurdecedor. Dezenas de milhares vieram ver com seus próprios olhos o presente combate. A notícia de que lutaríamos se espalhou por todo o Palácio Fúlgido em poucas horas, como vespas por terem seu ninho destruído.

Para meu espanto, a própria Vi Kari se encontra em seu mezanino para fiscalizar esta luta amistosa. Ela mesma nos procurou, organizou e divulgou o combate.

Não faz o menor sentido, a presidente lumen sempre foi muito hostil comigo. Ela tentou me matar pelo menos duas vezes, portanto não posso tirar olhos dela: Deve tramar algo, só pode ser.

E pensar que ela é minha avó... Será que Lin Kari também seria assim comigo? Será que todos da minha família me abandonaram ou querem minha morte?

Foda-se, eu nem lembro deles mesmo, então não faz diferença. Não tenho tempo para pensar nessas merdas.

— Alienor, você bem para esta luta?

— Sim, estou novinha em folha e não perderia isso por nada. Hahaha! — Ela arregaça a manga da blusa e mostra seu bíceps.

— Fique longe. Eu cuidarei da linha de frente.

Hey! Quer ficar com toda diversão, enquanto...?

— Chega! Pelo menos uma vez na vida, só me escute e faça!

A ruiva me espreita, abaixa a cabeça e responde com uma voz triste: — Tá...

Daqui do nosso camarim é possível ver toda a arena, e ela está lotada. Soube que desta vez foram liberadas apostas, o que era proibido durante o evento ordinário do festival.

Entretanto, elas estão totalmente a favor da dupla de gigantes. Faz todo o sentido, afinal eles são realmente fortes, já eu tenho a fama de covarde.

Porém, graças a Kali, estou completamente curado agora. Preciso vencer esta luta a todo custo, a liberdade da lumen depende disso. Não quero dever nada a ela.

— Ilustríssimo povo de Ticandar e nobres estrangeiros — diz em alto som Vi Kari, a árbitra, para toda a arena ouvir. — Como todos sabem, as lutas acabaram ontem e hoje seria o dia da despedida.

— Estou ciente que todos ficaram com um gosto amargo na boca por conta da vitória por desistência que ocorreu. Entretanto, os quatro competidores resolveram se enfrentar em uma luta amistosa, a qual será presidida por mim.

A plateia passa a ovacionar. Eles realmente estão animados com isso, muito mais do que durante o festival. Tenho a impressão que nas festividades a plateia agia de uma maneira mais formal e comportada que agora, como se quisessem passar uma boa impressão aos estrangeiros.

— As apostas foram liberadas, portanto quem ainda não a fez e desejar, terá como prazo até que eu anuncie o começo da luta, então se apressem. Não sei vocês, mas eu apostei nos competidores de Nila Velum. — diz a árbitra, em tom sarcástico e tampando parcialmente sua boca.

Será que ela pode mesmo dizer em quem votou? Ela pode ser parcial assim? Uma comoção ocorre nas arquibancadas e diversas pessoas se apressam para apostar, como resposta à provocação da presidente.

Será que ele está aqui? Droga, eu não posso ficar pensando nele, não depois do que...

— Hey, Gris... Tá tudo bem com você? — indaga Alienor, ao passo que cobre meus ombros com seu braço e um semblante de preocupação em seu rosto. — Você está muito estranho desde ontem.

Eu nem a vi se aproximar. Acho que estou distraído.

bem... — respondo, enquanto removo seu braço de cima do meu ombro.

— Hmmm... — Alienor resmunga. Ela aproxima mais seu rosto do meu e comprime as pálpebras, toda desconfiada. — Se quiser, a gente pode desistir.

Ela pensando em desistir? Acho que é a ruiva quem não está normal.

— Está tudo bem, eu disse.

— De um lado, temos os vencedores da última edição do festival, os guerreiros vindos da Ilha de Anak: Pur e Ifan!

Ao passo que os dos guerreiros saem de seu camarim, escuto o rufar de tambores, e o público os aclamam e bradam: — Gigas! Gigas...!

Ambos adversários estão munidos com seus tacapes e roupas leves, feitas de couro marrom. A contragosto, eu levarei a espada negra, estou com meu arco nas costas e flechas em minha aljava.

Desta vez, finalmente estou com todas minhas armas em posse, posso lutar com tudo que tenho.

Alienor não levará a adaga ou qualquer arma, bem como deixará seu manto mágico para trás, por conta das regras da competição.

Como é uma disputa amistosa, eles nos avisaram que não interferirão na luta, mas seremos responsabilizados depois, caso quebremos alguma regra.

— Do outro lado, os desafiantes chamados de covardes, cuja derrota é certa e iminente: Gris, apátrida, e Alienor de Vermilion de Galantur!

— Wuuuuu! — Os espectadores lançam suas vaias.

Covarde! — alguém exclama.

— Bruxa imunda! — grita um desconhecido, cuja voz se destaca.

— Bruxa! Bruxa! Bruxa...!Todos eles lançam um coro de provocação.

— É o rabo de vocês! — esbraveja a ruiva em resposta, ao passo que faz gestos obscenos, enquanto saímos de nosso camarim.

Quando me dou por conta, já estou a procurar pela plateia uma figura em específico. Droga, eu preciso me concentrar nesta luta. Esses adversários não são comuns.

— Vejam que o competidor apelidado de Canhoto está com roupas pretas e cinzas desta vez. Será que esse covarde achou que não o reconheceríamos? — proclama a árbitra em tom jocoso.

— Cô-varde! Cô-varde! Cô-varde...! — exclama a multidão.

Qual o problema de Vi Kari? Já não basta tentar me matar? Ao olhar para ela lá no alto, a lumen me encara e lança um sorriso malicioso. Não parece a mesma. Será que é sua verdadeira face?

— Entra aqui para ver quem é covarde! — exclama Alienor ao público, então ela vira para mim e diz: — Hey, Gris! Não liga para eles não, eu sei que você não é covarde.

Apenas balanço a cabeça para ela em afirmação, ao passo que cravo minha espada no chão. Eu me agacho e coleto um pouco de areia para esfregar entre as mãos, elas estão suadas de novo.

O reflexo da espada de cor roxa-escura à minha frente capta minha atenção. Meu verdadeiro pai a empunhava quando foi morto por Valefar.

— Pois bem, como se trata de uma luta amistosa, todas as regras gerais ainda vigorarão, com duas exceções: Primeiro, a vitória ou derrota só ocorrerá quando ambos os participantes estiverem fora do combate, por qualquer motivo. Segundo, as duplas começarão separadas, cada uma de um lado do campo.

Ao ouvir isso, os dois guerreiros se dirigem a um lado, já Alienor e eu nos movemos para o oposto.

— Desta vez, eu não vou me segurar, Gris. — Ela sorri. — Não adianta você...

— Nem eu, Alienor. — O sorriso da ruiva se esvai com a minha resposta.

— As apostas infelizmente se encerram agora — anuncia a árbitra e espera alguns instantes até complementar: — Todos prontos? Lutem!

— Ars Gigas! — exclamam os guerreiros de Anak, ao passo que um fluxo verde em formato de vórtice se forma ao redor deles e explode, levantando uma poeira que cobre quase que por completo a metade deles do campo.

O chão treme com os passos da investida dos gigantes que não podemos ver, mas sabemos que estão lá também por conta dos grunhidos grotescos. — Urgh! Aaahhh!

Eu deveria ter medo, porém eles não são tão assustadores quanto a Abominação Lupina.

Assim que Pur, o gigante moreno, sai da cortina de poeira, um vórtice vermelho se forma entre seus olhos e colapsa, na exata medida que escuto Alienor pronunciar: — Creptus Mas. — Seus cabelos balançam em sintonia com o conjuro, enquanto ela faz um sinal com palma da mão estendida aos adversários.

Bum! A explosão é gigantesca. A mais poderosa que a vi lançar até agora. O gigante cobre seu rosto com ambos os braços, mas o impacto dilacera parte dos músculos e o empurra para trás. Ele cai no chão de costas.

— Ugh!? — Ifan observa seu companheiro cair e depois fixa seu olhar raivoso em Alienor.

Com meu arco em punho, levo três dedos à aljava e coleto uma flecha, a qual repouso sobre a corda da arma.

— Vai caçar um cervo!? — alguém da plateia caçoa.

— Hahahaha...! — risos tomam conta do ambiente, em resposta.

Talvez isso pudesse tirar minha concentração, ou me atrapalhar de algum modo, porém já estou acostumado com uma raposa a fazer isso o tempo todo, e eles não são tão bons quanto ela.

— É aquilo? — pergunta Alienor. — Legal!

Eu só o vi fazer. Nunca tive a oportunidade de tentar por conta do meu braço machucado, porém domino todos os conceitos.

Na mesma medida em que os sons dos risos chegam aos meus ouvidos, levo meu joelho ao chão e levanto o arco. Ifan se aproxima cada vez mais.

Com a vontade do guerreiro, fortifico tanto o arco, quanto a flecha. Sobrecarrego a seta com o aumento de massa ao ponto em que meus pés e joelho passam a afundar no solo, como se fosse feito de areia.

Prendo a respiração, tenciono o arco, miro no centro da silhueta do colosso loiro que investe contra nós, e solto a corda.

Quando lanço o projétil, já me sinto mais leve. Ele viaja a poucos metros como se fosse uma flecha normal, até perder o efeito do aumento de massa, momento em que repentinamente quebra a barreira do som, gera explosão branca e ganha velocidade em plano ar.

Os risos da plateia são substituídos pelo forte zunido da flecha, seguido de um grunhido de dor: — Urggghh...! — Ifan tentou defender por reflexo, porém seu tacape, assim como seu peito foram transpassados e possuem um furo.

O restante da flecha colidiu contra a barreira de concreto nos limites da arena, o que formou uma rachadura circular. O ser colossal leva a mão ao peito, incrédulo, e olha para nós dois em seguida.

Parto em direção ao gigante, mas desta vez com a espada em minha mão direita. Eu não valorizava essa sensação, é confortável lutar assim.

Ao passo que Pur e Ifan se recompõem, outra explosão de Alienor pega em cheio o gigante moreno na altura da barriga. — Urgh! — urra de dor e cai no chão.

Ifan reage ao companheiro alvejado, que mal teve chance de revidar, com uma expressão de ódio em sua face disforme. Um fluxo verde se apresenta em seu corpo e também em sua arma monstruosa, ao passo que ele a levanta acima da cabeça e a empunha com ambas as mãos.

O tacape dobra de tamanho para aproximados quatro metros comprimento. — Uuuuaaarrrr! — Golpeia o solo com toda a força.

Bum! O chão estremece, e eu perco o equilíbrio. Uma nuvem de poeira toma conta de toda a arena por conta do golpe do gigante. Eles também não se segurarão, pelo visto.

Alienor não conseguirá lançar magias de explosão em meio a esta cortina de poeira toda. Eles são brutos, porém sabem conduzir uma luta para a vantagem também.

— Urgh! — Ifan passa correndo ao meu lado e investe contra Alienor, aproveitando-se que eu vacilei.

Apenas consigo vê-lo por conta da aura que se destaca de leve em meio a poeira. Não posso permitir que ele a alcance.

 

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