Volume 2
Capítulo 55: A Criatura Inominada
GRIS
— Hey, Gris! — grita a Srta. Raposa. — Você dormiu? Acorde! — Ela está com seu focinho úmido bem perto do meu rosto.
Meus olhos ardem no momento em que os abro, vejo o céu azul e os raios de sol.
Estamos às margens do Rio Reluzente, e é o quinto mês de treinamento do impetus. O professor disse que eu aprendi todos os quatro dons muito rápido e, por isso, poderia tirar este dia para descansar.
Depois disso, aprenderei o último dos dons, o aumento de força. Porém, apesar de ariscado, o professor explicou ser o mais fácil de todos.
— O demônio entrou na floresta. — Ela olha em direção à selva para conferir. — Bora tentar lançar uma magia de explosão? Acho que você consegue desta vez.
— Alienor, você sabe que é perigoso. Quando eu tiro o amuleto, algo ruim pode acontecer.
— Ah! Para com isso, eu ficarei bem de longe. Não teremos muitas chances de tentar, não enquanto aquele chatão estiver por perto.
— Tá bom! Vamos tentar de novo, mas não diga essas coisas do professor.
— Certo, eu paro de dizer, mas só vamos.
Enquanto caminho ao lado da Srta. Raposa, vislumbro alguns pequenos orbes prateados e brilhantes sobre as águas do Rio Reluzente.
— Beleza, é só lançar sobre a água que não haverá risco — argumenta a raposa. — Isso será muito maneiro. Uhum, Uhum! — Ela balança sua cabeça, como se concordasse com as vozes que ali habitam.
— Acho que não posso, Alienor.
— Ué! Por quê?
— Os vaga-lumes. — Aponto para eles, sobre as águas.
— Uhm... — A Srta. Raposa se senta ao meu lado, então diz: — Você tem razão, acho melhor não fazer isso aqui.
— Tenho razão? Como assim?
Não faz sentido algum, será que Alienor está doente?
— Dá azar matar vaga-lumes prateados... Era o que minha mãe sempre dizia.
— Eu sinto muito por ela, Alienor.
— Está tudo bem... — A Srta. Raposa abaixa as orelhas e para de abanar seu rabo, ao passo que observa os pequenos insetos voarem sobre as águas.
— Mas por que dá azar? — eu pergunto.
Ela olha para mim e explica: — É uma história para crianças, uma muito antiga.
Retiro meus sapatos, arregaço a barra das minhas calças e sento ao lado de Alienor, às margens do rio, ao passo que afundo meus pés em suas águas geladas e começo a contemplar o voo dos insetos brilhantes.
— O que diz a história?
— A Floresta de Prata é chamada assim por conta dos vaga-lumes prateados que sempre existiram ali. Minha mãe contava que se uma criança não comesse toda a refeição ou respondesse seus pais, elas seriam levadas por uma criatura que vive na floresta.
— Mas o que isso tem a ver com os vaga-lumes?
— É que cada vaga-lume prateado é a alma de uma criança morta pela criatura. Por isso, dá azar matar esses insetos.
Lembro que naquele dia em Lumínia, eu matei algumas dezenas deles, mas não foi intencional. Será que dá azar mesmo?
— Ah! Mas é só uma história, não é? — digo.
Nós trocamos olhares, então a Srta. Raposa volta a observar o rio e continua: — Meu pai disse que a história é verdadeira. Na verdade, ele disse que essa criatura ainda vive dentro da floresta.
— Você está aqui há cinco meses, Alienor, e eu estou há mais tempo ainda. Creio que se houvesse algo assim ali dentro, nós saberíamos.
— Sabe, Gris, meu pai era bem parecido comigo, ele era bem brincalhão e deixava minha mãe irritada com isso às vezes. Mas eu o vi falar sério apenas em duas situações: Uma era quando estava diante de seus súditos e dos nobres, atuando como líder; a outra, foi quando ele me contou essa história.
— Ele disse o nome da criatura? Talvez eu conheça tal besta.
— Eu também perguntei isso a ele, mas o papai me disse que ela é tão antiga que seu nome se perdeu com o tempo.
— Como seu pai se referia a ela então?
Alienor vira seu focinho em minha direção, fixa seus olhos carmesins em mim e responde: — O Monstro da Floresta de Prata.
Ao passo que Valefar surge entre nós, Barathun solta a maleta com as algemas de promítia e agarra meu pescoço em um golpe de gravata. Relaxei ao ver o professor, algo que normalmente não faria dentro da Floresta de Prata. Que irônia.
— Fique parado, assassino! — grita o anão, na medida em que aperta minha garganta. — Ou quebrarei o pescoço deste garoto.
— Sana vulnera — diz Verônica, ao curar Alienor.
Valefar observa a loira, já Barathun aperta ainda mais meu pescoço. Escuto o som dos músculos da minha garganta se contorcerem, enquanto minha respiração fica mais difícil.
É como eu imaginava, o anão é de fato mais forte do que eu. Ao me agarrar, todas minhas chances foram lançadas ao vento.
— Não estou brincando, caçador.
Ele solta sua adaga, depois a chuta para longe. Então dá fim ao seu silêncio: — Esse garoto é filho de Lin Kari. — Valefar aponta para mim.
— O quê!? — exclama Verônica.
Barathun afrouxa seu aperto em meu pescoço e argumenta: — Acha que acreditaremos em uma mentira dessas, depois do que você fez?
— Deixem-no em paz, é a mim que vocês querem — aduz Valefar, na medida em que mostra seus pulsos ao anão.
— Não! Eles te matarão, profes...!
— Quieto, garotinho — diz o anão, ao me esganar. — Está vendo esse cara ali? Ele acabou de dizer que você é filho de Lin Kari, mas você não sabe quem é essa pessoa, correto? Por que não pergunta para seu professor quem ele é?
Valefar não diz nada, apenas olha em direção ao chão.
— Então, eu direi para você — aduz o anão. — O que esse cara falou é que...
— Pare com isso, Barathun. O caçador já se rendeu! — exclama Verônica.
Filemon se aproxima com cautela e pega a maleta com as algemas de promítia do chão. — Ela está certa, Barathun. Este não é o momento correto para dizer esse tipo de coisa — argumenta o homem de pele negra.
— Que se foda! — Barathun aperta ainda mais meu pescoço e continua: — Esse cara ali matou nosso amigo, Lin Kari, e agora ele está dizendo para não te machucar, porque você é filho dele. Ele confessou que matou seu pai, garoto.
— Lin Kari está morto!? — grita Kali, a qual acaba de acordar.
Valefar matou meu pai? Mas... Claro, há seis meses.
Ao encará-lo, o professor apenas desvia o olhar de novo. Ele não nega que fez, então é verdade.
— Aceito a punição pelo que fiz. Apenas deixem os garotos vivos e não resistirei — diz o professor.
— Vai, Filemon. Coloque as algemas nele e acabaremos com isso.
O homem de pele negra e barba longa, munido de uma maleta com dois furos na lateral, caminha em direção ao professor, bem devagar. Valefar estende os punhos e se deixa algemar.
— Isso será doloroso, caçador. Pode ter certeza — diz Filemon.
— Sempre é — responde Valefar.
A dríade tinha mesmo razão, Valefar me sequestrou para matar minha família. É por isso que o professor me maltratava quando me conheceu.
— Era tudo mentira?! — eu grito.
Barathun me segura com mais força e diz: — Fica quieto, garoto. Ainda não acabamos aqui.
Valefar, agora algemado, apenas abaixa seus punhos e continua a olhar para o chão, sem dizer qualquer palavra.
— Você me manteve lá só para matá-lo?! Eu era uma isca?! Foi você quem me fez esquecer tudo?! Me res... — Barathun me estrangula de novo. Mesmo com o impetus, ele quebrará meu pescoço se continuar assim.
A quem estou enganando? Acácia me deu a ferramenta necessária para entender, para montar esse quebra-cabeça. Já faz um tempo que descobri o que significa o nome do professor.
Não, pelo contrário, Valefar não é sequer um nome.
Eu me recusava a aceitar, até o momento em que Miril me disse para não resistir. Depois que aprendi a linguagem lumen e aceitei isso, entendi que Valefar é aquele monstro sem nome que Alienor me disse. Ele estava tão perto de mim que não o enxergava.
Val Lefar na linguagem lumen significa... — Monstro da Floresta de Prata! É você, não é?! E eu sou só mais um daqueles que você pretendia matar?! — eu grito, mas ele não me responde.
Por que você não diz nada? Por que não se defende? Por que não diz que é mentira?!
— Pare de se debater, seu pestinha — reforça Barathun.
— Ele matou o Lin? — indaga Kali, a qual se aproxima de Valefar. — Por quê? Por que você o matou?
A lumen desfere socos na cintura do caçador, mas ele não se move, não se defende.
— Por que você só não me matou?! — eu exclamo. Com toda a minha força, eu tento me livrar. — Eu deveria ter desistido naquele dia! Está me ouvindo?!
— Eu disse para ficar quieto!
Sinto uma pancada na minha nuca, seguido de um zunido como o som de uma abelha, e a minha visão escurece.
Ao abrir meus olhos em direção à copa das árvores, percebo que estou caído no chão da Floresta de Prata. Os vaga-lumes prateados voam por todos os lados, assustados; e, junto deles, pequenas gotículas vermelhas permeiam minha visão ao serem borrifadas nas mais diversas direções.
— Barathun! — grita Verônica. — Não, não, não...
Ao olhar para a direção do professor, concluo que ele não está mais lá. Em seu lugar, está apenas Kali com uma expressão apática, em choque, com sua boca entreaberta e o rosto e vestes repletos de sangue.
Do lado da garota ensanguentada, há um homem de túnica bege de pé, porém sua cabeça está desconectada do corpo e rola pelo chão. É quando o cadáver de Filemon despenca pelo solo.
— Ahm? — balbucia Kali.
Volto minha atenção ao anão, mas quem eu vejo primeiro é Valefar, ele segue com suas algemas de promítia nos pulsos, porém rompeu a ligação entre elas. Seu punho direito atravessou a cabeça de Barathun em um soco. O cérebro do anão está todo espalhado pelo chão e arbustos.
— Aaaah! — Verônica lança um grito de pavor. — Não me mate, por favor, não me mate! — A loira se arrasta pelo chão em uma tentativa desesperada de se afastar do caçador.
A aura de Alienor está com uma intensidade melhor agora, é um rosa bem bonito. Parece que está fora de perigo. Ainda bem.
— Eu disse que, se vocês não buscassem vingança, continuariam vivos — diz Valefar, ao largar o corpo do anão e caminhar em direção a Verônica.
— Não, não. Eu não queria. Não era para ser assim...
Eu me levanto e corro até a maga de vida. Coloco-me entre os dois e exclamo: — Já chega! Ela salvou Alienor e é amiga da Srta. Cintia.
— Eu já a deixei viver uma vez, Gris. Mas a maga veio atrás de mim e de você.
— Não importa! Ela salvou Alienor e não ganharia nada em troca. Foi você quem me ensinou a proteger pessoas assim! ou isso era mentira também?!
Valefar suspira, pressiona seus lábios e, então, responde: — Eu te prometi respostas. Tudo que puder contar, eu contarei. Estarei na estalagem da Alameda Cerúlio, caso ainda queira me ouvir.
Ele vira as costas e caminha em direção a Ticandar, mas antes diz algo para o homem de pele bronzeada que acaba de recobrar a consciência.
— Por Dara... — reclama Verônica. — Como ele conseguiu fazer aquilo com as algemas ainda nos pulsos? Barathun, Filemon... Lin.
A mulher loira coloca suas mãos na frente do rosto e se encolhe em suas pernas. Ela chora e soluça.
Eu consegui algumas respostas, entendo melhor a situação agora, mas por que me sentia melhor antes, Srta. Cintia?
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