Aelum Brasileira

Autor(a): Marin


Volume 2

Capítulo 35: A Classificação da Pirâmide de Prioridades

ALIENOR

 

É mais difícil do que eu lembrava. Digo, andar com duas pernas é mais difícil do que parece. Por que será que andamos sobre duas pernas? Afinal com quatro patas é possível correr mais rápido e é bem mais fácil de se equilibrar.

Se não fosse por conta da magia de criação enfraquecer a de destruição, creio que eu ficaria na forma de raposa para sempre. Bem, se levarmos em consideração a Pirâmide das Prioridades... Sim, eu tenho uma pirâmide de prioridades! E nela os fogos de artifício têm primazia. Estão no topo das prioridades!

Logo em seguida, eu preciso me manter viva a todo custo. Não importa o que aconteça, eu preciso sobreviver. Pois, quanto mais tempo eu viver, maior será o número de explosões que eu poderei conjurar! A longevidade é deveras importante e, por isso, está em segundo lugar na Pirâmide de Prioridades.

Talvez alguém questione se a segunda regra não deveria ser a primeira, entretanto para que viver em um mundo sem fogos de artifício? Uma Aelum sem explosões seria um mundo que não valeria a pena viver. Deixado claro este ponto, prossigamos:

Em terceiro lugar na nossa Pirâmide de Prioridades, doravante chamada de P.P., temos o fator nutricional. Ou seja, eu preciso comer bem para ficar viva e explodir coisas. Exato, caso eu quebre esta regra e morra de fome, violarei a segunda regra e por isso ela é tão importante.

Plaft! Escuto um som nostálgico. Uma situação inusitada surge diante de meus olhos, pois a Srta. Perfeitinha deu uma bofetada no Delinquente Juvenil. Agora ela se encontra rendida pelo Sr. Coiotes. Creio que a branquela mexeu com quem não deveria. Não gostaria de estar na pele dela.

— Quer se matar, seu louco? Por que você o desrespeitou? — exclama a Patricinha.

— Porque você é uma santa. — De novo essa história!

— Ahm? — A Albina arregala os olhos e franze a testa. Compreendo sua confusão, pois também demorei muito tempo para entender. Pensando bem, acho que até agora eu não entendi.

Entretanto, algo assustador ocorre de repente. Pois, em que pese o cinzinha estar com seu rosto todo avermelhado por conta do tabefe que levou, a sua expressão é serena e indiferente. Tais circunstâncias desbloqueiam memórias interessantes. Sim, ele voltou!

— Tá lascada, Albina. O delinquente juvenil nunca se esquece e vai te malhar na porrada mais tarde.

Contudo essa não é prioridade agora, mas me alimentar, sim: — Hey! Ô da máscara, tem algum lugar para comer por aqui?

Estou com fome depois de toda aquela caminhada até aqui, afinal. Preciso respeitar a regra número três da P.P.

— Vamos nos acomodar agora. Depois sairemos para comer, Alienor — diz o Capiroto, já o Sr. Coiotes balança sua cabeça em sinal de afirmação. Será que o coiote é um dos servos do Lorde da Trevas também? Logo ele dominará toda Aelum se continuarmos neste ritmo.

— Sigam-me, por gentileza. É por aqui — indica o Sr. Coiotes e toma a dianteira.

Essa máscara de coiote é bem maneira. Será que eles vendem uma de raposa por aqui também?

Sorrateiramente, eu me aproximo do Coiotes por trás. Tento pegá-la, mas a Patricinha me empurra antes e diz: — Está tentando se matar? Nunca chegue perto da máscara de um Karakhan.

— É o quê?

— Os Karakhans têm autorização para matar qualquer um que tente tocar em suas máscaras, Alienor — diz o Capiroto.

E você só me avisa agora?! O Coiotes apenas balança sua cabeça em afirmação.

— Que perigoso! Mas por que isso, professor?

— Qualquer lumen em Ticandar, destes que vocês veem pela cidade, pode ser um Karakhan à paisana, mas eles apenas vigiam e nunca se revelam. Entretanto, quando um Karakhan está com sua máscara, isso significa que ele segue ordens diretas de Khan e tem autorização para matar qualquer um que tente revelar sua identidade.

Qualquer um da cidade pode ser um Karakhan? Enquanto caminhamos, eu olho para as pontes e ruas suspensas e vejo uma infinidade de pessoas de um lado para outro. Inclusive há diversas bestas por todos os lados que podem ser um deles. Preciso ficar atenta. Não deixarei que nenhum deles me engane!

Uhm... — Acho que eu estava no meio de um raciocínio importante, mas o que era mesmo?

Ah! Lembrei. Há também a quarta regra da nossa famigerada P.P., qual seja, nunca desmaiar! E, como já deve ter se tornado intuitivo saber, caso eu desmaie, não conseguirei conjurar fogos de artifício. Essa regra foi criada a posterior e gradativamente subiu na Classificação da Pirâmide de Prioridades — C.P.P.

Isso porque, na tentativa de melhorar a minha Relação Explosões/Dia, por diversas vezes eu gastei fluxo demais e acabei por desfalecer, ficando de dois a três dias capotada. Fator que impactou toda a produtividade.

Quanto a quinta regra, esta determina que eu preciso dormir bem, pois enquanto durmo, as minhas reservas de fluxo se enchem mais rápido. Por isso, a Relação Explosões/Dia, daqui por diante chamada de R.E.D., aumenta drasticamente.

Sim, a eficiência é um dos meus princípios basilares, e é por conta da eficiência que também chegamos ao sexto item da nossa P.P.: Não me transformar em Raposa de Fogo em hipótese alguma!

Isso ocorre por dois motivos muito importantes: O primeiro motivo é que, ao me transformar em raposa, a minha magia de destruição enfraquece. Por conta disso, as explosões ficam mais fracas.

Ainda que eu consiga conjurar o mesmo número de explosões em um dia e, portanto, consiga manter a R.E.D. em níveis aceitáveis, de nada adiantará se a Eficácia das Explosões — E.E. for afetada, com elas ficando menores, disformes e horripilantes. Afinal eu sou uma artista, e o valor estético conta! Sim, ele conta!

— Uhum, uhum...

No tocante ao segundo motivo da criação da nossa regra seis: É por conta da quantidade de fluxo gasto por magia. Sim, as bestas não precisam fazer os sinais com a mão para dar forma nem das palavras de conjuração para reunir o fluxo correto. Isso as tornam perigosas, pois elas conseguem conjurar mais rápido e algumas conseguem conjurar duas magias ao mesmo tempo.

Não daria para combinar duas magias, se necessitássemos proferir as palavras de conjuração para ambas. Mas as bestas não precisam das palavras ou dos sinais, portanto conseguem combinar magias.

Porém, há um preço alto para isso, porque as bestas gastam o dobro do fluxo para usarem magia!

É tão triste que quase me dá vontade de chorar.

— Está tudo bem, Alienor? — pergunta o cinzinha.

Ueh! Estou, por quê?

Uhm... nada não. — É cada pergunta aleatória para me tirar a concentração!

Voltando ao assunto. Imagine só, no lugar de duas explosões só conjurar uma! Isso despenca a R.E.D pela metade, algo inaceitável! Esse é o motivo da existência da sexta regra da P.P., qual seja, nunca me transformar em Raposa de Fogo!

— Então quer dizer que você é uma princesa? — pergunta a de cabelos brancos.

Hum... Sim, é... mais ou menos, sim — respondo a ela.

— Não entendi, Alienor. Mais ou menos? — questiona o aspirante a Senhor das Trevas.

— É que Galantur não é mais um reino, pois, depois da última guerra, ele perdeu sua soberania e se tornou um condado de Thar. Mas como é algo recente, isso ainda é um pouco nebuloso por lá: Muitos ainda chamam a condessa de rainha, por exemplo.

— E você pode sair da sua cidade assim, sem problemas? — questiona a Albina.

— Eu não diria exatamente que foi sem problemas... Tive alguns probleminhas aqui e acolá. — Definitivamente eu tive alguns problemas! Pois violei todo o código da Pirâmide de Prioridades! Acho que vou chorar de novo.

— Que sorte você tem.

Hey, sua pirralha azeda! Você está pensando o que da vida!? Minha mãe foi morta, tentaram me matar duas vezes, e eu fiquei sete meses transformada em raposa lidando com pulgas! Agora você vem me dizer que eu tive sorte?! — Aponto o dedo na cara dela.

Apesar que atear fogo nas pulgas era divertido. A acústica delas ao estourarem me deixava relaxada. Porém ninguém precisa saber disso!

A patricinha para de caminhar, e todos olham para nós duas, inclusive os lumens que caminham pela ponte. Será que algum deles é um Karakhan disfarçado tentando coletar informações nossas?

A lumen se encolhe em seus próprios ombros, cruza os braços e abaixa a cabeça.

— Alienor, acho que ela não disse por mal — diz o pirralho de cabelo cinza ao puxar minha manta.

Já o Lorde das Trevas se aproxima da garota e coloca a mão direita sobre o ombro dela. É quando ele diz: — O destino de ninguém é definido ao nascer. Caso faça as escolhas certas, você também deixará este local.

Ele é ardiloso e sabe manejar as palavras. Esse maldito.

Ow! Por que com ela você é tão amigável? Já comigo é só na base da paulada — digo tais verdades, na medida em que aponto o indicador na cara dele também.

— É porque palavras amigáveis não significam nada para você, Alienor de Vermilion.

Como assim? Eu também gosto de palavras amigáveis!

— Vamos, pois estamos perto — afirma o Sr. Coiotes.

Estamos no meio de uma das ruas suspensas. Quando chego ao seu parapeito, meus olhos me carregam até uma rua com luz azulada, que se destaca em meio à iluminação prateada e verde predominante.

Hey, Srta. Guia, o que é aquela rua azul? — indico para ela.

— É a Alameda Cerúleo. Ali é um lugar que é aberto durante os festivais, é voltado aos estrangeiros, mas não tenho certeza do motivo — responde a branquinha com uma voz ainda trêmula.

— Podemos dar uma olhada lá depois, professor?

— Se eu estiver junto, sim.

— O que tem lá? — pergunta o cinzinha, desconfiado.

Deve ser mais um lugar de rituais macabros em que o demônio opera. Eu diria a eles, mas o capiroto responde primeiro.

— Ali estão vários comércios e sedes de instituições de outros países. Há casas de apostas, leilões, a Guilda de Aventureiros, o banco...

— E a Vivenda de Alvitres. Hehehe — complementa o Sr. Coiotes, acompanhado de um risadinha infame.

O Lorde Demônio observa a máscara sem expressão do Coiotes, leva sua mão ao queixo e diz: — Você é um Karakhan bem inusitado, eu diria. Mas fato é que vocês não devem se aproximar daquele lugar, pois é inapropriado.

Parece suspeito. Se o demônio não quer que cheguemos perto, então lá deve haver algo relacionado a sua fraqueza. Portanto eu preciso descobrir o que é, a todo custo!

Assim, seguimos o nosso caminho e deixamos de lado a visão azulada.

Eu pensava em algo de extrema importância. O que era mesmo? Ah! Verdade! A sexta regra: Nunca me transformar em raposa.

Pois bem, dados os últimos acontecimentos, eu fui levada a quebrar praticamente todas as regras. Inclusive a número seis eu quebrei duas vezes! Porém não é como se eu tivesse alguma escolha, afinal não é uma pirâmide de leis imutáveis e, sim, uma pirâmide de prioridades!

Apesar que eu quase quebrei a segunda regra algumas vezes também, pois quase bati as botas duas vezes. Entretanto, há algo que permanece sagrado, que é a regra número um: os fogos de artifício.

Ao menos, é o que eu gostaria de acreditar, porque eu quebrei a regra número um também. Foi durante o tempo em que fiquei na Floresta de Prata. Mas que droga, eu sou um desastre! Porém, não tive escolha, pois o Lorde Demônio me impediu de fazer barulho na floresta.

Estamos chegando ao nosso destino, e uma aflição toma conta de mim, mas não sei determinar o motivo.

Lembrei do motivo! Não estamos mais na floresta, e preciso respeitar a regra número um! Levanto minha mão para o alto e proclamo: — Crept...

Tento recitar as palavras, mas alguém tampa minha boca. Quando olho, percebo que é o Sr. Demônius. Ele é muito rápido! Eu nem vi se mover!

— Sem gracinhas, Alienor. Depois iremos àlgum lugar para você se esticar um pouco.

Será que o Lorde Demônio sabe se teletransportar? Creio que ele é mais perigoso do que eu imaginava. Preciso encontrar suas fraquezas na Vivenda de Alvitres e informar ao aspirante a lorde demônio, a qualquer custo.

— Pois bem, pessoal. É aqui — exclama o Sr. Coiotes, ao passo que estende sua mão direita em direção a uma árvore, a qual possui uma porta com uns três metros de altura.

Ele pega um cristal, parecido com as luminárias de parede, e o aproxima da porta. Escuto o som dela destravar. Então o Coiotes a abre.

Wow! Que lugar grande — exclama o delinquente.

 

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