Volume 1
Capítulo 4: A Botelha Púrpura
VALEFAR
Confusão. É, eu disse para ele não arrumar confusão, mas que autoridade eu tenho para dizer isto? A verdade é que ninguém é tão bom em arrumar confusão como eu. Se tem algo que sou realmente o melhor é em estragar tudo.
Às vezes me pego pensando sobre o que eu faria se eu pudesse voltar atrás, se eu faria tudo diferente, porém o fato é que não precisaria voltar no tempo para descobrir. Pois a realidade é que eu acabaria da mesma forma, porque sou assim, eu cometo os mesmos erros de novo e de novo.
Será que eu já morri e este é meu inferno?
É, não me surpreenderia saber que este é o próprio inferno, porque eu realmente mereço tudo isto. Inclusive, eventualmente eu trato com o próprio demônio, ou mais do que isso: Eu trabalho para ele.
Estou aqui novamente — Lumínia —, o lugar onde tudo começou, mas desta vez eu creio estar no caminho certo. Encontrei algo que devo proteger. Finalmente encontrei algo mais valioso que a minha vida.
Tive uma conversa certa vez com um amigo, debatíamos sobre qual o propósito da vida. Eu disse que não há um propósito, mas somente existência. Já ele me disse que, quando nascemos, a vida é o bem mais importante que temos. Portanto, o nosso propósito é encontrar algo mais valioso que a nossa própria vida.
Ainda não sei se ele estava certo, porém estou seguro que eu estava errado.
Parece que cheguei onde eu queria, e na placa diz: Botelha Púrpura. Depois disto não terá volta, mas a minha decisão eu já tomei há quase três anos.
Entro pela porta e a tranco em seguida. Agora estou em uma loja de poções, e este é o novo local de encontro, mas algo está diferente do planejado, pois eu pretendia pedir uma audiência com ele. Entretanto percebo que o demônio já me aguarda.
— Que honra. Preferiu tratar pessoalmente comigo ou será que fiz algo errado que exigia que o Sr. viesse aqui, Patrão? — eu digo.
— Você não comete erros há muito tempo. A realidade é que tudo que eu mandei você fazer até hoje, você cumpriu com maestria, assim como contratamos — diz um homem de aparência cadavérica e olhos quase que completamente negros.
— Fico lisonjeado que tenha gostado dos meus serviços — eu respondo.
— Porém, Procurador, creio que desta vez algo está diferente, pois eu havia lhe dito para trazer alguém até aqui hoje, e você veio sozinho.
— De fato, mas é que eu preciso tratar de algo antes a sós com o Sr. Eu tenho um pedido a lhe fazer. Quero ficar com ele por mais tempo, quero concluir seu treinamento até o final, pessoalmente. Creio que sou competente o bastante para isso, não é?
— Interessante. Será que você amoleceu com o tempo? Muito interessante mesmo — diz o demônio, enquanto esfrega suas mãos, pensativo, e absorve as novas informações. — O que você diz é verdade, não há na organização ninguém mais competente que você para fazer isto. Porém, como seu atual trabalho termina hoje, eu já havia preparado uma missão rápida para você. É do tipo rápida, mas que só posso confiar a você. A conclua e atenderei ao seu pedido. Farei isto também em consideração a todo seu trabalho exemplar.
— Certo, e quais são as três opções?
— Você se lembra de uma certa pessoa que manipulava fluxos opostos, um imune?
Por esta eu não esperava.
— Bom, nossa Rede de Informações finalmente o localizou. Ele está na Capital do Aço e pretende se preparar nos próximos dias para adentrar ao Labirinto de Fimbundur. Você tem que matá-lo antes dele entrar lá, simples assim.
A boa notícia disto é que poderei comprar uma boa espada lá em Fubuldjin, é uma cidade anã afinal, e fica próxima ao labirinto.
— Se sua intenção é que ele morra, bastaria deixá-lo entrar no labirinto. Ninguém sai de lá, pois existe um bom motivo para chamarem aquele local de boca do inferno.
A notícia má é que esse homem é um dos poucos que eu não quero matar. Será azar ou será que o demônio na minha frente faz de propósito?
— Aí é que você se engana. Passou-se muito tempo e ele se acostumou a manipular os fluxos, e agora já pode ser classificado como catástrofe. Não te falei que esses caras são perigosos, se os deixarem livres?
— Eu gostaria que me deixasse esquecer — eu respondo.
— Em resumo, agora só você pode concluir esse trabalho.
— E quais são as outras duas opções?
— A segunda é matar o Gris, imediatamente.
— Que ótimo! E a última?
— Vencer o Labirinto de Fimbundur, chegar ao final, pegar o cajado que se encontra lá, antes que o imune o faça, e me entregar.
Nenhuma das três opções é boa, mas terei que escolher, pois não quero que ele escolha por mim. Eu sei que ele iria pelo caminho mais garantido.
— Desta vez você está demorando para tomar uma decisão. Perdeu seu entusiasmo com os desafios? Ora, eu te conheço, e você conseguiria qualquer um dos três, qualquer um mesmo.
— Escolho a primeira opção.
— Quanto ao garoto eu já esperava, mas você não quer me entregar o cajado, verdade? Entretanto, não há problema, pois ele só precisa ser mantido lá e nada mais. Não sou tão ganancioso. Dito isso, amanhã, quando o sol surgir, me encontre neste mesmo local e eu te levarei até Fubuldjin. Dado o curto prazo, não será possível você chegar a tempo lá por meios convencionais. Você tem esse período para se preparar. Tem alguma dúvida, Procurador?
— Não. Está tudo claro.
— Ótimo — diz o demônio, que estala os dedos e completa: — Galantur.
O demônio velho some, e não há mais qualquer sinal que ele esteve aqui.
De fato, é algo extremamente rara a existência de alguém que pode conjurar magias com dois fluxos opostos. Eu terei que matar um deles, mas existe outro ser que pode fazer isto e é o demônio velho.
Entretanto, o velho não é um imune como o que vou matar. A verdade é que, depois de tanto tempo que trabalho para ele, ainda não sei o que ele é.
O teletransporte aprimorado é uma magia muito atípica que combina destruição e criação. Ela é tão rara que até mesmo os maiores reis e os mais sábios duvidam ou desconhecem da sua existência, e foi exatamente essa magia que ele casualmente utilizou aqui e agora.
Galantur é o nome do reino de fogo, ele não fica longe daqui, pois está nas montanhas vermelhas a leste. Se ele disse esse nome é para lá que foi.
— Ui! Parece que você irritou um peixe grande. Só pode ter sido isso para atrai-lo para cá. Eu não queria estar na sua pele — diz o dono da loja de poções.
Boris, o procurador, também é chamado de Alan fora da Encruzilhada. Ele é um alquimista excelente e um dos melhores do mundo na elaboração de venenos. Um homem com aproximados quarenta anos de idade, mas aparentaria ter menos que isto, se não fosse o bigode que ele cultiva e o cabelo todo arrumado.
Possui cabelos castanhos, altura mediana e sempre se veste muito bem, também se porta com muita nobreza. É um homem culto, com todas as vantagens e desvantagens que se possa esperar disso. Um engomadinho arrombado, cruel e, principalmente, um simpático amigo.
— Não, impressão sua. Na verdade, ele e eu somos velhos amigos e só estávamos matando a saudade.
— Você tem coragem para fazer piada com isto, ou será que é por não ter nada a perder? — diz Boris.
— Talvez eu tenha ficado louco com o tempo, não é mesmo? Ah! Tenho um presente para você.
— O que é isso... carne? Hahaha! Bom, eu fico grato que tenha se lembrado de mim. Você vestiu mesmo o papel de caçador, não é?
— Eu já fui caçador um dia, e é um trabalho muito mais digno do que o que eu tenho agora.
— Mas não remunera tão bem quanto. Disto tenho certeza — afirma Boris ao enrolar seu bigode.
— Sim, mas depois de alguns anos o dinheiro perde o valor. Se a questão fosse o dinheiro, eu já teria voltado a ser um caçador há muito tempo.
— Seria uma visão interessante ver o Algoz passar a ter uma vida humilde como um simples caçador. Se isso um dia acontecer, me chame para tomar um chá em sua cabana, por favor.
— Eu sei que você não gosta de sujar seus sapatos, porém você será o primeiro convidado, mas... mudando de assunto, vou precisar de um veneno muito potente.
— É mesmo, e potente quanto?
— O suficiente para matar um catástrofe.
— Hum! Que alegria. Vou querer que me conte os detalhes do abate depois.
Após dizer isso, Boris aperta um botão debaixo do seu balcão e uma gaveta secreta se abre, nela há diversas poções. Ele as observa com cuidado e pergunta:
— De que raça é seu alvo?
— Lumen.
— Um lumen catástrofe, que raro. Este aqui será bem efetivo, pois é óleo de Pamplonela. Você pode pôr na ponta de uma flecha, na lâmina de uma adaga ou misturar com a comida. Ele é inodoro e insípido, porém não é incolor, mas isto você já percebeu. A depender da comida que for colocado, ninguém perceberá se ingerir, mas deixará vestígios de envenenamento. Isto é um problema?
— Não é problema, esse aí será perfeito. Ah, será que você pode ficar de olho no garoto durante o tempo que eu ficar fora?
— Será deveras uma honra ficar de olho nele, mas traga-me alguma lembrancinha da terra dos anões.
— Vou procurar algo que atenda ao seu gosto requintado.
— Assim não aguentarei de curiosidade.
Pego o veneno, ele é roxo e está em um frasco arredondado e pequeno. O guardo em minha mochila com cuidado.
— Pois bem, eu queria poder ficar mais, mas tenho alguns preparativos para a próxima missão, e creio que o Sr. entenda.
— Ah, entendo sim, entretanto não esqueça da minha lembrancinha e venha com mais tempo para colocarmos nossos assuntos em dia.
— Pensarei no seu caso.
Com isso, destranco a porta e saio da loja. Perto daqui eu vejo uma comoção e conheço um dos participantes do tumulto muito bem. Creio que eu tinha dito para ele não criar confusão aqui.
Aquele que eu vejo possui aproximadamente doze anos, de pele branca, cabelos cinzas, olhos negros, e é um garoto magro. Poderia ser dito que ele possui uma aparência saudável, se não fossem as várias cicatrizes pelo corpo. Algumas que aparentam terem sido causadas por garras de animais diferentes, e outras causadas por golpes de algo contundente. Creio que estas últimas foram feitas por um monstro. Ele veste roupas verdes: é um caçador.
Aproximo-me a tempo de evitar um infortúnio, seguro a mão do agressor e digo: — Você gosta de bater nos menores, não é?
— Você sabe com quem está lidando? — responde o grandalhão.
É, eu sei quem você é. Você é o filho do Barão de Lumínia, mas hoje eu creio que estou falando:
— Com um monte de bosta!
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