Aelum Brasileira

Autor(a): Marin


Volume 1

Capítulo 22: Ervas Daninhas

ALAN

 

Ah! Que alegria! Este cheiro do orvalho de manhã é tão revigorante. O Vilarejo de Lumínia é um local tão fértil.

Como foi que passei tantos anos da minha vida sem encontrar este lugar?

Bom, eu sabia da sua existência, mas conscientemente a ignorei, pois pensava que seria um vilarejo qualquer com pessoas desajeitadas e sujas, mas olhe só, ele está repleto de flores tão belas. É como um jardim repleto de grinaldas e ingredientes que posso misturar.

Chego ao meu destino. Abro a porta e adentro ao salão de refeições da famosa Estalagem Alazão Selvagem.

Ah! Que maravilha este local, ele é tão rústico. Olhe para suas mesas, são feitas de troncos de árvores gigantescas. Parece que eles pegaram uma enorme árvore da Floresta de Prata, a cortaram em formato cilíndrico. Depois a seccionaram ao meio, o que formou uma meia lua, assim deixaram a parte reta do corte virada para cima e a parte circular para baixo. Há até um espaço para acomodar os pés, é tão genial!

Elas são envernizadas, claramente para que insetos ou a umidade não as estraguem, porém o verniz as deixam ainda mais belas.

Acompanhadas às mesas, estão os bancos, cujas bases são um pedaço de tronco cortado em formato cilíndrico, mas com um encosto que é conectado por um encaixe muito bem-feito e resistente. Os bancos estranhamente aparentam ser muito confortáveis, apesar de pesados.

Pergunto-me se são pesadas de propósito, para evitar que os clientes as levantem e as usem como armas em brigas?

Há alguns quadros de cavalos espalhados pelo salão, eles não são belos nem devem ser caros, mas é certo que combinam com o local e o deixam com um ar muito mais agradável.

Ouvi dizer que a senhoria é também uma professora de equitação e ensina os filhos de ricos e nobres da região. Possivelmente são pinturas dadas de presente por eles.

Há um quadro que me chama a atenção, pois o local que está se destaca dos demais, nele há um cavalo preto em terras vermelhas. Creio que seja a pintura mais bela daqui.

Desconheço o pintor, mas seu trabalho é ótimo. Olho para o rodapé do quadro e vejo escrito — Alienor de Vermilion. — Como eu suspeitava, é um presente da ruiva dos fogos de artifício.

Dirijo-me ao bar. O balcão é deveras bonito, e sua sustentação é feita por vários troncos menores cortados em cilindros. A parte de cima é uma espessa tábua bem lisa, tudo muito bem envernizado, cuidado, limpo e organizado.

No bar não há bebidas caras, mas vejo que, dentro de um orçamento baixo, foram muito bem escolhidas. Estão todas em prateleiras, organizadas por tipo, nome e safra. Não parece uma taverna de bêbados brigões qualquer, ela tem seu charme. Creio que perdi muito por não vir aqui antes.

Ah! Que arrependimento, que tristeza.

— Aconteceu algo, Sr. Alan? Está particularmente cedo, o sol mal raiou e o Sr. está com um semblante tão triste — diz a bela senhoria do local.

Ah! Perdão, creio que me deixei abater por pensamentos tristes, o que não é correto, afinal hoje é um dia muito especial: Provarei do café da famosa Srta. Cintia.

— Certo então, fico feliz que não seja nada. O café está quase pronto. Fiz da maneira que o Sr. havia me dito antes, mas pensei que você viria há uma semana — aduz a senhoria, enquanto apoia uma das mãos sobre o quadril, já a outra, aponta com o indicador ao próprio queixo, enquanto ela inclina seu rosto e medita sobre as próprias palavras.

Os nobres, desde muito cedo, aprendem diversas regras de etiqueta para saberem como é a forma de se portarem. Eles emulam certos comportamentos para tentarem emanar alguma classe. São tão forçados, não é um comportamento natural e belo. Mas com a Srta. Cintia é diferente, ela é rústica e formosa, como é esta taberna e, acima de tudo, tem classe, mas não é qualquer classe: é inata.

É como uma flor rara em um lugar hostil.

— De fato, Srta. Cintia. Eu deveria vir antes aqui, eu combinei e falhei, mas se permite me desculpar, é que eu estava envolvido com meu trabalho e não consegui escapar. Agora percebo a bobagem que eu fiz, pois sua estalagem é magnífica. Olhe só como ela é maravilhosa.

— O Sr. exagera, tenho certeza que já visitou lugares luxuosos por todo império, que fariam esta estalagem parecer uma espelunca.

— Não subestime seu estabelecimento, ele não é luxuoso, mas é claramente magnífico, muito bem projetado e realizado. Ele passa uma sensação de força, resiliência e, ao mesmo tempo, beleza, sim, muita beleza. Além disso, vejo que a Srta. o organiza e cuida muito bem de tudo.

— Seu café, Sr. Alan — diz a Srta. Cintia, na medida em que escorrega uma caneca pequena de café.

Olhe só, ela serve em uma caneca de madeira, mas um pouco menor que as de cerveja. Está tudo muito adequado ao ambiente, que espetacular.

Então, sem muita cerimônia, eu pego a caneca e bebo.

O material da caneca interfere no sabor, mas não o prejudica. Ele me transporta ao ambiente que estou. A qualidade dos grãos de café é ótima, e o preparo foi espetacular. Certamente a temperatura foi adequada para extrair somente as substâncias corretas e evitar o amargor exagerado. Além disso, a temperatura que é servido está perfeita.

— Excelente! A Srta. comentou que preparou conforme eu havia sugerido, verdade?

— Sim, nos últimos dias, eu testei e realmente o sabor melhorou. Sendo assim, o farei desta forma daqui por diante. Antes, eu fervia a água, já com o açúcar, e a despejava fervida sobre o grão moído, dentro do filtro de pano.

— Que sublime. Fico realmente alegre com isso, mas devo admitir que minha contribuição é muito pouca perto de todo o esplendor que é este local.

— O Sr. me lisonjeia, haja vista que é uma estalagem bem corriqueira.

— Não mesmo. Estive atento a cada detalhe e posso lhe dizer que há um equilíbrio perfeito entre a beleza e o campestre. Tal equilíbrio não pode ser comprado com dinheiro: exige talento.

— Muito obrigada, Sr. Alan, porém quanto a construção e decoração do local, eu devo os créditos ao meu pai. Ah! Receio que para comer não haja opções, o Sr. aceita pão, geleia e manteiga?

— Claro, provarei, por favor. — Ao ouvir isso, Cintia retorna à cozinha para buscar a comida.

Noto que seu semblante mudou ao falar do genitor. Creio que seja um assunto delicado. Portanto, não tocarei no tema, mas gostaria de conhecer um dia o idealizador deste local.

— Sr. do Bigode! — diz uma belíssima garotinha loira.

— Caramba, que susto, quase que meu bigode cai no chão!

O Sr. está mentindo para mim, não é? Que feio Sr. do Bigode. Hahahahaha — diz Laura, enquanto não se aguenta de dar gargalhadas.

Ih! Não sou mentiroso não; pois, ao sair daqui, precisarei correr para minha casa e passar mais cola. Imagine só se meu bigode desprende e cai no meio do caminho. Assim ninguém me reconheceria, e você teria que me chamar de Sr. sem Bigode, isto seria uma tragédia sem fim.

Senhor Sem Bigode! Hahahaha!

Que adorável.

— Aqui está, Sr. Alan — diz Cintia, enquanto me entrega o prato com a comida. — Laura, vá brincar com seus amigos lá fora. Já lhe disse para não conversar muito com os clientes, eles vêm aqui para comer em paz.

Ah! Que isso, ela não está incomodando de forma alguma. Pode deixar a garota aqui se quiser.

— Sinto muito, Sr. Alan. Caso eu a deixe assim, ela ficará rebelde e desobediente no futuro. Vai, Laura, pode brincar lá fora.

Aaah...! — reclama a menina loira, em um tom de decepção, ao passo que deixa a estalagem.

— E a mãe dela? Devo presumir que não voltou ao vilarejo, verdade? — digo isso e dou uma mordida no pão com geleia.

Está realmente excelente o sabor. O pão é fresco e preparado com o trigo colhido nas proximidades.

— Não, já perguntei por toda a cidade e ninguém têm noção de onde ela possa estar. Nada mesmo, nenhuma pista, é como se tivesse evaporado, assim como seu pai.

— Que tragédia, e como a Laura vem suportando tudo isso?

— Ela acredita que a culpa é dela. Acha que os pais a abandonaram, porque ela foi desobediente. Pode imaginar? — pergunta Cintia.

— Pobre garotinha. Apesar de não ser o caso, isso deve fazer muito sentido para ela. Deve ser um sofrimento muito grande, mas fico feliz que você a tenha encontrado e esteja cuidando dela — digo estas palavras, dou mais algumas mordidas e tomo do café.

A combinação dos dois sabores beira a perfeição, se complementam. É tudo tão simples, mas tão bem executado.

— Sim, eu prometi que cuidaria dela até que encontrássemos seus pais. Ela é uma menina forte e está lidando bem com isto, na medida do possível, claro.

— Verdade, ela é formidável. Se eu souber de alguma informação, sobre os pais da menina, virei correndo para lhe informar. Não suporto saber que a Laura sofre por conta disto.

Que pena, parece que acabei de comer, mas não posso ser guloso, então amanhã eu retornarei e pedirei mais do mesmo. Receio que ficarei viciado em tomar café aqui todas as manhãs.

— Eu te agradeço antecipadamente, Sr. Alan. Qualquer ajuda é bem-vinda. Algo mais?

Deixo cinco moedas de bronze sobre a mesa, Cintia as coleta e guarda, então eu digo:

— Não, estava fabuloso, e adorei tudo neste local. Recomendarei a todos que eu puder.

— Não precisa tanto, Sr. Alan.

— Faço por prazer, mas tenho que ir, pois há trabalho que me espera. Entretanto, eu creio que retornarei algumas vezes para tomar café da manhã aqui.

— O Sr. é bem-vindo, volte sempre.

— Olha que eu voltarei. Hahahaha! — digo isso, enquanto saio da estalagem.

Vejo de longe, Laura brinca com seus amigos. Que bom que ela mantém sua alegria.

Não há dor maior para mim que ver pessoas tão boas sofrerem, é tão difícil encontrar pessoas com classe, ainda mais em locais tão simples como este. Apesar que aparentemente tive sorte, este jardim está repleto de belas flores.

Que bom que eu sou um jardineiro e só preciso arrancar algumas ervas daninhas. Assim, Lumínia alcançará a perfeição que merece.

Pensava que estaria apenas de passagem por aqui; mas, por sorte, poderei ficar mais tempo. É tão bom.

Não vejo a hora deste jardim se tornar puro e radiante.

Ah! Parece que cheguei à loja de poções, eu abro a porta e, depois de entrar, a fecho. Ainda é cedo para clientes me visitarem. Assim, creio que ainda há tempo para o lazer.

Vou até uma estante, removo uma poção vermelha e aperto um botão escondido, ao passo que um alçapão se abre no chão.

Clamp!

— Que alegria! — Abro o alçapão e desço.

São muitos lances de escada, creio que uns vinte e cinco metros abaixo do solo. As paredes são de rochas pesadas, uma estrutura que lembra a de um castelo. O antigo vendedor me disse que a casa era de um mercador, que foi preso por contrabando nas docas. Assim, ao vistoriar o imóvel, encontrei este local. Que sortudo sou.

Receio que não foi construído pelo mercador, esta estrutura aparenta estar aqui há séculos, talvez até mais que isso.

Chego ao final das escadas. Há uma porta de metal, muito resistente. Por isso, eu pego a chave que tenho sempre comigo e a abro.

Posso sentir um pouco do cheiro de bolor, pois aqui é muito úmido, mas nada que prejudique minha saúde, se eu ficar por pouco tempo. O que é uma pena, tendo em vista que queria passar muito, muito mais tempo aqui.

Hmm! Hmmm! Hummmm! — Escuto murmúrios. São como música para meus ouvidos.

Passo pela porta, toco em uma pedra mágica, e ela produz luz. Assim se revela uma sala grande, com uns cinquenta metros quadrados, é meu salão de jogos. Nele há muitos brinquedos, e aqui é o local do meu lazer, em que posso relaxar.

Humm! Hmmmmm! — Mais murmúrios e um pouco de choro.

Nas paredes estão distribuídas diversas correntes com algemas e, pela sala, algumas máquinas de tortura. Vejo dois homens caídos pelo chão. Receio que eles não tenham aguentado brincar e sucumbiram.

— Que pena que desistiram, estava tão divertido.

Hum! Humm! — escuto o lamento de uma mulher acorrentada ao final da sala.

— Parece que enfim estamos a sós. Pelo que notei, seu marido e o cavalariço morderam as próprias línguas e desistiram. Ainda bem que eu coloquei essa mordaça na sua boca suja, não é mesmo? — Digo isso, enquanto me aproximo da mulher acorrentada.

Ela está desidratada e faminta, suas unhas estão dilaceradas, e suas roupas estão todas manchadas de bolor, lama, sangue e urina.

Removo a mordaça de sua boca suja.

— Por favor, eu não fiz nada. Eu prometo que não direi nada para ninguém. Sumo daqui e nunca mais volto...

Xi! — Faço um sinal para ela se calar e ela obedece, com a garganta embargada, como se estivesse pronta para chorar. — Vamos fazer um combinado. Você me autoriza a trazer sua filha Laura aqui, e eu a trocarei de lugar com você, Sra. Lorena. O que você acha? Eu te solto, o que te parece?

— Sim, sim, sim, pode ser, eu aceito. Só me deixe ir embora, eu aceito!

— Então está tudo bem, eu a buscarei, pois sua filha está aqui perto — digo isso, à medida que levanto, me viro e começo a andar. Agora posso ouvir o choro e os soluços de Lorena. Ela me parece aliviada. — Hmm... Pensando bem, eu acho que ainda é cedo, creio que você aguente mais uns três dias antes de trocar com ela.

— Não, por favor, eu faço qualquer coisa, qualquer coisa mesmo, só me deixe ir! — diz Lorena, com seu rosto cheio de lágrimas.

Até parece que eu trocaria uma bela flor por uma erva daninha.

— Pode escolher a máquina de hoje e você já sabe, caso não escolha, eu o farei.

— Socorro! Me ajudem! Ahhh! — É um grito que mistura o pranto e o desespero.

Mas ninguém pode ouvir, além de mim, eu não compartilharia tão bela música facilmente.

 

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