Volume 1
Capítulo 20: Imune
GRIS
Eu me sinto mais leve agora, é como se grilhões fossem removidos de mim. Tenho a sensação de que posso pular muito mais alto e alcançar o céu. Que sensação boa.
Todavia ela também me traz tanta angústia. Sinto um pesar. É quando abro meus olhos.
— Você viu aquilo? Aconteceu de novo! É obra do Demônio da Lua Nova. Eu tenho certeza que ele completou o ritual, fujam! — diz a Srta. Raposa, com aflição em sua voz.
— Foi realmente perigoso, quase derramei chimurram quente no meu colo! — responde um homem com um bigode engraçado.
— O que aconteceu? Por que vocês estão agindo assim? — questiona Cintia, assustada.
— O Gris acordou. Agora poderemos brincar! Oba! — diz... Laura?
Estou um pouco cansado e sinto dor no meu braço direito, mas minha mão está dormente, é uma sensação muito parecida com aquela em que acordo depois de dormir sobre meu braço. Deve ser isso que aconteceu.
Olho ao meu redor e vejo que estou em uma casa desconhecida, deitado em uma cama; já em outra, está a Srta. Raposa, ela parece agitada e não tira os olhos do professor.
Há várias outras pessoas pela casa. O Sr. Alan está sentado e tomando algo estranho. Cintia está com Laura no colo em um sofá e, por fim, o professor está na minha frente, com a mão dele sobre o meu peito.
Olho para baixo e vejo que, na mão do professor, está o bracelete que eu usava: ele o pressiona contra mim. Então me lembro que meu braço foi cortado e o bracelete caiu.
Acho que vou vomitar.
— Não se preocupem, pois já estão seguros — diz o professor.
Seguros? Estivemos em perigo?
Então Valefar remove o bracelete, dá alguns passos até sua mochila e, dali, ele retira um colar: é um colar dos santos. Será que o professor encontrou outro? Eu acabarei perdendo se continuarmos assim, pois o professor é bem melhor neste jogo do que eu.
Entretanto, Valefar abre o engate do colar e passa a alça por dentro do bracelete, então ele fecha o cordão da joia novamente.
O bracelete possui uns dez centímetros de largura e um centímetro e meio de profundidade, é bem grosso e forte. Então ele o coloca entre suas mãos e o aperta. Escuto o metal se contorcer.
Criiink!
— Oh, não! Agora ele vai nos matar! — grita a Srta. Raposa.
Com isso, ele vem na minha direção, com o colar que agora possui dois pingentes nele, o primeiro com uma caveira e uma balança, e o segundo com o bracelete amassado, então o professor o coloca no meu pescoço.
— Professor, este colar não é para mim. O Sr. deveria guardar ele para...
— Não me questione, garoto. Agora ele é seu, e você o merece mais do que qualquer um. — O professor diz isso com uma expressão de bravo, o que me lembra do dia em que nos conhecemos.
— Sim, professor — eu o respondo, mas a resposta o deixa ainda mais irritado.
— Tá! Muito bonito, mas alguém poderia me fazer a gentileza de explicar, para a Cintia aqui, qual o motivo de tudo isso?
O professor suspira e depois responde: — O que eu falarei aqui deve ficar entre nós, pois vocês colocarão suas vidas em risco, caso contem a alguém. A verdade é que eu não queria que soubessem, porém vocês também estiveram em risco por eu não contar. Agora, creio que merecem uma explicação.
O professor observa a todos, com calma, para checar se eles realmente entenderam a gravidade do que ele quer dizer, então prossegue:
— O Gris é um garoto raro, isto é o que ocorre. Ele é o que chamamos de imune, e pessoas assim conseguem usar o fluxo negativo e positivo, fundi-los, sem causar prejuízo a sua potência mágica. Algumas pessoas, como ele, conseguem usar também os dois fluxos negativos ou os positivos, ao mesmo tempo, sem serem corrompidos pela loucura ou pela depressão.
— Certo, e traduzindo para a dona de estalagem aqui, seria?
— Ele é perigoso.
— Você poderia tentar traduzir, sem resumir tanto? Antes que eu vá aí te espancar — diz a Srta. Cintia, ao passo que tampa os ouvidos de Laura, para que ela não escute.
O professor é assim, ele não gosta de explicar certas coisas, então fala de forma estranha para que não consigamos entender. Por isso, eu normalmente só paro de perguntar e, eventualmente, ele acaba me dizendo da forma certa.
O professor é o melhor em ensinar, ele faz as coisas complicadas parecerem simples. Por isso, ele é um ótimo professor, mas somente quando está pronto para ensinar.
— Eu entendi um pouco! — exclama a Srta. Raposa. — Meu pai, durante a guerra, utilizou fluxos de destruição e de morte, os dois negativos. A soma dos dois é muito poderosa, mas deixa o usuário louco por um tempo e, se ele usar por um período prolongado, o deixa insano para sempre. As pessoas os chamam de possuídos, todos nas terras vermelhas conhecem as histórias. Foi isso que matou o papai, pois quanto mais ele usava magia, mais louco ficava e, quanto mais louco ficava, mais magia ele usava.
— Exato, mas o Gris não sofreria disso — complementa o professor.
— Eu não entendo nada de magia, mas isso não seria algo positivo para ele? — pergunta Cintia, a qual olha para o professor e espera uma resposta, mas ele se mantem calado.
— Olha, eu não sei exatamente se isso ajuda, mas o cinzento aí quase me levou para a cova outra hora, acho que ele usou uma magia rara de drenar fluxo, pelo menos é o que pareceu, e ele fez isso muito rápido. Algo assim demoraria vários minutos para conjurar em um ritual, pois é muito complexa a magia, porém foi tão rápida que quase não consegui defender — explica a Raposa.
— Acho que não ajuda. A verdade é que não entendi muito bem — diz Cintia.
Eu também não entendi nada, pois nunca me ensinaram sobre fluxo, mas a Srta. Raposa parece conhecer muito a respeito.
— O fato é que drenar fluxo, bem... ninguém usa essa magia, ela é muito ruim. É magia que combina vida e morte e ela drena fluxo dos seres vivos ao redor; mas, por consequência, ela enfraquece drasticamente a potência mágica do usuário. Ou seja, você fica cheio de fluxo, mas não consegue conjurar nada útil depois.
— Sim, mas o Gris não tem esse problema. A potência de sua magia não é afetada por usar fluxos de natureza oposta — complementa o professor.
— Como assim, diminuir a potência da magia? — pergunta Cintia.
Vejo que o Sr. Alan se mantém calado e não parece surpreso com nada do que é dito. Ele tão somente degusta de seu chimu...
— Eu, por exemplo, tenho como principal atributo a destruição — explica a Srta. Raposa. — É com destruição que eu posso conjurar fogo, mas me transformar em raposa é uma magia de criação: ela é oposta. Portanto, durante alguns dias e enquanto estou nesta forma, minha magia de destruição enfraquece. Por isso, normalmente, evito virar raposa e só o fiz por extrema necessidade.
Como assim, nessa forma? Eles parecem falar de tantas coisas importantes, mas estou tão mal ainda que não consigo entender.
— Verdade, mas com o garoto isso não ocorre, se ele usar o fluxo de morte, a sua magia de vida não enfraquecerá, por exemplo. As regras que delimitam a magia, elas funcionam de maneira diferente para os imunes, ou melhor, as nossas regras é que são diferentes das dele. Pois, para ele, é como respirar, assim como é para as bestas. Imunes não necessitam recitar palavras para reunir o fluxo correto, nem fazer os sinais com as mãos para dar a forma que desejam, entretanto isso os tornam instáveis e perigosos.
— Ah! Mas ele conseguirá aprender, na forma de raposa eu também sou assim e aprendi a controlar.
— De fato, você é talentosa. Eu espero que ele também aprenda. Caso contrário, precisará usar esse colar para sempre — responde o professor.
Do que eles estão falando? Eu? Magia?
— Eu posso usar magia?
— Humpf! Você pergunta isso, depois da bagunça que fez? — indaga a Srta. Raposa.
Agora me recordo, eu tentei correr até a Srta. Raposa, mas não daria tempo de salvá-la, então vi uma esfera cinza...
— Srta. Raposa, você falou que eu quase te machuquei?
— Bom, você drenou o fluxo de todos os que estavam ali. Ocorre que quando uma pessoa usa muito fluxo, ela desmaia, mas isso não é ruim, pois evita que alguém se mate. Isso porque, se usar todo fluxo, a pessoa bate as botas. Então, sim, você quase me matou! Eu tenho bastante fluxo, mas já havia gastado um monte até aquele ponto. Se aquilo me pegasse, eu já era. Eu me salvei por muito pouco.
— Sinto muito, Srta. Raposa.
— Tudo o que vocês dizem é certo, mas nada disso importa, o importante é saberem que o Gris é uma ameaça para ele mesmo e para quem estiver em volta dele. Todavia, vocês estarão seguros enquanto ele usar o bracelete. Tenham isso em mente.
Eu olho para o bracelete, agora um colar estranho e pesado. Entendo, provavelmente o professor o colocou para eu não me machucar e não machucar mais ninguém. O professor é muito sábio.
— Gris, este é o presente que eu te prometi, te ensinarei a usá-la, assim que seu braço estiver melhor.
O professor me entrega uma espada, ela é dourada na empunhadura, possui couro trançado para não escorregar a mão, já a lâmina é negra, de um material que eu nunca vi antes. Parece ser uma espada muito boa, resistente, e tão leve quanto as adagas do professor.
— Muito obrigado, professor.
Olho para a espada e depois para o colar, recordo da luta que tivemos recentemente. Eu fico feliz que não tenha ferido a Srta. Raposa, mas isso me lembra de algo, como estará aquela dríade que eu vi?
— Professor, esqueci de falar, mas eu conheci uma dríade hoje e ela era muito bonita mesmo, igual o professor tinha dito que ela seria. Só que a dríade não tinha cabelo verde, pois os cabelos dela eram vermelhos e pareciam fogo.
Todos se calam e olham para a Srta. Raposa. O Sr. Alan quase derrama seu... chimoalgo e todos começam a rir, salvo a Srta. Raposa, Laura e eu.
— Hahahahaha!
A menina loira e eu trocamos olhares. Laura também parece confusa sobre o motivo de rirem tanto. Então ela se aproveita da confusão, se livra de Cintia, vem correndo na minha direção e diz:
— Vamos brincar?
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