Volume 1 – Parte 1
Capítulo 4: Realidade
Confuso. Cansado. Desmotivado.
Após receber a alta no hospital, Norman não conseguia desfazer a melancolia do semblante.
Graças a todos os ocorridos imprevisíveis durante sua estadia, que durou quase uma semana inteira, considerou torcer para que nunca mais precisasse estar em um leito.
Apesar disso, foi capaz de superar o desafio tenebroso onde viu sua vida correr risco diversas vezes.
Ganhou um corte na lateral do abdômen, mas nem precisou de sutura. Se pudesse, iria fazê-la em sua cabeça.
Depois de presenciar tantos acontecimentos fantasiosos, cujos só apreciava em histórias fictícias, o estado mental estava quase em frangalhos.
Queria que tudo fosse só um pesadelo, desde o princípio. Como não era, só desejava deixar aquele lugar o quanto antes.
Tudo isso passou pela sua cabeça quando saiu do leito, atravessou as alas hospitalares... e alcançou o portão.
Lá estava ela, uma das responsáveis por causar todos os tipos de aflição possíveis em sua mente.
Layla, sorridente como de costume, deixava os fios do cabelo branco esvoaçarem com a brisa.
Parecia ainda mais brilhante do que quando a viu durante a madrugada, potencializada pelo banho de sol da bela manhã de verão.
— Oh, parabéns pela alta.
Essas únicas palavras fizeram o coração gelado do rapaz palpitar com força.
Foi tomado por uma forte vontade de apertar o peito, mas conseguiu se segurar.
Depois da tempestade, viria a calmaria... O ditado popular veio a seus devaneios, só para lembrar que o provável seria a ocorrência do contrário perante aquele cenário.
As maiores tempestades ainda estavam por vir.
Mediante um forte suspiro, ele avançou até a garota. O olhar de ambos se cruzou, mais uma vez a poucos metros um do outro.
— Como ‘tá seu braço? — perguntou ao mirar as faixas pelo antebraço inteiro dela.
Layla se surpreendeu ao ver que ele tinha investido em um assunto.
— Hm, está melhor. — Levantou o membro em questão à frente do rosto. — Devo ficar assim por mais um dia ou dois.
— Então sabia que eu ia ser liberado, é?
— Não exatamente. — O abaixou e segurou o outro. — Mas foi uma boa coincidência, já que eu vim fazer um último check-up.
— Sei...
Identificando o leve teor de sarcasmo nas palavras da alva, Norman desviou o rosto com um aceno positivo.
Passou por ela a passadas morosas, enfim deixando o espaço do hospital em definitivo.
Ela o acompanhou com um giro de corpo.
— Não tem mais questionamentos? — Ele não respondeu. — Tem certeza de que é somente isso?
Na altura oposta dos portões, ele parou de andar. Enfim deu atenção a ela de novo, que o encarava sobre o ombro com aquele sorriso sinuoso.
O ar de mistério parecia o engolir, cada vez mais denso. Foi o suficiente para puxar suas intenções antes de perdê-las de vista.
Viu-se num ciclo da última madrugada.
Sem opções de se livrar, deu meia-volta, ainda com os acontecimentos realçados nas retinas.
— Claro que eu tenho. Muitas perguntas, aliás. — Franziu a testa, arriando o olhar pesado. — Mas ‘tô muito cansado pra fazer isso agora. Quero ir pra casa e...
— Não visitará seus pais?
A interrupção repentina o fez arregalar as vistas estremecidas. Com o raciocínio interrompido, experimentou uma forte sensação de enjoo no estômago.
Teve que se empenhar um pouco mais dessa vez para aguentar o incômodo.
Fechou as mãos com força.
— O enterro... ele já aconteceu. — Virou-se de novo. — Não tenho mais nada a tratar...
Só queria continuar o caminho até sua casa, onde poderia tentar se deitar e dormir de uma vez.
No entanto, antes de sequer dar cinco passos, teve seu braço esquerdo agarrado pela mão de Layla.
Um intervalo de breves segundos se sucedeu até a alva o puxar. Norman boquiabriu ao experimentar ser arrastado daquela maneira.
“Que força”, exclamou na cabeça, sem sucesso em se livrar daquele ímpeto estranho.
Foi conduzido por ela até uma parada de carros de viagens semelhantes a taxis. Então, abriu a porta traseira de um deles e jogou o garoto no banco.
— Por favor, leve esse mocinho ao cemitério no centro da cidade, sim?
Deu seu sorriso mais gentil para o motorista.
— Como quiser, senhorita. — Ele respondeu ao abaixar a aba de seu boné junto com a cabeça.
— E-ei! — Nervoso, Norman levou as mãos à janela da porta fechada. — ‘Pera aí!! O que voc...!?
— Não se preocupe. — Acenou com a mão aberta. — Nos encontraremos mais tarde.
Escutando a voz abafada dela, o cacheado apenas pôde ser levado pelo automóvel que começou a andar.
Tentou abrir a porta para sair, mas ela tinha se trancado segundos após a partida.
Desesperado por conta da ocasião, vendo a figura dela se distanciar aos poucos até a esquina ser virada, ele estalou a língua.
— Para o carro! — bradou ao motorista.
— Mil perdões, moço. A senhorita já efetuou um pagamento antes da viagem, por isso não posso cancelar.
Ele nem desgrudou os olhos do caminho, apontando ao telefona preso no suporte paralelo ao volante.
Norman inclinou o corpo entre os assentos e constatou a veracidade da informação. De novo, rangeu os dentes.
— ‘Tá de sacanagem — desabafou ao jogar-se sobre o banco com uma arfada intensa.
Sem ter mais o que fazer, ele encostou a nuca na parte superior do acolchoado e ergueu os olhos para o teto.
Mais uma vez, ela saía em vantagem. Mais uma vez, ele não tinha método algum de evitar ser induzido a algo.
De nada adiantaria reclamar de quem nada tinha a ver, portanto só tratou de amaldiçoar a ela.
Seria difícil, mas ele precisava ser forte.
Ou, ao menos, fingir ser.
O caminho até o cemitério não era tão longo.
Ele poderia saltar da viagem, fingir que tinha cumprido o pedido da desconhecida e ir embora andando até sua casa.
Mas ao fazer a primeira parte, pegou-se congelado na entrada do local. Havia um curtíssimo fluxo de pessoas e, apesar disso, a ansiedade poderia o matar do coração.
Quase mordendo o próprio beiço, ele decidiu enfrentar seus temores e avançou.
No desejo de falar com ninguém, preferiu seguir sozinho à procura deles. Os olhos pesados varriam os corredores de lápides.
Talvez não os encontrasse. Talvez fosse menos pesado assim, pensou de forma egoísta.
Vez ou outra, nem fazia esforço para caçar. Isso o levou a uma caminhada de lentidão duradoura.
Na reta final, respirou fundo ao ver que nenhum nome tinha passado por seus olhares. Considerou a ausência deles, mas o vento bateu forte.
Enquanto os cachos volumosos do cabelo meneavam, Norman virou à esquerda. Pareceu ter sido um aviso do próprio mundo.
Encontrou os três nomes que tinha medo de ver.
Samantha Miller, Nicholas Miller e Samuel Miller; sua mãe, seu pai e seu irmão mais novo.
As pedras arredondadas, uma ao lado da outra, indicavam as datas de nascimento e morte.
A visão tornou-se um cinza fresco monocromático.
O silêncio tomou os ouvidos. Os batimentos cardíacos acelerados podiam ser ouvidos como berros.
O que poderia falar? Agarrou a camisa na altura do tórax. Não queria se lembrar de nada, afinal...
“Não posso alcançar eles”, abaixou a cabeça, os lábios vivendo um terremoto tão intenso quanto o resto do corpo.
Ao perder um tempo do qual jamais poderia calcular, se esforçou para ir até eles.
Com passadas arrastadas, chegou nas sepulturas. Uma ardência dominou os olhos escurecidos, mas lágrimas sequer se manifestaram.
Ao perder um período desconhecido ali, se esforçou para levantar o rosto de volta.
O que tinha a dizer?
Não conseguia puxar as palavras corretas. A garganta doía, entalada. Nem engolir em seco conseguia.
Apenas aceitou sua derrota. Sem forças para permanecer naquele local por muito mais tempo, girou sobre os tornozelos com a consciência pesada.
Retornou todo o caminho percorrido sem se despedir de maneira apropriada.
Norman Miller voltou para sua casa.
Embora cansado e ainda debilitado, ele conseguiu caminhar a sua residência.
Sentindo os pés latejarem de dor, encarou a fachada da casa de dois andares.
Já começava a pensar em como deveria lidar com tudo por conta própria a partir de então. Seria difícil, porém, de alguma forma, o silêncio era confortável.
Não conseguia mais decidir como se sentia.
Mas a tal Seleção Estelar, o fato novo mais absurdo que poderia ter em sua vida, continuaria a ser um perigoso obstáculo para aquela nova fase.
Tinha perguntas a fazer ainda, além das que já tinham sido resumidas por ela na madrugada.
Tocou a própria testa com a ponta dos dedos, onde se situava a marca da constelação da Águia.
— O que vai acontecer agora? — Fechou os olhos e suspirou do fundo do peito.
Enfim tomou coragem em prol de seguir na passagem asfaltada entre o gramado.
Subiu os pequenos degraus. Com hesitação, levou seus dedos até o bolso da calça, puxando a chave da porta.
Enfiou-a na fechadura e a girou na direção contrária da tranca, mas nada aconteceu.
Repetiu o movimento mais de uma vez e o som do destrancar recusou-se a se manifestar.
Incrédulo, entortou as sobrancelhas. Achou que a ferramenta poderia estar danificada, mas ao observá-la não encontrou nada.
Então, envolveu a maçaneta com a palma estremecida. Levou bons segundos, numa torcida silencioso, então, em um ato impulsivo, a girou.
Foi tomado por confusão ao abrir a passagem, que estava destrancada desde o princípio. Piscou algumas vezes, até se lembrar.
Ele tinha se esquecido de fazê-lo. Passou despercebido depois de tanto que ocorreu, mas tinha sentido.
Quando se perdeu no céu estrelado daquele anoitecer, o garoto entrou no carro sem trancar a porta.
Enfim entrou. Logo experimentou o aroma familiar impregnado pelo espaço silencioso, capaz de varrer seus pensamentos.
O conflito de sentimentos tornou a crescer. Nem fazia tanto tempo, aquele lugar estava cheio de vida e vozes.
Os gritos de sua mãe, as broncas desgastadas do pai, os ruídos provocados pelos afazeres do dia a dia. Nada disso iria retornar.
Pensar naquilo o fez ter vontade de rir e chorar simultaneamente. Engoliu tudo, depois de muito tremer, para resumir aquela confusão absurda em uma única frase:
— ‘Tô de volta...
Caminhou pela sala. Tudo aparentava estar mais escurecido que o normal, mesmo sendo uma manhã ensolarada.
Passou pelos outros cômodos. A cozinha, o banheiro, o quarto do andar inferior. Depois, pegou as escadarias e chegou ao quarto pessoal.
O lugar das últimas palavras trocadas com seu irmão mais novo. O cômodo espaçoso, onde havia duas camas, uma do lado da outra.
No entanto, esperava ver qualquer coisa que não fosse aquilo que se revelou quando passou pela porta.
No mesmo ritmo que os lábios se afastaram, as sobrancelhas se ergueram ao limite da testa.
Sentada sobre a cama maior, ao lado da janela, a garota contemplava as cortinas azul-claro dançando com serenidade em virtude da brisa fresca.
Seu cabelo, solto até as costas, dançava na mesma intensidade. Até um pouco mais leves do que aqueles tecidos de voil.
Ela tinha um pacto de salgadinhos aberto em uma mão. E um salgadinho em outra, cujo levou até sua boca e o mordeu na ponta dos dentes.
O ruído da mordida fez Norman despertar da perplexidade profunda que era vê-la ali.
Todos os detalhes dela eram tão únicos que ele sentia o sangue ferver.
Só depois de um bom tempo Layla percebeu a chegada do rapaz na passagem para o recinto.
Virou o rosto na direção dele, abrindo o sorriso de costume.
— Bem-vindo de volta. Conseguiu se despedir?
A pergunta na lata fez ele engolir saliva, fazendo a resposta ser apenas o silêncio.
Norman perdeu bastante tempo ao buscar alguma justificativa pelo que tinha feito. No entanto, seu gesto de virar o rosto foi o bastante para a alva.
— Você...
— Não é o que imagina. Estava realmente aberta. — Se levantou da cama, terminando de comer o biscoito. — Nunca tinha comido esse sabor. Acabou de se tornar meu favorito.
— O que ‘tá fazendo aqui? — Semicerrou os olhos antes arregalados.
— Ah, eu tinha esquecido de dizer quando te coloquei no carro. A partir de hoje ficarei contigo aqui.
— ... Hã?...
Sem palavras para rebater a afirmação segura da companhia, o rapaz levantou a cabeça e observou o teto escuro.
“O que diabos ‘tá acontecendo na minha vida?”, apertou o nariz entre os olhos com os dedos.
— Nós fomos selecionados, lembra? Escolhidos pelas estrelas... — Olhou para o espelho encardido na escrivaninha, o semblante fechado. — Nos livramos do Marcado de Polaris juntos. Não acha que formamos uma bela dupla?
— Uma dupla? — Torceu uma das sobrancelhas.
— Aliás, sou a única escolhida a quem você pode recorrer atualmente. A única que pode responder suas dúvidas... e te ajudar a superar os próximos desafios.
Vendo por aquele lado, de fato, tratava-se como uma oferta quase irrecusável.
À mercê de todo e qualquer tipo de perigo, não parecia ter melhores opções do que contar com alguém que sabia sobre tudo que estava acontecendo.
A diferença de tê-la ao seu lado ou não era ligada ao fio tênue entre as possibilidades de sobrevivência. Afinal, já tinha visto como funcionava, sentiu na pele.
Os conflitos de vida ou morte, só para receberem o prêmio hipotético de se tornarem algo que ia além da lógica.
Não queria tirar conclusões precipitadas, apesar disso. Também precisava de espaço a fim de pensar com calma.
Com a cabeça a milhão de tão desgastada, só queria um momento para espairecer. No entanto, Layla ergueu o braço.
O enfaixado de novo. Ela o mostrou, enquanto estendia a mão aberta com a palma voltada para o alto.
— Minha casa foi dizimada em chamas há algumas noites. A família que eu possuía, minha mãe de consideração, foi morta nesse acidente. Por sorte, ganhei apenas algumas queimaduras aqui.
Norman boquiabriu. Não sabia o que dizer, nem de que forma poderia dizer algo a respeito.
Ele se prestou a ouvir, se compadecendo da história da garota quase que imediatamente.
Não tinha sido o único a vivenciar um trauma pesado. Não tinha sido o único a ter perdido alguém em uma tragédia.
Como se pudesse ler a mente do rapaz congelado, a jovem voltou a abaixar o membro envolto por ataduras.
— Essa foi minha Provação... — Os olhos pesarosos se direcionaram ao semblante incrédulo dele. — A sua foi...
Ela nem precisou completar. A cabeça dele, apesar de fatigada, já podia entender tudo.
Mesmo sem saber ao certo o que significava aquela tal de “provação”, ele pensou no acidente.
Um calafrio poderoso atingiu sua espinha. Ele tornou a cerrar os punhos, mesmo que fosse dolorido.
— Fique tranquilo. Te explicarei tudo que posso sobre a Seleção Estelar. Mas, antes de fazer isso, permita-me esclarecer sobre sua terceira pergunta.
Deixou o pacote meio-cheio sobre a mesa.
A mão subiu até a lateral do decote do vestido e com os dedos a puxou para o lado, o abrindo mais um pouco.
No peito dela, residia a mesma marca da testa dele. Porém, essa possuía uma configuração diferenciada.
Ele logo a reconheceu:
— A Lira... — O balbucio soou fraco.
— Muito prazer. — As sobrancelhas dela retesaram, assim como os lábios suaves. —Eu sou Layla... a Marcada de Vega.
Abriu um sorriso gentil após, enfim, findar as dúvidas da primeira noite em que estiveram juntos.
Opa, tudo bem? Muito obrigado por dar uma chance À Voz das Estrelas, espero que curta a leitura e a história!
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