A Voz das Estrelas Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 1 – Parte 1

Capítulo 23: Fragmento do Cosmos

A pequena praia no litoral daquela cidade recebia a iluminação da estrela da vida para mais um dia.

Escolhido pelas irmãs do sol, Levi corria, enfraquecido física e mentalmente, pelas areias.

Em seus braços, a adoentada Bianca já não conseguia mais respirar sem ser pela boca.  

“Eu não posso morrer aqui... Preciso continuar...!! Preciso vencer!!”, as palavras presas à cabeça dolorida eram sobrepostas pela respiração ofegante durante a maratona.

“Não tem mais volta... Eu derrubei todo meu passado... Só posso ir em frente... sem olhar para trás”, arregalou o olho acinzentado, conforme mantinha o outro cerrado.

Os rastros de sangue expulsos do globo ocular especial já estavam secos.

A dor não se resumia à cabeça ou ao órgão onde sua marca estava gravada.

Todo o corpo era afligido, como se os músculos gritassem prestes a serem rasgados, ou então os ossos desmantelados até fazê-lo desmoronar.

No entanto essa remota possibilidade não precisou vir a calhar para que as pernas pesadas fossem de encontro ao solo.

Sem compreender a razão, somente experimentou todas as forças desaparecerem junto do equilíbrio que o mantinha em frente.

Tal queda também o fez derrubar a criança que carregava.

Embora possuísse tamanho poder em mãos, Levi manteve-se paralisado ao buscar fôlego extra.

Não sabia para onde ir.

Incapaz de mover as pernas estremecidas, fitou as palmas sujas de sangue até perceber a pistola que conduzia na canhota.

A imagem turva o remeteu ao momento que atirou na Marcada de Gacrux...

“Eu matei...”, engoliu em seco com dificuldades, tanto o restante da frase quanto o conteúdo estomacal que quase voltou pela garganta.

O abalo psicológico parecia piorar a cada nova linha de pensamento.

Ainda que no comando de um exército particular, responsável por cometer uma chacina numa universidade, o homem não havia se acostumado àquilo.

O mesmo ocorreu após o combate onde a vítima maior foi o Marcado de Rígel.

Além de cansaço causado pela utilização exacerbada do Áster, pôde experimentar uma grande repulsa por tirar a vida de outrem com as próprias mãos.

A sucessão de recordações fez a náusea interior vencer o esforço, expulsando o material gástrico na areia.

Passados alguns segundos de vômito entre grunhidos, ergueu o rosto abatido em direção à pequena marcada que ainda lutava para permanecer ativa.

Emocionalmente instável, murmurou:

— É sua culpa... — Largou a pistola no solo e direcionou as palmas com lentidão até a menina. — É tudo sua culpa... Se você não tivesse nascido, a Elisa estaria viva... a Maria estaria viva... Foi tudo porque você nasceu!!

Os dedos pressionaram as laterais do pescoço dela, enquanto os polegares miraram o centro da garganta.

Utilizando todo o peso que tinha nos membros, começou a estrangulá-la à medida que projetava um sorriso torto.

Os dentes rangiam com o mesmo esforço depositado nos punhos que esmagavam a vida da menina.

Inapta a reagir, Bianca sequer abriu os olhos.

Procurou por qualquer inspiração de oxigênio, abriu a boca desesperada até saliva escorrer pelos cantos dos lábios.

O foco deturpado em matar a filha de sua antiga protetora não o permitiu notar a aproximação de uma nova intenção assassina.

Quando reconheceu a chegada repentina da jovem que mal conseguia caminhar graças aos ferimentos profundos, ele tentou girar o corpo.

A fraca luz avermelhada foi suficiente para impedi-lo de enxergar as garras a cortarem o ar em sua direção.

O choque interno o fez paralisar antes de contornar o torso inteiro, uma importante reação involuntária a ponto de causar o erro da inimiga.

As armas afiadas passaram rente ao rosto do homem, porém a Marcada de Betelgeuse não desistiu e preparou uma segunda investida com o membro canhoto.

Sem possibilidades a fim de desviar dessa vez, ele foi acertado na lateral da face.

Os cortes profundos arrancaram sangue, ao mesmo tempo que o impacto da palma o lançou alguns metros à esquerda.

Passada a sequência inicial, Isabella caiu de joelhos na areia. Com um dos olhos afiados aberto, ofegava pela boca na busca por mais oxigênio.

A corrida até a praia lhe permitiu recuperar alguma parte da energia em prol de utilizar o Transformismo Animal.

Contudo, as feridas não tratadas começavam a fazê-la, aos poucos, perder a consciência.

Mesmo diante das adversidades, não largou mão do objetivo principal.

Empenhou-se ao máximo no objetivo de erguer o corpo mais uma vez.

— Não deixarei... você fugir... — murmurou rouca ao virar o corpo até o adversário, que remoía os novos ferimentos. — Irei arrancar sua cabeça em nome de meu irmão... aqui e agora!

Quando levantou o olhar estremecido, Levi percebeu que a adaga seguia na área perfurada do abdômen dela.

Era o óbvio, pois caso removesse a lâmina, o sangramento iria piorar até sua morte inevitável.

Sem nenhum companheiro próximo para a ajudar, não tinha escolha senão locomover-se com o objeto cortante empalado ali.

De certa forma, era um pouco assustador imaginar que ela aguentou aquilo por um caminho nada curto.

Reconheceu a força de vontade do desejo dela. Por isso se sentiu reconfortado, já que com ele não era diferente.

Por outro lado, sequer encontrava forças em prol de abrir a vista esquerda.

Depois de coagir o Controle Temporal, conduzido pelas intensas emoções, sentia ter alcançado o limite.

Caso se arriscasse em superá-lo, poderia pagar com a própria vida.

Estalou a língua irritado com a atual conjuntura daquele conflito. Deveria ter vencido sem dificuldades desde o atentado à universidade.

Entretanto o destino foi um caminho ardiloso, responsável por colocá-lo naquela posição — derrubado, ensanguentado, dominado pelo desespero.

A possibilidade de derrota, jamais imaginada desde o dia em que ganhou seu poder, mostrava-se elevada.

Planejado meticulosamente a fim de obter o lugar acima de um pedestal inalcançável rumo à grande vitória, foi puxado pelos insistentes inimigos até cair sobre a terra.

Chegou ao ponto onde sequer podia usar o próprio poder. A realidade nua e crua era destacada pela agonia dos ferimentos internos e externos.

No entanto, toda a frustração do fracasso limítrofe o ofereceu uma dose final de impulso a favor de continuar lutando.

Pelas mulheres que mais amou, não podia se dar ao luxo de perder.

Ergueu o corpo destroçado por cicatrizes que só poderiam ser curadas com a vitória naquela Seleção Estelar.

Superior às barreiras pessoais, o marcado conseguiu abrir o olho onde residia o símbolo da Constelação do Leão, agora rodeado pela vermelhidão das veias estouradas.

Apesar da insistência do adversário mortal, Isabella projetou um sorriso eufórico no rosto frio.  

“Eu não vou avançar muito se continuar assim”, pensou consigo mesma ao enxergar o cenário turvo à frente, efeitos da perda gradativa de sangue e energia. “Essa será minha última dança...”

Puxou do bolso a pedra azulada com o símbolo estelar no centro.

Levi ergueu as sobrancelhas no momento que vislumbrou o pequeno cristal precioso, lembrando que possuía uma semelhante guardada.

“Impossível. Isso é...!”

Antes de o Marcado de Regulus conseguir complementar a própria divagação, a adversária levou o cristal brilhante até a língua e o puxou para dentro da boca.

Usufruindo dos dentes saliente originados do Transformismo Animal, a Marcada de Betelgeuse mastigou o objeto, causando ruídos quebradiços até os engolir de uma vez.

Segundos após executar a ação, seu corpo inteiro recaiu adiante, tomado por tremulações acentuadas.

O brilho irradiado do símbolo na palma direita cresceu. As garras nas mãos e pés tornaram-se ainda mais afiadas e os caninos ganharam uma nova incisão.

O ar ao redor dela mudou de forma abrupta, trazendo calafrios violentos a Levi, com olhos esgazeados.

— Misericórdia...!! Essas coisas malucas não param de me surpreender!! — Projetou um sorriso animalesco.

Além da elevação de poder do Áster que possuía, também deixou de sentir as intensas dores responsáveis por prejudicar seu combate.

Entretanto, em virtude dos ferimentos profundos, sabia que dispunha de pouco tempo para encerrar aquele confronto.

Sem oferecer espaço de decisão ao inimigo, a marcada disparou em alta velocidade pronta para desferir o primeiro golpe.

Numa ação de puro instinto, Levi ativou o Controle Temporal em prol de reduzir os movimentos da inimiga, conforme recuava alguns passos.

O globo especial voltou a doer, mas dessa vez não foi satisfatório a ponto de perturbar suas ações.

De qualquer forma, criava-se uma oportunidade a qual não deveria se dar sopa ao azar.

Só que havia cometido um erro ao largar a pistola próxima de Bianca, única arma disponível naquele momento.

Com a habilidade parcialmente estabelecida, acreditou ser possível correr até a ferramenta derrubada a poucos metros de onde estava.

Só não esperava pelo que viria a ocorrer antes de executar a ação.

O corpo de Isabella desprendeu-se da imposição determinada por seu Áster e a investida anterior prosseguiu.

As garras requintadas atravessaram o manto escuro na altura do peito, arrancando carne, pele e sangue dali, num corte indefensável.

O caolho sofreu com a agonia gritante e caiu para trás. E acima do baque concebido pelo golpe sofrido, havia o fato imprevisível que o antecedeu...

“Ela superou meu poder!?”, antes julgado como algo impossível de ocorrer, provou o pior veneno antes de ser atingido no final.

Atordoado pela superação inesperada da bestial, terminou por deixar a guarda exposta.

Próxima de concluir seu grande objetivo, Isabella experimentou uma onda arrepiante percorrer todo o corpo. Parecia ser dominada por correntes elétricas intensas.

Talvez fosse parte do efeito de elevar o Áster ao limite através daquele cristal, ou então a sensação incrível de ter sua vitória e vingança na palma da mão.

Fosse um ou outro, a Marcada de Betelgeuse realizou a temida investida na direção do oponente.

Quando a provável colisão ocorreu, uma pequena explosão de choque fez bastante areia espirrar pelo espaço.

A consequência do golpe obstruiu a visão dela durante alguns segundos.

Desse modo, no ápice que todo o aglomerado de minerais regressou com a gravidade, ela reagiu espantada.

A laceração não o atingiu, somente criou uma pequena cratera na superfície.

Levi abriu distância segundos antes da agressão derradeira ao utilizar seu Controle Temporal, dessa vez através da aceleração sobre o próprio corpo.

Os fios de sangue voltaram a escorrer do órgão brilhante e a feição sisuda não demonstrava qualquer traço de angústia.

“A aura dele mudou”, a marcada desfez o sorriso avantajado, com certo temor perante a alteração repentina em seu estado emocional.

Na sequência, ele puxou o mesmo cristal do manto escuro. Isso a fez interromper o avanço planejado, os olhos se arregalaram detrás dos óculos trincados.

Obstinado a trucidar quem fosse, o Levi engoliu o Fragmento do Cosmos sem delongas, como ela fez.

O efeito que a dominou se repetiu perante a face estremecida. Diante de tantas dificuldades, por essa reviravolta ela não esperava.

Os limites que impediam a construção de superioridade absoluta do homem foram varridos num piscar.

O globo ocular especial irradiou o brilho cerúleo, capaz de ofuscar a presença vibrante da inimiga.

Percebendo o perigo iminente que acabava de surgir, Isabella deixou o temor de lado e preparou-se para antecipar as ações dele, no intuito de trucidá-lo primeiro.

Entretanto o Marcado de Regulus não precisou de um deslocamento sequer em prol de ativar o Controle Temporal ilimitado.

Contrário ao habitual, a velocidade corpórea dela não tinha diminuído. Agora, tinha se tornado completamente congelada no tempo.

Nem ao menos piscar conseguia durante a manifestação que transcendia todos os limites possíveis contra a vida do portador.

Determinado com a própria predominância, Levi caminhou a passos curtos até a Marcada de Betelgeuse.

Ao invés de perder tempo indo até a arma de fogo caída distante, poderia utilizar a faca que seguia empalada no abdômen da garota.

Quando estava próximo de concluir o objetivo, foi surpreendido pelo singelo movimento do braço dominante dela.

Mais uma vez foi capaz de quebrar o efeito do Controle Temporal, porém nesse caso lhe custou uma dose extra de esforço, que a fez cuspir uma boa quantia de sangue,

O Marcado de Regulus não se impressionou, somente recuou num salto rápido a fim de evitar o golpe.

“Esse é o poder oferecido por esse cristal”, constatou a capacidade igualitária do Fragmento do Cosmos em fazê-los ultrapassarem as barreiras impostas pelos Áster.

No entanto os efeitos contrários à garota revelaram-se mais graves do que o esperado.

Após reverter o congelamento do corpo, ela errou o ataque e caiu de joelhos na areia, vomitando ainda mais sangue.

Os batimentos cardíacos pareciam que iam lhe perfurar o peito, todos os sentidos foram drasticamente prejudicados.

Embora afligida pelas incontáveis adversidades, se esforçou ao máximo em prol de reerguer o corpo.

O símbolo de Órion não tinha cessado o cintilar rutilante. As garras nos membros extremos permaneciam prontas para retaliar seu oponente.

Ela já tinha ciência de que, muito provavelmente, não sobreviveria ao esforço desumano liberado pelo artefato.

Por isso, precisava seguir em frente contra os efeitos colaterais que começavam a surgir, a fim de completar sua almejada vingança.

— Eu vou... Eu vou!! — rugiu com a voz rouca ao avançar contra o adversário inerte.

Não demorou muito até alcançá-lo.

Também não precisou se livrar do Controle Temporal dele, pois nem era necessário ser ativado.

A mão de onde o brilho escarlate irradiava dirigiu-se contra o rosto de Levi, prestes a atingi-lo com toda a força...

Mas de repente, o corpo da bestial paralisou a poucos centímetros do homem silencioso.

Expelindo ainda mais do líquido avermelhado através de boca, nariz e olhos, a garota sucumbiu.

Afundou o rosto na areia junto ao torso e ali permaneceu, sem mover mais um músculo.

Toda a aura animalesca desapareceu em segundos.

Levi seguiu a observando por algum tempo, então contornou o corpo sem pressa na direção da criança adoentada.

Aproximou-se dela, flexionou os joelhos e recuperou a arma de fogo. Na sequência, retornou da mesma maneira até a oponente imóvel.

Verificou a composição da arma, a destravou e a apontou na direção de sua nuca.

Mesmo sem construir uma maior aproximação da área que desejava atingir, tinha plena confiança sobre sua aptidão para a acertar.

— Por favor... para... — A fraca voz de Bianca viajou até os ouvidos dele. — Você não... precisa fazer...

Somada à febre escaldante, ainda tinha dificuldades de implorar graças à garganta dolorida tanto pela doença quanto pelo enforcamento de mais cedo.

Não importava o quanto ela suplicasse, Levi deveria ignorar tudo. Afinal, ele também planejava a matar após encerrar as pendências com a primeira.

Daquele jeito, jamais conseguiria recuperá-la. Por isso, era mais fácil se livrar daquilo que tinha se tornado mais um fardo do que uma vantagem.

Pensando nisso, ele voltou a encarar a bestial.

Levou o indicador ao gatilho e, prestes a apertá-lo para disparar a bala derradeira, foi pego desprevenido por um redemoinho de areia que se formou ao seu redor.

Decidiu atirar do mesmo modo, porém acabou afligido por um pedregulho do tamanho de dois punhos.

O impacto veloz na altura do tórax o lançou para trás. Foi derrubado na terra, a alguns metros da adolescente incapacitada.

Com as dores bloqueadas pela ação do cristal cósmico, voltou a levantar o corpo durante a queda do aglomerado de areia.

A chegada de outros dois velhos rostos foram revelados. Bianca também enxergou Norman e Layla surgirem nas areias do litoral naquele instante.

O primeiro grande detalhe percebido pelos olhos turvos da menina enferma passava pela expressão leve do jovem responsável por salvar Isabella.

Desejava dizer algo a ele, mas sua voz não saía. E ele a viu da mesma forma.

Somente sua boca aberta com lábios trêmulos foi o suficiente para que o rapaz compreendesse seu desejo.

Depois de conferir sua situação, delegou os cuidados da escolhida de Órion à Marcada de Vega.

Por fim, sem qualquer obstáculo, teve caminho aberto em prol de avançar até a criança.

Quando chegou até ela, agachou-se e a apanhou com os braços. Podia sentir o corpo da menina arder em agonia; isso o deixou tão irritado a ponto de quase morder o beiço.

Manteve a calma perante as próprias emoções e aproximou o rosto do ouvido dela.

— Não se preocupa. Não vou te largar.

Incapaz de controlar os sentimentos pungentes ao escutar aquele murmúrio gentil, Bianca permitiu às lágrimas verterem das vistas entrefechadas.

Contente pela primeira vez após bastante tempo, afundou o rosto avermelhado no peito do garoto.

Faria de tudo para se agarrar à promessa que ele fez...

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