A Voz das Estrelas Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 1 – Parte 1

Capítulo 16: Em Frente

“Mais uma noite bonita”, Judith não conseguia deixar de sorrir ao encarar a extensão celestial com poucas nuvens.

A lua acabava de alcançar o ápice de sua fase cheia, encarregada de manifestar um brilho fraco em meio à escuridão recheada pelas pequenas esferas cintilantes.

Apesar da leve sonolência, a jovem freira mantinha os olhos castanhos bem abertos.

Nem mesmo deixava de acariciar o curto cabelo de Karen, deitada sobre suas coxas enquanto dormia. Ao lado, num outro banquinho, Sarah também descansava.

Aproveitava o momento solitária em vigília para ponderar sobre o que deveria fazer a partir do amanhecer.

“Já faz dias que estamos sem teto...”, suspirou com vigor. “Pelo menos ainda não pegamos chuva...”

Era difícil de dormir, especialmente, pois sempre lembrava dos eventos complicados durante e após o incêndio no orfanato.

E piorava quando via naquele pequeno túnel, localizado abaixo de uma estrada, as semelhanças da paisagem que surgiu diante de seus olhos após tal evento.

A imagem do próprio universo, como jamais imaginara ser possível enxergar, as abraçou por um instante mais rápido que um piscar.

Então, tudo que poderiam saber sobre o que vivenciavam desde então as preencheu.

De todo modo, estavam assustadas demais para tomarem qualquer decisão envolvendo os princípios da tal Seleção Estelar.

Sem rumo algum, sem perspectiva alguma, iam à procura de bons locais para se abrigarem.

No fim, estavam tendo sucesso nisso. Conseguiam permanecer bem de saúde e seguiam em frente um dia de cada.

Pensar nisso fazia um tênue sorriso surgir no rosto de Judith, mas logo ela balançava a cabeça para os lados, em prol de retornar à realidade.

Mesmo assim, confiava que, aos poucos, conseguiria se dirigir com as duas pequenas noviças a uma reconstrução.

— Foi para isso que a irmã Lídia me preparou — murmurou, sem ser escutada por ninguém.

Mas o maior problema continuava vivo naquele evento sobrenatural do qual ainda carregavam inúmeras indagações.

Nunca tinha comentado com as outras duas, ainda por cima para não as amedrontar mais do que já se mostravam ao lidarem com aqueles poderes misteriosos.

Porém, sempre matutava consigo sobre as possibilidades que teriam para vencer aquilo. E, depois, o que aconteceria a favor delas ao vencerem.

— Se pudéssemos trazer as nossas irmãs de volta... — As vistas semicerraram, conforme os dedos mexiam nas mechas pequenas ao lado dos olhos fechados de Karen.

Se fosse possível, gostaria de saber o que precisaria fazer a fim disso. Afinal, nada foi entregue a elas além de informações básicas.

Em certos momentos, usava aquela chance, ainda que ínfima, para se motivar a ir além. No entanto, pensar em proteger aquelas duas acima de tudo freava seu ímpeto.

Não queria pensar nelas como fardos. Apenas desejava que elas continuassem a ser a força principal para si.

Tendo essa resolução reforçada na respectiva mente, a freira deixou a pequena tensão sobre o rosto esvanecer, através de outro lamento.

No entanto, assim que a paz se manifestou contra seus pensamentos carregados, uma sensação nada agradável fez a espinha arrepiar.

O intenso calafrio a arrancou do conforto, fazendo seus olhos arregalarem e o corpo se retesar no assento de madeira.

Não pôde se levantar por conta da cabeça de Karen, até que o formigamento esquisito se pronunciou através da lateral esquerda de seu pescoço.

Encarou de soslaio, encontrando os resquícios da luz branco-azulada a passar sobre a gola alta do hábito escuro.

Mesmo parcialmente bloqueado, o brilho pôde iluminar boa parte daquele túnel.

O mesmo ocorreu com Sarah, que despertou na hora, e Karen, que apertou os olhos e os estremeceu por ainda tentar continuar dormindo.

A primeira acordou levando as mãos à coxa destra, de onde o incômodo se intensificava. Ao levantar parte do hábito com alguns rasgos, deparou-se com o brilho.

Um pouco mais azulado em comparação ao da mais velha, ajudou a fazer com que o restante da passagem escura se tornasse aclarada.

— Irmã Judith... O que é isso!? — A indagação soou um pouco fraca pela sonolência, mas trazia um tom de aflição tão intenso quanto o da questionada.

Por se lembrar bem da experiência daquele “instante” após o incêndio no orfanato, Judith sabia a resposta.

Ela não conseguiu dizer algo por causa do nervosismo, mas quando foi fazer, escutou passos curtos ecoarem do lado de fora do túnel.

Aquilo a paralisou, fazendo-a virar o rosto estremecido na direção de tais ruídos.

Conforme a angústia reunida naquele clima frio crescia, Karen falhou em resistir e despertou num susto tremendo que a fez erguer o torso.

Depois daquilo, um ar morno se criou no local.

O mesmo instante que a sombra surgiu na passagem à esquerda do túnel...

— Temos todos os preparativos finalizados — afirmou Layla ao ajeitar o coldre do revólver na cintura. — A aurora chegará em breve. Podemos partir até o território do Marcado de Regulus imediatamente para terminar com tudo antes disso.

Era meio da madrugada, onde as estrelas mais brilhantes do verão resplandeciam no céu escuro.

— Estava esperando por esse momento — Isabella sibilou, o cenho franzido.

Checou a ferida cicatrizada no abdômen e executou rápidos saltos em sequência, no intuito de verificar as condições da costela.

Ainda sentia leves pontadas de dor de ambos os locais, mas poderia suportá-los com primor durante os embates vindouros.

Por outro lado, Norman ainda se acostumava com seu braço esquerdo livre e sem as bandagens curativas.

De certo iria o auxiliar durante o inevitável encontro.

Além disso, pensava como o treinamento nas últimas noites tinham sido intensos. Fazia isso ao encarar a palma dominante aberta abaixo do rosto.

— Vamo’ terminar com isso de uma vez — disse ele, ao levantar a cabeça e mirar o caminho adiante.

Determinados, os três partiram em direção aos quarteirões da cidade onde o conflito que vitimou Isaac ocorrera.

Quando chegaram nas proximidades da rua principal, eles pararam, escondidos na virada da esquina.

— Primeiramente, iremos nos separar. — Layla fitou a dupla. — Pelo horário, a ínfima quantidade de pessoas pelas ruas evitará possíveis vítimas. Entretanto, será muito mais fácil de chamar atenção desta maneira.

— Entendi. Então podemos diminuir as chances de nos encontrarem juntos. — Isabella abriu um sorriso de leve.

— Além de aumentarmos as chances de algum de nós encontrar o Marcado de Regulus.

— Não precisa se preocupar com isso... — O timbre da de Betelgeuse se alterou de forma gradativa. — Vou alcançar esse desgraçado e acabar com ele com minhas mãos!

Com os dentes rangidos, os caninos se tornaram levemente afiados e as unhas cresceram, tal qual as pupilas verticais.

Aos poucos, sua aura animalesca deu as caras, naquele momento sendo aliada aos outros dois.

Norman semicerrou as vistas, encarando as diferenças entre aquela que encontrou na universidade — e o enganou — e aquela que liberava seu Áster na sua frente.

Queria dizer o mesmo, mas havia dois problemas.

O primeiro era a falta de vontade de a desafiar àquela altura. O segundo era a preocupação que deveria levar consigo do início ao fim: Bianca.

Para conseguir salvá-la, seria necessário dar tudo de si naquela empreitada, como raramente tinha feito para qualquer situação em sua vida até então...

— Trocamos nossos contatos para que, caso algo aconteça, peçamos ajuda. Acredito que não será necessário, entretanto...

— Falou e disse! — Isabella foi a primeira a contornar a virada para a rua e avançar.

Utilizou uma potência mínima ao pegar impulso através das pernas musculosas, desaparecendo da linha de visão dos outros dois em questão de segundos.

Então, era hora de partir à incursão definitiva.

Norman começou a andar, porém foi interrompido pelas passadas mais rápidas de Layla.

Ela, depois de amarrar o cabelo no característico rabo de cavalo, sussurrou para ele:

— Tome cuidado.

Após breves segundos de entreolhares em silêncio, ele, um pouco surpreso com aquele recado da parte dela, desviou o rosto para esconder o quão encabulado tinha ficado.

A Marcada de Vega, por outro lado, desvencilhou-se da preocupação repentina e abriu um sorriso tênue, consentindo que ele ficaria bem.

Desse modo, ao terminar de ajeitar as mechas pendentes que caíam sobre os ombros, deu a volta para seguir o próprio caminho.

Conforme o enorme tufo branco dançou no espaço, semelhante à própria Via Láctea no céu daquela noite...

— Você também...

Ouviu a resposta dele, tão sussurrada quanto a sua, fazendo-a parar de caminhar em prol de virar o rosto por cima do ombro.

Norman evitou ao máximo ser encarado no rosto daquela vez, passando ao seu lado com passos apertados.

Confortada por também receber a devida preocupação dele, a garota retomou o avanço com maior afinco, sem que o sorriso mais firme fosse visto.

Afinal, o rapaz avançou pela calçada, o menos chamativo que poderia ser, com apenas uma coisa em mente...

“‘Tô indo, Bianca”, cerrou os punhos, concentrado em cortar todo o quarteirão vazio onde, enfim, se separou da parceira.

Encarou de costas uma última vez ao alcançar o outro lado da esquina. Sem conseguir mais vê-la, aceitou o destino de momento.

À medida que seguia pelas ruas conectadas, varria com os olhos verdes todos os lados possíveis.

Nenhum problema aparente surgiu. Vez ou outra marcava alguns minutos parado, sempre atrás de carros ou árvores, à espera de algo.

Confirmada a ausência absoluta de qualquer problema nas proximidades, retornava.

Foi dessa forma, nessa toada, até alcançar um dos pequenos parques abertos nas redondezas.

Poderia usar aquele caminho, pensou.

Olhando de um lado a outro, seguiu a parte asfaltada que conectava à trilha entre o relvado.

Quando chegou próximo de um banco de madeira próximo ao meio-fio, parou de novo.

O vento fraco fez seus cachos bagunçados menearem, solitários, no ar.

Sem querer, ele encontrou um possível sinal. Havia um casarão bem grande e chamativo detrás de algumas das residências no caminho.

Ele reconhecia aquela que era uma mansão. De alguma forma, sentia certa aura nefasta vir daquela vertente.

Lembrou-se de algumas palavras de Isabella durante o preparatório das noites anteriores.

Tinha certeza sobre ela ter citado algo sobre uma “residência bem grande” acerca da estadia provável de Levi.

Determinado a cortar caminho com alguma segurança até aquele lugar, só para confirmar sua intuição... ele experimentou um arrepio surgir da testa.

Levou a palma de forma involuntária à região, que era coberta por uma bandagem.

“O quê?”, atordoado, engoliu em seco. Ele já deveria ter sentido todas as ressonâncias possíveis.

Já tinha reconhecido que elas ocorriam somente no encontro inicial entre marcados. Elas não se repetiam depois.

Ou seja, isso só podia significava a existência de outro marcado nas proximidades.

— Só pode ‘tá de sacanagem — resmungou, prestes a morder o próprio lábio com o nervosismo aflorando.

Aquele efeito durou mais do que jamais havia sentido, fosse com o Marcado de Polaris no hospital ou com os demais após isso.

Era, de todas as possibilidades, a pior hora para o surgimento de outros.

Hesitou por um breve átimo, mas resolveu tomar o caminho que tinha à disposição.

Antes disso, entretanto, sentiu uma vibração no bolso da calça. Aquilo o desprendeu do momento de tensão, que lhe fez apanhar o celular quase descarregado.

“Eu...”, pensou logo em aproveitar a deixa para avisar a dupla de marcadas com quem tinha contato.

Acendeu a tela e encontrou uma mensagem pela notificação pop-up.

Quando acessou a senha da tela de bloqueio, se deparou com uma mensagem que fez todo aquele pensamento desaparecer.

Estou me recuperando. Quero te ver.

Era uma mensagem de Helen, a única que tinha sobrevivido à tragédia da universidade.

Ao mesmo tempo que a tensão sobre sua testa diminuiu, anunciando o fim da longa ressonância, sentiu o coração se acalmar.

Quase chegou a esboçar um sorriso antes de exalar um lamento de puro alívio. Levou o celular ao peito por alguns segundos, porém esse descarregou de vez.

Prometeu consigo mesmo que a retornaria assim que tivesse cumprido o objetivo inicial. Mais uma fonte de motivação a fim de superar aquele problema...

Sem medo algum, guardou o celular no bolso e retornou ao avanço.

De dentro da passagem, se deparou com um clarão que aos poucos ia diminuindo. Mas ainda era suficiente para fazer sua sombra ser notada.

Antes de chegar à entrada, ele apertou os punhos e respirou fundo. Contou até três só para, depois disso, avançar as passadas cuidadosas até a abertura circular.

Chegou ao acesso do túnel, onde a luz que era fortificada de dois pontos diferentes, mas próximos, perdia o resto de sua intensidade.

Quando conseguiu discernir alguns detalhes na escuridão, percebeu as vestes escuras de três pequenas figuras.

“Crianças?”, questionou-se, conforme reconhecia a feição amedrontada que as três garotas compartilhavam.

Sem querer acreditar que elas eram as marcadas provocadoras da ressonância entre os símbolos, ele se viu inapto a tomar alguma decisão imediata.

Mesmo assim, manteve a cautela elevada, preparado a fim de lidar com qualquer entrevero.

Da parte das três garotas, estremecidas em diferentes níveis, a que parecia ser a mais velha, com lindos cachos ruivos e sardas pelo rosto negro, virou-se à figura da entrada.

Ela colocou o próprio corpo à frente das outras duas e se levantou do banco.

— Saia daqui! — gritou ao abrir a mão esquerda.

Norman não tinha palavras para rebater, portanto somente interrompeu o avanço.

Vendo como a menor das três se apertava contra a protetora o fez desistir de qualquer ação ofensiva.

 Engoliu em seco e, em respeito à ordem efusiva da jovem freira, levantou ambas as mãos à altura do rosto em sinal de cordialidade.

Ao acompanhar aquele movimento do que já reconhecia sendo um garoto, Judith arriou as sobrancelhas.

— Eu... não quero fazer mal a vocês — mussitou ele, os olhos semicerrados. Queria controlar o quanto pudesse a neutralidade entre eles. — A gente pode conversar, e...

— Não queremos conversar! Você é um deles!? Não se aproxime!

Porém os gritos da freira não o permitiram seguir mais do que tinha feito.

“Droga, o que eu faço?”, o Marcado de Altair estremecia a testa, pois mesmo sem mostrar hostilidade era recebido daquela forma.

— ‘Tá bom... Não vou fazer mais nada. — Relaxou seus braços, com calma. — Se quiserem ir, podem ir.

As garotas se questionaram sobre a decisão dele ser confiável ou não, em silêncio.

Contudo, para Judith era melhor prevenir do que remediar. Dito isso, ela logo tomou a decisão de dar a volta com as três para pegar a outra saída do túnel.

Quando se moveram, entretanto, Norman viu algo que o fez arregalar os olhos de novo.

Vinha do peito da mais velha, o colar com a cruz dourada a dançar no espaço mediante o movimento de giro dela.

Lembrou-se, imediatamente, do local visitado há poucos dias com as companheiras; o orfanato derrubado por uma tragédia incendiária.

Foi quando ele interligou as informações que o bizarro se fez presente.

Um objeto metálico e redondo quicou de um pequeno buraco no teto do túnel. Todos os quatro puderam ver, porém só o garoto reconheceu o formato bélico.

Uma granada, já sem o pino, o fez gelar.

— Cuida...!!! — Seu grito foi engolido pela explosão que os envolveu, derrubando a estrutura sob a estrada.

No momento exato, Norman usou seu Áster e evitou o pior sobre si, tirando os escombros do caminho. Assim, os ferimentos causados pela detonação foram reduzidos.

Isso tudo enquanto lançado para trás graças à potente onda de choque. Quanto às meninas, não foi capaz de identificar se estavam bem sob aquela densa cortina de fumaça.

“Merda!!”, amaldiçoou ao tentar se levantar, com certo esforço depois de enfrentar as dores causadas pelo impacto.

Na posição atual, já imaginava os motivadores daquele ataque surpresa. Tal sentença fez seu ódio crescer, até ser ratificado pela chegada da resposta revelada.

Passos amontoados de quatro homens de preto chegaram até cercarem o local demolido.

— Então vieram primeiro — rezingou, reerguendo-se. A testa revelou a marca da constelação da Águia, pois as bandagens rasgadas caíram pelo rosto. — Desgraçados!...

E ela entoou seu brilho branco logo após, conforme os pedregulhos mais próximos foram alçados do plano terreno por meio da força invisível criada por sua mente.

A confiança não poderia mais ser abalada. Apenas todo o sentimento de raiva o guiaria a partir de então, realçando a vontade de esmagar aqueles malditos sob qualquer custo...

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