Volume 1 – Arco 3
Capítulo 16.2: A Afundada Vollmond
Parte 2
A caminho do rio, Hifumi carregava Thomas nas costas. Ele permanecia desacordado e com o corpo ensanguentado. Sua respiração era profunda, e às vezes soltava alguns resmungos de dor. A chuva estava mais forte, o que tornava seus passos mais lentos. Uma noite fria, com som de uivos ao horizonte.
— Seria interessante se pudéssemos esperar a chuva acalmar. Sabe, caso apareça algum bicho aqui vai ser uma merda para matar — murmurou Arashi, que tinha que tampar o rosto pela chuva.
— Logo estaremos debaixo d’água, a chuva já não vai mudar nada. E se seu objetivo é não se molhar, então acho que não é seu dia de sorte.
O clima estava tenso, todos em silêncio, e Thomas derrubado. Foram se aproximando do rio novamente, e quando chegaram à costa, Hifumi lentamente colocou Thomas sobre a areia.
— E agora, vamos entrar na água e procurar o quê? — questionou San, com os braços nos quadris observando a chuva pingar no rio.
— Saberemos quando chegarmos lá — respondeu Milan, tirando algo do bolso. — Inclusive, vocês já comeram as sementes, não é? Precisam dela para não se afogarem. Não vão querer ter que respirar debaixo d’água.
— Comemos uma antes de vir até Nephthar… mas por precaução, outra não é má ideia.
San pegou uma das sementes que Milan deu a eles, e engoliu. Hifumi engoliu uma também, e quando Arashi ia pegar a sua, Tsukasa o impediu.
— Melhor ficarmos aqui em cima, Arashi. Tem alguma energia lá embaixo que nos faz liberar Alquimia involuntariamente, como estaríamos na água você pode eletrocutar todos nós. E provavelmente meu gelo cobriria tudo, então vamos ficar de guarda protegendo o Thomas.
Arashi concordou, e recuou até o corpo de Thomas desacordado no chão. Tsukasa fechou os olhos para tentar captar alguma presença com sua magia, e Arashi se sentou ao lado de Thomas cuidadosamente. Os outros três seguiram adiante, até o início do rio. Na borda da areia, haviam algumas ruínas antigas e destruídas. San se aproximou por curiosidade, e tocou uma das paredes de pedra. Ele teve uma visão quando tocou as paredes das ruínas, ele viu um povo feliz, vivendo suas vidas pacificamente e com um sorriso no rosto. Mas logo depois, via um povo em desespero correndo pelas suas vidas, com uma enorme quantidade de água vindo em suas direções. San soltou as paredes, e caiu para trás.
— San? Está tudo bem? — perguntou Milan.
— Quem eram aquelas pessoas? Do que estavam fugindo?
San estava com uma expressão aterrorizada no rosto, e os outros dois estavam confusos.
— Do que é que você está falando?
— Toque a parede… vocês vão ver!
Milan e Hifumi se entreolharam, e então se aproximaram. Tocaram as paredes com uma mão. Nada aconteceu, e eles olharam para San com olhares mais confusos do que antes.
— Não aconteceu nada, San. Tem certeza de que está bem? — perguntou Hifumi.
— Não viram nada…? Nada mesmo?
— San, não tem absolutamente nada de estranho aqui, apenas ruínas antigas. Você está mole demais, tem que se recompor.
San se levantou, e limpou a poeira em suas roupas. Os três prosseguiram até o rio.
— Ah, claro. Vocês sabem que é impossível nos comunicarmos embaixo d’água, então segurem isto — Milan deu uma pequena pedra amarela e brilhante nas mãos dos dois. — Vai conectar nossas Alquimias, e vamos poder nos comunicar por pensamento. — Hifumi a guardou, e San a segurou firmemente nas mãos.
Milan mergulhou com cuidado, a água era gelada e escura. Não havia luz do sol para iluminar as profundezas do rio. Milan liberou sua magia pelo seu corpo, criando uma pequena aura de luz. Se tornando uma lâmpada ambulante. Os outros mergulharam depois, e acompanharam o rastro de luz que Milan criava. Ele foi afundando cada vez mais, e outras ruínas foram aparecendo na escuridão.
Se aproximando da cidade abandonada, já eram visíveis calçadas tapadas pelo cascalho, casas desgastadas, lojas destruídas, móveis e pedaços de madeira espalhados pelo fundo.
“Então é isto que restou de Vollmond…” pensou Milan, e todos ouviram seus pensamentos no subconsciente.
“Então realmente, ninguém sobreviveu. Mas esse não é o fato, temos que achar a fonte de energia daquela barreira” pensou Hifumi, e os outros dois também sentiram seus pensamentos.
Milan nadou para dentro de uma das casas afundadas, e deu uma checada por dentro. Os outros foram em outras ruínas próximas. A luz de Milan era tanta que iluminava toda aquela reta de ruínas. Ele seguiu pelos corredores inundados da casa, e entrou em um dos quartos. Alguns móveis flutuavam na água, e havia uma cama fixada no chão. Em meio aos utensílios flutuantes, tinha também um porta-retratos. Milan o segurou, e olhou a foto. Era uma mulher, um homem e três crianças. Parecia ser uma família, e todos estavam sorridentes na foto. Milan deixou o retrato vagar pela água, e seguiu explorando a casa. Encontrou um cômodo bem antigo e desgastado, com barris e alguns baús. Ele abriu um deles, e achou um pergaminho deteriorado. A maior parte do conteúdo estava ilegível pelo desgaste na água, e as únicas palavras legíveis eram “A câmara secreta está embaixo de Vollmond.”
“Ei, pessoal. Achei algo interessante, algo sobre um compartimento secreto em Vollmond. Podemos dar uma olhada sobre isso…” pensou Milan, para os outros ouvirem. Os três se reuniram no centro das ruínas, e procuraram por mais pistas. Enquanto procuravam, San tocou nas paredes novamente, e teve outra visão. Eram pessoas rezando para uma estátua com imagem borrada. San despertou de sua visão, assustado novamente, e voltou a procurar.
Hifumi encontrou algum tipo de dispositivo antigo, eram correntes enroladas a alguma máquina estranha. Hifumi puxou a pequena alavanca acima dela, mas nada aconteceu.
“Achei uma máquina bem esquisita aqui, vocês podiam dar uma olhada” pensou Hifumi.
“Tem correntes em volta dela? Porque eu achei uma assim também” respondeu San, em pensamento.
Hifumi sacou sua espada, e cortou as correntes da máquina. As correntes desceram agressivamente por um buraco no chão, e a água desceu junto, como um ralo. San usou um pouco de Alquimia em sua corrente também, fazendo-a ficar mais frágil. Então ele tentou fazer força para parti-lá, e conseguiu. Sua corrente também se rastejou pelo chão. Milan não havia encontrado uma máquina dessas, então foi até o centro das ruínas novamente. Encontrou uma pequena estátua no centro, e adicionou luz a ela, iluminando todo o local aquático. Os outros saíram para fora e olharam em volta.
“Uoo… então esta é a verdadeira Vollmond?” Uma esfera girava imparavelmente no centro da estátua, carregando a energia de luz que Milan usou. Construções belas e bem estruturadas existiam por toda parte, e o solo era feito de mármore.
Milan procurou um pouco, e próximo a estátua, ele achou uma corrente presa a um bueiro na superfície. Criou uma fresta de luz na corrente, em um ponto focado. A concentração de luz queimou lentamente a corrente, e ela se partiu. Enquanto a corrente regressava para o subsolo, toda Vollmond começou a tremer. Os três se distanciaram nadando para cima, e o reino começou a se manobrar, virando de cabeça para baixo.
“Que mecanismos fascinantes! O reino se virou do avesso!”
Abaixo do reino, havia um compartimento secreto. Não era apenas uma câmara, mas uma fortaleza inteira. Se parecia com um calabouço antigo. Eles seguiram nadando até a suposta entrada da fortaleza, e San tentou empurrar o portão. Ele sequer se moveu, aparentemente estava emperrado ou trancado por dentro. Milan então segurou no ombro dos dois, e teleportou a todos para o outro lado do portão. Naquela área, já não havia mais água. Seus rostos e roupas estavam pingando, e San estava respirando com força. Mesmo sem precisar respirar, a sensação de não poder sentir o ar entrando para dentro ainda era desconfortável.
— Agora podemos falar de novo. Quem diria que teria um lugar desses embaixo de Vollmond. Será que a coisa que procuramos está aqui? — perguntou San, andando e olhando as paredes do local. Era escuro, com teias de aranha por toda parte. Nas paredes haviam gravuras em alguma língua desconhecida, e também haviam pinturas desgastadas, mas ainda eram um pouco legíveis.
Enquanto seguiam em frente, Milan passava a mão sobre as gravuras na parede, interessado no conteúdo escrito alí.
— Fascinante… construíram todo esse lugar no subsolo, e ainda está tão intacto! Com uma bela faxina, ficaria novinho como antes — disse, tentando compreender o que se passava nas ilustrações.
— Aparentemente este é o único lugar do reino que não foi afetado pelo dilúvio. Será que tem sobreviventes aqui? — questionou Hifumi.
De repente, um vulto passou perante eles. Alguma coisa pequena e veloz avançava entre os corredores da fortaleza.
— Olá? ahem, com licença. Poderia nos ajudar? — perguntou San, receptivo.
A figura misteriosa parou em frente a eles, com uma flecha de madeira nas mãos. Era uma criança, com roupas velhas, sujas e desgastadas. Seus cabelos estavam bagunçados, e eles se estendiam até suas costas. O garoto tinha uma face de terror, e tremia enquanto erguia a flecha em direção a eles.
— Vão embora… vão embora! — berrou o garoto.
Hifumi sacou sua espada, e a apontou para a criança, como se estivesse a desafiando. O garoto estava com tanto medo que lágrimas começaram a escorrer de seus olhos. Quando Hifumi deu um passo à frente, San o barrou com uma mão.
— É apenas uma criança, Hifumi. Sem violência. — Hifumi baixou a espada, e San se aproximou do garoto com passos lentos. — Está tudo bem, pequenino… como é que você... — antes que San terminasse, a criança mordeu sua mão com raiva. San deu um gemido de dor, e Hifumi brandiu sua espada novamente. Da escuridão dos corredores, um lobo de pedra apareceu correndo em direção ao San, e estava pronto para atacá-lo. Ele saltou até San, e Hifumi o segurou com sua espada. A mordida do lobo atingiu a lâmina da grande espada de Hifumi, e ele o segurou, em um embate de força.
— Não! — o garotinho soltou a mão de San e gritou. — Não machuque-o, por favor…! — Estava com uma voz de choro, e dando fungadas com o nariz.
Hifumi com um movimento veloz retirou a espada da boca do lobo, e o atordoou por um breve momento. Ele estava prestes a perfurar a cabeça do lobo com sua lâmina, mas San estendeu a mão para Hifumi e gritou com uma voz de fúria.
— HIFUMI!! — o corpo de Hifumi ficou completamente paralisado. Por mais que tentasse concluir seu ataque, seus braços estavam duros como uma estátua.
— Tenso… — murmurou Milan para si mesmo.
O corpo de Hifumi — contra a sua vontade — deu largos passos para trás, e lentamente guardou a espada.
— Está tudo bem, pequeno… confie em mim. — San mantinha um sorriso amigável no rosto quando falava com a criança, e lentamente o envolveu em um abraço. O garoto acalmou o choro, e se recompôs.
— Agora, fale para mim com calma, para podermos te ajudar. Existem outras pessoas presas aqui também? — perguntou San, acariciando a cabeça do garoto.
— E-eu… eu não sei… a água… levou t-todos eles… — disse o menino, gaguejando um pouco e sua voz de choro ainda permanecia.
San não teve tempo de perguntar mais nada, a expressão de terror do garoto retornou, desta vez com mais medo que antes. Seus olhos se arregalaram, sua face ficou um pouco avermelhada e ele começou a berrar. San, confuso, olhou para trás e viu algo assustador. Havia uma vidraça naquela parede, que mostrava parte da água. Uma cauda de pedra gigantesca era visível nadando em volta da fortaleza.
— Ele está aqui… ele está aqui! — gritou o menino, se levantando e correndo junto de seu lobo. Os outros três se prepararam para o pior, e do portão da fortaleza, a cabeça de um leviatã de pedra entrou arrombando tudo pela frente. Estava indo em direção aos três, e Hifumi, notando que a criatura era grande demais e estava avançando com velocidade, fez um sinal para todos recuarem juntos.
Os três correram logo atrás de Hifumi, e o leviatã seguia se estendendo pelos corredores abandonados. Ele rugia e batia a cabeça nas paredes tentando alcançá-los. Milan, Hifumi e San eram mais rápidos que o pequeno garoto e seu lobo, e então o ultrapassaram com velocidade. San segurou o garoto pelo braço, e o lobo ficou para trás. O leviatã o engoliu vivo. Ao ver a cena, o garoto berrou de agonia, e seus olhos jorravam lágrimas como um chafariz. Ele se soltou de San, e correu até o leviatã para salvar seu animal. O monstro apenas esmagou o corpo do pobre menino contra a parede com seu peso. San sentiu uma pontada acertar seu peito pela morte do garotinho, mas ele não podia fazer nada por ele.
Chegando a uma sala nova, os três pararam por um momento. Alí havia um mecanismo parecido com os de antes, que foram usados para virar o reino de ponta cabeça.
— Precisamos virar o reino de novo! Me deem cobertura! — exclamou San, correndo para checar o mecanismo. Hifumi sacou a espada, e a cobriu em chamas. Quando a cabeça do monstro se aproximou, ele fincou sua espada em seu crânio, prendendo-o na parede. Hifumi aumentava a quantidade de chamas, e o leviatã relutava para se soltar.
San laçou as correntes do mecanismo com seu laço de Alquimia, e começou a puxar com toda a força que tinha. Depois de alguns segundos, o leviatã se libertou de Hifumi, e San quebrou as correntes com seu laço. As correntes foram agressivamente se arrastando para o buraco no teto, e o reino inteiro tremeu novamente. A sala estava lentamente se virando de cabeça para baixo, mas estava emperrado pelo pescoço do leviatã. Ele se contorceu voltando, até sair da fortaleza, e o reino virou do avesso novamente.
Todos caíram no teto, e a visão era completamente diferente. As gravuras nas paredes agora eram legíveis, e as ilustrações eram claras. O fato de que não conseguiam ler, era porque estavam de cabeça para baixo. Milan correu até as paredes, e começou a analisar tudo que podia.
— Fascinante! Então esse tempo todo estávamos tentando ler isto de ponta cabeça.
— E então, o que diz aí? — perguntou Hifumi, guardando sua espada nas costas novamente.
— Não sei ao certo… esta língua é realmente bem antiga. Mas consigo ler algumas coisas! Vamos ver… “Que a luz da salvação caia sobre Nephthar, salve-nos deste tempo de trevas, oh poderosa Zephyria. Traga felicidade a este mundo sombrio, e com seu poder, faça com que as impurezas sucumbam sobre seu purificante amor eterno…”, se parece com um tipo de oração. O que você acha, San?
— Eu não acho nada. Esta Zephyria… é algum tipo de divindade?
— Eu não sei responder. Talvez seja algum governante, ou ser superior mesmo.
Os três avançaram, e chegaram a uma escadaria. Quando começaram a subir, Hifumi liberou fogo de suas mãos involuntariamente.
— O que é isto…? Minha magia está saindo sozinha…
— Deve ser o que Tsukasa havia alertado na superfície. Que existe alguma coisa aqui que nos faz liberar Alquimia contra nossa vontade. Bom, acho que agora é com você San. Sua Alquimia não tem natureza, então no máximo vai se espalhar no ambiente como um ar quente — explicou Milan.
— Tudo bem, então… — San seguiu subindo a escadaria sozinho, e quanto mais subia, mais magia era liberada de seu corpo. Ele já estava com uma aura dourada meio transparente envolvendo seu corpo, e ela se dissipava no ar como vapor. A escadaria era longa, e em espiral. Quando chegou ao topo, viu uma orbe roxa conectada a um altar no meio de uma sala redonda. Haviam vários bancos na frente do altar, e as paredes eram de vidro. Se parecia com uma igreja.
San se aproximou relutante da orbe, e a segurou em suas mãos. Ela estava presa ao altar, então ele tentou puxá-la. Quanto mais tocava nela, mas sentia aquela energia caótica o consumindo, então, ele puxou de uma vez. Com um estrondo, a orbe saiu e entrou dentro do corpo de San. Ele gritou de dor, e suas veias ficaram roxas por um instante, então ele caiu no chão, desacordado.
Os outros dois subiram a escadaria com velocidade, pois agora suas Alquimias não eram liberadas espontaneamente. Viram San no chão, e Hifumi o segurou nos braços.
— Merda… o que é que aconteceu aqui? — antes que Milan pudesse responder, o chão começou a tremer intensamente.
— Temos que sair daqui, agora! O lugar vai desabar… vamos!
Milan segurou no ombro dos dois, e concentrou sua energia da luz. A água estava começando a invadir a fortaleza, e os corredores estavam se inundando. Quando a água já estava chegando a sala no topo, Milan teleportou todos para a superfície. Estavam ofegantes, e no meio do rio um ciclone havia se formado. Provavelmente era a água entrando na fortaleza.
— Escapamos… mas espere, o que está acontecendo aqui?
A visão à frente era de impressionar. O cenário estava destruído, e Tsukasa junto de Arashi estavam de frente a um esqueleto voador usando uma armadura. O esqueleto estava carregando o corpo de Thomas nos ombros, e estava montado em um asteroide flutuante.
— Aquilo é… um Espectral…?
Notas:
Aviso: Todas as ilustrações utilizadas na novel foram geradas por IA. Perdoe-nos se algo lhe causar desconforto visual.
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