A Terceira Lua Cheia Brasileira

Autor(a): Giovana Cardoso


Volume 1,5

Capítulo 3: A Mente e o Coração de um Guerreiro

As flores da ameixeira caíam lentamente, tingindo o manto branco da neve com suaves tons de rosa, enquanto a luz da lua cheia banhava a paisagem.

Sob a sombra silenciosa da grande árvore, uma mulher cantava para seu recém-nascido, seus lábios murmurando uma melodia delicada. O bebê, frágil e pequeno, estava envolto em um tecido improvisado, rasgado às pressas de suas vestes.

Enquanto a vida da mãe se esvaía, manchando a neve com seu sangue, mãos gentis retiraram o bebê de seus braços. Levado para longe, ele nunca mais veria sua terra natal.

Shin abriu os olhos devagar, tentando processar o sonho estranho e perturbador que acabara de ter. Não era a primeira vez que sonhava com algo parecido, mas nunca havia sido tão real. Uma sensação de perda, quase como uma nostalgia de algo que nunca teve, pairava em seu peito como um peso doloroso.

— Eu sabia que era perigoso! Ele é muito jovem para isso! — A voz agitada de sua mãe cortou seus pensamentos, arrancando-o da névoa de sono.

— Ayame, acalme-se. Ele está bem, foi apenas uma convulsão. — respondeu Renji. Pelo jeito, ainda não haviam percebido que Shin estava acordado.

Apenas uma convulsão? Ele quase esgotou completamente a energia vital! Ele poderia ter morrido!

— Ayame...

— Ele está proibido de praticar magia pelo menos até completar nove anos. — Ayame falou com uma determinação inflexível, quase como se as palavras fossem uma sentença.

— O que? — Shin e seu pai gritaram em uníssono.

— Não me contrarie! — Ayame, envolta em uma aura de sombras, tinha os olhos brilhando de uma forma assustadora que Shin nunca tinha visto antes.

— Sim, senhora! — Renji respondeu prontamente.

Mesmo o poderoso líder do clã Yamagawa parecia se curvar diante da vontade de sua esposa. Shin sabia que era prudente manter o silêncio, mas não pôde evitar de se sentir profundamente desanimado.

Seu pai, percebendo isso, interveio:

— Então deixe-o estudar teoria e técnicas de combate. Não podemos perder tempo, e assim ele estará preparado quando chegar a hora.

Ayame suspirou, voltando ao seu estado calmo e habitual.

— Está bem — concordou, relutante.

— Obrigado, papai. — Shin sussurrou, aliviado, e viu seu pai lhe piscar um olho de maneira cúmplice.

Finalmente, Ayame voltou-se para Shin, percebendo que ele estava acordado.

— Oh, Shin! Você está bem! — Ela o puxou para um abraço apertado, com uma ternura que contrastava com sua postura de poucos momentos atrás. A mudança repentina fez Shin rir baixinho.

 

**

 

Dois anos se passaram, mas para Shin, pareceram se arrastar como se fossem dez. Ele teve permissão apenas para estudar técnicas de combate e teoria da magia, enquanto sua prática de magia foi severamente restringida. Mesmo assim, Koji permaneceu como seu mentor, algo que Shin considerava uma benção, embora, ultimamente, ele viesse reclamando cada vez mais das intensas sessões de treinamento.

Sangue escorria pelo rosto de Shin, pingando lentamente de seu queixo enquanto ele tentava, com esforço, se levantar sobre as pernas trêmulas. Eles estavam treinando há horas, e o último golpe de Koji havia acertado sua cabeça em cheio, deixando sua visão turva.

— Levante-se, Shin! — Koji gritou, fazendo seus ouvidos latejarem. — Você acha que, em uma luta real, o inimigo vai ficar esperando você se recuperar? Você precisa ser tão rápido quanto seus pensamentos!

As palavras de Koji atingiram Shin com a força necessária. Ele se levantou rapidamente, assumindo uma posição de ataque. Apesar de possuir uma boa conexão com a magia, sincronizar a manipulação mágica com os movimentos do corpo se mostrava um desafio maior do que ele imaginava. A concentração era crucial, mas Koji não lhe dava tempo nem para respirar direito.

Koji avançou com sua espada de madeira, e Shin, por pouco, conseguiu desviar do golpe que visava seu ombro. No entanto, ao tentar recuperar o equilíbrio, Koji já estava sobre ele, movendo-se com uma velocidade impressionante. Shin estava desarmado; sua espada havia sido derrubada para longe, e ele ainda não havia conseguido recuperá-la.

Girou seu corpo para a direita, impedindo que Koji o acertasse. Apesar do cansaço que começava a tomar conta do corpo, ainda conseguia se mover bastante bem. Queria acabar logo com aquilo, e constatar que ainda era tão fraco o deixava muito irritado. Sentia a raiva esquentar seu rosto enquanto olhava para Koji com o canto do olho que parecia despreocupado e, aparentemente, nem prestava atenção nele.

Era sua chance.

Shin canalizou toda sua energia mágica para o punho e desferiu um soco poderoso no estômago de Koji, que foi arremessado para longe, caindo com um baque seco no chão de pedra. Por um momento, Shin ficou preocupado, mas logo viu Koji se levantar, um sorriso de orgulho estampado no rosto.

Respirando pesadamente, Shin voltou à posição de defesa, lançando um olhar rápido para sua espada caída. Se fosse rápido o suficiente, poderia recuperá-la. Começou a correr em sua direção, mas, de repente, algo prendeu seus pés ao chão. Sombras emergiram do solo, subindo por suas pernas e o imobilizando.

— Aaah mas que... — As sombras subiram ainda mais, cobrindo sua boca e deixando apenas seu nariz para fora.

— Você é muito impulsivo — disse Koji, aproximando-se com um olhar avaliativo. — Precisa aprender a manter a calma durante o combate. A raiva pode lhe dar uma força extra, mas agir sem pensar pode colocá-lo em sérias desvantagens. — Ele ergueu a espada, posicionando-a no pescoço de Shin. — E pode acabar levando você a situações complicadas.

Koji circulou ao redor de Shin, avaliando sua postura.

— Você está evoluindo Shin, mas precisa lembrar de suas limitações. Compreendo sua empolgação em praticar magia, mas não pode depender tanto dela. Deve buscar o equilíbrio entre suas habilidades, movimentos precisos e controle emocional. — Koji parou na frente dele, liberando-o da técnica. Shin se sentiu tonto ao recuperar o controle de seu corpo. — E precisa controlar mais sua respiração.

Koji ergueu a espada em um gesto solene, e Shin, relaxado, acreditou que o treino havia terminado. No entanto, foi pego de surpresa por um golpe forte nas costas, caindo dolorosamente no chão.

Koji pairou sobre ele, a satisfação evidente em seu olhar.

— E nunca, Shin, em hipótese alguma, deixe sua guarda aberta. Não perca seu oponente de vista, mas não deixe de considerar todas as possibilidades de ataque inimigo. Quem possui o ataque surpresa sempre terá a vantagem — concluiu, virando-se para sair. — Vamos encerrar por hoje, tenho um trabalho importante a fazer.

— Sim, senhor — Shin respondeu, ainda deitado no chão, um pouco desanimado, enquanto Koji recolocava sua máscara e saía do salão de treinos.

Depois que Koji se retirou, Shin foi até o riacho para lavar o sangue que havia secado em sua cabeça. Ao ver seu reflexo na água, ele notou como parecia diferente: mais velho, mais maduro. Seu cabelo escuro havia crescido, ultrapassando as orelhas, e suas bochechas afinavam gradualmente em direção ao queixo. Gostou do que viu.

Esfregou a cabeça dolorida, sorrindo satisfeito. Finalmente completara nove anos e podia treinar de verdade. Também vinha evoluindo nas técnicas de combate e passava um bom tempo livre lendo os livros que Koji indicava, já sabendo recitar muitos deles de cor. Estava cada vez mais perto de alcançar seu objetivo.

 Apesar de ser apenas um garoto, Shin sabia que a guerra não havia acabado com a entrega do “falso herdeiro” ao imperador, dois anos antes. Era um garoto incomum, atento a tudo que acontecia ao seu redor: o comportamento das pessoas, as frases sussurradas ao ouvido de seu pai. Mantinha-se em alerta constante. Sempre que Koji saía para realizar algum trabalho, Shin ansiava por seu retorno, esperando por qualquer migalha de informação que pudesse ter lá de fora. Mas ele sempre se mantinha em silêncio.

Koji liderava os Lobos Divinos, uma divisão que seguia ordens diretas de seu pai. Enquanto deixava o salão de treinos, uma ideia lhe ocorreu.

Já fazia algum tempo que ele não conseguia usar as passagens na tubulação para espiar as reuniões, pois havia crescido demais para se esgueirar por ali. Mas e se entrasse diretamente pela porta? Agora que havia acumulado tanto conhecimento, poderia entender os registros que seu pai guardava no escritório, não poderia?

Sem hesitar, caminhou apressadamente até a porta do escritório. Só então percebeu que quase não respirou durante o trajeto. Controlou sua ansiedade, e sem cerimônia nenhuma, apertou seu ouvido contra a porta. Com certeza, o método mais eficaz de verificar se alguém estava lá dentro.

Depois de um tempo que considerou suficiente, abriu a porta devagar e deslizou para dentro do escritório.

Só estivera ali uma vez antes, mas o impacto da visão era tão impressionante quanto na primeira vez. A iluminação suave das lanternas de papel lançava um brilho cálido nas paredes de pedra polida, onde pergaminhos com caligrafias elegantes estavam expostos. No fundo da parede principal, a imponente bandeira com a lua crescente, símbolo do clã Yamagawa, dominava o espaço. O chão de tatame proporcionava uma sensação acolhedora sob seus pés descalços enquanto ele avançava, cauteloso.

No centro do escritório, uma mesa de tampo lacado, adornada com uma fina camada de papel de arroz, estava meticulosamente organizada. Um conjunto de pincéis e um elegante selo de lacre estavam dispostos sobre ela, cada item em seu devido lugar. Shin se dirigiu à estante lateral, onde inúmeros rolos de estratégias e registros militares se alinhavam. Eram tantos que nem sabia por onde começar.

Deslizando o dedo indicador sobre as bordas dos rolos, Shin puxou um deles e o levou até a mesa. Absorto nas leituras, o tempo pareceu se esvair sem que ele percebesse. A cada pergaminho lido, Shin retornava à estante, pegando um novo e mergulhando em seu conteúdo. Descobriu informações valiosas e confidenciais sobre a guerra, relatórios de missões dos Lobos Divinos tão detalhados que o deixaram nauseado.

Estava tão concentrado que só percebeu a aproximação de alguém quando a porta começou a se abrir. Seu coração disparou, e ele rapidamente se abaixou para se esconder embaixo da mesa, batendo o queixo no tampo ao fazer isso.

Segurando o queixo dolorido, ele engoliu o gemido que quase escapou e espiou a entrada do escritório. Uma mãozinha segurava a porta, que se abriu devagar. Shin quase desmaiou de alívio ao ver que era Haruka.

Ela olhou diretamente para ele, curiosa.

— Shin? Está fazendo o quê aí?

— Ah... eu só estava limpando aqui embaixo da mesa. — Disse mostrando seu melhor sorriso. — Mas o que você está fazendo aqui?

— Estava procurando a mamãe, pensei que ela estivesse vindo pra cá.

Shin sentiu um calafrio. Se sua mãe o encontrasse ali, estaria em sérios apuros. Felizmente, foi Haruka quem o encontrou.

Devolveu o pergaminho rapidamente ao seu lugar e se aproximou da irmã.

— Tenho certeza que a encontraremos mais tarde. Já acabou seus estudos? — Ele queria sair dali o mais rápido possível, mas não resistiu à chance de passar um tempo com a irmã. — Que tal ir em um lugar especial?

— Sério mesmo? — Os olhos dela brilharam, e Shin adorava vê-la assim.

Como filhos dos líderes do clã, seus pais estavam quase sempre ocupados. Embora nunca estivessem realmente sozinhos, enganar a ama era uma tarefa fácil, e sempre que podiam, escapavam para explorar a vila. Foi em uma dessas aventuras que descobriram um lugar especial, meses antes.

O local ficava numa área menos movimentada, onde os túneis desciam a um nível mais profundo. Em uma das laterais, havia uma rachadura na parede que levava a uma nascente. O que tornava o lugar realmente mágico era a luz do sol que, de alguma forma, penetrava entre as rochas, iluminando a água de tom esmeralda e refletindo pela caverna inteira.

— Aposto que chego primeiro! — Haruka gritou, já correndo pela porta.

— Ei! Espere! — Shin correu atrás dela, ambos gargalhando enquanto seguiam em direção ao esconderijo secreto.

Deitaram-se na beira da nascente, usando os braços como apoio, e passaram o tempo imaginando formas nos reflexos esverdeados que dançavam no teto da caverna.

Naquele momento, Shin se permitiu esquecer as preocupações. Ele era apenas um garoto, rindo e contando histórias com sua pessoa favorita no mundo.

Mas, ao se deitar para dormir naquela noite, sozinho na escuridão do quarto, sentiu que algo havia mudado. Já não era mais o mesmo de quando acordara naquela manhã. E de alguma maneira sabia que o futuro que o aguardava era tão sombrio quanto a própria noite que o cercava.

Apoie a Novel Mania

Chega de anúncios irritantes, agora a Novel Mania será mantida exclusivamente pelos leitores, ou seja, sem anúncios ou assinaturas pagas. Para continuarmos online e sem interrupções, precisamos do seu apoio! Sua contribuição nos ajuda a manter a qualidade e incentivar a equipe a continuar trazendos mais conteúdos.

Novas traduções

Novels originais

Experiência sem anúncios

Doar agora