A Terceira Lua Cheia Brasileira

Autor(a): Giovana Cardoso


Volume 1,5

Capítulo 1: O Peso de Uma Escolha

Quanto vale a vida de uma pessoa? Shin tinha apenas sete anos quando essa pergunta lhe surgiu pela primeira vez.

No meio da madrugada, Haruka o sacudia sem parar, os olhos cinzentos brilhando de medo sob a luz tênue da luminária. Um choro agudo ecoava por toda a propriedade, cortando o silêncio da noite.

Shin piscou, confuso, encarando o rosto da irmã. Não era ela quem chorava. Ele se levantou do futon, sacudindo a cabeça para afastar o sono e o crescente pavor. Fez sinal para que Haruka permanecesse em silêncio e, segurando sua mão, conduziu-a em direção ao quarto dos pais.

Eles não estavam lá, mas Shin sabia onde encontrá-los.

Antes mesmo de chegarem ao escritório, as vozes abafadas já se faziam ouvir pelo corredor. De onde estavam, não conseguiam distinguir as palavras, mas o tom grave na voz do pai fez um arrepio percorrer a espinha dele.

À medida que se aproximavam, as palavras começaram a ganhar forma.

— Isso é desumano! — a voz da mãe atravessou a porta, trêmula e carregada de angústia.

— Mas é necessário! — rebateu o pai, firme. — Precisamos garantir o futuro do país, sacrifícios são inevitáveis!

Haruka apertou a mão de Shin com força, enquanto ambos pressionavam os ouvidos na superfície da porta do escritório. O pai voltou a falar, agora em um tom baixo, tentando tranquilizar a mãe.

— Eu assumirei a responsabilidade sozinho. Mas, por favor, entenda que estou fazendo isso não só pelo bem dele, mas pelo de centenas de crianças... espera...

O som de passos se aproximando fez o coração de Shin disparar. A porta se abriu bruscamente, revelando o rosto severo do pai.

— Shin! — esbravejou, seus olhos fixos no garoto. — O que estão fazendo aqui?

— Nós... escutamos algo. — Shin balbuciou, enquanto a mãe se aproximava com uma expressão preocupada. — Era como um choro de criança.

— Estou com medo — Haruka choramingou, agarrando-se à saia da mãe, que a acolheu com ternura.

— Está acontecendo algo? — Shin perguntou, sentindo um nó de inquietação se formar em seu peito.

— Está tudo bem. — disse a mãe, a voz soando estranhamente distante. — Nosso clã acolheu algumas pessoas que precisam de ajuda. Elas vão ficar aqui por alguns dias. — Ela tentou sorrir, mas o sorriso não alcançou seus olhos. — Agora, leve sua irmã de volta para o quarto, está bem?

— Tudo bem — respondeu Shin, hesitante.

O caminho de volta pareceu interminável, com murmúrios ao longe e a mente de Shin fervilhando de perguntas. Nos dias anteriores, um boato havia se espalhado pela vila: diziam que o imperador, desesperado para encontrar o príncipe herdeiro que supostamente sobrevivera ao golpe, mandara caçar todas as crianças com idade e características compatíveis. Shin sabia, lá no fundo, que a conversa que ouviram estava de alguma forma ligada a isso.

Chegaram ao quarto de Haruka, mas ela se recusou a ficar sozinha. Deitaram-se no futon, e enquanto observava a irmã adormecer, Shin não conseguia afastar as palavras dos pais de sua mente. “Isso é desumano.” A quem sua mãe se referia? Aos atos do imperador ou à decisão do pai? Ele mencionara sacrifícios e o salvamento de centenas de crianças. Talvez Shin tivesse entendido errado; seu pai jamais faria algo desumano, certo? Mas a inquietação não o deixava dormir.

Levantou-se cuidadosamente para não acordar Haruka e, em vez de voltar ao seu quarto, percorreu novamente o túnel escuro que levava ao escritório do pai. A noite parecia mais escura que o normal, mas ele conhecia o caminho como ninguém e, em poucos minutos, estava diante da porta.

Lá dentro, vozes baixas ressoavam como uma melodia sombria. Havia mais alguém além de seus pais. Shin deu meia-volta, tateando a parte inferior da parede. A vila Kagetsu, apesar de estar no subterrâneo, possuía um sistema de ventilação que ligava todos os aposentos, inclusive o escritório do líder do clã. Shin abriu a tampa com cuidado e entrou na tubulação. O espaço era pequeno, mas suficiente para uma criança de sete anos. Ele já havia se esgueirado por ali tantas vezes que perdera a conta.

Arrastou-se devagar, evitando qualquer ruído, até se aproximar o máximo possível da saída de ar para ouvir a conversa.

— Certamente isso resolverá a questão da caçada, mas se o próprio líder do clã fizer isso, pode atrair atenção indesejada. Não é prudente — disse uma voz que Shin reconheceu como sendo de Koji, o comandante dos Lobos Divinos, uma divisão especial composta pelos guerreiros mais habilidosos em combate e magia das sombras. Algo sério devia estar acontecendo para uma reunião àquela hora.

— Não o farei pessoalmente. — respondeu o pai de Shin, calmamente. — Deve ser realizado por alguém sem ligação direta com o clã, um camponês qualquer não chamaria atenção do imperador. E, se necessário, podemos facilmente eliminar as provas. É aí que você entra, Koji. Confio que encontrará a pessoa certa para este trabalho.

— Sem dúvidas, Senhor Renji. Mas nenhum camponês aceitaria um trabalho como este sem uma recompensa justa.

Shin ouviu o tilintar metálico de moedas sendo colocadas sobre a mesa.

— Isto não é problema — disse o pai, com frieza. — Cinquenta mil Yenjins. Suponho que não valha tanto quanto a vida de um príncipe, mas será o suficiente para a ocasião.

Shin soltou um suspiro involuntário, tapando a boca com a mão imediatamente. Qualquer ruído e seu pai perceberia que estava bisbilhotando. Ele não entendia tudo, mas sabia que precisava ouvir mais.

— E a criança? — Koji perguntou.

— Está sob proteção de Hiroto, em um vilarejo próximo ao Golfo de Midori. Um garoto de sete anos, com cabelo avermelhado, como um verdadeiro membro do clã do fogo. O imperador nunca saberá a diferença — disse Renji, com um tom que soava quase como orgulho. — Cuide disso o mais rápido possível, Koji.

O quê? O que está acontecendo? Shin podia ser apenas uma criança, mas já ouvira reuniões o suficiente para entender, ao menos parcialmente. Ele preferia não acreditar no que seus ouvidos captavam. A única forma de ter certeza seria aguardar as notícias dos próximos dias.

Quando percebeu, Koji já estava se despedindo de seus pais. Ele precisava voltar para o quarto antes que eles saíssem do escritório. A última coisa que ouviu enquanto se arrastava de volta foi a voz baixa e preocupada da mãe dizendo: “Espero que não se arrependa disso, Renji.”

Saltou para o corredor já quase sem fôlego, recolocando a tampa, e correu. Correu como se sua vida estivesse em perigo. Quando chegou ao quarto e se deitou, seu coração batia tão alto que temeu que alguém ouvisse. As palavras ainda ecoavam em seus ouvidos. “Um garoto de sete anos, com cabelo avermelhado, como um verdadeiro membro do clã do fogo. O imperador nunca saberá a diferença.”

Não sabia ao certo quando ocorrera a queda da dinastia Ito, mas agora entendia que ele e sua irmã poderiam ser vítimas do império da água. Sabia o que preocupava seus pais e que fariam qualquer coisa para protegê-los. Chegou a uma conclusão terrível, mas esperava estar errado.

Ele queria muito estar errado.

Nos dias seguintes, descobriu quem eram as pessoas que chegaram à vila naquela noite. A maioria eram crianças, fugitivas do império. Não ficaram mais que uma semana e seu pai as enviou para outro lugar. Um dos clãs vassalos cuidaria delas.

Escutar as reuniões dos pais se tornou rotina, até que, depois de aproximadamente três semanas, veio a notícia que Shin mais temia: o herdeiro do clã Ito foi entregue ao imperador para ser executado, encerrando assim a caça às crianças por todo o país.

A constatação o atingiu como um golpe certeiro. A decisão que seu pai tomou naquela noite: a vida de uma criança em troca da vida de centenas. Mas esse garoto que foi entregue não era o herdeiro.

Voltou para o quarto, com aquela pergunta persistente martelando em sua mente. “Quanto vale a vida de uma pessoa?”

Shin ficou imóvel na escuridão, apertou o estômago contra os joelhos, tentando controlar o enjoo e a tremedeira. Ele ainda era muito jovem para entender completamente as implicações do que havia ouvido, mas uma coisa era certa: a partir daquele momento, sua visão do mundo mudaria para sempre.

Sentia um vazio se formar dentro dele.

Queria desesperadamente acreditar que seu pai era o herói que sempre admirou, mas agora, dúvidas sombrias se enraizavam em sua mente. Porém essas mesmas dúvidas forjaram uma determinação que crescia silenciosamente, e a responsabilidade de proteger sua irmã mais nova.

Então, envolto na escuridão, Shin fez uma promessa: Ele se tornaria alguém forte, mais forte do que jamais imaginou ser necessário.

Guardou aquele segredo como uma ferida que jamais cicatrizaria, mas que serviria de lembrete do preço que alguns estavam dispostos a pagar para proteger o que amavam.

Shin fechou os olhos com força, tentando dormir, mas uma sensação estranha tomou conta dele.

Sentia algo arder sob a pele e algo envolver todo o seu corpo, como uma fina camada de tecido, gelado como o vento do inverno.

Encolheu-se o máximo que conseguiu, sentindo o suor grudento escorrer pelo rosto.

Foi neste momento que sua magia despertou.

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