Volume 2
Capítulo 5: O Pequeno Demônio de Laplace
O corpo dele estava tremendo. Estava sendo sacudido.
"Desperta! Já é de manhã!" A voz de sua irmã invadiu seus ouvidos, e Sakuta respondeu, sentando-se na cama.
"Bom dia."
"Bom dia!" Ele esfregou os olhos e então falou:
"Ah, Kaede..."
"Sim?"
"Existe algo chamado férias de verão..."
Ele tinha permissão para dormir mais tarde naquele dia. As únicas pessoas que acordavam cedo no primeiro dia de férias eram as crianças pequenas indo para os exercícios de rádio.
"Mas isso é amanhã!" Kaede disse, parecendo confusa.
"..." O que ela disse?
"Não, é hoje."
"Não... definitivamente amanhã."
Ele pegou o relógio. A tela digital mostrava 18 de julho, uma sexta-feira. Se as memórias de Sakuta estavam corretas, aquele deveria ter sido o dia anterior... 18 de julho, como Kaede disse, ainda não era férias de verão. Era o último dia do semestre.
"..."
Quando ele pensou que estava seguro, o dia estava se repetindo novamente. A primeira vez desde 27 de junho.
De algum modo, ele não estava surpreso.
Lá no fundo, talvez ele já tivesse uma sensação. Algo estava ligeiramente errado durante seu tempo com Tomoe. Ela parecia ter se divertido muito na praia no dia anterior. Eles se despediram com um sorriso, como se ela não tivesse nenhuma preocupação no mundo.
Mas exatamente isso estava errado.
Era fácil demais.
"..."
Sakuta levantou-se da cama e foi até a sala de estar. Ligou a TV, e estavam passando a reportagem sobre o jogo All-Star de beisebol da noite anterior. Exatamente o mesmo que ele havia visto no primeiro 18 de julho. Era estranhamente reconfortante.
"Algo errado?"
"Que tal uma melancia, Kaede?"
"Hã? Eu adoraria."
"Vou trazer uma redonda para casa."
Eles tomaram café da manhã e, em seguida, Sakuta se preparou para ir à escola.
"Divirta-se!" Kaede acenou para ele enquanto ele saia, e Sakuta começava seu segundo 18 de julho.
Ele encontrou Yuuma no Enoden. Yuuma se aproximou e segurou uma barra ao lado dele.
"Vai fazer o que nas férias, Sakuta?"
"Trabalho."
"A Koga também vai!" Exatamente como ele lembrava. Até o sorriso de Yuuma era o mesmo.
"E você, Kunimi?"
"Trabalho, treino, encontros."
"A essência da juventude."
"Você, hein!" Yuuma riu e deu um leve empurrão no ombro dele, exatamente como antes.
Tudo estava igual ao primeiro 18 de julho.
Sakuta e Yuuma se separaram nos armários dos sapatos, mas, em vez de subir para a sala de aula, ele foi direto para a turma 1-4, a sala de Tomoe.
Ele olhou ao redor da sala e a encontrou imediatamente. Ela estava em uma mesa com Rena, Hinako e Aya, conversando alegremente.
Hinako o viu e deu um toque em Tomoe. Ela parecia surpresa, mas logo se juntou a ele no corredor, com um leve olhar de autoconsciência.
"Você não pode simplesmente aparecer na minha sala!" disse ela, verificando se alguém estava olhando.
"Eu sei, mas não tenho muita escolha." A situação era o que era. Melhor tocar base logo.
"Algo deu errado?" ele perguntou.
Até onde ele sabia, tudo tinha ocorrido bem. Exatamente como o planejado, tudo dando certo. Eles tinham chegado até as férias de verão sem que ninguém soubesse.
Tudo o que Tomoe precisava fazer era contar para as amigas que ele a tinha dispensado. Essa informação se espalharia pela escola sem nenhum esforço adicional de sua parte. Deveria estar tudo acabado.
"Por quê?" Tomoe perguntou, confusa.
“Hmm.” Sakuta fez uma pausa. A reação dela não fazia sentido. Tomoe não parecia nem um pouco preocupada.
“Estamos presos em um loop.”
“Hã?” Tomoe arregalou os olhos para ele.
Isso confirmava tudo. Ela definitivamente não sabia. Um calafrio percorreu a espinha de Sakuta.
“Esse já é o seu segundo dia 18 de julho, certo?”
“...Não.” Tomoe respondeu com seriedade.
“Espera... Esse é o seu primeiro?”
“Sim.” Ela olhou diretamente em seus olhos ao responder. O sinal tocou, anunciando o início da aula.
“Certo. Esquece o que eu disse.”
“Depois da aula?”
“Como combinado.”
“C-certo.”
“Até mais.”
Sakuta se virou para sair. Tomoe acenou para ele, parecendo um pouco preocupada.
Após a cerimônia de encerramento do semestre, houve a última homeroom, e o professor entregou os boletins. Ele já sabia o que estava escrito. Suas notas não tinham mudado. O comentário vago sobre sua briga com Maesawa ainda estava lá.
“Eu sei que é verão, mas não exagerem e acabem se machucando.”
Com essas palavras de despedida, Sakuta saiu da Classe 2-1. A Classe 2-2 já havia terminado, então restavam poucas pessoas na sala.
Sem sinal de Rio Futaba. Ela provavelmente estava onde sempre ficava.
Sakuta foi até o laboratório de ciências e a encontrou escrevendo uma fórmula no quadro-negro. Sem perder tempo, ele começou a explicar sobre o loop temporal.
“O que você acha?” perguntou, ao terminar.
“Azusagawa, você enlouqueceu?” Rio se virou para encará-lo.
“Por quê, exatamente?”
“O fato de você precisar perguntar já responde.”
“Por favor, desenvolva.”
“Até uma criança entenderia isso.”
“...” As crianças de hoje em dia eram muito perspicazes. O futuro do país estava garantido.
“Se você estiver certo e essa aluna do primeiro ano...”
“Tomoe Koga.”
“Se ela for o demônio de Laplace, a resposta é óbvia.”
“É mesmo?”
“Qual a diferença crucial entre 18 e 19 de julho? Alguma mudança, digamos, no relacionamento de vocês?”
“...”
As habilidades de observação de Rio eram impressionantes. Sakuta nem havia mencionado nada sobre seu contrato de namoro falso com Tomoe, mas ela já parecia ter deduzido tudo.
“Eu sabia que você não manteria algo assim por muito tempo.” Ela o conhecia bem.
“Azusagawa, tem certeza de que não percebeu?”
“Perceber o quê?”
“O motivo pelo qual ela jogou os dados novamente.” Sakuta olhou para o teto, evitando o olhar de Rio.
“...”
Ele não era completamente ingênuo. Se tivesse que escolher entre ter pistas ou não ter, preferiria a primeira opção. Mas isso estava longe de significar que ele realmente sabia a resposta.
“Mas dessa vez, Koga não sabe que esse é o segundo ciclo.”
Isso era o que mais o deixava confuso.
Ela parecia genuinamente surpresa, e isso era aterrorizante. Um frio percorreu o estômago de Sakuta.
“Hm... Então talvez seja o que eu disse antes, e você seja o demônio.”
Rio não parecia particularmente interessada na teoria. Mas, mesmo chamando-o de demônio, não parecia acreditar de verdade nisso. Era mais como se estivesse jogando a hipótese no ar para debate.
“Não sou.”
“Então só há uma outra possibilidade.”
“Só uma?”
“Sim. Ela está mentindo.”
Sakuta não discordou.
Depois de deixar o laboratório de ciências, ele encontrou Tomoe na estação, e os dois seguiram para a praia. Assim como da última vez, comeram milho assado e yakisoba, fizeram castelos de areia, compraram raspadinhas e se divertiram nadando.
Tomoe parecia estar se divertindo com tudo.
No caminho de volta, ela agradeceu por tudo. O aperto de mãos no final foi exatamente o mesmo do primeiro 18 de julho.
Nada mudou.
Se o dia seguinte chegasse normalmente, Sakuta não teria do que reclamar.
Mas, quando ele acordou na manhã seguinte, era novamente sexta-feira, 18 de julho.
Seu terceiro último dia do semestre.
As férias de verão de Sakuta simplesmente não chegavam.
No dia 27 de junho, ele havia escapado antes de um quarto ciclo.
Baseando-se nessa experiência, ele começou o dia do mesmo jeito, se perguntando se talvez houvesse um limite de três repetições.
Inconsciente do loop, Tomoe aproveitou outro dia perfeito na praia.
Mas as esperanças frágeis de Sakuta foram destruídas quando o quarto 18 de julho chegou.
Estava claro que a única maneira de escapar desse ciclo era banir o demônio de Laplace.
Ele pegou o trem como sempre e, mais uma vez, encontrou Yuuma.
“Yo.”
“Mm.” Sakuta respondeu ao sorriso animado do amigo com um olhar carrancudo.
Yuuma, imperturbável, segurou uma das alças do trem. Ficaram observando a cidade passar por um tempo.
“Kunimi,” Sakuta disse, por fim.
“Mm?”
“Você tem namorada.”
“E sou grato por isso.”
“O que faria se outra garota tivesse sentimentos por você?”
“...” Um olhar cauteloso surgiu nos olhos de Yuuma.
“O que faria se percebesse o que ela sente?” Sakuta insistiu.
“De quem estamos falando?” Yuuma o encarou de lado, desconfiado.
“É só uma hipótese.”
“Sei.”
Sakuta não mencionou nenhum nome, mas Yuuma estava levando a conversa muito a sério. Isso só podia significar uma coisa:
Yuuma sabia exatamente como Rio se sentia.
Era por isso que estava tratando o assunto com tanta seriedade.
“Ela... sabe que eu sei?”
“No momento, não.” Nenhum dos dois precisava dizer em voz alta de quem estavam falando.
“No momento,” Yuuma prosseguiu, com uma expressão tensa.
“eu não quero trazer isso à tona enquanto ela está tentando esconder.” Ele manteve o olhar fixo no mar à sua frente, semicerrando os olhos contra a luz.
“Sinto que seria arrogância da minha parte, sabe? Tipo, quem eu acho que sou?” Yuuma escolhia bem as palavras.
“Mas também acho que deixar as coisas como estão não é saudável a longo prazo. O que eu devo fazer?”
“Eu que estou fazendo as perguntas.”
Chegaram à Estação Shichirigahama sem encontrar uma resposta.
Todos os alunos se reuniram no ginásio para a cerimônia de encerramento do semestre. Era a quarta vez que Sakuta passava por aquilo. A quarta vez ouvindo o discurso do diretor, então ele ignorou, perdido em seus próprios pensamentos.
Pensando em Tomoe.
Ele conseguia vê-la sentada com os outros alunos do primeiro ano.
Ela deve ter sentido seu olhar, porque se virou para trás.
Quando seus olhos se encontraram, Tomoe pareceu surpresa. Mas então, sorriu. Ao ver isso, tudo fez sentido para Sakuta.
Sim. Ela estava mentindo. Tomoe estava mentindo.
Depois da aula, Sakuta e Tomoe se encontraram na Estação Shichirigahama e viajaram três paradas até a Estação Enoshima, conversando sobre suas notas.
Eles caminharam pelas ruas de tijolos de Subana Street até o mar. Atravessaram o túnel sob a Rota 134.
E Sakuta seguiu direto para Enoshima.
“Senpai? A praia é para o outro lado.”
Tomoe apontou para a esquerda, onde ficava a praia do lado leste, repleta de barracas e armários. Para a direita estava a praia do lado oeste.
“Esse já é o meu quarto hoje.”
“Então você enjoou da praia?”
“Fico feliz que tenha entendido tão rápido.”
Ele pisou na Ponte Benten.
“Estamos indo para Enoshima?” Tomoe perguntou, alcançando-o com passos leves. Ela inclinou a cabeça para ver seu rosto.
“Nunca chegamos lá no nosso primeiro encontro, não foi?”
“Ah, é mesmo.”
Eles haviam parado no meio da ponte, quando Tomoe avistou uma colega em apuros. Aquela garota... Nana Yoneyama tinha perdido um pingente de celular. Ela e suas amigas haviam comprado pingentes combinando, então ela estava desesperada para encontrar o dela.
“A ilha. O céu. O oceano.”
À frente deles, o céu e o mar emolduravam Enoshima. Eram as únicas coisas que os olhos conseguiam ver.
Tomoe estendeu as mãos, como se tentasse alcançar o céu.
Acima deles, uma ave de rapina voava em círculos. Esse tipo de pássaro era conhecido por roubar a comida dos banhistas.
A ponte tinha mais de quatrocentos metros de extensão e, quando finalmente chegaram ao outro lado, foram recebidos pelo cenário típico de uma armadilha para turistas: uma série de lojas de souvenirs e barracas administradas por pescadores locais. O local estava movimentado naquela época do ano.
Assim que passaram pelo portão torii, o caminho começou a subir e não era uma inclinação leve. A estrada se estreitava, evocando a sensação dos tempos antigos. De ambos os lados, havia lojas vendendo todo tipo de coisa, desde peixe branco, uma especialidade local, até coloridas carteiras com fechos de metal.
Eles passaram por um casal de universitários que dividia um enorme biscoito de arroz com um polvo assado dentro.
Sakuta sentiu um olhar sobre ele.
"Essas comidas de barraca fazem mal para você", disse ele, mas ainda assim entregou o dinheiro ao dono da barraca.
"Eu começo a dieta amanhã."
"Oh?" Eles conversavam enquanto esperavam o biscoito de polvo fritar.
"Isso é enorme!", maravilhou-se Tomoe. O biscoito era maior que suas cabeças.
Continuaram subindo o caminho, revezando-se para quebrar pedaços do biscoito.
À frente, havia uma imponente escadaria com um portão torii vermelho no meio. Acima dele, estavam os três santuários de Enoshima Shrine.
Sakuta e Tomoe enfiaram o restante do biscoito na boca antes de chegarem ao portão e, então, começaram a subir as escadas. O esforço era tanto que ambos ficaram em silêncio, concentrados em manter os pés em movimento. Quando finalmente chegaram ao primeiro santuário, Hetsumiya, estavam sem fôlego.
"Minhas pernas estão tremendo", disse Tomoe.
"Mas você é caloura!", respondeu Sakuta.
"E o que isso tem a ver?"
"Você tem juventude!" Depois de recuperarem o fôlego, os dois fizeram suas orações.
"Koga, aqui tem placas de desejos para relacionamentos", disse Sakuta.
Havia muitas placas de madeira penduradas nos suportes ao redor da árvore dos relacionamentos.
"Vamos escrever uma", sugeriu ele.
"Hã? Mas isso não seria mentir para a deusa?"
Ignorando a objeção de Tomoe, Sakuta comprou um ema da sacerdotisa do santuário.
"S-Senpai!", protestou Tomoe, envergonhada.
A sacerdotisa provavelmente pensou que ela só estivesse tímida e lhe deu um grande sorriso.
Sakuta pegou uma caneta emprestada e escreveu seu nome completo dentro do coração: Sakuta Azusagawa.
"Viu?", disse ele.
"Isso dá azar!"
"Já estávamos prontos para ir para o inferno no momento em que decidimos enganar todo mundo."
"Eu estava, sim! Mas não quero te arrastar comigo!"
Tomoe hesitou e então virou a placa. No verso, havia uma lista de tipos de relacionamentos afetados pela oração. O primeiro da lista era "amor não correspondido".
Sakuta ouviu seu pequeno suspiro de surpresa.
Por um momento, ela hesitou, mas então pegou a caneta e escreveu Tomoe Koga em letras arredondadas ao lado do nome dele.
Sakuta pegou rapidamente a placa das mãos dela e começou a amarrá-la na árvore dos relacionamentos.
"Senpai! Não podemos colocar uma mentira no meio de tantos pedidos sinceros. Vou levar isso para casa!", exclamou ela, puxando seu braço, desesperada para impedi-lo.
Ele se preocupou que a sacerdotisa pudesse ouvi-los.
"Eu sou o único mentindo aqui, então está tudo bem", disse ele.
"Hã?"
Os braços dela ficaram frouxos. Sakuta aproveitou a oportunidade e terminou de amarrar a placa. Agora seria bem difícil retirá-la dali.
Eles continuaram subindo as escadas em silêncio, como se aquilo fosse um exercício religioso.
Chegando ao Nakatsumiya, o santuário com as colunas vermelhas distintivas, pagaram seus respeitos. Mais adiante, chegaram à base da torre de observação, um dos marcos do local.
Sakuta e Tomoe passaram direto, seguindo em direção ao Okutsumiya, nos fundos da ilha.
O caminho era de pedra antiga e bastante estreito, criando uma atmosfera única. As escadas os levavam para cima e para baixo, e havia várias barracas de souvenirs, lojas de doces japoneses e restaurantes ao longo do percurso.
Parecia algo saído de um filme antigo, com um clima acolhedor de cidade pequena, onde todos conheciam seus vizinhos. Ocasionalmente, um gato passava correndo, e Tomoe tentava acariciar todos eles, mas sem sucesso.
"Senpai, sobre antes...", começou ela.
"Mm?"
"A árvore dos relacionamentos..."
"......"
"Oh, deixa pra lá."
"......" Sakuta sabia o que ela queria.
Ela queria perguntar sobre o que ele dissera antes.
"Eu sou o único mentindo aqui, então está tudo bem."
Ele percebeu que aquilo a estava atormentando, mas Tomoe manteve a boca bem fechada. Eles chegaram a Okutsumiya sem que ela dissesse mais nada.
Fizeram suas orações em silêncio. Sakuta lançou um olhar de soslaio para ela enquanto ela juntava as mãos, séria. O que será que ela estava pedindo?
O caminho ficou ainda mais estreito. Eles desceram uma longa e estreita escadaria até chegarem à extremidade oeste de Enoshima, Chigogafuchi.
Era um platô rochoso com pouco mais de cinquenta metros de largura, onde as ondas se misturavam às pedras, suavizando suas superfícies. Diziam que aquele local emergira do mar durante o Grande Terremoto de Kanto.
O dia estava claro, e a vista do Monte Fuji era espetacular.
A brisa do mar aliviava o cansaço. Muitos outros casais paravam ali para admirar as formações curiosas criadas pela natureza.
"Hinako disse que esse lugar fica lindo ao pôr do sol", comentou Tomoe, apoiando as mãos no corrimão.
Ela provavelmente já tinha entendido. Por que ele a convidara para Enoshima. E por que ele dissera aquelas palavras. E mesmo assim, fingia que não percebia.
"Vamos."
"Mm." As respostas dela estavam ficando cada vez mais curtas. Eles voltaram pelo mesmo caminho em silêncio.
Nenhum dos dois disse muita coisa.
A subida havia sido um verdadeiro exercício, mas a descida foi bem mais fácil. Eles passaram novamente pelo primeiro portão torii, voltando à movimentada área comercial. Os vendedores das barracas chamavam por eles, mas continuaram andando, deixando Enoshima para trás.
Ao atravessar a Ponte Benten, tinham uma visão clara das praias em ambas as direções. A orientação agora estava invertida: a praia do oeste ficava à esquerda, e a do leste, à direita. O sol brilhava alto no céu ao sul, e as praias estavam lotadas.
Provavelmente, muitos alunos de Minegahara tinham vindo direto para ali depois da cerimônia de encerramento do semestre. Assim como Sakuta e Tomoe haviam planejado fazer.
"Senpai, ainda quer ir à praia?" perguntou Tomoe, olhando na direção da areia.
"Eu estou de maiô por baixo disso."
Havia um tom animado em sua voz. Ela soava exatamente como de costume.
Isso ajudou Sakuta a tomar sua decisão. Ele parou no meio do caminho.
Tomoe percebeu um instante depois e virou-se, a três metros de distância, lançando-lhe um olhar confuso. Eles estavam bem no centro da Ponte Benten, cercados pelo oceano.
"Senpai?"
"Koga, a mentira precisa acabar."
"Hã? Ah, sim. Hoje é o último dia."
"Não essa mentira."
"......Senpai? Você está me assustando." Ela o encarou, perplexa.
"......" Mas Sakuta não cedeu.
"Uhm... O que está acontecendo?"
"Você acha que eu não percebi?"
"O que estamos falando?"
"Foram três semanas, mesmo que fosse só de mentira."
"......"
"Uma vez, você disse que eu consigo entender as coisas, mas finjo que não."
"Você está agindo estranho, senpai", protestou ela, perdida.
"Você não precisa dizer nada para que eu saiba."
"......"
"Você sabe que é verdade." Ela o encarou o tempo todo, mas agora baixou a cabeça.
"Não importa quantas vezes você jogue os dados, os sentimentos das pessoas não mudam."
"......"
"Uma mentira nunca se tornará verdade, e a verdade nunca se tornará uma mentira."
Em resposta, Tomoe apertou com força as mangas do uniforme. Como se estivesse se segurando.
"Mesmo depois de cem vezes?" murmurou ela, olhando para os próprios pés. O vento levou suas palavras.
"Não."
"......E depois de mil?" A voz dela tremia.
"Não."
"E dez mil?"
"Você poderia repetir um milhão de vezes. Eu ainda estaria apaixonado pela Mai."
"......"
"E não importa quantas vezes a gente repita, seus sentimentos também não vão mudar."
"......"
"......" Um silêncio pesado se instalou entre eles.
Gotas grossas de chuva começaram a cair, escurecendo o chão seco.
Sakuta olhou para cima e viu que o céu ainda estava azul. Era uma chuva de sol.
"Você é um mentiroso, senpai", disse Tomoe, sua voz quase se perdendo no som da chuva.
"...Os sentimentos mudam." As gotas eram tão grandes que chegavam a doer, e a chuva só aumentava.
"A cada repetição, eles ficaram mais fortes. Ficaram mais fortes."
Com a voz rouca, Tomoe admitiu a mentira que contava a si mesma.
Ela sabia que estavam repetindo o mesmo dia. Sabia, mas agira como se fosse a primeira vez. Na segunda e terceira passagens pelo dia 18 de julho, divertiu-se na praia como se não soubesse de nada. Mas era tudo uma encenação.
Tudo para esconder aqueles sentimentos.
"Eu sabia que precisava esquecer, mas não consegui. A cada vez, eu pensava: ‘Dessa vez, eu vou conseguir.’ Mas não funcionou. Por mais que eu quisesse parar de sentir isso!"
O tremor na voz dela atingiu Sakuta como uma faca no peito.
Todas as emoções que ela havia engarrafado estavam começando a transbordar.
Esses sentimentos eram tão humanos. Nenhum demônio poderia senti-los.
"Nosso último encontro deveria ser incrível, e então terminaríamos o namoro falso com um sorriso. Depois que terminássemos, você e Sakurajima ficariam juntos e, quando o segundo semestre começasse, eu iria te provocar sem parar por isso."
"Koga..."
"E seríamos amigos. Daqueles que podem falar sobre qualquer coisa. Você seria um amigo mais velho em quem eu poderia confiar. E eu sabia que você gostaria disso também. Conversaríamos sobre tudo o que aconteceu, até sobre esse namoro falso, como se fosse algo divertido. E continuaríamos amigos para sempre!" Tomoe ergueu o rosto, tentou sorrir, mas falhou.
"É isso que eu quero." A dor em sua expressão apertou o coração de Sakuta.
"Isso é tudo que eu quero. Eu não queria nada especial. Não queria ser egoísta. Não queria atrapalhar ninguém. Então... então por que o amanhã não chega?!"
"......"
"Eu tomei a decisão de acabar com esses sentimentos, então por que, toda manhã, quando eu acordo, eles estão ainda mais fortes do que no dia anterior?!"
Porque é assim que funciona. Escondê-los no fundo do coração não faz com que desapareçam.
Eles não vão simplesmente sumir. Esses sentimentos vivem dentro de você. Quanto mais você tenta negá-los, mais difícil é tirá-los da cabeça.
"Isso é horrível..."
As memórias e os sentimentos humanos não são digitais. Não dá para apagá-los com um simples clique.
Eles não são como números de telefone, endereços de e-mail ou IDs de aplicativos. Você não pode simplesmente apertar "excluir" e seguir em frente.
Os seres humanos são ligados de outras formas.
As três semanas que Sakuta e Tomoe passaram juntos os conectaram.
"Eu tomei a decisão de me livrar desses sentimentos. Fiz essa escolha!"
"Você não precisa fazer isso."
"Preciso!" Tomoe vivia daquele jeito. Mesmo que isso a fizesse sofrer.
"Quero dizer, você está apaixonado pela Sakurajima! Eu só estou atrapalhando. Esses não são sentimentos que uma amiga deveria ter! Uma amiga não deveria sentir isso!"
Era isso que Sakuta tinha pedido a ela.
"Quando a mentira acabar, continuamos amigos."
Tomoe tomou a decisão de esconder seus sentimentos para cumprir essa promessa.
Ela não tinha outra escolha. Não queria ser um peso para ele. Por isso, ficou em silêncio e tentou lidar com tudo sozinha.
Tentou sufocar seus sentimentos.
Fingir que nunca existiram.
Era isso que precisava fazer para continuar sendo amiga dele.
Para permanecer ao seu lado como uma kouhai um pouco mais nova, brincalhona e atrevida.
Mas seus sentimentos não colaboravam, e tentar fazer tudo funcionar do jeito que queria se mostrou impossível.
Algumas emoções são fortes demais para serem controladas.
E nem sempre entendemos completamente os nossos próprios sentimentos.
Talvez essa fosse a primeira vez que Tomoe tivesse que encarar emoções como essas.
O relacionamento deles começou como uma mentira.
Mas, antes que ela percebesse, seus sentimentos se tornaram reais.
Mesmo assim, era um namoro falso, então ela encarou o dia do término com naturalidade... mas aqueles sentimentos verdadeiros permaneceram.
Emoções poderosas ficaram presas dentro dela, sem resolução.
Sem poder expressá-las, confinadas na escuridão de seu coração, essas emoções clamavam para serem libertadas.
Mas Tomoe se recusava a ouvi-las.
Se deixasse seus sentimentos saírem, isso causaria problemas.
Problemas para Sakuta.
Para ser a Tomoe Koga que ele queria que ela fosse, sua única opção era sufocar esses sentimentos.
Pisoteá-los, enterrá-los no fundo do coração. Isso era doloroso. Devastador. E inevitável. Foi assim que o demônio adormecido dentro dela despertou. Essa era a verdadeira forma do demônio.
A Tomoe que ela havia aprisionado dentro de si mesma.
A parte dela que não queria que as férias de verão chegassem, Que queria continuar namorando Sakuta, mesmo que fosse uma mentira. Que desejava que o amanhã nunca chegasse.
Mas, mesmo assim, Tomoe ficou em silêncio, tentando esquecê-lo, Tentando fazer com que tudo isso nunca tivesse acontecido. Por isso ela mentiu.
“Koga.” Quando ele chamou seu nome, ela se encolheu.
Mas, por mais que isso a machucasse, ele precisava dizer.
“Você tem me causado problemas esse tempo todo.”
“Você é tão cruel...”
“Só percebeu isso agora?”
“Eu não gosto de você. Eu te odeio! Isso é tudo culpa sua! Se você não tivesse sido tão legal comigo...”
“É. Então você não precisa se preocupar em ser um fardo.”
“Eu me odeio também. Essa não sou eu!”
“Mas é, sim. Isso faz parte de você, Koga.”
“Não! Isso não sou eu! Eu quero que o verão chegue! Quero ser sua amiga, me divertir, rir com você! Isso é tudo o que eu quero!”
Tomoe ainda não havia derramado uma única lágrima.
Seus olhos brilhavam ao encará-lo, como se soubesse que, se deixasse as lágrimas caírem, tudo estaria acabado.
“Não minta mais para si mesma.”
“......”
“Você é a ‘garota da justiça’, lembra?”
“Isso não é justo. Se você falar assim...”
“Não há nada que você não possa fazer, Koga.”
“Isso não é justo. Você não é justo.”
“Você não precisa mais guardar tudo para si.”
“Você é tão burro! Idiota! Eu te odeio! Eu não suporto você! Mas...” A dor em sua voz era evidente.
“Mas... eu também te amo.” As lágrimas começaram a transbordar.
“Eu te amo, senpai.” Ela fungou e então respirou fundo.
“Eu te amo!” gritou, libertando todas as emoções que havia mantido trancadas dentro de si.
Soltando tudo, bem na cara dele. Um turbilhão de sentimentos puros ecoou pelo céu.
“Koga”, ele disse suavemente, com toda a delicadeza que conseguiu reunir.
Por um momento, Tomoe tentou segurar as lágrimas. Mas as palavras de Sakuta não permitiram.
“Mandou bem”, ele disse. Seu rosto se desfez. As lágrimas caíram, cintilando em suas bochechas.
“Bom trabalho.” Ela soluçou sem conseguir dizer nada.
O chão a seus pés ficou molhado de suas lágrimas. O céu azul os observava em silêncio, claro até onde a vista alcançava. A chuva de sol já havia parado há muito tempo.
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