Volume 1

Capítulo 3: Boa Sorte, Princesa!

Mesmo que eu não precisasse dormir, tornou-se bem entediante fazer nada durante tanto tempo.

É incrível que, apenas por ser um “Demônio-Real”, meu vigor e energia estão praticamente infinitos. Além disso, até agora não senti fome ou sede. E pensar que os corpos das crianças seriam aqueles mais desesperados por nutrientes.

Enquanto os dois goblins dormiam, aproveitei para ficar manipulando as janelas do Sistema e entendendo como elas funcionavam. Aparentemente é bem simples: eu penso e elas aparecem. Então, como se estivesse manipulando uma janela flutuante de um jogo de VR, eu consigo acessar tais janelas com as mãos.

Algumas outras opções pareciam ser capazes de executar somente com meu pensar e isso me trouxe certo alívio. Enquanto movimentava as mãos e a cabeça daquele jeito, tenho toda certeza de que me chamariam de louco.

Outra coisa que percebi foi: nenhum dos dois goblins conseguem visualizar estas janelas e provavelmente são coisas da minha cabeça, ou melhor, do “Sistema”. E o Sistema não é simplesmente um sistema estático ou mecânico, em alguns momentos demonstrou capacidade de me responder perguntas com respostas únicas e diferenciadas.

Ora, já está amanhecendo?

Os primeiros raios de sol começaram a penetrar a floresta, ainda mais naquela região onde estávamos. Pelo fato de a clareira possuir pouquíssimas árvores, o sol veio com força.

Também não mencionei bem o lugar onde estou, mas, é em uma região alta, já na montanha.

Nosso percurso aparentemente continua e iremos subir ainda mais.

Voltando a essa bela vista, é possível ver boa parte da floresta de onde acordei.

As árvores são altas e possuem copas densas de folhagem verde-escuro. Por estarem muito agrupadas, basicamente é um mar-verde sendo visto de cima. No horizonte, mesmo que minha visão fosse pelo menos 10 vezes melhor do que meu “eu verdadeiro”, não consigo ver mais que apenas montanhas escondidas na névoa do amanhecer.

Essa floresta é realmente extensa e essa montanha, nem se fala.

Sistema: [Percepção Passiva Ativada].

Mesmo que eu esteja um pouco afastado de onde os dois dormiam, o sistema me alertava quando eles começaram a acordar. Por isso, voltei para o centro da clareira abandonando aquela vista.

Assim que me aproximei, afirmei:

— Vejo que estão acordando. Se descansaram bem, é melhor continuarmos o quanto antes.

— Sim, Princesa Demônio — concordaram os dois.

Não havia muito o que arrumar do acampamento se não apenas pegar as armas que tinham deixado de lado, então, quando estavam prontos, partimos.

Nogo que tinha lutado contra o Coelho-da-Lua na noite anterior parecia ter melhorado em relação aos seus ferimentos, mas seus pontos de vida quase não tinham sido recuperados.

Sistema: [HP recupera em uma taxa de 1% por Dia].

Nossa, para recuperar tudo que perdeu vai levar bastante tempo. E olha aí o Sistema conversando comigo diretamente. De qualquer forma, agora não é o momento de procurar pelo em casca de ovo.

Enquanto caminhávamos, os dois não puxaram assunto ou conversa, aí aproveitei para continuar analisando tudo que podia, mais especificamente as folhagens e aquelas árvores.

As plantas rasteiras possuem folhas longas e largas, e nas suas bordas, o que parece uma lâmina serrilhada. Os goblins parecem evitar passar por cima dessas, e pelo nome: “Mantis Serra-Dor”, acho que está meio óbvio que são perigosas.

Tirando essa, todas outras pareciam apenas “normais” como plantas normais que você encontraria numa floresta. Não é como se eu fosse expert no assunto, mas devido meus estudos sobre camping da vida anterior, tinha pelo menos o básico.

Vejo que há um botão diferente agora. Ele se chama... Habilidades. O que seria essas habilidades?

Usei o [Analisar] no Nogo que estava mais próximo de mim e ativei a outra função.

Sistema: [Nogo – Habilidades]

  • [Linguagem de Monstros (4)] • [Rastrear (2)] • [Perícia com Lança (2)]...

Havia mais algumas dessas “Habilidades”.

É meio difícil ver o que elas fazem enquanto estamos andando, mas, vamos tentar.

  • [Linguagem de Monstros – permite se comunicar com monstros com eficiência igual a (10xNível da Habilidade). Atual: 40%].

Entendi, e faz sentido. Pelo jeito, todas as criaturas possuem suas próprias habilidades por causa da sua raça, e provavelmente habilidades de sua classe.

Eu consigo visualizar minhas próprias habilidades?

Sistema: [??? – Habilidades]

  • [Boa Sorte – melhora suas chances de não ser morto, de novo].
  • [Aura Demoníaca – cria uma aura intimidadora que afeta criaturas que tiverem contato direto com a aura, seja visual, aproximação ou toque. Causa efeitos negativos adversos e Medo ou Paralisia, dependendo da RES do afetado].
  • [Poder Demoníaco – aumenta os status e modificadores de testes em (5xNível da Habilidade). Atual: 50%].
  • [Linguagem de Monstros – permite se comunicar com monstros com eficiência igual a (10xNível da Habilidade). Atual: 100%].
  • [Analisar – permite visualizar informações básicas de uma criatura viva. Quanto maior o nível da habilidade, mais informações serão reveladas. Se o alvo estiver em um nível acima de poder ou possuir algum tipo de Bloquear Análise, não poderá ser analisado].

Até eu tenho tais habilidades, e parecem ser exclusivamente por ser Demônio-Real, porém, e essa aqui? Como assim “Boa Sorte”? E olha a descrição dessa habilidade... vai tomar no seu cu quem quer que tenha feito isso! Como se fosse minha culpa aquele cara ter me esfaqueado.

Suspirei.

Estávamos agora em uma área que lembrava um paredão de escalada. Por alguns segundos pensei que teríamos que escalar aquela parede quando o goblin mudou o trajeto de uma maneira bem abrupta.

O caminho que ele mostrava iniciava de dentro de uma fenda, e então como um passe de mágica, lembrava uma escada em caracol feita na própria rocha. Custa-me crer que isso foi obra da natureza, mas, quando vejo o nível de inteligência dos goblins, seria bem mais plausível.

Subimos por aquele caminho peculiar e agora estávamos em uma área ainda mais alta que antes.

Olhei para os goblins e perguntei:

— Falta muito para chegarmos até essa caverna?

— Não, não. Está perto, perto — disse Dogo.

— Nogo está perto de casa — falou Nogo.

 — Ali, depois das árvores. Caverna casa, Líder Yaga — disse Dogo enquanto apontava para uma região mata adentro.

Se considerar o quão diferente é este caminho para o trajeto de “simplesmente andar”, eu diria que é uma armadilha. No entanto, eles não parecem estar mentindo. É, creio que sua tal “caverna” não seria descaradamente tão fácil de se encontrar.

Olhei para trás apenas para ver o terreno lá embaixo depois que subimos pelo paredão. Também não é como se esse trajeto fosse o mais simples, né?

Afirmei com a cabeça e continuamos.

Se aqueles aventureiros estavam procurando a caverna dos goblins, erraram feio a rota. Pois, pelo tudo que tive que andar até chegar neste lugar, não é brincadeira. Só não reclamei pois não tinha escolhas e não senti meu vigor se esvair em nenhum momento.

Porém, se olharmos de maneira mais simples, tal como se observássemos apenas uma linha reta, daqui até onde eu acordei, não seria tão “longe” assim.

Depois de termos conseguido atravessar aquela área densa – a mais densa até então – paramos diante da base da montanha onde árvores já não se faziam tão presente. Apenas rochas e pedras a partir de agora. Os dois foram na frente e caminharam até uma fenda.

Essa fenda era a entrada da caverna.

Como estava alguns passos atrás, dei-me conta dos outros goblins só quando me aproximei.

Por algum motivo a [Percepção Passiva] não tinha sido ativada.

Um se chama Tito e o outro Daga. Pelos seus status, eles são mais fracos do que os outros dois.

Quando eles me viram pularam na frente da caverna como se fossem guardas. Apenas olhei para os que estavam comigo, e sem dizer uma palavra, Dogo que iniciou:

— Tito. Daga. Sair do caminho. — Apontou para minha direção. — Princesa Demônio!

— Dogo idiota, trouxe demônio para caverna casa — comentou Tito.

— Princesa Demônio quer ver Lider Yaga — disse Dogo.

Hmmm? — Tito olhou para Daga, e fazia um sinal de negação. — Yaga falar, não levar ninguém caverna casa.

— Princesa Demônio! — Dogo apontou novamente para mim.

O que ele quer que eu faça?

Diferente dos outros, esses não sabem da minha aura. Eu deveria mostrar a eles? Assim duvido que ousariam me impedir... Não, espere. Se eu fizer isso, só vou me mostrar como uma ameaça para eles.

Os dois certamente não acham que eu sou um perigo, afinal, estou em um corpo de criança. Talvez eu deva intimidá-los como os outros? Assim me deixariam passar.

Sistema: [Você deseja utilizar Teste Intimidar?][Sim][Não].

Sim.

Dessa vez não usei as mãos, apenas “afirmei” mentalmente. E... pronto, deu certo.

Sistema: [Você jogou 1d20 e obteve 14+99, resultado: Sucesso].

Meu corpo começou a se movimentar sozinho. Dei alguns passos para frente e eles já logo entraram em modo de combate. Mesmo que fosse uma criança agora, ainda era maior que os goblins.

Dei o último passo e fiquei numa posição ameaçadora, com os braços cruzados, encarando-os de cima.

— Vocês... ousam me desafiar?! — E com uma pausa dramática, continuei: — Criaturas insignificantes, acham mesmo que conseguiriam me impedir? Eu já os tenho. — Apontei para Dogo e Nogo. — Então, significa que não preciso de vocês.

Descruzei meus braços e mostrei minhas garras de obsidiana.

Quando o fiz, eles caíram de medo. Até mesmo quando olhei para os outros, eles também estavam quase que paralisados.

— Não! Não, por favor, poupe minha vida! — gritou Tito.

— Daga sair, Daga não mais atrapalhar — gritou também Daga.

Eles ameaçaram se levantar, por isso apenas abaixei meus punhos e tentei aliviar aquela pressão que estavam sentindo. Assim que entenderam, se levantaram e começaram a correr para dentro da caverna.

Será que vão pedir reforços?  Como a entrada da caverna é na verdade uma fenda, não dá para ver muito assim que eles correram para dentro.

Olhei para os outros dois que ficaram.

— E então? Vamos entrar? — perguntei depois que voltei a minha posição normal.

— Sim? Sim! — afirmou os dois.

Os dois levaram um tempinho para se recuperarem de toda a cena, mas, logo continuaram.

Entramos pelo que parecia ser o corredor principal, mesmo que houvesse várias entradas para vários outros corredores. Como eles não se perdem nesses caminhos todos iguais?

Caminhamos por apenas alguns minutos até que chegamos ao que parecia uma grande gruta. Havia vários goblins me encarando e o Sistema não parava de emitir avisos e alertas sobre a [Percepção Passiva]. Eu sei, Sisteminha... dá para parar com essa porra?

Ele parou.

Viu? Tão simples.

Mesmo que eu não queira ser surpreendido por um ataque aleatório vindo dos goblins, se eu não conseguisse raciocinar por causa das interrupções, de nada adiantaria os avisos.

Enquanto caminhamos pelo salão, vários goblins me observavam com olhares curiosos, alguns outros estavam em posição de luta, também havia aqueles que estavam amedrontados. Será que nunca viram um demônio? Ou a forma de criança surpreendeu eles?

Dogo apontava para um dos corredores, mais especificamente o 2º da direita. No entanto, antes de continuarmos, um novo goblin aparecia, fazendo sinal para que parássemos.

Estamos bem no meio do salão.

Esse tem, além da classe como Guerreiro, um título de “Comandante”. Isso só pode significar que ele é o líder daqui? Não... seu nome não é o tal Yaga que falaram. Seu nome é Togo.

É só para mim, ou esses nomes são muito parecidos um com o outro? Mesmo sendo capaz de vê-los e distinguir seus nomes antes de qualquer tipo de apresentação, é impossível lembrar quem é quem com nomes tão iguais.

Como ele parou diante de nós, eu e os outros dois paramos também. Esse carrega uma lança, uma lança forjada. Bem diferente do que Nogo está usando.

Ele girou a lança com certa maestria e parou em posição de combate. Será que ele vai me atacar, do nada? Então ele começou a gritar:

— Idiotas! — Apontou para mim com a ponta da lança e depois o mesmo para os outros — O que estão fazendo!? Trazendo essa criança para cá!

Bem, não dá para negar. Fiquei na frente dos outros e falei:

—Então você consegue conversar melhor que eles... — Esperei sua reação, mas ele apenas ficou em silêncio. — Entendi... não vai falar nada?

QUEM É VOCÊ?! — gritou.

— Quem sou eu? Diga-me, Togo, quem você acha que sou? — questionei. Sei que estou passando dos limites aqui, porém, é agora que preciso mostrar “força”.

Apesar de eu não ter utilizado o Sistema com nenhum tipo de Teste, bastou eu falar seu nome que ele deu alguns passos para trás.

— É um demônio? — Deu duas estocadas no ar como se quisesse me ameaçar. — Por que parece uma criança humana?

— Então eu não tinha escutado errado, você já viu uma criança humana? — Cruzei meus braços. — De qualquer forma, simples. Por que eu quero, não?

Merda, acho que acabou saindo mais do que deveria. O que eu devo fazer agora? Se continuar assim, vou ter que lutar contra ele. E não estou com nenhuma arma... Pior, estou completamente nu. Ele, por outro lado, possui inclusive habilidades relacionados à lança.

— Sua... — Togo deu um passo para trás e depois veio em minha direção. — Vou fazer você sofrer!

Consegui ver todo seu movimento de maneira “privilegiada” já que ele tinha saltado e tentou me acertar com aquele golpe de lança. Por um momento a ponta da lança e suas mãos brilhavam como se emanasse uma fraca energia azulada, e sequer entendi o que aconteceu.

Por sorte me esquivei do golpe e saltei alguns metros para trás. Ele não está de brincadeira, realmente quis me acertar. Eu... não posso deixar isso para o azar. Merda... Merda! O que eu faço, o que devo fazer? Espere... Minha aura.

Sistema: [Você deseja ativar Aura Demoníaca?][Sim][Não].

Sim! E rápido.

Todos que estavam me observando receberam aqueles estímulos aterrorizantes assim que a aura foi ativada. Até eu, que não conseguia vê-la sem um reflexo, pude sentir sua energia espalhar pela caverna. Vários dos goblins caíram de medo, muitos outros ficaram paralisados.

Apenas os mais distantes conseguiram correr e se esconder.

Togo que estava realmente tentando me atacar, ficou paralisado. Seus olhos se arregalaram e tentava falar algo, porém, seus músculos do rosto já não mais o obedeciam. Ah, ainda bem que isso funcionou.

Assim ele não vai me atacar.

Togo é realmente forte, mesmo paralisado, ele tentou falar:

— Por... Favor... não destrua nossa casa... — Largou a lança no chão. — Desconte sua ira... em mim... Poupe os outros...

Estar com a [Aura Demoníaca] não me atrapalha no movimento ou nas tomadas de decisão, então é como se ela só tivesse vantagens, porém, se a pessoa que eu preciso interagir não consegue sequer falar... decentemente, ela se torna um incômodo.

Dei alguns passos e me aproximei dele, pegando sua lança. Ah, o que foi isso? Um sinal ecoou pela minha cabeça, tal como os outros avisos do Sistema, mas esse foi um som diferente, sendo a primeira vez que o escuto.

Essa lança é bem-feita, não parece ter sido criada pelos goblins, também é comprida... de onde ele arranjou essa arma? E, por que ela é tão leve?

Sistema: [Você tem Força suficiente para não precisar se esforçar para essa ação].

Entendi, minha “Força”, né? De fato, como não consigo ver o quão Forte eu sou. – Ao menos pelos valores numéricos do Sistema. – Isso não me ajuda em nada.

Respirei profundamente e deixei a lança de lado, jogando-a no chão.

— Se acalmou agora? Eu não vim aqui para brigar, muito menos tentando te fazer de idiota.

Ele me observa com aqueles olhares arregalados.

— Você não consegue perceber? Sequer consegue superar minha presença, então como espera que eu te dê moral? — afirmei enquanto o rodeava.

Ele só conseguia mover a pupila e me acompanhava quando eu andava de um lado para o outro.

— Espero que você se lembre, Togo, estamos em um nível muito diferente.

— Sim... eu... entendo. — Sua voz era trêmula.

— Irei desativar minha Aura, espero que não tente fazer nenhuma gracinha.

Sistema: [Você deseja desativar Aura Demoníaca?][Sim][Não].

Sim.

Para todos os goblins que foram pegos pela aura e ficaram paralisados ou amedrontados, um tipo de fumaça negra saiu de seus corpos e veio até a mim. Senti como se elas fossem para minhas mãos, não... elas foram para... minha barriga?

O que foi isso?

Sistema: [Ao atingir uma criatura com poderes demoníacos, parte de suas energias e toda energia gerada pelo medo, desespero, pavor e pânico, serão absorvidas como uma energia adicional]

Isso... Seria ruim?

Togo que tinha caído depois de tanto resistir com seu corpo paralisado, levantou-se com certa dificuldade. Ele foi até sua lança em passos lentos. Será que ele ainda quer tentar me atacar?

— Princesa Demônio! — gritou, o que é isso agora? — Por favor, aceite minhas desculpas!

— Ah, isso? Ok — disse de maneira simples.

— Isso não se repetirá!

— Certo, certo. — Os outros dois também estavam exaustos mentalmente.

Essa aura, apesar de muito forte, simplesmente estraga a normalidade daqueles atingidos. Devo evitar ao máximo usá-la, se não, acabarei com um monte de vegetais com pernas do meu lado.

Agora mesmo a gruta ficou bem vazia. Quando os outros goblins paralisados conseguiram se mover, partiram em disparada para salvar suas próprias vidas. Pode até ser que, se eles falarem um com os outros, podem achar que eu estou tentando invadi-los.

— Tenho algo para discutir com seu líder, Togo, me leve até Yaga — disse enquanto dava alguns passos para o 2º corredor, o mesmo que Dogo tinha mostrado antes.

— Eu farei isso agora, Princesa Demônio — respondeu Togo.

Caminhamos um pouco pelos corredores. Novamente, assim que entramos por aquele corredor inicial, a caverna tomou forma de corredores compactos e às vezes curvas em ziguezague.

Levou-se pouco tempo, mas, chegamos ao que me lembra uma sala-do-trono.

Vou chamá-la assim, por enquanto: Sala-do-Trono. Pois, além de me lembrar aquelas cenas de fantasia cujo há um longo corredor separado por colunas, também leva até uma região mais alta com um gigantesco trono para o rei sentar-se. Porém, aquele lá em cima não é um Rei, e o trono em si apenas algumas rochas em formato peculiar.

Esse goblin é aquele chamado Yaga.

Ele é realmente muito forte, até mais que o Comandante Togo, então isso é a diferença entre o chefe e seus subordinados? Yaga também é maior que os outros goblins, e maior que eu. E o que seria esse Servo-Aprendiz?

Ele apenas acenou para que eu me aproximasse.

Quando comecei a caminhar em sua direção, percebi que os outros goblins ficaram parados, aguardando ainda na entrada. Então eu tive que continuar sozinho.

Yaga se levantou do trono e deu alguns passos para frente. Foi ele que começou a conversa:

—  Então. És verdade. Realmente a sucessora legítima dos Demônios apareceu...

Eu apenas continuei me aproximando. Ele, por outro lado, continuava:

— Há muito tempo foi profetizado que a criança chegaria, aquela chamada pelos Esquecidos cujo poder é de outro nível. A Princesa Demônio.

— Eu... Sim... eu sou a princesa Demônio — respondi.

Enquanto essa história continuar, creio que é mais fácil para mim obter informações sem que revele meu passado diferenciado. Não que esses goblins fossem fazer algo se soubesse disso – assim eu espero –, porém, é melhor eu evitar criar confusões desnecessárias.

— Mas, por que estás em forma humana? Como uma criança humana? — Ele caminhou usando um tipo de bengala.

Agora que estou mais próxima dele, consigo ver suas roupas com mais clareza. Sua classe está algo como “xamã”, o que seria isso? Para mim, parece algo como um líder espiritual, ou melhor, tribal. Porém, não sou conhecedor desses termos.

Ao perceber que ele tinha me perguntado há um certo tempo, respondi:

— É uma opção que quero seguir.

— Opção?

Err... — Sistema?

Sistema: [Você deseja utilizar Teste Persuadir?][Sim][Não].

Sim.

Sistema: [Você jogou 1d20 e obteve 17+99, resultado: Sucesso].

Apenas levantei minhas mãos, como em uma expressão de indiferença.

— Você não acha que seria mais divertido tomar à força tudo, parecendo uma criança indefesa? Seus rostos de surpresa ao verem que minha aparência não condiz com meu poder será um trunfo único, até mesmo para outros demônios.

Sério que falei tudo isso? Por quê? Sempre que um Teste pelo Sistema é lançado, já não sei mais o que posso fazer.

— Entendo! — comentou, alegremente e depois continuou: — Sim, eu entendo. Ninguém iria esperar uma criança como você, mesmo entre os demônios. Além disso, sua força, realmente, não condiz com sua aparência.

— Sim... — O que ele quer dizer com isso?

— Não sou orgulhoso, mas admiro minha própria habilidade de Avaliação. — Yaga deu alguns passos para o lado, usando sua bengala como suporte, ele apontava para minha direção. — Mesmo assim, não consigo ver o quão forte você é. Então, o mínimo que posso supor é que você está muitos níveis acima do meu, e de todos aqui.

— Afinal eu sou a Princesa Demônio.

— Sim. Isso mesmo — confirmou com a cabeça.

— Eu gostaria que você me respondesse algumas dúvidas... — O que preciso fazer agora? Manter uma boa relação, ou impor respeito através da autoridade?

— Princesa Demônio. — Ele meio que me cortou — O que nós, goblins, podemos fazer para te ajudar? Com seu poder, conquistar castelos, cidades e até reinos... tudo isso não seria nenhum tipo de desafio.

O que ele está sugerindo? Por acaso acredita que sou um tipo de deus?

— Como você pode ver, ainda sou jovem. — Estendia minhas mãos para frente, para observá-las e depois continuei: — Eu quero entender como esse mundo funciona. Você parece ter vivido por bastante tempo.

— Sim, diferente de um goblin normal, pode-se dizer que já vivi até muito mais que o permitido.

— Eu gostaria que você me ensinasse o que sabe sobre este mundo.

— Agradeço por estes comentários, e estaria honrado em ser seu lacaio.

— Lacaio? — perguntei confuso.

— Por acaso não está de acordo?

— Não... é que... — Merda. Lacaio é uma palavra tão extrema neste caso. Queria que ele fosse apenas um tipo de conselheiro.

— Mesmo eu estando na posição de líder, e estando ciente da minha força perante os outros, eu sei que não seria capaz de lidar contigo. Então, não quero iniciar uma briga que não posso vencer, portanto, não me recusaria estar abaixo de sua liderança. — Ele se ajoelhou.

— Quê? — Me pegou de surpresa. Apenas fiz um sinal para que ele se levantasse. — Até pode... ser... — Olhei para o lado procurando as palavras certas antes de simplesmente falar qualquer coisa.

— Eu, como líder do clã dos Goblins da Montanha, ofereço minha vida e de meus subordinados, para tornarem lacaios de sua majestade. Permita-me compartilhar meu conhecimento e ser útil para seus planos.

Isso é tudo tão estranho. Mas, esse goblin, diferente dos outros, não só fala tão bem, quanto parece ter conhecimentos acerca de etiqueta. Se ele não está desacordo, não vejo problemas tê-los como meus “lacaios”. Essa palavra ainda é meio extrema para mim, mas se eu apenas pensar neles como subordinados, então talvez seja mais fácil acostumar-se com a situação.

— O que me dizes, Majestade?

— “Majestade” ... — suspirei, e logo continuei: — Então, que assim seja. No entanto, Yaga, esteja ciente do meu nome. Me chamo... — E agora, uso meu nome verdadeiro?

Ele, que estava ajoelhado, ergueu o rosto para me encarar. Era como se eu estivesse coroando com algum título de nobreza, tal como acontecia na Inglaterra com as nomeações feitas pela Rainha Elizabeth.

— Me chame de Yamitsuki Ottoe. Guarde esse nome, mesmo que isso custe sua vida.

Yaga fez um sinal de reverência.

O Sistema veio com mais uma novidade:

[Você deseja colocar Yaga como Escravo?][Sim][Não]

Quê? Não.

[Você deseja colocar Yaga como Amigo?][Sim][Não]

Por enquanto, não.

[Você deseja colocar Yaga como Aliado?][Sim][Não]

Sim, até então, se estivermos em sinergia, ele será meu aliado.

Um pequeno sino ecoou e outro ícone surgiu diante do meu campo de visão, esse me lembrava aqueles ícones de redes sociais que nos mostram os amigos em uma lista de conhecidos. O que isso se tornou, virou uma mídia social por acaso?

De qualquer forma, agora é ver como isso vai funcionar daqui em diante.



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