Volume 1
Capítulo 25: Essa é a Minha Irmã mais Velha?
Não faço ideia do porquê, no entanto, comecei a sentir os cheiros com mais força e intensidade.
É incrível como consigo perceber cada aroma com tanta clareza, desde o cheiro de vela queimada e madeira envernizada até a terra molhada. Porém, o meu próprio odor está tão forte que é impossível ignorá-lo.
Ainda bem que Pretty me avisou e estamos indo resolver esse problema agora.
Ela está me guiando pelos mesmos corredores de antes, pulando feliz da vida. Parece até não se importar com as coisas erradas que está fazendo. Mesmo assim, quem sou eu para julgá-la?
Depois de atravessar o orfanato de uma ponta a outra, chegamos a um enorme salão. Imagino ser a igreja do lugar, pois há fileiras de bancos de madeira em ambos os lados e no final um altar com direito a estátuas e tudo mais.
Pretty apontou para o púlpito, localizado um pouco acima de onde estamos.
Ao nos aproximar, ela me ajudou a subir os três degraus menores na lateral, revelando com clareza uma passagem atrás da parede. Apesar de não haver nenhuma porta ou qualquer outro obstáculo, seria impossível perceber tal passagem devido ao ângulo e a distância em relação à primeira fileira de bancos.
Mas, afinal, o que é este lugar?
Dei alguns passos para continuar surpreso pelo que está diante dos meus olhos: uma grande sala, com meias-paredes, colunas e áreas que mais parecem um banheiro público.
Há muitas banheiras vazias e uma delas se destaca no campo de visão: essa é enorme e me lembra uma piscina, estendendo-se até o fundo da sala como um rio que divide duas margens.
— Esse lugar não é incrível, Yami? — disse Pretty dando alguns passos para frente e depois me encarou sorrindo. — Vejo que está realmente surpresa.
— Sim... — tentei me recuperar do susto. — Só não sei se é pelos motivos que você está pensando — respondi.
— Sei que não é um banheiro, porém, dá para usá-lo como um, sabe?
— Realmente. E que lugar é esse?
— Pelo que as madres disseram, este lugar era uma sala para batismo — explicou Pretty.
— Batismo, né? — igual aqueles que a criança é mergulhada na água? Certamente não é o objetivo desse lugar. — E o que houve? A igreja perdeu sua força ou algo do tipo? — perguntei, tentando ironizar a situação.
Pretty deu um sorriso no canto do rosto e me guiou em direção a banheira maior.
— Não sei dizer, Yami... — ela colocou as mãos sobre a borda da banheira e olhou para mim de lado. — Sheyla afirma que a tradição está pouco a pouco se perdendo na cidade.
— Até aqui, no orfanato?
— Até aqui.
Ela então se ajustou e apontou para um lugar onde estão algumas toalhas e outros objetos.
Sistema: [Percepção Passiva ativada].
O que é isso? Notei algo no chão.
Ativei minha habilidade de [Rastrear], obtida pela Ninx, e vi pegadas no chão. As pegadas eram da própria Pretty e não haviam secado completamente, logo entendi o que estava acontecendo: Pretty estava usando essa sala às escondidas das madres e Sheyla já tinha entendido, essa não era a primeira vez.
No entanto, mesmo ficando claro que Pretty estava aproveitando sua noite sozinha, por que ela teria ido até a porta principal?
— Yami? O que houve? — perguntou Pretty se aproximando.
— Ah? Nada. Não precisa se preocupar — respondi enquanto me aproximei do banco ao nosso lado. — É aqui que iremos nos lavar?
— Sim...
Faz quanto tempo que não uso um banheiro público? Bem, isso se não considerarmos as fontes termais que eu era obrigado a ir com meus clientes. E pensar que estaria usando um agora, dessa forma.
— Então vamos terminar o quanto antes — comecei a remover os panos que me cobriam.
— Espere, Yami... — Pretty deu alguns passos para frente, ficando no meu caminho. — Preciso esquentar a água antes.
— Esquentar? — por um momento esqueci da temperatura.
— Sim... esquentar.
Não é como se eu estivesse passando frio ou algo do tipo, no entanto, claramente este lugar está mais frio do que o restante do orfanato, o que também significaria que a água deve estar congelando.
— E como você faz? — perguntei encarando os arredores já que nada me parecia servir para esse propósito.
As banheiras, ou melhor, as pias tinham todas uma figura de um leão e alças em bronze, e nenhuma delas tinha torneiras. Aquele aspecto e estilo gótico, misturado com a escuridão do lugar dá um tom meio sinistro para todo o restante.
Se não fosse as janelas, provavelmente estaria usando minha visão noturna agora.
— Vou te mostrar, um momento... — Pretty saiu e foi até um lugar ao lado da coluna próxima. Depois de um tempo ela voltou. — Pronto... o kit todo está aqui, um pouco pesado, porém, indispensável.
— “Kit todo”?
O que é isso que ela trouxe? É como se ela estivesse carregando consigo um case de uma guitarra ou violão, e realmente, como se fosse uma maleta, ela o abriu e começou a tirar algumas coisas estranhas de dentro daquele lugar.
Depois de ajustar aquelas coisas, ela veio em minha direção, trazendo algo como uma pedra oval.
— Tome... — estendeu as mãos com a pedra em minha direção e quando a segurei, complementou: — Esse é outro segredinho nosso, ok? Isso é uma pedra vulcânica.
— Pedra vulcânica? — Olhei para a pedra, estendendo-a até meu rosto para vê-la com mais detalhes. — Para que serve?
Pretty sorriu e fez menção de pegar a pedra, então tentei entregá-la de volta. Porém, ela gentilmente colocou as mãos sobre as minhas, fechando-as. Depois de um tempinho, removeu suas mãos e finalmente apontou para pedra.
Ela queria que eu a olhasse com mais atenção.
Assim o fiz e pude ver a pedra começar a emitir uma luz suave e alaranjada. Antes, a pedra tinha uma coloração negra com veias vermelhas e parecia mais como uma joia do que uma pedra comum, no entanto, agora brilha e emite uma pequena onda de calor.
— Ela está brilhando? E parece aquecer um pouco — afirmei.
— Sim! E usaremos essa pedra para aquecer a água, Yami.
— Bem, mesmo que ela esteja quente, como isso vai aquecer aquilo? — apontei para a banheira.
Ela sorriu.
— Com isso aqui — caminhou até o objeto que tinha tirado do case e o ergueu. Me aproximei um pouco dela antes de continuar: — não é bem-feito para esse propósito, só que dando certo, que mal tem?
— Espere, é igual aquele objeto de antes, o que você usou para acender o fogo para chaleira...
— Sim! Você é muito esperta, sabia? É um Aquecedor Mágico, igual àquele outro. Mas, é bem maior, como pode ver. Esse usamos para acender a fornalha interna do orfanato quando as noites se tornam muito frias.
Apesar de ela fazer pose, não pude deixar de associar a imagem de uma garota vestindo uniforme de freira enquanto está “equipada” com uma metralhadora soviética. Por algum motivo, essas imagens estão vindo como flashbacks.
— Yami?
— Tudo bem, só continue... como vai fazer isso?
— Me dê a pedra. — Entreguei para ela. — Agora colocamos a pedra aqui.
Pretty colocou a pedra em uma espécie de cesta metálica e apoiou sobre a borda da banheira de maneira que ficasse estabilizado. Depois ela novamente se “equipou” com o Aquecedor Mágico e se afastou um pouco.
— Depois a gente coloca um pouco de mana no aquecedor e pronto.
O aquecedor começou a emitir um brilho azulado próximo de sua base e como se ela estivesse “ativando” o gatilho, uma rajada de chamas azuladas saiu de sua boca, tal como um maçarico. Ela ficou assim durante um tempo e fez com que a pedra preta se tornasse uma verdadeira lâmpada brilhante.
— Wow, e pensar que algo assim seria ativado com... magia? — perguntei fascinado com o que tinha acabado de acontecer.
— Haha — ela riu com meus comentários. — Não é bem “magia”..., ou é? Podemos dizer que sim, afinal tive que gastar um pouco de mana para isso. Só não encoste na pedra, Yami, pois você pode se queimar.
— Tudo bem — afirmei de maneira debochada, afinal, durante meu duelo com Meril, recebi uma descarga elétrica diretamente e nada tinha me acontecido.
Pretty colocou o aquecedor de lado e puxou uma espécie de garra. Com essa garra, ela segurou o cesto, puxando-o para cima e colocando para frente, sobre a água. Assim que a cesta deixou de balançar, a garota abaixou o cesto lentamente até que a água começou a cobri-la.
A pedra vulcânica começou a soltar um vapor branco e intenso e pelo jeito, rapidamente começou a ferver a água em uma temperatura considerável.
— Resumindo, a gente usa o aquecedor na pedra e com ela quente, colocamos ela na água. Porém, precisamos esperar um momento agora.
— Devo concordar com isso — afirmei.
— O aprendiz de feiticeiro Miller disse que a pedra vulcânica absorve toda energia ou magia que tiver contato, e dispersa em pequenas proporções.
Pequenas proporções? Só de olhar essa banheira fervendo desse jeito, creio que o aprendiz ainda tem um longo tempo para se tornar feiticeiro “de verdade”.
— Você entendeu o que ele disse?
— Eu? Nadinha! — ela sorriu e depois olhou para a banheira. — Ainda assim, saber que podemos usar a pedra vulcânica dessa maneira... é como se pudéssemos tomar banho com água quente a hora que quiséssemos.
Voltamos para o banco onde estão as outras coisas.
— E pensar que aquela pedra está conseguindo criar todo esse vapor.
— Sim... — Pretty começou a remover seu uniforme de freira.
— Você estava tomando banho antes de nos encontrar? — perguntei.
Ela parou de remover a túnica.
— Errr... sim — sentiu-se um pouco culpada, mas voltou a se despir — eu estava tomando banho, aí escutei as portas da entrada serem abertas...
— Entendi, esse era o motivo para sua roupa molhada.
— É, não tive muito tempo para me secar.
— E vestiu-se de qualquer maneira.
— Sim...
— E esqueceu seus sapatos.
— Sim... Ah, Yami, não faça isso com sua irmã mais velha!
— Só estou brincando.
Ela soltou um suspiro, porém, logo voltou a sorrir. Depois continuou removendo suas peças, uma por uma. A túnica foi a primeira, depois o vestido longo que cobria todo o corpo. Em seguida sua blusa e todas as outras partes;
É incrível que ela esteja desobedecendo uma das regras do orfanato, e mesmo assim está dobrando perfeitamente as peças uma ao lado da outra e depois arrumando-as no banco como se fosse uma pessoa exemplar.
Seu corpo... como posso dizer, não condiz nada com sua idade. E ao me olhar, me faz questionar ainda mais por que estou assim, neste corpo.
Ela foi até uma das toalhas e usou para amarrar seus próprios cabelos. Primeiro desmanchou sua maria-chiquinha e o ajustou junto com a toalha para que ficassem levantados. Com uma segunda toalha, cobriu seu próprio corpo... ou posso dizer que “tentou”?
Que diabos, por que estamos tendo essa cena?
— Pronto, Yami, a grande missão: Cheiro de Rosas, começa aqui!
— Como assim?
Ela ergueu as mãos e começou a aproximá-las de mim lentamente.
— Espere, Pretty! — me afastei até chegar no limite do lugar. — Eu posso fazer sozinho.
— Você não precisa se preocupar com isso, Yami, sua irmãzona está aqui para te ajudar.
Pretty continuou seu avanço.
Que saco!
Sistema: [Você deseja ativar Aura Demoníaca?] [Sim][Não].
Quê? Não.
Sistema: [Você deseja realizar Teste Intimidar?] [Sim][Não].
Também não.
Sistema: [...].
Sim... Sistema, eu sei. Não precisa ficar mostrando essas telas vazias para mim. A questão é que não posso simplesmente estragar meu disfarce atoa.
Sistema: [...].
Não tem o que fazer. Não é como se ela estivesse fazendo isso por mal, é só... uma criança.
Sistema: [...].
...
— Yami! — gritou Pretty.
— O que foi?
— Você... Você... Você é linda! Sim... um anjo! — exclamou segurando minhas mãos, toda feliz.
— Você realmente gosta de ficar repetindo... E, por que está tão feliz assim?
— Estava com minhas dúvidas por causa do chifre e tal, porém, como não poderia estar surpresa?
— Não tem medo de meios-demônios?
— Se fosse aqueles dos rumores ou das histórias assustadoras, talvez, mas você não é assim. Você é diferente.
— Bem, então temos algo em comum...
— O que você quer dizer?
— Que você também é diferente das outras garotas... — a encarei, olhando para baixo do seu rosto — carregando essas armas poderosas aí. Algo não está certo aqui.
Pretty ficou avermelhada e olhou para baixo para ver se ainda estava com a toalha, e depois de confirmar, suspirou.
— Armas poderosas? — olhou para baixo, novamente. — Meus peitos? Haha, você fala algumas coisas estranhas às vezes — tentou conter o riso.
Sistema: [...].
Eu sei, Sistema. Até eu percebi que estou perdendo minha compostura. Como eu deveria reagir nessa situação? Minha capacidade de me manter calmo está chegando ao limite. Melhor que gritar ou explodir, será melhor tentar levar tudo como uma grande piada, certo?
Sistema: [...].
E para de abrir janelas vazias, porra!
— Yami, ainda precisamos te lavar antes de entrar.
— Ah, hmmm... — olhei meu estado e depois encarei ao redor — Você tem razão, e tem alguma ducha para usarmos?
— Ducha?
— Sim, um chuveiro?
— Hmmm... bem, não sei o que você está dizendo, mas, temos um balde... — ela se levantou e começou a procurá-lo. — Deve estar em algum lugar por aqui.
Ela foi até um canto e trouxe consigo um balde e outros panos menores.
Depois que encheu o balde com água, molhou alguns dos panos e estendeu um deles sobre o degrau próximo da banheira, pedindo que eu me sentasse.
— Já que você está muito suja — apontou para o degrau. — Melhor do que ficar em pé, né?
— Se tivesse um banquinho...
— Seria bem melhor... Talvez na próxima — brincou.
Sentei-me.
Pretty usou o outro pano, primeiro o molhando no balde e depois esfregando em meu corpo. Agora é nítido o quão sujo estou, pois, para cada vez que o pano é usado, quando Pretty o torce, só falta sair piche ao invés de água.
— Sinto muito que você esteja me vendo assim...
—Yami... não precisa se preocupar com isso. Vamos apenas remover toda essa sujeira.
Assim que acordei nesse mundo e percebi a presença do Sistema, muitas coisas passaram a ser como um “jogo”. Creio que o foco exagerado nessa parte fez com que eu ignorasse o mais básico de tudo: eu mesmo. Não é porque estou no corpo de um “monstro” que preciso agir como um, certo?
E ainda assim, aqui estou sendo lavado como um cão de rua.
— Yami, como sua pele é tão suave?
— Quem sabe...
— E seus cabelos são tão brilhantes... Sério, como você está desse jeito, mas seu cabelo parece tão limpo?
— Não sei explicar.
Ela continuou lavando minhas costas depois de arrumar meus cabelos para cima, prendendo-os com uma espécie de laço. Creio que ela tenha usado os próprios laços de suas marias-chiquinhas.
Pretty deu alguns passos e se ajoelhou, ficando de frente para mim.
— Yami... — começou falando baixinho.
— O que foi?
— Posso tocar no seu rabo?
...
Sistema: [...].
— ... — ficamos um tempinho sem falar nada.
— Por favor? — Pretty fez um olhar pidão.
— Acho que... sim?
— Isso!
Essa merda se movimenta por conta própria, então tive que segurá-lo antes de entregar meu “rabo” para Pretty. Ela então o segurou pela base e começou a checar o quão firme era. Você realmente precisa fazer assim?
Ela começou a passá-lo entre seus dedos.
Eu tinha feito o mesmo antes, porém, ter outro alguém tocando-o me fez sentir de um jeito muito estranho. Era como se alguém estivesse tocando a ponta dos dedos em minha costela ou espinha. Assustador!
— Espere, não faz assim... — Ela encostou e segurou em uma parte que não deveria. — Aaah!
Ela soltou rapidamente e começou a se desculpar.
Minhas pernas foram desativadas momentaneamente e senti um calafrio inexplicável por todo meu corpo. Tive que colocar as mãos no chão para não desabar. Por fim, aquilo terminou comigo olhando para baixo com os olhos fechados e tentando recobrar o controle do meu corpo.
— Sinto muito, Yami. Não queria fazer isso.
— Errr... — mas que merda, que sensação foi aquela? E esse gritinho...
— Vou deixar essa parte para você, ok?
— Sim... agradeço...
Suspirei.
Ela foi até a banheira renovar a água do balde.
Será que precisarei fazer testes adicionais com esse corpo? Aparentemente, tirando os chifres, as orelhas e o rabo, não há mais nada incomum. Não posso ser pego desprevenido se alguma coisa me tocar e essa situação se repetir.
Comecei a olhar meu próprio corpo, outra vez, procurando pistas que pudessem me dizer algo. Porém, como antes, nada de especial, eu acho...
Pretty pressionou seu corpo contra o meu, me abraçando por trás.
Hmmm? Quê?
— O que foi isso do nada, Pretty?
— Ficou preocupada com seu corpo, é?
Por que ela está fazendo esses movimentos estranhos?
— Você é muito nova para se preocupar com estas coisas — continuou a girar as mãos. — Aqui ainda vai crescer.
— Não precisa fazer isso, Pretty!
— De qualquer forma, o que foi? Foi por causa daquilo de antes?
— Esquece.
— Sei... — ela me soltou e se afastou. — Bem, creio que já tirei a maior parte da sujeira.
— E agora?
— Vamos usar isso. — Ela me mostrou duas pedras de sabão. E assim que o fez, começou a esfregá-los nas mãos até que criasse uma espécie de espuma. — Precisamos fazer isso para não criar espumas dentro da banheira.
— Sério... eu posso fazer, sozinho.
— Deixe-me te ajudar, Yami.
— ...
Sistema: [...].
Já falei para parar com essas telas!
Apenas acenei com a cabeça e ela continuou.
Depois do processo, ela usou o balde com água para remover o excesso de sabão.
— Perfeito, Yami! Se quiser já pode entrar e relaxar agora... — ela olhou para a banheira. — A água deve estar perfeita para nós. Eu precisarei me lavar também — brincou, mostrando a sujeira na toalha.
Mesmo que a toalha não seja necessariamente branca, “minha” sujeira acabou passando para ela. Eu não deveria largar meu orgulho pelo ralo, preciso mostrar minha dignidade e retribuí-la, ao menos lavar suas costas.
— Pretty... eu posso te ajudar a lavar as suas costas.
— Ah, você faria isso para sua irmãzona? — Ela se virou, toda feliz. — Ser tocada por um anjo, um verdadeiro milagre!
— Não precisa falar desse jeito estranho.
— Se você me ajudar, vai agilizar todo o processo — explicou feliz.
Concordei e me aproximei dela. Olhei ao redor e peguei o balde, as toalhas e o sabonete.
— Pode tirar a toalha, Pretty?
— Claro.
Ela se virou e removeu a toalha, revelando suas costas.
Sua pele é bem bonita, o que foge totalmente da lógica de alguém vivendo nessas condições, quero dizer, nesse mundo louco. De qualquer forma, consigo ver como ela está tensa. Algo deve estar lhe estressando. Seria pelo fato de cuidar das crianças ou viver nesse mundo cavernoso?
Pensando melhor, talvez eu possa fazer aquilo com ela... Afinal, se eu lhe mostrar que não sou uma simples criancinha como ela pensa, talvez pare de agir desse jeito tão infantil e irritante.
— Relaxe... vou começar.
Primeiro, meu caro leitor, posso dizer que comecei simples: peguei os panos, o sabonete, e o balde e comecei a lavar suas costas, depois seus braços... depois... “Muahahaha” tudo que podia!
“Espere, Yami! Ah não... Espere... você não deveria colocar suas mãos aí, ah... isso é tão estranho, mas tão bom...”
Sistema: [...].
Se alguma madre nos pegasse nesse momento, o que elas pensariam? Que “diabos” está acontecendo nessa sala? Pior ainda, e se entrassem e vissem um demônio fazer uma de suas irmãs dizer aquelas palavras, daquele jeito?
“Pelas deusas, o que está acontecendo?”, “oh, não, o diabo está fazendo nossa irmãzinha Pretty agir como uma... p-possuída pelo demônio”... Algo assim, imagino.
Porém, você leitores que já estão entrando em desespero imaginando mil coisas enquanto leem essa história, não pensem que ela encheu de conteúdo ecchi desnecessário subitamente – talvez um pouco -, a verdade é que eu estive fazendo uma ótima massagem que qualquer um do outro mundo pagaria uma fortuna para recebê-la.
Depois que terminei, Pretty esticou seus braços e alongou seus músculos.
— Como está? Melhor?
— Yami... Sinto como se estivesse no paraíso! — levantou-se toda feliz. — Onde você aprendeu isso?
— É um segredo.
— Nossa! Foi tão único.
— Sua toalha… — apontei. — Vai cair no chão.
— Ah, sim... — segurou a toalha que estava quase caindo e arrumou para que ficasse sobre o corpo. — E pensar que você saberia algo assim. Sério, depois dessa massagem, sinto como se estivesse ainda mais viva!
— Não precisa exagerar.
— Eu não mentiria sobre algo assim.
Pretty entrou na banheira e esperou que eu me aproximasse para me ajudar. Nós dois entramos.
A água está quente, mas em uma temperatura ideal e de certa forma agradável. Usar a pedra vulcânica e aquele aquecedor mágico, né? Um conjunto interessante. De todos os usos únicos que isso poderia ser feito, esse não é tão ruim assim...
Eu, como japonês, posso dizer que cedo ou tarde iria arranjar meu próprio jeito de experimentar essa sensação, e saber que pode ser feito dessa forma, é um alívio. Talvez eu consiga arranjar minha própria banheira, certo?
Sentei-me numa parte onde eu conseguiria ficar com a água me cobrindo, porém, não todo meu corpo. Pretty andou até meu lado e se sentou ali mesmo, ignorando o degrau que eu precisei usar para não ficar submerso.
De todos os lugares nessa banheira enorme, ela precisa se sentar do meu lado? Ainda mais com esses...
— Ah, isso é tão relaxante! — exclamou Pretty. — O que acha, Yami, não é divino?
— Será que eu deveria falar essas coisas?
— Qual é, ainda está cismada com essa história de meio-demônio?
— Ou você está muito despreocupada.
— Pode ser também. — Pretty soltou um suspiro, fechou os olhos e encostou a cabeça na borda da banheira. — É bom ter esses momentos de paz depois de tudo.
Concordei e, também fechei meus olhos, deixando a água morna envolver meu corpo e levar embora as tensões e preocupações.
É incrível que esse silêncio, que antes era sinistro, agora está sendo reconfortante. Pretty também parou de falar e parece estar apreciando o momento. Ficamos assim durante um tempo, apenas relaxando e aproveitando a água quente.
O silêncio foi cortado quando Pretty se levantou do fundo da banheira e sentou-se ainda mais próxima de mim, também no degrau.
— Yami... estive aqui pensando. Está tudo bem com você?
— O que foi, por que a pergunta do nada?
— Sheyla disse que vocês se encontraram na floresta, certo?
— Sim.
— E então... Você está bem?
— Ah, isso? Bem, sim... Não me lembro nada antes disso. Quando acordei, já estava junto da Sheyla. — expliquei, olhando para minhas mãos e para minha cauda que se move suavemente pela água. — E, honestamente, não sei o que devo fazer a partir de agora.
Pretty se virou e colocou a mão em meu ombro dando um sorriso encorajador.
— Não se preocupe, Yami. Você não está mais sozinha. Além de mim, Sheyla vai te ajudar — disse, olhando nos meus olhos com grande determinação.
— Realmente aprecio sua ajuda.
Continuamos mais um pouco, relaxando.
Dessa vez foi eu que quebrei o silêncio:
— Pretty, por que as outras irmãs e madres não querem usar essa sala? Alguma regra religiosa?
— Bem... também. Não me lembro direito o porquê, mas não acho que seja só isso.
— E o que seria?
— Elas sempre dizem que usar o Aquecedor Mágico ou a Pedra Vulcânica para coisas do tipo é algo supérfluo. Além disso, dizem que usar essa sala seria muito custoso para o orfanato.
Tudo bem que nessa época tomar banho é algo como um luxo, no entanto, além de ser algo necessário para saúde, é o que nos garante uma qualidade de vida.
— Não acho que tomar banho seja algo desnecessário.
— Ah, viu... até você entende.
— Porém... você não acha que está sendo egoísta de sua parte?
— Ah! — disse surpresa. — Como?
— Você mesmo falou que é custoso o que está fazendo, então, por que está sozinha? Não seria melhor todas as outras crianças ou madres aproveitarem? Ao menos uma vez?
Pretty, percebendo a situação, ficou vermelha de vergonha e se recolheu na água.
— Realmente... como pude ser tão egoísta? — colocou as mãos sobre o rosto, escondendo-se.
— Tudo bem... não chamaria de egoísta, talvez um pouco burrinha?
— Yami... — bateu na água jogando um pouco em cima de mim. — Você não deveria falar isso... de sua irmãzona. — Afundou ainda mais na água, quase cobrindo o rosto.
— De qualquer forma, ainda não entendo por que seria tão ruim, estão tendo problemas com a água?
— Que eu saiba, não.
É sabido que para toda região além das muralhas, há um deserto típico, inclusive as tempestades de areia parecem ser um problema aqui. Porém, logo depois das paredes das montanhas, há uma floresta verde repleta de vida e cachoeiras.
Não sei como ou de onde vem a água que eles usam, só que o contraste entre as duas regiões é indiscutível.
— Bem, se eu puder ficar aqui, talvez eu converse com a Sheyla.
— Você faria?
— Sheyla, ou melhor, sua família que cuida do lugar, certo? Se o problema for financeiro, eles podem nos ajudar.
— Isso seria ótimo, Yami! — ela saltou da água e me agarrou.
— Não me abrace com esses balões! — qualquer desculpa que aparece, ela se aproveita para me abraçar, né?
Depois que consegui soltá-la, ficamos por mais um tempo na banheira.
Continuamos lá até que a temperatura da água começou a baixar. Apesar de sentir a variação, foi Pretty que me avisou sobre. Ela foi a primeira a sair e foi em direção às toalhas e os outros objetos.
Já fora da banheira ela trouxe algumas toalhas limpas e me entregou.
— Quantas toalhas você tem escondido nessa sala?
— Ah! Pode se dizer que deixei muitas coisas preparadas.
Apenas concordei com a cabeça e saí da banheira, usando uma toalha para me secar.
— Aqui...
— O que é? — olhei para as mãos da garota e parecia uma camisa. — Camisola?
— É isso que parece para você? Bem, é uma camisa normal, minha camisa. — Ela me entregou e continuou: — Ainda que você seja uma criança, não seria bom andar pelada pelo orfanato.
— Tenho a toalha — puxei ela um pouco para fora do meu corpo.
— Nem andar de toalha.
— Sim, eu sei... — tentei vestir aquela camisa, porém, como seria óbvio, ela estava muito maior do que meu corpo e a menos que eu a segurasse continuamente, aquilo provavelmente iria cair. — Desse jeito vou apenas tropeçar.
— Sim... realmente. Já sei, vou pegar algo do seu tamanho. Provavelmente há alguma peça de roupa que você possa vestir das outras crianças.
— Errr..., não tem porque chegar tão longe.
— Não se preocupe. Além disso, preciso guardar as outras coisas também. Você pode me esperar aqui? Lá fora estará muito frio para andar assim.
— Sim, tudo bem.
Pretty fez um sinal positivo e começou a vestir suas roupas de freira e, também, a guardar as coisas que usamos em seus devidos lugares. Depois que terminou de arrumar aquela área, ela colocou as toalhas e panos que usamos – inclusive aquele que sujou tudo por minha causa – em um cesto e o levou consigo para fora da sala.
De onde saiu essa cesta? Sequer a vi pegar. Tão pouco importa agora.
Estou sozinho nessa sala estranha. Não só sua arquitetura, mas também as estátuas de leão são assustadoras. Antes havia estátuas de anjos e pinturas de mulheres, porém, aqui não há nada disso. Inclusive...
Quando me aproximo das banheiras, é possível ver que isso é cerâmica e as colunas são feitas de mármore. Ou seja, esse lugar faz parte de outra estrutura além do orfanato ou da igreja.
Enquanto eu estava focado analisando os detalhes do lugar, algo se aproximou sem fazer nenhum tipo de som ou alerta, e do nada escutei a voz fina de uma criança ecoar apenas alguns centímetros atrás de mim:
— Você é um demônio?
Ah! Levei um susto da porra!
Quê? Quem é essa garota?
Depois de recobrar meus sentidos e me acalmar um pouco, me peguei sendo encarado por outra criança. Apesar que ela tem sua própria janela de identificação do Sistema, ele não me avisou sobre ela igual fez com os outros goblins e quase todo mundo da cidade.
Me afastei um pouco enquanto ela me encarava sem sair do lugar. Essa garota se chama Liza e possui 10 anos, apesar disso, aparenta ser bem mais nova.
Seus cabelos são curtos, possuem uma coloração estranhamente roxa e estão em um corte de tigela. Sua pele também é estranhamente pálida, ainda mais destacado se compararmos seus grandes olhos azuis. E se não bastasse essa aparência enigmática, carrega consigo um urso de pelúcia entre os braços.
— Qu-... L-liza? Boa noite.
— Você sabe meu nome? Não lembro de falar com você.
— Ah, isso... Pretty — gaguejei. — Pretty falou sobre você.
Porque essa garota tinha que aparecer agora, desse jeito? Um dos meus pontos fracos é interagir com crianças.
— Aquela idiota! — disse furiosa. — Ela fala com todo mundo, não sabe guardar segredos.
— Não fique irritada com ela, Liza. Eu que perguntei um pouco sobre as crianças do orfanato.
— Você também é uma criança, não fale difícil como os adultos — disse enquanto apontava para minha direção.
— Ah? É? Desculpe, também sou uma criança.
Liza olhou ao redor e depois me encarou.
— O que você está fazendo aqui? As madres não gostam que a gente entre nessa sala.
— Como posso dizer isso... brincando de pique-esconde com a Pretty?
— Ela está brincando contigo sozinha? Não é justo!
— “Justo”?... — Tentei desconversar.
E aí, Sistema, não vai me ajudar agora?!
Sistema: [Você deseja ativar Aura Demoníaca?] [Sim][Não].
Não, porra! Por que toda vez a aura é o primeiro teste?
Sistema: [Você deseja utilizar Teste Persuadir? [Sim][Não].
Esse é o que convence, né? Sim.
Sistema: [Você jogou 1d20 e obteve 1+99, resultado: Falha].
Mas, que diabos? Falhou? E o “+99”, é apenas enfeite essa merda? Independentemente do resultado, meu corpo começou a agir sozinho.
— Ela disse que é uma brincadeira... especial! — levei uma pausa. — Por isso que só eu estou participando. Depois a gente brinca, certo?
Que merda de desculpa foi essa? Agora mesmo devo ter parecido um idiota.
— Não é justo. Quero brincar também! — Liza gritou e balançou os braços. — Quero brincar!
— Acalme-se, não precisa gritar.
— Eu queria... — ela realmente está prestes a chorar?
O ursinho quase voou de suas mãos enquanto o balançou irritada.
— E esse ursinho, qual seu nome?
O ursinho que a garota carrega está meio surrado, mas bem cuidado. Liza o agarrou, abraçando-o e sorriu com os olhos brilhantes em minha direção.
— Esse é o ursinho Bill. Ele é meu melhor amigo. — O rosto da menina se iluminou com um sorriso enquanto ela acariciou o ursinho.
— Ah, claro, seu melhor amigo. Então, Bill não vai se sentir solitário se você brincar conosco?
Tentei responder de maneira suave e amigável, convencendo Liza que brincar de esconde-esconde naquele momento não seria uma boa ideia.
Depois disso, ela o ergueu diante de seu rosto e virou de lado, cheio de dúvida.
— Será?
— Claro! Olhe... Se ele ficar contigo e você for descoberta, ele vai ficar triste, não? Afinal ele também vai perder, e não pode se esconder sozinho.
— Hmmm... não quero ver o Bill triste.
— Isso...
— ...
— Olhe, Liza, por que não brincamos amanhã? Brincamos com uma brincadeira diferente em que ele também possa participar. Você só precisa voltar e dormir, ok? Veja o Bill, ele também parece cansado.
— Bill? — o balançou levemente — Você está cansado? É, ele parece meio cansado.
— Viu? Amanhã a gente se vê.
Liza, apesar de demonstrar teimosia, logo ficou convencida. Ela acenou a cabeça, afirmando, mas antes de sair, virou-se.
— Não é justo!
— O que não é justo?
— Eu não sei seu nome e você sabe o meu.
— Você pode me chamar de Yami.
Ela sorriu e fez um sinal de adeus enquanto voltou para o corredor e logo partiu. Essa garota me pegou de surpresa. E quem imaginaria que haveria uma criança perambulando nesse horário.
Por que minha [Percepção Passiva] não ativou com a garota? Ela claramente está ativa, afinal está me avisando que Pretty está ali, ouvindo tudo quase desde o início.
— Então, Pretty, não vai dizer nada?
Pretty saiu de fora do seu “esconderijo” com um sorriso sincero no rosto.
— Vocês conversando... foi tão meigo! Eu não podia atrapalhar a conversa de grandes amigas, né? Mas, Yami, como você sabia que ela era a Liza? Não me lembro de ter falado nada sobre as outras crianças.
— Ah... isso? — tentei descontinuar o assunto.
— Não se preocupe. Só foi uma curiosidade minha.
— E está tudo bem aquela garota... Liza, caminhar por aí, esse horário?
— Bem... — Pretty ficou pensativa por um momento, logo continuou: — Não se preocupe com ela.
Bem, não quero que Pretty ou qualquer outra pessoa fique se intrometendo na minha vida, portanto também não vou fazer perguntas.
— De qualquer forma, Pretty. Estive pensando, as outras crianças ou as madres estariam confortáveis com minha presença?
— Isso... Bem...
— O que foi?
— Vamos para meu quarto primeiro... e, aqui, use esse vestido. É bem melhor que essa blusa tão larga.
Ela me entregou um vestido branco e troquei rapidamente de roupa. Apesar de ser bem melhor que antes, ainda está um pouquinho largo.
Continuamos o caminho indo primeiro em direção a escadaria que nos levava aos andares superiores. O quarto da Pretty se mostrou ficar no último andar. Teve alguns momentos em que ela pedia para eu fazer nenhum barulho, pois estávamos passando pelos quartos, tanto das irmãs, quanto das crianças.
Quando finalmente chegamos ao quarto da Pretty e entrei, observei atentamente o local:
O quarto dela era aconchegante e bem-organizado, com uma grande janela que permitia admirar as estrelas no céu noturno. Embora fosse um quarto simples, era claramente um espaço pessoal e cuidadosamente decorado, refletindo o coração gentil da jovem freira.
Ela me mostrou a cama e sentei-me, depois disso ela fechou a porta do quarto e se sentou do meu lado.
— Então, o que as outras crianças pensariam? — voltei ao assunto de antes.
— Não sei dizer...
— Como assim você não sabe dizer?
— Sabe, Yami, muitas crianças daqui tiveram seus pais mortos, inclusive por criaturas e monstros. Alguns até dizem que foram obra dos demônios.
— Pensei que demônios eram raros.
— Bem, nunca vi um demônio, e creio que muitas pessoas também não, no entanto, os rumores sempre ganham força.
— E...?
— Acho que elas sentiriam um pouco de desconforto estando ao seu lado.
— Entendi... — suspirei. — É compreensível.
— Mas, não se preocupe! Eu estou aqui. E, até mesmo Liza conversou contigo normalmente, isso significa que você não pode ser ruim.
— A garota de antes, né? Por que é algo para se orgulhar?
— Ela quase nunca conversa com alguém de sua idade, e imaginar que ela te viu pela primeira vez e já estava tão aberta para conversar.
— ...
— De qualquer forma, como eu disse, não deixarei que as outras crianças façam algo contigo.
— Não precisa interferir, Pretty.
— Como?
— Basta eu ganhar o respeito delas, certo? Se você ficasse entre nós, elas vão achar que você está me defendendo, e no final, você acabaria sendo a inimiga delas também.
— Você não precisa agir tão seriamente, Yami. Crianças não são tão rígidas quanto os adultos.
Encarei outra vez o quarto de Pretty.
— Mudando de assunto, porque estamos aqui, em um quarto tão distante e afastado? Não seria normal freiras jovens compartilharem o mesmo quarto?
— Oh, você já esteve em algum convento antes?
— Isso? Não..., mas posso dizer que tenho alguns conhecimentos.
Pretty lançou-se de costas na cama e sorriu.
— Igual àquela “massagem”, né? Quem diria que minha pequena flor já viajou pelo mundo e tem tantos conhecimentos assim — ela, que estava olhando para cima, passou a ter uma expressão séria. — Yami, foi decidido assim.
— Então...
— Ah, não se preocupe, não tenho nada estranho. É que às vezes eu posso ser um pouco direta demais, sabia?
— Isso eu percebi.
— As outras irmãs me chamam de criança, e dizem que eu sou um péssimo exemplo para as outras, também para as irmãs. No final, acharam melhor eu não me destacar.
Ela diz, só que dessa forma ela só não fica ainda mais destacada?
— Porém, que diferença faz dormir tão longe se durante o dia, todas teriam que ficar próximas das crianças de qualquer forma?
— Oh... não sou eu quem cuido das crianças, pelo menos diretamente. Eu fico encarregado de lavar as roupas, varrer o chão e fazer a comida. Às vezes preciso levar algumas caixas para dentro ou levar as ferramentas para outras irmãs.
— Quê? Trabalho braçal?
— Sim...
— Então é por isso que você estava tão tensa, afinal, todo trabalho manual está sendo feito por você, sozinha?
— Não precisa ficar séria, Yami. A sua irmã é forte e pode dar conta do trabalho do recado, além disso, não é como se eu fizesse o trabalho sozinha... o tempo todo.
Será que essa garota não está sendo explorada aqui de alguma forma?
— Aaah — bocejei pela primeira vez desde que apareci nesse mundo.
— Já está bem tarde, deveríamos dormir. Amanhã será um grande dia. Você prefere dormir do lado da parede?
Tenho a certeza de que, se for dormir do lado da parede, vou acordar sendo pressionado contra ela. Mas não quero acordar no chão porque fui jogada da cama. Que saco.
— Na parede.
— Ótimo, estas roupas estão confortáveis? Eram minhas quando eu era menor, parecem um pouco largas, ainda dá para usar, certo?
— Dá sim, se você me der linha e agulha, eu posso ajustar para mim depois.
— Você sabe fazer isso?
— Sim.
— Você é uma caixinha de surpresas.
— Falando nisso, Pretty, aquela garota, Liza, realmente está bem deixá-la andar pela igreja à noite?
— Ah... como posso dizer, é contra as regras as crianças ficarem andando de noite sem supervisão, mas para a Liza não há problemas.
— Você diz, mas não é tão simples, né?
— Não sei os detalhes. Todas as madres e irmãs dizem que não há problema por ser a Liza, as outras crianças também, não a seguem, então está tudo bem, eu acho.
Então eu me deitei, me aproximando da parede. A cama não era tão grande, ainda assim, considerando meu tamanho, mesmo que dormisse com a Pretty, não haveria tantos problemas – era isso que eu achava
A noite vista dessa cidade é bonita e muito estrelada. No entanto, o céu já começa a ser coberto com as nuvens de tempestade. Será que vai chover na madrugada?
— Se você estiver com muito frio, pode me abraçar, ok?
— É apenas desculpa para me abraçar, né?
— Sim! Vem aqui.
Pretty puxou a coberta e me abraçou, outra vez. Mas, dessa vez eu não posso reclamar. Além de ter tomado banho, estou finalmente “descansando” confortavelmente – se assim posso dizer.
Já se faz três dias desde que acordei nesse mundo e apesar de todas as aventuras e desafios, estou dormindo junto com uma adolescente. Como será quando acordarmos no dia seguinte?
Será que as crianças vão começar a me xingar? Ou melhor, é aceitável que um meio-demônio seja colocado em um orfanato? Muitas e muitas dúvidas, e, estou ficando bem cansado.
Portanto, só vou dormir agora e esperar o que o futuro me reserva.