Volume 1
Capítulo 17: De Princesa à Escrava
Se tornar “escravo” seria apenas mais um detalhe?
Claro que isso ainda me atinge de alguma forma, porém, não aproveitar das vantagens, seria burrice – e já afirmei isso antes, certo? Sendo assim, tudo indica que menos perguntas serão feitas se apenas seguirmos por este caminho e, finalmente, poderei ver os humanos desse lugar.
O mundo e seu bom-senso também parecem dar certeza a ao meu pensamento, logo creio que essa é a melhor solução aqui. Além disso, eu não poderia aparecer na cidade de outra forma, afinal, essa floresta já está localizada no que parece ser os arredores do território dos demônios.
Se uma criatura com chifres, garras, presas e rabo saísse de lá dizendo um “oi”, responderem com “bom dia flor, seja bem-vinda” é o que não vai acontecer.
De qualquer forma, sem mais informações, qualquer tipo de estipulação é perda de tempo e não posso perder mais do meu valioso tempo. Ainda que tenha rejuvenescido ou me transformado em uma raça não-humana, um ditado que eu agarro com afinco é “tempo é dinheiro”, ou melhor, “tempo é sucesso”.
Como as garotas permaneceram daquela forma, lancei um longo suspiro e fiz um sinal com as mãos. Preciso que elas voltem a atenção para mim e deixem de fazer tais expressões de surpresa.
— Tudo que precisamos agora é de alguém para ser meu mestre, certo? — comentei, gesticulando. — Só isso basta para entrar na cidade? Então será fácil.
Além disso, devemos entender os limites em que podemos expandir sem entrar na jurisdição de outro lugar.
— Quê? — perguntou todos.
— Acho que esse não é o problema, Yami — respondeu Yaga.
— Não? E qual seria?
— Creio que elas estão surpresas pelo fato de você ter aceitado tão facilmente uma ideia dessa... — tentou explicar Yaga.
— Uma ideia tão humilhante — complementou Meril. — Quero dizer, creio que é uma reação natural. Demônios são criaturas consideradas orgulhosas, até mesmo as de menor nível, portanto, se sujeitar a ter um mestre é algo... Incomum.
— No entanto, vocês mesmos falaram que demônios comumente oferecem contratos, o que seria diferente?
— Sim... mas nunca nessa situação... Talvez com criaturas mais fortes que elas isso seria aceitável, porém, nunca ouvi algo do tipo — respondeu Meril.
— Mesmo os demônios mais fracos são considerados por muitos perigosos e mais fortes que a maioria das criaturas. Por isso pensar na ideia de fazê-los seus escravos ou mesmo se submeterem a isso, é um tanto incomum — comentou Yaga.
— Bem, eu não penso dessa forma — e sequer tenho parâmetros para pensar diferente.
Sheyla deu alguns passos para frente e se ajoelhou, ficando a minha altura. Ela segurou minhas mãos – outra vez fazendo isso?
— Sabe, Yami... mesmo que você diga não se importar, você está nos dizendo para tratar uma tigresa como um gatinho.
— Quê? Olhe, eu não sou um animal, eu entendo os limites, ok? Além disso, por que vocês acham que seria tão difícil se passar por um escravo? Não quero viver naquela cidade, apenas fazer uma visita breve.
Meril caminhou até Sheyla e colocou as mãos em seus ombros, fazendo com que ela se levantasse e desse espaço para ficar em seu lugar de fala:
— Não é bem isso que queremos dizer, Yami... Também concordo com a Sheyla nessa situação. — Meril estava sentindo bastante dificuldades de continuar. — É que você... é você, sabe? Isso não seria possível... Seria possível? — questionou-se por um tempo.
Se for para comentar nada com nada, por que não ficou em silêncio? Antes que eu pudesse respondê-la, Sheyla fazia um sinal positivo e logo comentou com convicção:
— Tirando sua própria individualidade, escravos não reconhecidos seriam levados para análise no primeiro momento para comprovar o ritual de escravidão...
— Sério? Bem... isso é algo para se considerar. No entanto, não vejo o porquê dessa comoção toda.
Meril cruzou os braços e depois colocou sua mão direita como suporte para seu queixo. Depois disso ela começou a explicar:
— Há muito tempo, demônios tentaram controlar humanos com suas magias e maldições. Não seria errado afirmarmos que esse tipo de solução já foi tentado ao ponto de exaustão. Por isso, qualquer novo escravo, ou melhor, qualquer nova pessoa vinda do Território dos Demônios ou próximo a ele precisam passar por essa verificação.
— Entendo...
— E mesmo se você se passasse por uma escrava, Yami, eles saberiam na hora que você é, na verdade, a mestra — complementou Meril.
— Como assim?
— Lembra-te como a magia funciona? Se o mestre fornece mais poder, o escravo é aquele cujo elo é mais limitado. É possível distinguir quem é o escravo e o mestre pela própria assinatura da magia — respondeu Meril.
— Entendi... ou seja, se fossemos juntos, eles conseguiriam perceber o meu contrato com vocês... certo?
— Sim — afirmou Meril.
— Yami, há outra forma para que isso possa dar certo — comentou Yaga.
— Oh, e qual seria?
— Sheyla foi a única que não aceitou o contrato, portanto, esse problema não estaria relacionado a ela.
— Hmmm, interessante, seria essa a sugestão que iria dar de qualquer forma — olhei para Sheyla. — E você, Sheyla, o que acha?
— Eu? Como assim? — questionou de maneira surpresa.
— Até agora você não aceitou meu contrato...
— Eu já disse... — antes que pudesse terminar, eu a cortei:
— Façamos o seguinte: você será minha mestra e eu sua escrava. Assim você poderá me mostrar a cidade e até mesmo me convencer a ajudá-los. Em troca, eu conseguirei ver a cidade com meus próprios olhos.
Isso irá me ajudar a ter uma visão maior sobre a humanidade nesse novo mundo. Saber como os humanos vivem me dará bons parâmetros de comparação. Além de tudo, conseguirei ver com mais clareza o nível de poder deste mundo.
— Não! — negou com firmeza. — Quero dizer... estou em conflito interno aqui, Yami... Temo que se te mostrar a cidade, estaria colocando todos em risco. Mesmo que eu aposte na minha vida que você não fará mal, como poderia apostar de todos os outros nessa decisão?
— Eu entendo sua preocupação, mas, é necessário algo para comprovar esse contrato de escravidão. Então, que tal fazer dessa condição algo onde eu não poderia atacar a cidade? Assim você se sentiria mais segura em aceitar essa proposta?
— Eu... acho que sim — respondeu Sheyla.
Olhei para Yaga e dei alguns passos em sua direção.
— O que acha, Yaga? Seríamos capazes de fazer algo assim? — E logo olhei para Meril, repetindo a pergunta.
— Acredito que sim. Considerando o que você já nos mostrou, posso dizer que se alguém pudesse fazê-lo, seria você, Yami. No entanto, o contrato só poderia ser firmado por criaturas de nível mais alto ou semelhante. Mesmo sendo a “Sheyla”, cavaleira-comandante, ela ainda é muito mais fraca que você.
— Então tem esse problema também? — eu seria capaz de esconder esse poder? Quero dizer, elas nem conseguem usar seus [Analisar] em mim. — Yaga, você disse que não conseguia ver minhas habilidades, certo?
— Sim, eu fiz essa afirmação. Mesmo tendo confiança em minhas habilidades como Analisar, você está em um nível completamente diferente.
— Sendo assim, eu poderia me passar por alguém mais fraco... algo como... mascarar meu nível momentaneamente?
— Creio que não... — disse relutante, mas logo olhou para mim, me encarando. — Você conseguiria?
— Deixa eu ver aqui...
— Está falando sério? Você consegue fazer isso? — retrucou Meril.
Para falar a verdade, quem sabe? Se o Sistema está tratando as coisas como um jogo, talvez eu pudesse “simular” meu nível de maneira diferente para os outros, né? Se eles mesmos não conseguem detectar minha força verdadeira, então isso não seria problema.
Mas, onde ficaria essa opção? Hmmm, “Configurações”? Não, acho que não é essa aba... será aqui? Ah, encontrei! Como eu pensei, nem eu mesmo consigo ver meus números ou nível. Tudo está como aqueles símbolos estranhos. Ainda assim...
Sistema: [Você deseja mostrar seu Nível Atual diferente do Nível Verdadeiro? No entanto, você não pode por seu nível atual maior que seu nível verdadeiro].
Sim... eu acho?
Sistema: [Qual nível você deseja colocar? Nível mínimo: 1, nível máximo: ######]
Vejamos, Sheyla está no nível 23 e aparentemente ela é considerada muito forte. Se eu me colocasse em um nível próximo, mesmo que menor, certamente isso geraria dúvidas ou algum tipo de problema. E aquelas três... Samy, Ashley e Luane estão entre os níveis 5 e 9. Por fim, Meril e Ninx estão no nível 18...
Qual seria o melhor aqui? Fazer uma média?
Se eu fizer a média de todos os níveis, eu teria... por volta do nível 13... Mas isso ainda não estaria em um nível muito alto para uma garotinha indefesa? Então, 6? Acho que 6 está bom.
Sistema: [Você alterou seu nível atual como nível 6].
Um pequeno brilho azulado saiu de dentro da janela ao mesmo tempo que ela se movimentou rapidamente. Depois disso, a janela desapareceu com um efeito de transparência.
Aquele efeito de brilho se dividiu em várias partículas e logo se espalharam e rodopiavam por mim até que foram direto para meu peito.
O que foi isso? Essa luz estranha acabou de entrar no meu corpo... Ou seja, mudou algo? Quero dizer, não senti nenhum poder ser drenado ou mesmo alguma fraqueza igual quando todos aceitaram o contrato. Talvez essa mudança tenha sido apenas visual...
De qualquer forma, ergui minhas mãos e observei ao redor.
— Não sei se consegui fazer isso funcionar do jeito que queria... no entanto, Yaga, consegue usar seu Analisar em mim?
— Você realmente conseguiu diminuir seu nível? — perguntou Meril.
Yaga deu alguns passos para ficar de frente para mim e começou a me encarar.
Podia ver seus olhos brilharem com aquele mesmo brilho mágico de antes – quando ele conjurar suas magias – logo creio que seu [Analisar] é mágico. Ele balançava a cabeça como se estivesse confirmando algo e esboçava um sorriso genuíno.
— Incrível... você está se passando por uma criança humana? Seus traços mágicos me lembram muito uma humana normal.
Meril fazia o mesmo, no entanto ela não parecia usar magia como Yaga, ainda assim, suas expressões demonstravam surpresa pelo que tinha acontecido.
— Isso é... impossível, agora mesmo não só seu nível, como também sua aparência foram alterados, Yami!
— Como é? — não sei se eu estava esperando por essa sequência de ações.
Quero dizer, o que o nível tem a ver com a aparência?
— E vocês duas? — perguntei olhando para Sheyla e para Ninx. — O que dizem sobre... isso?
Elas também estavam surpresas, tal como se tivessem visto um fantasma. Sheyla precisou balançar o rosto algumas vezes para voltar a si. Por fim, ela deu um sorriso sincero.
Ninx apenas fazia um sinal de joinha.
— É como elas dizem, Yami, você agora até mesmo parece ser uma humana.
— E pensar que aqueles chifres gigantescos teriam diminuído em um passe de mágica — comentou Ninx.
— Sério? — coloquei as mãos sobre minha testa para confirmar. — Realmente, eles desapareceram? Não, ainda estão aqui, mas, bem menores.
E não só isso, aparentemente por causa da minha “máscara”, até meu corpo mostrou diferenças em relação ao que era antes. As orelhas pontudas passaram a ser do tamanho normal e meus cabelos que teriam algumas mechas brancas, passaram a ter uma coloração quase que majoritariamente escura, e minha pele está com uma coloração menos avermelhada. E... e por incrível que pareça, tenho sobrancelhas agora!
— Está bem, Yami? — perguntou Sheyla.
— Parece que ficou tão surpresa pelo que aconteceu quanto nós —respondeu Ninx.
Yaga deu alguns passos ao meu redor, me observando de baixo para cima e depois disso, ele cruzou os braços comentando:
— Não creio que estou vendo uma transfiguração com meus próprios olhos.
— Você acha que é transfiguração? — perguntou Meril.
— Transfiguração? O que seria isso?
— Pouquíssimas criaturas seriam capazes de fazê-lo, Yami, tal como dragões-ancestrais. — Meril começou a sua explicação: — Dizem que a Transfiguração é a arte de se transformar em outra coisa. É dito que alguns dragões e criaturas como Mímicos seriam capazes de se passar por outra criatura ou objeto.
— Além disso, seria quase impossível determinar que aquela criatura ou objeto não seriam verdadeiros. Por isso mesmo chamamos transfiguração, que é diferente de transformação — complementou Yaga.
— Não vejo tanta diferença assim entre as palavras.
— Por exemplo, algo transformado é algo que dá a impressão de ser outra coisa, no entanto, assim que ele perdesse essa transformação, voltaria a sua forma original. Já algo transfigurado é basicamente sua nova forma original... Claro que ele poderia voltar à outra forma, se quisesse — explicou Meril.
— Se pensarmos assim, isso explicaria os meio-dragões e de onde eles surgiram, certo? — perguntou Ninx.
— Como é? “Meio-dragões”? — fiquei surpreso pela questão tão “fantasiosa”.
— De certa forma, sim. Dragões que são capazes de se transformar em humanos e se relacionar com outros humanos. Eles poderiam dar à luz a uma cria meio-dragão. É assim que explicamos a origem dos meio-dragões.
— Estou começando a entender...
E pensar que eu iria fazer algo desse tipo apenas mascarando o nível mostrado pelo Sistema. As coisas não estão sendo movidas de uma maneira conveniente de mais? Além disso, essa relação nem faz sentido.
Espere aí... eu poderia ter meu corpo de volta com essa transfiguração?
Sistema: [Não é possível trocar de gênero].
Quê? Mas que porra? Por que não é possível?
Sistema: [...].
Argh! Seu filho da...
— Yami? Algum problema? — perguntou Sheyla.
— Oh, merda...
— Como é?
— Nada não... então o que acabei de fazer poderia ser considerado uma Transfiguração, certo?
— Você não o fez por que queria? — questionou Meril.
— Acho que foi meio sem querer...
— Bem, considerando tudo que você nos mostrou e sua ignorância com esse mundo... não deveria ser uma surpresa — afirmou Ninx.
— Não é? — E o que há com esse termo “ignorância”? Está zombando da minha cara?
— De qualquer forma... Se agora estou com um aspecto muito mais humano... significa que eu poderia entrar na cidade, certo?
— Você realmente está muito mais humana, Yami, mas ainda há seus chifres e... seu rabo, que ainda continua bem chamativo.
— Oh, merda... sim, de fato não tem como se passar por uma garota humana dessa forma. No entanto, será que o contrato poderia ser feito agora?
— Não vejo problemas... eu acho... por que você não tenta? — afirmou Meril.
— Certo... e você, Sheyla, o que achas?
— Tudo bem... você mostrou ser capaz de fazer outra coisa surpreendente, então, não tem porque eu negar.
— Ótimo. — Afirmei, logo depois olhei para o goblin. — Yaga, eu poderia usar o mesmo ritual de antes para gerar esse contrato?
— Sim. Até mesmo o escravo pode criar o contrato, ainda que se outra pessoa se tornar o mestre dele, ele não teria mais o direito de cancelar.
— Bom, neste caso, vamos prosseguir.
Depois de concordar, fui até o centro da arena e cruzei meus braços, olhando para o vazio onde tinha surgido a mesma janela de antes. Como devo prosseguir, quais palavras devo usar? Muitas questões importantes que preciso levar em consideração.
Não posso errar a mão aqui e nem deixar que cláusulas fiquem confusas. Afinal estou trabalhando com algo aqui que não tenho muita experiência, ao menos nessa parte de poderes místicos, magias e rituais...
Vejamos:
[Eu concordo que não irei destruir, atacar, ferir ou causar mal à Cidade, seus arredores e cidadãos desde que eles não estejam com intenções claras de me destruir, atacar, ferir ou causar mal. Para isso, declaro que Sheyla é minha mestra e prova de meu contrato].
Acho que, com essas condições, não terei problemas mesmo que Sheyla fique insana e tente me alistar novamente para o seu lado dessa guerra-santa. Afinal as condições são bem específicas.
Agora, pensando melhor, por que tenho que fazer tudo isso? Se eu possuo tanto poder, bastaria apenas pisar naquela cidade e fazer o que quiser, certo? Não... aquele deus disse para eu não abusar do Sistema nem repetir os mesmos erros do passado...
Ainda que não tenha cometido erro algum, não posso permitir que meus “aliados” de repente me apunhalam pelas costas como antes.
Assim que terminei, uma janela, menor que antes, apareceu diante de Sheyla. Pelo jeito, como eu escrevi o contrato quase que diretamente, o texto ficou bem compacto e simples.
— Tudo pronto, Yami? — perguntou Sheyla.
— Sim, veja estas condições.
Sheyla que era aquela que deveria aceitar o contrato começou a lê-lo, no entanto, todos os outros pareciam estar tão curiosos que se esticavam ou tentavam ver o contrato à distância.
— Não precisam fazer isso... não há nada de mais.
— Interessante — comentou Ninx depois de chegar atrás de Sheyla apenas para ler o contrato. — Não há nada de mais, só que ainda assim isso impedirá que Yami cause algum dano a cidade?
— Os contratos, todos eles, são feitos sob a observação e controle da Deusa dos Acordos: Mercantyl. Se Yami concordou com as condições e seus efeitos, nem mesmo ela poderia ir contra... — Meril que estava convicta com suas palavras, logo deu uma pausa exageradamente longa e me encarou. — Bem, apesar que estamos falando da Yami aqui.
— É, sei como é... — comentou Ninx.
Dei alguns passos para próximo de Yaga e perguntei baixinho:
— Não era Yman Tuei?
— Os humanos a chamam de Mercantyl.
— Entendi... — voltei à minha posição normal.
É óbvio que eu não quero atacar a cidade e nem teria motivos para isso, porém, também deixei claro que somente EU não iria atacar, ou seja, meus subordinados não estão inclusos neste acordo. Além disso, o acordo permite-me defender caso eles deliberadamente me atacassem por quaisquer motivos.
— Se tudo estiver de acordo, Sheyla, basta aceitar o contrato e pronto, você passaria a ser minha mestra.
— Tudo bem, eu concordo.
Sheyla seguiu as ordens que Yaga pedia, fazendo dela aquela que seria minha “mestra”. Ela sentiu um pouco de falta de ar e quase desmaiou ao aceitar o contrato, no entanto, no fim ela já estava melhor.
Meril, Ninx e até mesmo Yaga usaram seus [Analisar] e confirmaram com seus próprios olhos que para eles, eu, estava como escrava de Sheyla.
Como fizeram isso? Não sei, mas também não perguntei. São eles os moradores desse mundo e são muito mais capazes de decidir se uma coisa é ou não certa. E por causa do Sistema, eu também pude comprovar que minha “dona” era Sheyla. E que papo é esse de Dona, mas que porra? Por acaso eu virei um cão?
É um pouco engraçado que ela não achou ruim ou mesmo odiou a ideia de ter escravos, e pelo jeito, o senso comum desse mundo não repudia essa ideia.
Não é como se eu tivesse problemas com isso, exceto pelo fato de eu estar sendo a “escrava”, porém, tudo isso era para um bem maior. E, por causa das cláusulas criadas diretamente por mim, a única desvantagem era que eu não poderia forçar um ataque direto a cidade sem um bom motivo: “autodefesa”.
Se considerarmos que apenas Sheyla poderia quebrar o contrato, isso significa que essa cidade tem uma proteção extra em relação a minha ira. Ou seja, espero que a cidade ou seus moradores não se tornem uma pedra no meu caminho...
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Depois de um tempo, discutimos brevemente o que iria acontecer a partir de agora e foi isso que foi decidido:
Eu iria com as aventureiras para essa cidade, as outras garotas ficariam aqui na caverna por enquanto. A ideia seria recuperar as ferramentas da Meril ao mesmo tempo que eu colheria informações sobre o mundo, sua sociedade e o que rege os pilares desse mundo.
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A maioria dos goblins tinham voltado para suas rotinas e por isso se espalharam pela caverna. Mesmo que eu quisesse, forçá-los a mudar tão imediatamente seria um tiro no pé, por isso, queria ver primeiro uma forma de classificá-los e distinguir seus diferentes tipos de classes e funções.
O próprio Sistema conseguia me agilizar algo desse tipo, mas por estar muito ligado a um jogo eletrônico, certas coisas não condizem com o que eu preciso. Por isso terei que agir por conta própria neste caso. Além disso, se eu conseguir observar como os humanos dessa Cidade da Fronteira estão vivendo, isso me ajudará a ter uma base no qual possa reproduzir.
— Certo, lembrando o que foi discutido, Luane e Ashley, vocês devem ficar aqui por causa da situação de vocês. Samy, espero que você também as ajude e faça o que eu pedi.
Apesar de não ter explicado para as outras garotas, basicamente eu pedi que Samy classifique os goblins para mim. Por causa da sua habilidade [Memória Fotográfica] ela é capaz de lembrar com detalhes quais são os goblins e suas habilidades e nomes.
Yaga também recebeu essa missão, então, assim que eu voltar da cidade, já poderia planejar como prosseguir com essas informações.
— Eu também quero explorar essas cavernas e obter algum tipo de mapa. Yaga comentou que há alguns caminhos e atalhos que poderíamos usar a nosso favor e, portanto, acho que isso é uma das prioridades que precisamos focar.
— Algo mais, Yami? — perguntou Samy.
— Também preciso da fauna e flora da região em que estivermos, vocês conseguiriam fazer isso?
— Eu... acho que sim... Mas eu precisaria sair...
— Não se preocupe, Sra. Samy. Utilizaremos os goblins para isso — comentou Yaga. — Afinal, eles já estão acostumados a sair e colher recursos.
— Ótimo... Samy, você sabe desenhar, certo?
— Sim.
— Então, gostaria que você fizesse um catálogo com as coisas que encontrarem lá fora. Temos alguns pergaminhos... e acho que alguns pincéis e tinta... certo? — encarei Yaga.
— Sim, Yami. Também no meu quarto há materiais para escrever, portanto isso não será um problema.
— Entendo, então estamos todos com funções definidas, poderemos partir para a cidade.
— Espere, Yami, ainda há uma coisa importante para você fazer — comentou Meril.
— Importante? O que seria?
— Suas roupas. Você deve trocar suas roupas.
— Quê? Por quê? Agora que tenho algo de qualidade para vestir...
— Sim, esse é o problema. Apesar de estar bonita e elegante, como posso dizer isso, não acho que essas sejam roupas que um escravo de seu nível estaria usando.
— É?
— Sem dúvidas que não. E se considerarmos estar saindo da floresta... o quão estranho isso seria, você não acha?
— Tens razão.
Me encarei novamente e fiz um sinal positivo. Depois disso, olhei para as roupas das outras garotas que até então não tinham sido tratadas como a minha ou da Samy.
— Olhe, não sei como os escravos se vestiriam, então vou permitir que vocês me façam parecer uma... escrava — afirmei olhando para Saga e Daga.
— Iremos te fazer a escrava mais linda! — responderam as duas.
Mas que porra! Elas não estão entendendo algo errado aqui? Respire, fique numa boa, afinal esse é o jeito mais simples de entrar na cidade sem causar nenhum tipo de problema.
Não quero ter que meter o louco lá dentro. Lá eu poderei ver o quão evoluído é esse mundo e sua sociedade.
Se eu mesmo vivesse apenas nessa caverna, teria uma visão muito limitada e provavelmente no futuro me daria mal, seja por culpa do Sistema, seja por culpa dos “deuses”.
Seja lá como for, vamos ver essa cidade da Fronteira.