Volume 1
Capítulo 15: Depois de Tudo, me Tornarei a Escrava? – Parte 1
Assim que as outras goblins chegaram, Yaga permitiu que entrassem. Depois saíram deixando-as comigo. Pode-se dizer que eu fui obrigado a expulsá-los, se não, provavelmente ficariam ali, me encarando e analisando – ou sendo a Meril, me estudando.
Após saírem, Tina e Saga ficaram boquiabertas com o lugar. Caminharam observando os arredores, tal como os quadros e as mobílias, por último voltaram a se aproximar de mim e da cama.
Não é como esse quarto fosse surpreendente a este ponto, no entanto, considerando o lugar que elas ficavam, esse quarto bem “humano” era distinto de todos os outros.
Ei, dá para ignorar o quarto e agilizar o meu lado?
— O que há? Por que estão com essas caras e bocas?
As duas voltaram a atenção para mim, finalmente.
— Princesa!
— Me chame apenas Yami, por favor — retruquei.
— Você está bem?
— Sim.
— Ah, que alívio. Você caiu de repente e todos ficamos preocupados — disse Saga.
— É... e quando Togo veio nos chamar, ah, pensei que algo grave tinha acontecido... — afirmou Tina, e depois de um suspiro, continuou: — Mas, você está aqui, acordada e bem pelo que parece.
De alguma forma elas parecem estar bem mais comunicativas e conseguindo se expressar melhor. E como assim algo grave? Acharam que iriam confeccionar roupas para um morto?
Sistema: [Tina e Saga compartilham seu nível de Linguagem de Monstros e Linguagem Comum].
Entendi, então é por isso que do nada começaram a falar tão bem? Tanto faz, melhor para mim.
— Sim... Sim, estou bem. Obrigado por compartilhar essa preocupação. Ainda assim, chamaram vocês pois, como podem ver, estou precisando novamente de roupas.
— Me desculpe, Yami.
— Por que estão pedindo desculpas?
— Nossas roupas não aguentariam aquele nível de poder... Qualquer uma que fizéssemos estaria destruída se fosse atingida por aquelas magias. A sra. Meril é muito poderosa... — disse enquanto olhava para baixo e depois que me percebeu a encarar, tentou-se corrigir: — Mas não tanto quanto você, Yami!
— Não precisa se preocupar — suspirei. — Bem, não tem o que fazer, seria esperar muito que as roupas resistissem àquilo. Mesmo assim, não quero ficar andando por aí desse jeito e, é melhor já criar algumas peças extras só para o caso disso se repetir.
As duas confirmaram e deixaram os materiais e as ferramentas de costura que tinham usado antes ao lado da cama.
— O Chefe Yaga comentou que poderíamos usar as roupas dessa sala... da sala do Chefe! — Exclamou Saga.
— Falando nisso, qual é a surpresa? — Me ajustei para ficar sentado na cama de maneira que pudesse vê-las trabalhar. — Primeira vez visitando esse quarto?
— Sim. O Chefe Yaga é muito sério com sua privacidade, logo ninguém era permitido entrar nesse quarto.
Isso está tão... estranho, é como se as goblins ganhassem as mesmas habilidades de um grande escritor ou mesmo um professor de japonês. Agora não só estão falando de um jeito mais sofisticado como usam termos e palavras difíceis para se comunicar.
Fiz um sinal dando a entender que estava escutando-a e apontei para o baú no qual Yaga tinha me mostrado antes.
— Ali, ele disse para usar daquelas roupas.
— Certo, Yami.
— Vocês conseguem fazer algo em relação a isso? Veja, se forem para destruir as roupas e não conseguir fazer algo semelhante à qualidade, prefiro que vocês não mexam nisso.
— Tudo bem, Yami! — Tina fez um sinal de força. — Depois que me tornei sua serva, sinto que ganhei muitas habilidades!
— É... deu para ver.
Bem, eu consigo ver seus status melhorados por causa do contrato, porém, isso não significa nada em relação às habilidades em si. Por acaso os números também refletem seus conhecimentos? Diferente da Samy, não está escrito que elas...
Sistema: [Tina e Saga compartilham alguns conhecimentos básicos entre todos da Empresa. Conhecimentos e suas Características, Informações e suas Características, Habilidades e suas Características, receberam um aumento significativo].
Ô porra, não precisa ter uma mensagem tão longa, certo?
Sistema: [Tina e Saga tiveram suas Habilidades aumentadas].
E não tão curto! Está de zoação com minha cara?
Sistema: [...].
Mas que merda!
— Yami? — perguntou Saga, ajustando algumas das peças sobre a cama depois de retirá-las do baú.
— Ah, tudo bem, só... conferindo algo.
— Ok. — Ela apontou para algumas das peças. — Yami, veja, essas roupas são humanas, mas conseguiríamos usá-la. O que você acha?
— O que eu acho? Deixe-me ver. — Novamente, elas querem que eu escolha.
Apesar de estar sempre bem arrumado na vida anterior, quem selecionava as roupas e meu figurino eram: minha governanta, secretária e os assessores de mídia. Na verdade, parando para pensar agora, as roupas estavam sempre disponíveis para eu usá-las e quase nunca tive o “direito” de escolher...
Qual o motivo de pensar nisso agora? Nem tem tantas roupas assim, e, acima de tudo, sequer estou no meu corpo original.
Dei uma espiada pela porta através da cortina e aqueles dois realmente saíram para longe. Sendo assim, me levantei e fui até as peças, observando-as com calma.
A maioria são roupas masculinas e possuem aspectos da nobreza. Mesmo que aparentemente antigas, mantêm-se intactas e com grande qualidade.
Se me lembro bem, Yaga disse que ele era servo de um necromante. E o que era mesmo? Um “elfo-negro”, disse ele.
Elfos são aqueles humanoides com orelhas pontudas, certo? Elfo-negro seriam aqueles com pele escura? Ah, como eu gostaria de ter participado um pouco mais desse hobby adolescente. Não tive muito interesse nesse assunto e agora, pelo jeito, iria cair bem.
— Yami? — disse uma voz baixinha através da cortina.
— Samy? — perguntei ao escutar sua voz, e depois disso, olhei para a entrada.
Era Samy.
— O que faz aqui?
— Eu... bem... aceitei o contrato. E assim que o fiz, passei a conseguir entender os goblins. — Respondeu, de maneira tímida, ainda assim entrou na sala antes de continuar: — Então quando as duas foram chamadas pelo aquele outro goblin, eu fiquei me perguntando se não poderia ajudar também.
— Aí você decidiu vir até aqui? Como?
— Bem... eu segui as duas.
— Como é? — perguntei nervoso.
Mesmo que eu acredite que está tudo bem, e até mesmo tudo isso pareça "magicamente" dar certo, ela ter se esgueirando por aí em uma caverna repleta de goblins, nesse estado ainda, me fez ficar puto. Afinal, e se algo desse errado? E se algum goblin com medo e desespero, decidisse atacá-la? Tudo que fiz seria em vão.
Ah, merda... não posso deixar que minha máscara caia agora...
Respirei por um tempo para me acalmar.
— Me desculpe, Yami! — lamentou-se.
— Tudo bem... só que, você ainda é humana, ok? Não pode simplesmente andar por aí, não tão cedo assim.
— Sim, eu sei...
Tina e Saga apenas nos observavam enquanto estávamos discutindo, mas depois que se acalmou, elas deram um passo para frente.
— Samy, certo? — perguntou Tina.
— Sim.
— Quando estávamos tirando suas medidas, você nos deu algumas dicas importantes. Isso significa que também sabe costurar? — perguntou Saga.
— Sim... por isso vim aqui para ajudar.
— Isso é ótimo! Se usarmos suas habilidades, tenho a certeza que conseguiremos fazer as melhores roupas. Não é mesmo, Saga?
— Sim! Isso mesmo — disse Saga dando alguns pulinhos de alegria. — Então, Yami, basta dizer quais desses tecidos você quer.
Olhei para Samy e olhei para as outras duas. O que há com essa reunião? Por acaso as “garotas” resolveram brincar de casinha? E essa garota, ela não tinha dito que não iria perdoá-los?
Isso está me deixando louco.
— Samy, não há problemas? — perguntei.
— Problemas?
— O que aconteceu mais cedo... sobre sua situação. Está tudo bem agora?
— ... — Ela ficou em silêncio tentando entender do que eu estava falando, porém, parece que entendeu e fez um sinal de negação: — Ah, sobre aquilo? Bem, não foram elas que me atacaram e eu não poderia culpá-las por isso.
— Isso significa que está tudo bem, certo?
— Sim.
As duas, apesar de entenderem as palavras, não estavam acompanhando nossa conversa, afinal, elas tinham aparecido somente depois que eu conversei com a Samy.
E mesmo se elas estivessem lá, não acho que conseguiriam entender de qualquer forma.
— Ainda assim, para você, isso não é estranho?
— O que? — Samy questionou colocando as mãos no tecido para analisá-los com mais cuidado.
— Você simplesmente “conversar” com elas de uma hora para outra?
— Ah, sim? Acho que sim... — parou para pensar por um momento. — Talvez um pouco?
E o que há com essa confusão? Sim ou não? Decida-se.
— Veja bem... você... — será que devo lembrá-la disso? — Estava naquela situação, aí conversamos, teve o duelo e o contrato... agora, apenas algum tempo depois, você está aqui, do meu lado e conversando com elas como se nada tivesse acontecido. Isso é normal?
— Ainda não estou te entendendo, Yami. De qualquer forma... — ela continuou analisando os tecidos. — Estou vendo que há algumas boas roupas aqui... os materiais são de qualidade e se ajustarmos o corte e as dobras, ficaria perfeito em você.
O que há com essa garota?
Ela realmente está na minha “Empresa” e por isso ela seria incapaz de mentir, porém, de algum jeito eu sinto que ela está escondendo alguma coisa. Não tem como ela ter feito toda aquela cena, chorar daquele jeito e apenas estar tudo bem.
Sistema: [Samy está em um alto estado de concentração. Ela não possui anomalias].
E o Sistema também... me enviando essas janelas de avisos. Se é assim, tudo está “normal”, né? Então vamos continuar já que tudo está “normal”. E espero que, seja lá quem está vendo ou acompanhando isso aí de fora, saiba que essas últimas frases tem uma boa pitada de sarcasmo e ironia.
Samy ajudou as outras duas goblins a preparar minhas roupas.
Usaram algumas vestimentas pretas para conseguir o material e por causa do meu tamanho, de criança, era mais fácil ajustar as partes tal como ter material suficiente para reproduzir o que tanto queriam.
No final de tudo, passou-se um bom tempo, porém, o resultado foi até que acima do que eu estava esperando.
Samy apresentou um vestido no estilo gótico, preto e com bordados rosa. Além dos ajustes e das bainhas feitos com bastante cuidado e detalhe, também possuía um laço rosa que preenchia o decote dos seios – ou a falta deles.
Ela também me apresentou umas sapatilhas e – como ela fez isso? – não saberia dizer, porém, encaixaram perfeitamente. Seria até melhor dizer que esta roupa personalizada tinha sido feita exclusivamente para mim. Até mesmo o espaço para meu rabo foi pensado, permitindo assim que ele não ficasse por debaixo da roupa como antes.
Por fim, elas me deram duas luvas negras com bordados rosa. Por causa das minhas garras, as pontas dos dedos tiveram que ser ajustadas.
Depois de me fazerem vestir aquilo. Olhe se isso não me faz parecer uma boneca de tão “fofa”, que... audácia. Ah, eu mereço... Sim, mereço passar por isso.
De qualquer forma, está dentro do meu personagem: ser uma garota frágil e indefesa. Mesmo que agora eu também esteja parecendo uma princesa mimada e arrogante.
— Tudo certo? — perguntei ao estar devidamente vestida como a Princesa Yamitsuki.
— Sim — respondeu as duas: Tina e Saga.
— E onde está a Samy? — perguntei olhando ao redor, ela de repente sumiu.
— Estou aqui, Yami.
Samy tinha respondido do outro lado do cômodo, na virada da quina. Pelo que me lembrei, ali ficavam mais algumas caixas e baús, no mesmo estilo desses próximos a cama.
— O que está fazendo?
— Tcha-ram! — Saiu de onde estava mostrando seu novo visual.
Caramba! Samy que estava usando alguns trapos – igual a mim depois da luta – agora estava com um vestido semelhante ao meu, tanto nos bordados quanto nos detalhes e laço, a única diferença era que seus ombros eram menos volumosos. E não posso me esquecer do mais óbvio, ele era branco ao invés de preto.
— Então, enquanto fazia o meu vestido, também estava fazendo o seu?
— Sim. O que achou?
— Ficou bom e você. — E quando que ela fez isso? Achei que estava acompanhando todo o processo e do nada, ela está vestida igual a mim. — E por que estamos combinando?
— Não é óbvio? Porque você é a chefe e eu... bem... vou te ajudar no que for preciso.
— Não sei se entendi bem.
— Yami, você pode contar comigo para te ajudar... eu vou me empenhar ao máximo até mesmo em coisas que nunca fiz.
— Não precisa chegar a tanto, afinal se alguém melhor que você estiver disponível, não tem porque colocá-la no seu lugar.
— Ainda assim eu posso ajudá-la, basta me dizer como.
— Certo, não precisa se afobar. Gostaria de se tornar minha secretária, é isso?
— ... — Parece que ela precisou de um tempo antes de compreender sua situação. — Sim!
— Essa animação toda... é a mesma Samy de antes?
— Com certeza. — Ela saltou em minha direção, segurando minhas mãos — Yami! Eu não sei explicar, mas, depois que aceitei o contrato, senti uma energia tão grande fluir por meu corpo que me sinto até mesmo energizada, elétrica... é como se... o mundo todo estivesse diferente para mim.
— Diferente? É, sim... entendo essa sensação. — Até demais.
— As outras deveriam aceitar o contrato, elas se sentiriam bem melhor — Ela complementou entusiasmada.
— Espere aí, Samy. Não vá induzir ou influenciar suas respostas com essa animação toda. Mesmo que... fosse melhor acabar dessa forma, elas precisam aceitar por conta própria.
— Me desculpe, Yami... — ela inspirou profundamente e se recompôs — vou me ajustar de acordo.
Wow? E só foi ela se “ajustar” que aquela Samy alegre e feliz se tornou uma garota séria com um olhar ameaçador e sinistro. Agora, o que eu digo para ela, que ela volte a ser a de antes, ou que permaneça como essa?
Não... Tem que ser assim, mesmo se eu procurasse um otimismo como aquele, para mim isso só seria estranho. Quero dizer, já é estranho ela ter mudado dessa forma como um passe de mágica.
Samy possui habilidades que serão realmente úteis depois de adquiri-las. Porém, não faço a mínima ideia de como obtê-las. As outras eu apenas ganhei porque sim, e o Sistema me avisou. Só que essas, que eu quero tanto, nenhum sinal de que as conseguirei tão cedo.
Movimentei meu corpo uma última vez para ter certeza de que essa roupa daria a mim a mobilidade e elegância que tanto procurava. E tinha um detalhe no qual estava me esquecendo: agora também tenho roupas de baixo.
Não é como se fosse as da Terra, mas, além de dar um conforto extra, não tem mais aquela corrente de ar fria passando por baixo do vestido como antes. Um alívio.
De qualquer forma, olhei para as três, tanto Samy quanto Tina e Saga.
— Podemos voltar para a arena? — perguntei.
— Sim — responderam as três.
Então partimos de volta para a arena.
Me custa crer que mesmo com toda aquela roubalheira do Sistema ainda poderia ser debilitado daquela forma. Logo, eu deveria agradecer as outras garotas por não me atacarem enquanto estava desacordado? Meril disse que Sheyla foi a primeira a me ajudar, portanto, ela deve ser a primeira.
Assim que começamos a andar pelo corredor, vi Meril e Yaga discutindo algo e pararam assim que nos viram.
— Yami, você ficou tão linda nesse vestido! — comentou Meril.
— Um detalhe que não passará despercebido — disse Yaga.
— Agradeço pelos elogios, porém, o que estavam discutindo?
Eles olharam novamente para si antes de voltar a atenção a mim.
— Estávamos falando de como prosseguir com seu plano.
— Oh, já querem adiantar o serviço?
— Há uma cidade próxima daqui. Eu gostaria de visitá-la pelo menos mais uma vez, Yami — comentou Meril.
— Já está voltando atrás com sua escolha?
— Claro que não! A questão é que eu sou uma professora — apesar de pôr ênfase na palavra, todos ao meu redor, inclusive Samy, pareceu não acreditar — E por isso gostaria de pegar meus materiais de estudo que deixei nessa cidade.
— Bem, não dá para negarmos esse pedido — comentei.
— Por isso Yaga estava me explicando sobre um caminho que leva até a cidade. Uma espécie de atalho.
— Entendo. Bem, antes de continuarmos com essa discussão, vamos retornar para a arena. Há gente nos esperando de qualquer forma.
Meril olhou para Samy e olhou de baixo para cima seu estado e novo “uniforme”.
— Por que ela está vestida igual a você, Yami?
— Bem... como posso explicar isso — parei de andar e apontei para Samy antes de continuar: — Como você pode ver, Samy junto com as outras duas, fizeram essas roupas para mim.
— Entendo.
— Além disso, Samy possui algumas habilidades e conhecimentos que serão muito úteis para meus próximos passos, portanto, ela vai ser como minha ajudante a partir de agora.
— Quê? E eu? Eu pensei que iria fazer esse papel! Também sei muito, aliás, eu tenho a certeza de que eu sou muito mais útil que ela nesse quesito — disse enquanto estufava o peito.
— Que convencida! — resmungou Samy.
Bem, o contrato não influenciou suas mentalidades e personalidades, portanto, não era como se Meril fosse “corrigida”. E ela também não parece ser capaz de vestir “máscaras” como a Samy.
— Cof Cof, — chamei a atenção para mim. — Você sabe alguma coisa sobre cuidados domésticos, saúde, culinária ou artesanato? Talvez algo como carpintaria ou mesmo agricultura? Ah... e talvez...
— Espere aí... — ela se abaixou como se algo caísse sobre seu orgulho. — Está me dizendo que essa garota sabe tudo isso?
— Sim. É isso que estou afirmando.
— Como?
— Como? Não sei..., mas se está tão interessada, por que não pergunta a ela ao invés de querer ser sua superior?
— Me desculpe, Yami, não queria passar essa impressão.
— Não peça desculpas para mim. Olhe, vamos aproveitar que só está nós aqui — e olhei para as outras goblins que também estavam presentes. — E entender que todos tem seus pontos positivos e negativos. Então, eu irei atribuir-lhe tarefas baseadas em seus pontos positivos e vamos tentar corrigir os negativos durante esse processo.
Meril sentiu-se atingida com meus comentários e percebendo a situação fez um sinal positivo e caminhou até a Samy.
— Me desculpe... Samy.
— Tudo bem... Também peço desculpas se eu passei dos limites...
As duas não parecem estar mentindo, mas é óbvio que elas possuem seus próprios orgulhos a manter.
— Bem, feito isso, vamos reorganizar. — Me aproximei da Meril e dei umas tapinhas em suas costas. — Meril, eu ainda preciso de sua ajuda e de seu conhecimento... não estou mentindo quando digo que desejo conhecer este mundo, ainda mais sobre a perspectiva de uma poderosa maga ou acadêmica. No entanto, antes que isso seja necessário, eu preciso organizar esse lugar e por isso Samy possui conhecimentos que serão priorizados.
— Entendo, Yami. Se assim desejar — afirmou Meril.
Olhei para Yaga que não tinha falado nada até então e para as outras duas goblins.
— E você, Yaga. Como representante e líder dos Goblins, você será a chave para que tudo dê certo, então estou confiando em você. Ouvi dos outros goblins que você chegou recentemente, porém logo tornou-se esse lugar melhor. Por isso espero que você continue assim.
— Agradeço pelos elogios, Yami. Realmente, não sou desse clã, mas fiz o que podia para ajudar meus compatriotas. Talvez tenham sido ecos do meu antigo mestre, porém, ele sempre deixou a mensagem: “saiba ajudar aqueles que podem ajudá-lo no futuro”. É engraçado que essa frase se aplica muito a você.
— Hmmm... Simpatizo com esse jeito de pensar. — Olhei para as outras duas. — E vocês, Tina e Saga, provavelmente se tornarão aquelas que confeccionaram as roupas para todos. Então, se já tiverem outros goblins com habilidades ou que valha a pena pegar e treinar, deixe-me ciente.
— Sim, Yami! — gritaram empolgadas com minhas palavras.
— Ótimo. Não que essa conversa rápida signifique que tudo esteja planejado e certo, ainda tem os detalhes que discutiremos mais tarde e com o passar do tempo.
— Mesmo tão nova, és tão inteligente — comentou Tina.
— Sim... A Princesa Yami não é só muito esperta como fofa! — retrucou Saga.
Meril apesar de não ter falado nada, esboçou um sorriso e confirmou com a cabeça.
Depois que a discussão terminou, partimos em direção a arena.
Na arquibancada estavam as outras duas: Ashley e Luane e junto a elas, Sheyla. Ninx continuava sobre uma daquelas pedras, sentada e agora girando sua adaga entre os dedos.
Como a cavaleira e a ladina estavam com seus equipamentos, certamente representavam como uma ameaça para os goblins e mesmo aqueles coitados aceitando o pacto, não ousariam encará-las. Também pudera, por causa da minha habilidade de cura de antes, elas não estavam apenas recuperadas fisicamente, também conseguiriam usar e abusar de suas habilidades de combate.
Me aproximei primeiro de Sheyla e fiz um sinal de reverência para as outras duas garotas. Sheyla, me vendo, apenas se ajustou e passou a sentar-se na minha direção.
— Antes de tudo, creio que devo agradecê-la por não ter me atacado quando eu desmaiei — me abaixei, agradecendo. — Obrigado!
— Eu mentiria se dissesse que não pensei sobre o assunto, no entanto, depois de tudo que vi e presenciei, não poderia. Além disso, eu já disse e até fiz um juramento. — Sheyla se levantou e fez uma pose militar, colocando uma das mãos fechadas sobre o peito. — Como Comandante dos Cavaleiros de Lóthus, eu irei manter minha promessa e juramento!
Fiz um sinal positivo com a cabeça e ela voltou a ficar mais relaxada. Relaxada até demais.
— Agora que você voltou, Yami. O que há com esse modelito tão fofo? — perguntou, se agachando próxima de mim.
— Pare com isso, não vá me tratar como um bebê agora — respondi emburrado, e depois de um suspiro, apresentei os outros que estavam atrás de nós. Claro que ela já sabia quem era quem, porém, não desse jeito: — Foi a Samy, junto com Tina e Saga, que fez para mim.
— Wow, você ficou bonita com isso... — Ela se levantou. — É até um pouco assustador que vocês... estejam tão próximos assim.
— Não é? — questionei, olhando para Samy e para as goblins.
É certo que concordaram com os “termos” do contrato e agora fazem parte da minha empresa, porém, como isso poderia explicar essa estranha sensação de tranquilidade. É como se uma tempestade acabasse de passar e mesmo que houvesse detritos e sujeira para tudo que é lado, elas agem como se nada tivesse acontecido.
Ao menos Sheyla também está estranhando essa atitude.
— Bem, Yami... como posso dizer isso... foi você que nos fez escutar aquela voz de antes, certo?
— Então você também a escutou? — perguntei.
— Sim. Porém, um pouco depois você caiu repentinamente e basicamente a ignorei para ajudá-la. Bom que você tenha acordado tão rápido, mas... por que demorou para aparecer?
— Me desculpe, só achei que era necessário estar de acordo com a situação. — Não posso falar para ela que a demora foi por causa da confecção da roupa, né?
— Tudo bem. Agora que está aqui... Pode nos explicar? — perguntou intrigada.
— Sobre a voz? Bem, nem eu poderia explicar direito o que aconteceu.
Yaga deu alguns passos para frente, querendo falar. Eu apenas concordei e Sheyla fez o mesmo, dando-lhe espaço.
— É discutido por muitos que há tempos um poderoso tipo de magia era usado pelos antigos magos e conjuradores. Essa magia parecia dar-lhes poderes além da compreensão e tal poder vinha de uma fonte externa, de outro mundo.
Oh, isso ele não me disse. Parece que estavam discutindo várias coisas enquanto eu estava ausente.
— E pelo jeito, Yami diz ser de outro mundo — complementou Meril. — Então, se considerarmos isso, aquela voz pode ter sido algum tipo de resquício deixado pela magia doutro mundo.
— Isso não explica muita coisa — comentei. — Ainda assim, não posso dar mais detalhes. Pelo que entendi, a voz perguntou se você aceitaria os termos, certo?
— Bem... acho que era algo desse tipo.
— Ótimo. Vamos agilizar... todos aqui, exceto vocês que não aceitaram o contrato.
Sheyla olhou para Samy e depois para Meril.
— Vocês duas já aceitaram?
— Sim — responderam as duas.
— Entendo. Pois bem, Yami, estou apostando todas minhas fichas em você e estou confiante que você fará a diferença para este mundo.
— Hã? Fazer diferença? Espere, Sheyla, não crie tantas expectativas assim. É como eu disse antes, quero apenas viver tranquilamente. — Quando disse isso, ela colocou a mão na cintura, me encarando. — Óbvio que não quero estar relacionado a esse papo de rei demônio e tal, mas também não significa que eu serei o “herói”.
Todos estavam nos ouvindo discutir, mas não se intrometeram.
— Ainda assim, com seu poder, poderíamos equilibrar a balança desse mundo... quero dizer... — ela saiu daquela posição e tentou gesticular com suas mãos para auxiliar suas palavras. — Poderíamos dar um fim a essa loucura toda, parar com as batalhas.
— Ei... agora você está querendo me convencer a participar de um dos lados dessa batalha? Corta essa, não quero esse tipo de responsabilidade.
— Não, Yami... você entendeu errado. O que quero dizer é, que você pode ajudar tanto os humanos quanto outras raças. E é claro, isso não precisaria ser de graça. Ninguém neste mundo vive com o pensamento que alguém ajudaria de graça.
Bem, é ela dizendo, não eu.
— E pensar que as pessoas em algum dia já ofereceram pedaço de pão para algum esfomeado — brincou Ninx, de longe, mas escutando atentamente nossa conversa. Depois disso, ela deu um pulo de onde estava e se aproximou de nós. — Eu não acredito nessas historinhas de faz-de-conta, mas tem quem acredite.
— Mesmo que a gente esteja vivendo nesse mundo cinza — comentou Sheyla olhando para Ninx. — E que muitos acreditam fielmente que os fortes comandam os fracos, eu, como Cavaleira de Lóthus, estou buscando uma maneira de quebrar esse sistema.
— Sistema? Você quer dizer... — comentei, ficando na defensiva.
— O fato de as pessoas “fortes” comandarem os mais fracos como se não fosse nada. Isso é apenas uma ideia ultrapassada que perdura até hoje.
— Ah, isso? — senti-me aliviado, afinal, não é agora que o Sistema foi vazado. — Bem... não vejo problemas sobre isso, afinal, o mundo não é justo.
— Você diz isso, Yami, mas você mesma não é deste mundo também não faz parte desse sistema. E, com seu poder, quem ousaria te desafiar?
— Por que você afirma isso com tanta convicção?
— Você mostrou-se muito mais forte que nós.
— E só por isso eu posso ajudá-la? E se eu fosse alguém que estivesse tentando enganá-la? — Ô porra, deixei escapulir...
Houve-se um silêncio, no entanto, Sheyla fez um sinal negativo e logo continuou:
— Não! Você é diferente. Tenho a certeza de que todos aqui, inclusive os goblins, sabem que você não precisaria de nossa ajuda, muito menos nos recuperar e mesmo assim, você o fez. Ainda que não veja problemas em relação a esse sistema, se você realmente não ligasse ou fosse má, não perderia tempo dando a nós escolhas.
— Só isso? Bem... — cruzei meus braços e olhei para cima, pensando um pouco como iria responder. As garotas, as goblins e Yaga me esperaram sem dizer nada. — Então, Sheyla... eu gostaria de ajudá-las. No entanto, essa ajuda ainda é para me ajudar. Eu tenho meus próprios objetivos e talvez vocês façam parte deles. Não vou obrigá-las a isso, obviamente..., mas não quero voltar a repetir esse assunto.
— Tudo bem, Yami..., porém, ainda acho que você está aqui para nos ajudar. Mesmo como um demônio... você foi capaz de usar magia branca... e não só isso, de curar os outros.
— De novo isso? — olhei para Meril e para os outros. — E vocês, o que opinam sobre isso?
Meril concordava com a cabeça e apesar de não gostar muito de “concordar” com a cavalera, fez questão de complementar:
— Em todos meus anos de estudo, seja por livros ou viajando pelo mundo, nunca tinha visto ou ouvido algo sobre. Na verdade, se eu pudesse apenas afirmar: magia branca seria a antítese dos demônios. Deveria ser impossível você reproduzi-la ou mesmo ser capaz de curar alguém.
— Bem, não posso negar, quando o faço, sinto minhas mãos formigarem e até mesmo arder ao usar esta “magia branca”. De qualquer forma... vamos voltar ao assunto principal. — Apontei para a janela mágica do contrato que não tinha desaparecido.
Aquela “janela” continuava flutuando do mesmo jeito estranho de antes. Ainda havia pessoas cujo contrato tinha sido revelado, porém, sem aceitar seus termos. Por isso ele estava lá, voando.
— Vejo que vocês foram as únicas que não aceitaram o contrato. Óbvio que ele é opcional, mas antes que deixemos isso para o passado, ao menos gostaria que vocês me dissessem o porquê.
Sheyla se aproximou de mim e se ajoelhou diante de mim, tal como uma cavaleira respeitando o rei ou seu superior.
— Eu posso falar apenas por mim.
— Certo... mesmo que você não precise fazer toda essa cena, continue.
— Ainda que eu tenha jurado para você que iria ajudá-la, Yami... depois do que você e Meril disseram, eu não poderia vender minha alma ou vida, ao menos não agora. Isso seria ignorar todos meus princípios que vivi até este momento. Jurei sob o nome das Deusas que lutaria de corpo e alma pelos ensinamentos dos Cavaleiros de Lóthus e... espero que elas me perdoem por quase ter quebrado esse juramento.
— Hmmm... Não precisa buscar palavras difíceis para se expressar. Já entendi que você não quer estar vinculada diretamente a mim. Ou seja... minha oferta não agradou.
— Não! Não é isso. O que você me oferece é algo que eu não poderia negar já que ainda sou fraca, porém, antes de qualquer coisa, eu jurei ajudar as pessoas, todas elas. Então, se você diz que vai ignorá-las, eu não poderia aceitar fazer parte disso.
— Oh, isso? Bem, entendo... ainda que você um pouco antes quase alcançou sua “salvação” — ironizei. — Ou mesmo se arriscando para salvar as outras garotas com aquela escolha idiota...
— Sim, eu peço desculpa se demonstrou fraqueza e idiotice ao fazer tais escolhas, no entanto, para mim era aquilo ou nada. Naquele momento, se minha vida pudesse salvar a de outras pessoas, não poderia deixar a dúvida me atrapalhar.
— E agora...