Volume 1

Capítulo 11: Um Duelo Justo, Totalmente Injusto

Yaga tinha comentado que há uma espécie de arena localizada mais ao fundo da caverna indo pelo outro corredor além desse. E foi por este caminho que avançamos.

Era até estranho essa parte da caverna ter um pouco mais de movimento.

Vários goblins estavam nos observando ou até mesmo seguindo nossos passos à distância.

As garotas humanas se sentiram um pouco desconfortáveis com a situação e pude ver que elas estavam preparadas para qualquer tipo de emboscada. Claro que, se elas resolvessem agir, sendo as primeiras a atacar, provavelmente os goblins não teriam nenhuma chance.

De qualquer forma, avançamos pelos corredores até chegar em uma gigantesca galeria.

Wow, como esse lugar é grande.

E pensar que tudo isso está localizado dentro de uma caverna, e para piorar, em uma caverna sob a montanha.

Yaga tinha razão, esse lugar é uma arena.

Não há como descrever senão dessa forma. É difícil imaginar que isso tenha sido obra da natureza.

Bem no centro, em um nível abaixo de onde estamos, há o que parece um palco. Ele é levemente destacado e há algumas estranhas formações rochosas que lembram os cantos de um ringue. Além disso, até chegar lá, há uma arquibancada feita das próprias pedras do lugar.

Os goblins que já chegaram estão sentados e parecem ansiosos pelo que vão ver. Custa-me crer que eles tenham noção sobre a situação ou mesmo se na cultura goblin é normal acompanharem disputas feitas através de duelos.

Mesmo assim, lá estão eles.

Quase como telespectadores chegando em uma sala de cinema, são os outros goblins se aproximando e escolhendo seu lugar.

Há algumas tochas espalhadas pelo lugar para iluminar.

Eu, Yaga e as garotas os ignoramos e caminhamos até o centro da arena. Yaga conjurou [Floco de Luz] novamente e o lançou em uma fenda acima de nós, por causa disso, a arena ganhou um estranho brilho de cima.

Ninx que estava usando alguns trapos velhos caminhou até uma dessas pedras e a escalou, sentando-se naquele lugar quase como um juiz de uma partida de tênis. Depois foi Sheyla a procurar um lugar no qual pudesse acompanhar o duelo.

Togo apareceu em seguida e junto a ele mais alguns goblins.

Enquanto os goblins se separavam pela arquibancada, Togo veio em nossa direção.

— Esse lugar é incrivelmente conveniente — comentou Meril ao analisar o ambiente ao redor. — É como se estivesse preparado para isso, você não acha?

— Até pode ser, mas, lembre-se, foi você que veio com essa ideia de duelo — respondi, e depois observei Togo se aproximando.

Togo subiu no palco e fez uma reverência para mim e para Yaga. Mesmo que ele não tirasse a atenção das garotas com certo nervosismo, aparentemente ficou tranquilo ao estar do nosso lado.

— Togo, são todos os goblins do clã?

— Sim, Yami. Ainda há alguns fora da caverna ou a caminho, porém, a maioria está aqui.

— Neste caso, o que pretende fazer, Yami? — perguntou Yaga.

Meril não parecia entender o que estávamos falando ainda que estivesse praticamente do nosso lado, e talvez eu estivesse falando a linguagem de monstros agora.

Aparentemente o Sistema controla essa situação e por isso, sempre que converso com algum goblin, acabo por falar de um jeito que ele entende. No entanto, não consigo distinguir a troca. Seria bom algum tipo de aviso, né? Sei lá, para todas essas janelas e ícones, algum mostrando que língua ou idioma estou usando já me seria útil.

— Como eu disse antes, assim que o resultado do duelo aparecer, pretendo usá-lo para que todos ou a maioria dos goblins entendam minha posição — respondi ao Yaga.

— Creio que entendi. Afinal, eles ainda são goblins. — Yaga concordou com a cabeça e se aproximou de mim antes de continuar: — Se demonstrar sua força, tenho a certeza de que ninguém aqui ousaria estar contra você, e é claro, se isso acontecer, não se preocupe, eu vou colocá-los no lugar.

— Agradeço.

Meril deu alguns passos para frente para chamar minha atenção e começou a falar:

— Pois bem, Yami, o que estão discutindo? — e após perguntar, ela olhou para a arquibancada antes de continuar: — E, apesar de eu ter ignorado isso até agora, os goblins não estão estranhos? Eles não deveriam ser tão organizados.

Apesar de saber muito pouco sobre isso, ao menos se baseando nas histórias de ficção da Terra, é, realmente. Esses goblins parecem ser bastante civilizados em alguns pontos enquanto são bárbaros ignorantes em outros.

— Não tenho ideia de como seria o padrão deles, mas, não devem se preocupar. Assim que o duelo terminar, qualquer coisa que for decidida será facilmente apresentada para todos.

— Certo.

— Agora, Meril, eu gostaria de colocar o Togo como juiz desta batalha. Algum problema? — perguntei, apontando para o Togo e depois a encarei aguardando sua resposta.

Togo pareceu ser capaz de estar consciente mesmo após eu ter usado minha aura tão perto, portanto, se alguém deveria tutelar essa batalha, seria ele. Sheyla e Ninx também seriam uma boa aposta, só que, se elas participassem dessa maneira, não daria para esperar uma boa resposta dos outros goblins.

— Um goblin como juiz? — Meril o encarou de cima para baixo, mas, depois de um tempo, fez um sinal de indiferença. — Tudo bem, não me importo.

— Obrigado.

— Ele entende o que eu digo? — perguntou Meril.

— Não. Apenas o Yaga. — Quando a respondi, Yaga fez um sinal de confirmação. — De qualquer forma vou passar a ele as condições.

Meril apenas confirmou e se afastou, indo para uma das laterais da arena.

Eu, por outro lado, passei o que Meril tinha me dito antes para o Togo. Sobre a condição de vitória: ganharia aquele que impossibilitar o outro de continuar ou forçar o outro pedir rendição.

Como matar estava fora das regras, Togo estranhou por um momento, tentando entender do seu jeito o porquê. Porém, bastou ele me encarar durante alguns segundos que apenas concordou.

Enquanto eu fui para outro lado, oposto de Meril, Yaga se afastou e saiu da arena.

Sheyla também deu alguns passos para trás e apoiou-se contra uma das paredes da caverna.

Ninx permaneceu próxima do campo de batalha, sentada em uma daqueles pilares de pedra.

Togo inspirou e gritou para os outros goblins:

— Eu serei aquele que guiará o combate! — Enquanto gritava, caminhava de uma direção a outra para continuar: — O líder Yaga será quem dará fim a esse duelo. O duelo entre a Princesa Demônio, Yami, e a mulher-escrava!

— Ela não é mais escrava, Togo — afirmei.

Ele concordou com a cabeça e deu uma pausa para corrigir-se:

— O duelo entre a Princesa Demônio, Yami, e a humana.

Os goblins começaram a me aplaudir e quando Togo comentava sobre a “humana”, começavam a vaiar e soltar gritos de ofensas e pedidos como “Acabe com ela”, “Derrote essa humana”, “Beba todo o Sangue dela!” – e o que há com esse último comentário, não está meio forçado?

— Parece que seu goblin gosta de enfurecer a plateia. Apesar de estarem em silêncio até então, só foi ele gritar, que também começaram a gritar. Agora me lembra de um coliseu ensandecido — comentou Meril.

Mesmo que a maioria não tivesse me encontrado, alguns conheceram o poder da minha aura, porém, só isso não bastaria para deixá-los sob meu comando. Afinal, ainda estavam se perguntando o porquê do seu líder, Yaga, ter me permitido ficar e até mesmo me dando um “cargo” maior do que o dele.

Olhei para Meril depois do seu comentário e afirmei:

— Não sei se eles odeiam humanos ou se têm medo. — Larguei um suspiro, antes de continuar: — Para eles, se você me derrotar, a Princesa Demônio, vocês poderiam acabar com eles facilmente.

— Será mesmo? E o que seria isso de Princesa Demônio?

— Ah, é uma longa história... — Merda! Não posso me confundir nos papéis e revelar informações desnecessárias.

— Agradeço se você me contasse essa história depois — disse Meril alongando os braços e balançando as pernas. — E não se preocupe, não pretendo atacá-los caso eu ganhe.

— Obrigado... eu acho.

Meril parece ser uma mulher determinada mesmo que jovem. Ainda que esteja nessa situação, ela parece demonstrar confiança nas suas próprias habilidades.

Como antes ela foi impedida mais de uma vez, não há como eu determinar quão perigosa ela possa ser, porém, se eu me basear apenas nas descrições de suas habilidades, ela facilmente limparia a caverna com suas magias ofensivas e em área.

E eu, por outro lado, só poderei contar com minha Aura Sombria e minha força.

Togo que tinha terminado de “gritar” com os outros goblins, foi até ao meio da arena e ficou entre nós duas.

— O vencedor será decidido por aquele que ficar em pé enquanto a outra não tiver mais condições para lutar. Ou se alguma de vocês desistirem de lutar, a outra será a vencedora. Então... — ele fez um sinal com as mãos que lembrava muito um juiz de torneio de artes marciais — Preparada? Preparada? Começar!

Apesar de Meril não ter entendido, eu traduzi logo depois.

— Estou — afirmou Meril.

— Eu também — afirmei.

Togo se afastou rapidamente após o sinal, acompanhando o duelo ao mesmo tempo que evitaria participar dele diretamente. Não seria uma boa ideia ele receber um golpe perdido sem querer e pelo jeito até mesmo Togo compreendia isso, que bom.

Meril girou seu cetro com certa maestria e ficou numa posição de combate. Depois disso, ela fez alguns sinais rápidos com as mãos e junto com seu cetro, um traçado azulado originou-se como uma pintura no ar.

— מתחיל מזמור קסם — [Tradução Mágica ativada] — Oh, Arya Querida, Venha a Mim e Traga-me Seu Poder. Esfera Elétrica!

Sistema: [Você possui uma nova Habilidade à Aprender: Esfera Elétrica]

O que foi isso? Algum tipo de conjuração?

Depois que Meril entoou aquelas palavras estranhas, a [Tradução Mágica] se ativou e passei a escutar a tradução em si daquele cântico. E se não bastasse isso, uma esfera esverdeada feita por inúmeros traços rápidos surgiu diante da ponta do cetro da Meril.

Aquela esfera parecia como um redemoinho de energia e ele cresceu um pouco mais do que quando surgiu. Assim que ele atingiu seu aparente limite, Meril puxou o cetro para trás e o forçou para frente, sem lançá-lo. A esfera, por outro lado, foi disparada com aquele movimento.

Disparada em minha direção.

Mas que merda! Nem deu tempo de pensar direito e já estava tendo que esquivar de um projétil mágico. Aquilo acelerou meu coração e senti novamente a adrenalina preencher meu corpo.

Não saberia o que aquilo faria com meu corpo se me atingisse, portanto, era uma situação de vida ou morte esquivar.

Saltei para um lado pensando que assim iria conseguir esquivar, porém, ao ver Meril, percebi que ela não era uma aventureira qualquer, ou melhor, uma conjuradora qualquer. Pois, naquele momento, ela já estava conjurando outra.

Erde, Espírito da Terra, Conceda Força ao Meu Corpo e Escute Meu Chamado! Estacas Sólidas!

Sistema: [Você possui uma nova Habilidade à Aprender: Estacas Sólidas]

Do chão onde eu iria cair depois do salto, estacas de pedra surgiram em formatos de lança e não tive reação para me esquivar desses ataques – até porque ainda estava no ar.

As estacas me atingiram em cheio e devido a um clarão – provavelmente da primeira magia – fechei meus olhos pensando que seria o meu fim, no entanto, nada. Ué, o que aconteceu?

Quando abri meus olhos, ainda estava de pé, e as estacas tinham me acertado, porém, suas pontas estavam destruídas e esfareladas próximo do meu corpo.

Meu pobre vestido está todo perfurado e rasgado, então, isso significa que elas de fato me atingiram. Também senti um cheiro de queimado e percebi que meu cabelo estava levemente em pé.

Pelo jeito, sequer consegui esquivar a esfera de antes, ou seja, mesmo tentando, eles me atingiram.

— Como isso é possível? — perguntou Meril dando alguns passos para trás.

E eu deveria saber? Não é como se eu soubesse muito sobre esse mundo ou o Sistema.

— O que aconteceu? — perguntei.

— “O que aconteceu”? Ainda perguntas? — questionou Meril nervosa.

— Eu fechei meus olhos, então nem percebi.

Seria inteligente conversar no meio de um duelo? Obviamente que não, mas tanto eu quanto Meril estávamos surpresos. Ela ainda mais.

Sistema: [Você é imune ao efeito de Paralisia].

[Você não recebeu Dano Mágico, pois o efeito está abaixo do nível mínimo].

[Você é imune ao efeito de Cegar].

[Você não recebeu Dano Mágico, pois o efeito está abaixo do nível mínimo].

[Você não pode ser Derrubada, pois a força do efeito está abaixo do nível mínimo].

O que há com todas essas janelas, Sistema? Pare de lançar pop-ups na minha cara!

— Sério? Minhas habilidades não fizeram nenhum arranhão em você? — perguntou Meril incrédula pelo que tinha acontecido. Eu mesmo não saberia explicar.

— Olhe, ao menos meu cabelo está um pouco para o alto.

— Não zombe com minha cara, Yami!

— Não estou zombando, estou tão confuso quanto você.

— Tudo bem... vamos continuar... eu não pretendo desistir até que você me mostre seu poder.

— O que você espera que eu faça? Te ataque? — Merda, eu não conseguiria esquivar esses golpes mesmo se quisesse, então, ficar levando-os diretamente no peito passaria uma ideia errada sobre mim. — Certo, Meril, se você insiste, vou mostrar-te um pouco do meu poder.

— Mudou de ideia?

— Se isso vai te ajudar a ficar mais tranquila, tudo bem... — apesar de usar tais palavras, se o duelo se limitasse a isso, de nada adiantaria. Eu preciso mostrar aos outros goblins quem é que manda aqui e não posso fazer isso apenas “fazendo nada”.

Meril se posicionou mais uma vez só que agora atenta ao meu próximo passo.

Ainda que eu não tenha feito nada até então, só o fato de não sofrer nenhum tipo de ferida ou efeito já seria uma prova que eu não era uma garotinha... Parando para pensar, se o demônio-real é considerado criaturas das lendas, só aí seriam motivos para não cair na minha história de garota fraca. Merda, não me diga que fiquei menos inteligente ao ficar nesse corpo?

— Se prepare! — gritei para ela. E depois vi a mesma janela do Sistema me perguntando para ativar a Aura Demoníaca. Concordei com o pedido. — Ativar Aura Demoníaca!

No mesmo instante, assim como das outras vezes, senti uma explosão de energia percorrer toda a arena e provavelmente além dela. Aquela barreira de energia se espalhou para todos os lados e era como uma onda de choque que engolia tudo que encostasse.

Mesmo não vendo como eu estava aparecendo para os goblins ou para as garotas, se considerar minha leve análise com o reflexo do rio, eles estariam agora a ver uma criatura feita de sombras de uma maneira que até mesmo para mim seria difícil descrever.

Aquela figura sombria não só era aterrorizadora como tinha me causado mal apenas encará-la brevemente, imagine ser atingido pelo vislumbre direto dessa aura?

— Então... essa é sua forma verdadeira? — perguntou Meril, surpresa ao me ver, porém, diferente dos goblins da sala, ela não tinha ficado paralisada de medo. — Não... você ainda tem seu corpo, o que há com essa aura?

— Não sei. Você sabe algo sobre isso?

— É como se fosse uma aura assassina, porém, de tão intensa eu quase não consigo me mexer...

Olhei para outras garotas e vi tanto Sheyla quanto Ninx tão surpresas quanto Meril. Nos seus olhares também havia uma certa expressão de medo, só que não pareciam paralisadas.

Pelo jeito, a paralisia que os goblins sofreram não se aplica aos humanos ou essas três são consideradas acima da média até mesmo entre outras pessoas.

— Você se rende? — perguntei.

É visível que ela está se esforçando para manter sua pose de durona, mas eu consigo ver suas pernas balançarem tanto quanto o bambu verde.

— Bem, Meril... como você sugere que eu use meus verdadeiros poderes se você mesma não usa suas melhores habilidades?

— Quê? Como assim?

Não quero ser forçado a atacá-la, seja usando minha força ou quaisquer outras dessas novas habilidades. Afinal, sem saber quão forte sou, não posso arriscar matá-la aqui por nada. Por isso, devo tentar dissuadi-la a continuar.

— Você tem muitas outras habilidades, não? Tipo essa [Bola de Fogo]. Isso não seria aquela famosa magia que os magos usam? Por que não tenta essa?

Se o Sistema me avisou – várias e várias vezes – que o nível da habilidade ou da própria Meril não é suficiente para me ferir, então eu posso tirar proveito da situação. Não só adquirindo novas habilidades para usar depois, quanto ver de antemão como elas funcionam ou para que servem.

O Sistema já me avisou sobre as outras duas habilidades, portanto, conseguiria usá-las depois de pôr alguns pontos, certo?

Sistema: [Você não possui os Requisitos Mínimos para aprender essa Habilidade].

Ué? Então porque a colocou junto às outras habilidades, está de zoação com minha cara?

Sistema [...].

— Espere! Você consegue ver minhas habilidades? — perguntou Meril.

? Quê? — tentei me fazer de desentendido.

— Entendi... eu me rendo. — Meril ergueu os braços ainda que estivesse segurando o cetro.

Ué, é tão fácil assim?

— Você consegue ver minhas Habilidades, o que significa que seu nível de Analisar ou seu próprio poder é tão alto quanto uma criatura de Rank A+... ou seja, seria impossível eu te derrotar, mesmo se eu quisesse.

— Rank? Como assim? — suspirei, que anticlimático. — Togo já pode declarar o vencedor... Togo?

— Yami... muito... medo...

Ah, merda, minha aura ainda está ativa. Todo mundo, exceto as aventureiras, Gogo e Yaga ficaram paralisadas de medo.

Sistema: [Você deseja desativar Aura Demoníaca?][Sim][Não].

Sim. Desative essa apelação.

Assim que o fiz, não só senti a aura comprimir para dentro do meu corpo quanto ao mesmo tempo aquelas energias escuras vieram até a mim. Outra vez senti-me saciado quase como se comesse algo gostoso. Pelo jeito, não senti fome pois estou me alimentando do medo das criaturas ao meu redor.

— E... e... a vitória é para Yami! — gritou Togo depois de gaguejar por alguns segundos.

Não houve aplausos, vaias ou comentários, afinal, todos estavam “paralisados” pelo que aconteceu. E nem me refiro a aura apenas, mas a demonstração de todo esse breve duelo.

Agora, nessa relação de surpreendidos, estavam as garotas e o próprio Yaga.

— E pensar que a gente estava um triz de te atacar. Ainda bem que aquela outra garota nos impediu, não é mesmo, Meril? — argumentou Ninx ao saltar de onde estava.

— Não consigo nem arranjar palavras para explicar o que aconteceu... — Meril caiu de joelhos, respirando ofegante. — Nunca senti tanto medo... como você não está tão abalada?

— Quem disse que não estou? — Ninx mostrava suas mãos tremendo sem parar.

Olhei para a arena.

Não só aquela esfera, tal como os pilares de terra, as duas magias marcaram o terreno de forma que seria impossível não notar o poder de fogo. Ainda assim, eu mesmo não tinha sentido nada. Porém, quando encaro o estado da minha roupa – daquele vestido branco – além de estar levemente queimado, está todo perfurado e cortado.

— Você está bem? — perguntei, me aproximando da Meril.

Sheyla que estava de braços cruzados antes do início da batalha agora estava em uma posição de combate. Também estava aflita e levou um tempo para se recompor.

Melhor eu esperar ela digerir o que aconteceu antes de qualquer coisa.

— Estou bem... só que...

— “Só que?” — indaguei estendendo a mão para ajudá-la.

— Pode-se dizer que o que eu acreditava... muitas das coisas que para mim eram corretas, acabaram de cair por terra.

— Que jeito estranho de dizer que está bem... — suspirei. — Parando para pensar... também não saberia explicar o que houve — completei.

— Bem, Yami... — Meril começou a falar enquanto aceitava minha ajuda para se levantar. — Há relatos de algumas criaturas capazes de anular magias, como golens anti-magia. No entanto, esses relatos são antigos e considerados por muitos como uma superstição. Só que, acabamos de ver isso acontecer diante dos nossos olhos e você sequer é um golem.

— Pequena, o que está mais escondendo de nós, hein? — perguntou Ninx.

Sheyla se aproximou depois de se recuperar.

— Yami, mais uma vez. Seu poder além da compreensão poderia ser muito útil ao povo, por favor, ao menos considere ouvir meus pedidos.

— Sheyla, já entendi. De qualquer forma, você não esqueceu que eu sou um demônio, certo? Além disso, como eu já te disse, eu ajudo aqueles que me ajudam. — Olhei para Meril. — E agora? O trato seria se eu ganhasse o duelo, você se tornaria minha escrava.

— Bem, fui eu que estipulei as condições de vitória, neste caso, não tenho como voltar atrás, certo?

— No entanto, eu não quero te fazer minha escrava.

— Mesmo assim, por favor, me deixe te ajudar com o que eu sei.

O que há com essa mulher? Depois que o susto passou, ela parece estar ainda mais interessada em mim.

Meu vestido que estava passando por poucas e boas logo se desmanchou como um bocado de cinzas. Como estava usando apenas aquela peça feita de remendos, quando ele se foi, revelou meu corpo para as garotas presentes.

Meril ficou perplexa por eu ter um corpo de criança, humana, e em todos os sentidos. É, eu sei, Meril. Também fiquei quando descobri isso.

— Como isso é possível? Você não tem apenas a aparência de uma criança, você é uma criança de fato?

— O que há agora, eu já não tinha dito isso?

Sheyla e Ninx ficaram em silêncio.

— Bem, demônio não possuem gênero ou sexo. Pelo menos sempre ficou claro que eles eram apenas demônios.

Estranho, ao menos se considerar o senso comum da Terra. Afinal, lá as histórias gostavam de abusar de demônios que encantavam os homens como as... como se chama mesmo? Succubus? Acho que era isso.

Meril se aproximou de mim como se analisasse um rato de laboratório.

— Ei! Ainda estou aqui, certo? Não quero ser analisado como um animal.

— Me desculpe, Yami... foi por curiosidade, apenas.

Sheyla deu um passo para frente.

— De qualquer forma, agora que Yami venceu, isso significa que temos uma dívida com ela. — Sheyla afirmou enquanto olhava para Meril e Ninx. — Apesar de eu já ter deixado claro meu ponto de vista, também não é justo apenas desaparecer e abandonar minhas responsabilidades na cidade. Se me permitir voltar e entender o que aconteceu, Yami, eu agradeceria, mas estou certa quando digo que vou honrar minha dívida.

— Não precisa ser tão formal.

Yaga subiu na arena com seu cajado e o deixou de lado, fazendo-o voar novamente.

— Yami, se me permite — levantava a mão direita, aguardando a minha atenção e a das outras garotas.

— Oh, Yaga. O que foi?

— Apesar da sua negação em relação à escravidão, há um jeito que isso poderia te ajudar ainda mais.

— Sério? — perguntei curioso. — E por que vocês querem tanto entrar nesse assunto? Eu já disse que não quero ninguém como meu escravo. Aliado já está bom.

— Entendo seu ponto, no entanto, a habilidade Escravidão não só permite um controle sobre o escravo, mas também compartilhar seu poder com o Escravo.

— É como ele diz, Yami. Quando eu disse que meus conhecimentos e minhas habilidades poderiam ser seus, não apenas no sentido literal, também significa que você pode melhorar minhas habilidades por elas serem suas.

— Ainda não entendi muito bem sobre e o porquê.

Yaga caminhou para minha direção e começou a discursar:

— Apesar de muitos não conhecerem, ou até mesmo fingir não conhecer, a habilidade conhecida hoje como Escravidão era na verdade um Pacto entre duas partes. As partes que aceitavam esse pacto entregavam parte de seus poderes um para os outros com o objetivo de não se rebelarem ou traírem um ao outro. Então...

Meril, por outro lado, se agachou e ficou na minha linha de visão.

— Precisa mesmo ficar nessa posição? Eu não me importo ter que olhar para cima — apesar de dizer isso, eu me importo sim, e para caralho! Só que isso não dá para falar, agora.

— Ah, me desculpe. — Ela se levantou e continuou: — E pensar que um goblin saberia sobre isso... de fato, o mestre pode entregar ao escravo parte do seu poder. Se antes as condições eram iguais e essa entrega de poder também, não havia diferença entre mestre e escravo. No entanto, com o passar do tempo, as condições começaram a decair apenas para um lado.

— Ou seja, se o mestre entrega bastante poder para o escravo, isso significa que ele fica mais restrito? Isso não faz sentido... se fosse assim, as outras garotas não conseguiriam escapar?

— Ah, Yami, acho que está havendo algum tipo de mal-entendido aqui — comentou Yaga.

— Como?

— Como posso dizer isso... estamos falando de coisas diferentes. Talvez para os humanos sejam coisas iguais, porém, ao contrato que me refiro, este poderia ser chamado de Pacto de Sangue.

— Quanto tempo não ouço esse termo? — indagou Meril para si mesma, depois olhou para nós. — Como esse goblin diz. Com o passar do tempo o Pacto de Sangue passou a ser chamado de habilidade da Escravidão.

— Sério, por que estão me falando tudo isso?

— Você não quer nos transformar em escravos? — comentou Yaga e Meril ao mesmo tempo.

— Quê? Não! E qual é desta sincronia?

Os dois olharam com uma certa rixa entre si, porém, voltaram sua atenção para mim.

— Se o que você diz é verdade, de não querer agir como o Rei Demônio, eu gostaria de parte do seu poder. Assim não só eu ficaria mais forte, como também te ajudaria nesse objetivo. — comentou Meril.

— Além disso, Princesa Yamitsuke, nossa lealdade já é sua independentemente das condições. Porém, se pudéssemos ser mais fortes, eu acho que você só ganharia.

— Não, eu já disse que não... — olhei para Sheyla que parecia não discordar com nada com o que eles estavam fazendo e para Ninx também, apenas sinalizando com a cabeça como se entendesse seus motivos. — E vocês duas, não vão impedir essa loucura?

— Bem, eu não vejo problema em usarmos uma magia antiga questionável para ganhar um poder indescritível às custas de nossa liberdade, desde que essa liberdade não remova meu direito de ser livre — argumentou Ninx.

— Não há nenhuma lógica no que estás a dizer — afirmei.

— O que estou dizendo é, nesse mundo onde o mais forte prevalece, não é errado buscar força, né?

— E você, Sheyla. Claramente sua ordem deve abominar tal sugestão, não?

— Mesmo que eles digam isso, se esse poder está sendo usado para o bem, que mal tem?

— Então para você os fins justificam os meios?

— Não quero dizer isso... só que, se as duas partes concordarem, não há nada de errado desde o princípio.

Pelo jeito escravidão aqui é tão comum que até mesmo eles têm dificuldades para encontrar os erros nessa situação.

De qualquer forma, suspirei. Não custa nada perguntar.

— Vamos supor que isso funcione, da forma como vocês estão falando, e aí? Sabem fazê-lo funcionar? Pois eu não.

— Apesar de saber sobre o assunto e ter lido menções a ele nos livros antigos da biblioteca, eu teria que realizar uma pesquisa mais detalhada sobre o assunto, Yami. Então, não.

Ué, se não sabe fazer, não tens porquê sugerir, ou achou que eu por ser um demônio-real já teria as capacidades de oferecer contratos para a alma das pessoas?

— Não se preocupe, eu sei como fazê-lo, Yami — afirmou Yaga.

— Quê? — Meril olhou para Yaga, surpresa.

E antes que ela continuasse, Sheyla comentou:

— Por isso insiste tanto sobre o assunto, goblin? Ao menos poderia se apresentar...

— Bem, todos nesse clã me conhecem por Líder Yaga, e assim eu gosto de ser referido. Porém, para vocês, aventureiros, saibam que eu não sou um goblin normal, mas, também não sou seu inimigo. No momento que decidiram se aliar com a Yami, tornaram-se minhas aliadas.

— Vou considerar isso como um aviso.

— Oh, um aviso positivo, por favor.

— Certo, Yaga, voltando ao assunto de antes, o que o fez levar essa questão em consideração? Não foi apenas o comentário da Meril, né? — perguntei.

— Não posso negar. Assim que ela mencionou antes, fiz questão de analisar a situação.

— Como assim?

— Um contrato feito pela habilidade de Escravidão demanda o uso de muita mana, ou seja, uma criatura ser capaz de ter mais de um escravo é algo considerado quase impossível. Não que em algum momento criaturas incríveis pudessem ter dois ou mais, só que muito improvável.

— Se é tão difícil assim, por que tratam com tanta normalidade?

— Bem — comentou Meril e logo continuou: — a escravidão comum passou a usar pedras de escravidão para o processo, ou seja, a mana guardada no material era usada para esse fim. Além disso, essa escravidão apesar de impor as condições que forçariam o mestre controle do escravo, não garantem a entrega dos poderes ou habilidades.

— Então quer dizer que hoje usam essas pedras no lugar dos próprios mestres? — perguntei, tentando entender mais.

— Sim. Com o passar do tempo, a habilidade ganhou esse sentido, de apenas controlar através de ordens os outros.

E agora? Como vai ser... Escravos? Talvez eu tenha entendido errado esse termo e por causa da [Tradução Mágica], as coisas estão parecendo estranhas para mim. No entanto, escravo é escravo, não importa como eu pense sobre.

Se isso vai me ajudar a conquistar o que tanto quero – viver tranquilo sem ter que me esforçar mais -, usar da apelação do Sistema ao mesmo tempo que meus próprios peões se tornam ainda mais úteis, isso é tudo que eu preciso, não?

— Ok, entendi — fiz um sinal para que eles parassem de falar. — Yaga, assim que eu terminar nossa conversa, peça para que reúna os goblins que fugiram e veja se quase todos estão aqui, e os que não tiverem, peça para que venham. Também avise as garotas humanas.

— O que foi Yami, algo aconteceu? — perguntou Sheyla.

— Me desculpe... apenas pedi que os goblins se reúnam e que também Samy e as outras garotas. Como vocês podem ver, por causa do Yaga e da Meril, apareceu uma alternativa, porém, cabe a cada um, individualmente, decidir o que fazer.

— E o que seria, tornar-te seu escravo?

— Sim? Se o que sugerem der certo, isso significa que vocês poderiam usar meu próprio poder... e pelo que vimos, não é de se jogar fora.

— Mas a que custo? — argumentou Sheyla.

— Como funciona essa parte, Yaga?

— Bem, vou explicar quando mostrar como se faz.

— Então faça o que pedi, reúna todos aqui. Se um ou dois aceitarem, acho que está bem.

— Se me permite falar, Princesa Yamitsuke.

De novo isso de “princesa” ...

Olhei para as outras, elas não pareciam entender. Hmmm. Acho que entendi, aparentemente quando ele está usando esse termo, é como se estivesse conversando na linguagem dos monstros. Mesmo assim, ficar me chamando de princesa me dá nos nervos.

Apenas fiz um sinal para que ele continuasse.

— Com tamanha resiliência para resistir àqueles ataques poderosos de magia, isso significa que sua mana está em outro nível. Talvez você conseguiria fazer um contrato com todos nessa caverna e isso não seria nada.

— Tanta convicção assim?

— Sim, posso ser velho, mas meus anos me permitiram ver e sentir muitas coisas. Mesmo que não esteja no seu nível ou dessas humanas, você pode confiar na minha intuição — disse Yaga.

— Certo.

Meril, Sheyla e Ninx que estavam me observando, apenas me encararam como se estivessem perguntando o que eu estava falando.

— Estou tendo um pouco de dificuldade em conversar com vocês usando duas línguas diferentes, pois para mim... é tão fácil que não percebo a troca. Há alguma coisa capaz de nos ajudar neste caso?

— Bem, eu sei que há uma magia capaz de traduzir sentimentos e desejos, porém eu não estou com ela memorizada — comentou Meril.

— Memorizada?

— Ah... isso, considere que nós, conjuradores, usamos glifos para conjurar as magias. Esses glifos ocupam parte dos nossos espaços de magia. Dependendo do nível do conjurador, ele pode memorizar vários glifos enquanto um conjurador inexperiente só seria capaz de usar uma ou duas magias.

— Entendi... mais ou menos. De qualquer forma, essas habilidades compartilhadas pelo mestre também incluem magias ou outras características?

— A depender das características, sim — respondeu Yaga. — Porém, algumas coisas limitadas às raças, não.

— Certo. Então, se eu conseguir compartilhar minha capacidade de compreender outros idiomas, elas poderiam se comunicar com os goblins e vice-versa?

— Na teoria, sim. No entanto, nunca vi algo assim. Diferente de um vínculo com um familiar ou mesmo uma conjuração espiritual, o Pacto de Sangue nunca foi tratado como esse tipo de relação.

— De qualquer forma, se formos por esse caminho, não custa nada tentar — disse Meril.

— Ok! Enquanto todos não chegarem, me ensine como podemos prosseguir nisso então — afirmei encarando Yaga e ele também concordou.

É... vou ter que apelar para esse clichê, certo? Não há o que fazer, essa é a maneira mais simples de deixar todos mais fortes usando a apelação do próprio Sistema. Se eu não usasse dessa forma, isso só me taxaria como incompetente.

Se eu me esforcei para passar a imagem de um bom homem em vários sentidos para manter minha imagem enquanto estava na Terra, agora, foda-se. Sequer sou humano e, olhando a ironia dessa história, agora de fato sou um demônio, então, poderia agir como tal. Vou pegar todos os atalhos que conseguir!



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