Volume 1

Capítulo 38: O TÚMULO DOS VENTOS



A unidade Fronteira era como uma faca afiada.

Destruindo pontos cruciais da estratégia inimiga.

Arjuani, particularmente, dava um belo espetáculo com suas manoplas e sua força monstruosa.

Quanto mais monstros ela destruía, mais vitanti se aglomeravam ao seu lado.

– Como é majestosa...

– Quanta graça e brutalidade...

– Quero acompanhar essa mulher...

Essas eram as palavras que pulsavam nos corações de cada guerreiro vitanti próximo de Arjuani, a comandante da autoproclamada Unidade Fronteira.

Ela socou uma ratarina e girou no próprio eixo, erguendo as mãos, abrindo-as e segurando a bocarra aberta de uma outra ratarina. Com a mão esquerda, ela segurou a parte de cima, e a direita, a parte de baixo.  

A criatura sibilou, a língua balançando compulsivamente.

Com baba e gosma pingando em seu lindo rosto, Arjuani nem deu bola. Sorriu de canto e abriu os braços, quebrando o maxilar do bicho, que caiu ao chão, sibilando e soltando urros contínuos.

Arjuani enxugou o rosto com a parte externa do antebraço e olhou adiante.

Se Kai estivesse ali, não acreditaria que essa era a mesma mulher que teve dificuldades em dialogar com a líder temporária dos mudanti.

Mas Arjuani já tinha provado seu valor, e ele não estava voltado para as artes da persuasão e política.

Talvez tenha sido por isso que se afeiçoou tanto em tão pouco tempo ao rapaz humano.

– Quais as ordens? – Gritou Ómra, após dar cabo de uma dúzia de goblins verdes e gosmentos.

Arjuani encarou o centro e os lados do campo. A unidade Fronteira fazia seu trabalho perfeitamente, tanto que líderes de outras Unidades não conseguiam disfarçar seu espanto.

Era surpreendente que uma Unidade que fora formada em tão pouco tempo estivesse trabalhando em conjunto como se fosse um só.

Liziero deu um passo a frente e suspirou.

– Feche a boca, vai entrar insetos. – Disse, falando para um guerreiro vitanti de uma outra unidade.

– Tsc! – Oseias balbuciou, ele também se encontrava ali. – Esses tessaya, mal chegaram e já querem sentar na janelinha.

Os guerreiros foram se aproximando lentamente.

Arjuani encarou o campo enquanto Liziero e Oseias tinham uma conversa acirrada.

Um experiente Púrpuro se aproximou de Arjuani.

– Comandante, parece que temos tido sorte ao enfrentar essas criaturas.

Arjuani concordou.

– Hum. Mas não podemos esmaecer... Vão, continuem destruindo mais e mais, nosso objetivo é criar uma passagem, somos uma unidade especializada de ataque e evasão, portanto, devemos criar uma passagem para os outros comandantes enfrentarem a verdadeira batalha.

Alguns franziram os rostos, um grande sinal de interrogação pintando suas faces e se olharam com incerteza.

– Que quer dizer com isso, senhora? Pensei que essa fosse a verdadeira batalha.

Arjuani suspirou. Ela não tinha bem certeza, mas tudo não parecia fazer sentido.

Se essa fosse a batalha final, os vitanti venceria com folga. E o porquê disso era que os monstros eram muito fracos.

Ela lembrava do relatório de Kai e Mael quando foram treinar nas fronteiras leste do Bulogg.

– Kai Stone e o General Mael derrotaram porções de criaturas iguais a essas durante seu treinamento na fronteira leste do Bulogg.

Isso não respondeu à pergunta, gerando assim mais dúvida e receio na sua Unidade.

Somente alguns Púrpuros e outros guerreiros mais experientes pareceram entender a deixa.

O Púrpuro que lhe falou antes suspirou.

– A senhora acredita que essas criaturas são bucha de canhão.

Arjuani olhou para ele.

– Sim, Gester.

Gester ponderou.

– Faz sentido, uma vez que nossa única dificuldade até agora foi com os mortos-vivos... e levando em consideração que tem poucos magos nesse canto do campo de batalha, acredito que o peso pesado está esperando por alguma coisa.

Arjuani assentiu.

– Isso.

– E o que pretende fazer?

Arjuani girou os pulsos e eles estalaram.

– É como eu disse: liberem espaço, matem o máximo de monstros que puderem. Vamos criar uma passagem para que as estrelas do campo de batalha possam atuar... Não tenho tanta destreza e habilidade quanto Erde, mas pretendo que nenhum de vocês morra hoje.

Liziero se adiantou, junto dos outros cinco tessaya da unidade.

– Eu, Liziero, devo minha vida a você. Diga e farei.

Arjuani olhou, surpresa, no rosto daqueles seis. Não somente; passou o olhar por cada um daqueles que estavam sob seu comando, até que ele pousou na quieta e silenciosa Fioled.

Uma imagem imediatamente veio à sua mente, e ela não pôde deixar de sentir dó.

Mas Fioled não era alguém que se considerava digna disto. Pelo contrário, seu olhar era de pura raiva e determinação.

Arjuani assentiu.

– Hum! Dividam-se em sete grupos de dez; quero Gester, Gulgo, Calister, Femio, Carner, Lipis e Java como líderes destes grupos; Fioled e Liziero: comigo. Sejam flechas, sejam lança, sejam adaga, sejam Éter! Quero que pintem o chão com o sangue destes invasores; deixem sua raiva transbordar, a hora é esta. Vão.

– OHO!

Rapidamente os grupos se dispersaram.

Cada um foi para um lado, enquanto que Arjuani e seu grupo foi pelo centro, onde a névoa estava mais densa.

Durante sua corrida, Arjuani manteve sempre a guarda alta, em busca de novos inimigos.

A névoa estava densa, portanto, era difícil que pudessem enxergar.

Continuaram correndo até que, de repente, Fioled se precipitou para a direita de Arjuani, portando uma adaga.

– Cuidado! – Gritou ela.

Éter fluiu de suas mãos e ela interceptou uma flecha de mana, que logo se desfez.

Sem tempo para perder, Fioled partiu para dentro da névoa.

– FIOLED, NÃO! – Disse Arjuani, esticando suas mãos.

Vendo que elas eram as duas mais adiantadas, não lhe restou outra alternativa a não ser seguir Fioled névoa adentro.

Havia algo de errado com ela desde o sumiço de Kai, e Arjuani entendeu quando soube pela boca de Ysgarlad o que acontecera.

Era culpa. Pelo antídoto de um veneno mortal para curá-la, Kai havia se sacrificado; havia se entregado sem lutar. Pelo menos isso garantiu que os mudanti na caverna presentes sobrevivessem.

Desde então, a garota treinou dia e noite. Não dizia mais do que duas palavras por dia. Se tornara reclusa; estava com uma culpa latente no peito.

Nada nem ninguém teve a capacidade de fazer algo para mudar aquilo: teria que partir dela. Era por esse e por outro motivo que Arjuani não desistiu de procurar por Kai.

Quando Arjuani atravessou a densa névoa, foi recebida por um forte golpe na costela. Conseguiu reunir éter o suficiente ali para não ter mais do que algumas costelas quebradas.

Cuspiu sangue e ar lhe faltou na mesma hora.

Erguendo as mãos e conjurando éter, virou-se no eixo e desferiu golpes no seu agressor, apenas para encontrar buracos se formando entre a névoa.

Ela olhou para os dois lados, estupefata.

Todos os seus sentidos gritavam que seu agressor estava ali, prestes a lhe atacar, mas onde?!

O alerta vinha de todo lugar.

Ela ficou procurando, ainda grogue pelo golpe recebido de supetão.

Respirando fundo, buscou se acalmar. Fechou os olhos e se concentrou na energia ambiente, no éter.

Há muito tempo, na sua infância, havia aprendido a conhecer o ar ambiente, as diferentes energias do ar.

No mundo fora da Grande Sequoia, haviam aqueles que detinham as mais diversas habilidades.

Ela soube que haviam energias totalmente diferentes do próprio éter.

E, ali, pequena e indefesa, num lar onde a força era o maior congruente de liderança e imponência, ela soube diferenciar esses poderes.

Assim que se concentrou o bastante, sentiu o ar rodeado de mana. Era a energia utilizada por aqueles “magos”.

Ao abrir os olhos, uma quantidade anormal de mana denunciou seu agressor atacando pela direita.

Ela girou no eixo e conjurou éter no punho direito; uma energia incolor permeou sua manopla, ondulou o ar ao redor e foi despejada do punho, apenas para atingir o ar vazio.

Não muito tarde, a voz de alguém xingando e balbuciando pode ser ouvida dali.

Arjuani sorriu e avançou, preparando outra rajada de éter no punho direito.

Contudo, foi surpreendida.

Uma adaga perfurou a névoa, fazendo com que ela erguesse o punho esquerdo e se assustasse.

TING!

– Você enlouqueceu? – Gritou Fioled, aparecendo de repente, empunhando sua adaga e o rosto bravo.

Adaga e manopla deslizaram uma na outra, fazendo ambas tombarem para os lados.

Arjuani estremeceu, exasperada.

– Você que correu feito louca névoa adentro! Onde é que estava com a cabeça?

Fioled suspirou, a testa franzida.

– Eu vi um inimigo, tá certo? Que é que você queria que eu fizesse?

Arjuani cerrou o cenho.

– Você é idiota? Que raios de pergunta é essa? É claro que deveria esperar e agrupar. Mas não, a doce e ingênua Fioled tinha que ir atrás de um inimigo desconhecido SOZINHA.

Fioled bufou.

– Dá um tempo, você não é...

Antes que pudesse terminar, uma voz gritou.

– Fioled... – Disse em eco.

Ela imediatamente ergueu o rosto.

– Essa voz...

– Fioled, sou eu...

Fioled franziu a testa. Era ele, tinha de ser. Ela encarou Arjuani, radiante.

– É ele, Arjuani...

– Ele? Ele quem?

– Não está ouvindo? – Indagou a jovem Fioled. – É Kai, tem de ser...

Arjuani franziu o cenho. Kai estava morto.

– Isso é impossível, Fioled... – Disse Arjuani, se sentindo mal por ter sido rude com a garota. – Ele morreu há semanas...

Fioled, por sua vez, continuou cega, olhando para o horizonte nevoado.

– Não... era ele, tenho certeza.

– Fioled... Sou eu, Kai... Venha até mim, Fioled... estou aqui. – Soou a voz outra vez.

– Não está ouvindo? – Indagou Fioled, virando-se de supetão para Arjuani.

– Ouvindo o quê? Vamos Fioled, não é hora para gracinhas, estamos em guerra. Vamos voltar. – Disse, esticando a mão.

Mas Fioled não deu ouvidos. Ignorando completamente Arjuani, ela começou a caminhar em direção à voz.

– Ei! Onde pensa que está indo? Vai cometer o mesmo erro duas vezes?

Arjuani saiu andando atrás de uma Fioled apressada; ela parecia alheia aos chamados que a companheira ouvira.

– Juani... – Disse uma voz distante. – Juani... sou eu.

A comandante da Unidade Fronteira parou de repente.

Seu coração errou uma passada; seu estômago borbulhou. Seria possível...?!

Virando no eixo, ela seguiu em direção à voz, totalmente oposta ao caminho que Fioled foi.

– Venha Arjuani... isso, sou eu...

Ela esticou o braço para a frente, lágrimas saindo de seus olhos.

Uma silhueta se formava a cada passo que ela dava e a voz a chamava.

– É você, babit? – Indagou Arjuani, chorosa.

– Sim, sou eu, seu babit... venha, minha Juani...

É o babit mesmo! Pensou ela.

Quanto mais caminhava, mais a silhueta ficava visível.

A forma era de um homem alto, ombros largos e caracteres esguios.

– Venha, minha Juani...

Quanto mais ela se aproximava, mais visível ficava, até que ficou tão perto que já poderia ver seu rosto.

No entanto, foi como se a figura se distanciasse por metros.

Arjuani parou imediatamente, estranhando a situação em que se encontrava.

Foi como se saísse do transe. Ela olhou para trás, de repente se lembrando de Fioled.

– Não ligue para sua amiga, ela está bem, Juani. Venha, seu babit a espera...

Ela estranhou aquilo.

– Não é possível... meu babit... – Balbuciou. – Meu babit está morto...

Sua testa franziu e tudo fez sentido.

Antes que seus sentidos a alertassem e ela pudesse erguer o rosto, sentiu um forte golpe no plexo solar.

– Devia ter ido ver seu babit, Juani. – Uma voz asquerosa soou. – Mas não há problema, você o verá no inferno, colorida imunda.

Arjuani cuspiu sangue e abaixou o rosto.

Uma faca estava fincada bem onde sentira o forte golpe.

Ao erguer o rosto, a névoa se materializou num homem baixo e esguio, de sorriso saltitante.

– Aqui será o seu túmulo, colorida nojenta. 



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