A Mansão de Alamut Brasileira

Autor(a): Safe_Project


Volume 2 – Arco 6: Cruzeiro

Relatório 48: O Sarmatiano

FESOL, 19:50 da noite

Alex caminhava com o telefone em um dos ouvidos, encerrando uma ligação que parecia ser importante. Infelizmente, não houve uma gama suficiente de informações comentadas para que Hector fosse capaz de descobrir quem estava do outro lado.

— Cara, funcionários eficientes deixam as coisas tããão mais fáceis. Se bem que ele deve tá meio traumatizado agora, tenho que me lembrar de dar uma boa recompensa quando ele voltar.

Ele conversava sozinho frequentemente? Sério, como alguém assim se torna líder!?? Outra vez, a dúvida do detetive assolava cada molécula de seu ser.

— Certo, aonde foi que paramos? — Sua pergunta veio num tom mais alegre que o normal. — Ah, sim! Estávamos nos despedindo, certo? Ainda acho impressionante como chegamos até aqui tão rápido.

Ele analisou os arredores, boquiaberto. Em instantes de caminhada, ele e Hector chegaram ao portão principal da base militar. Claro, ainda estavam dentro — e bem longe — das fronteiras da FESOL, mas isso ainda não desmerecia o fato de que alguns quilômetros foram cobertos em cinco minutos.

Além disso, nem era Alex o mais pasmo ali, e sim o próprio detetive.

“Ótimo, mais essa agora! Que porra de habilidade é essa, Yellow!!”

Sua presença permanecia ignorada pelos outros, e para completar, Alex também fora afetado por aquele mesmo e misterioso efeito que permitiu o cartola viajar de Paradise até a base militar em um piscar de olhos.

Será que estar logo ao lado afetava a outra pessoa? Não, isso não fazia sentido, sem contar que era uma condição simples demais. Talvez uma ordem inconsciente, quem sabe até uma necessidade decidida por um terceirizado desconhecido.

Eram perguntas de mais e respostas de menos. Deveria agora se focar em processar as informações que havia obtido no laboratório e usá-las ao seu favor na reta final. Dentre todas as descobertas, a mais apavorante não podia ser outra.

“Fonte da Juventude. O que esses malucos pretendem fazer com algo desse nível?”

A existência do monumento foi aceita pelo cartola facilmente, também, sequer havia motivos para negar. E uma pergunta daquelas não poderia ser feita a Alex de maneira alguma! Ele poderia até ser calmo, mas todo mundo tinha um limite, e Hector não estava disposto para descobrir o desse loiro.

— Acho que vou indo então. Obrigado pelo passeio, Sr. Alex!

— Vai pela sombra, Jonas! Aliás, não vai esperar os carros chegarem não? É meio perigoso sair andando por aí a essa hora da noite.

Ele negou a cortesia. De qualquer jeito, não mudaria muita coisa se Alex o visse desaparecendo em um instante, já que não poderia fazer nada para impedir sua fuga a partir dali.

Com a mente cheia de suposições desesperadoras, o detetive forçou um “Adeus” a sair de sua garganta. Nisso, ganhou um aceno sincero de Alex, sendo esta a última coisa que viu antes de levar toda sua concentração para as pernas e a direção que deveria seguir.

O líder observou atentamente. A figura de “Jonas” se afastou gradualmente mais rápido. Ele não corria, seu ritmo sequer mudou, mesmo assim, não demorou mais do que um minuto para que ele sumisse de sua vista completamente.

Para qualquer um, isso seria mais do que impressionante, poderia até mesmo causar desmaios em um completo desavisado. Alex, entretanto, não revelava nada além de uma angustiante ansiedade em seu semblante. Esse sentimento fora colocado em poucas palavras, tais que foram levadas pela brisa gelada ao infinito céu noturno.

— Te desejo sorte, Hector Wanderlust.

 

***

 

Sul de Paradise

Romanov desligou o celular e expirou por tanto tempo que seus pulmões secaram. As mãos firmaram no volante duro do Celta preto, sentindo que o próprio veículo tentava escapar daquelas mãos manchadas com o sangue de seu verdadeiro dono.

Quando vagou seu olhar pela impecável rodovia, tudo que viu foi um completo vazio. O mesmo se repetiu quando fitou o mar à sua direita. Infinito e implacável, jogando em sua direção um sussurro culposo na forma de um vento gélido. Em adição, o sal carregado junto da brisa fez sua boca arder, e em sua mente, o homem se culpou.

Ardência não era algo que se sentia confortável em sentir agora, não depois de ter de presenciar tão de perto os efeitos que a habilidade que possuía causava nas vítimas. Realmente, ver a coisa real era bem diferente de acompanhar através de uma tela de televisão.

“Eu tenho que ser forte!” Pressionou mais o volante. “Não posso fraquejar agora que está tão perto!”

A missão secundária, eliminar Victor White, fora finalmente cumprida. E em adição, Hector Wanderlust estava atualmente incapacitado no hospital, quiçá já havia sido “contido” por algum outro agente.

Sua determinação buscou expurgar toda aquela hesitação que aos poucos dominava seu cérebro e afetava sua coordenação motora. As marchas eram passadas sem necessidade, o carro começou a engasgar diversas vezes, tomando as reações de quem o controlava.

Seus devaneios intensificaram, e se não fosse pela perfeição que era a pista — ao contrário de sua mente —, o carro provavelmente já estaria capotado na praia.

“Tudo… Tudo pela Frieda!!”

Ele repetiu aquela frase incontáveis vezes, variando entre um pronunciamento interno e em voz alta. E entre tantas frases repetidas, uma nova voz soou no fundo de seu inconsciente.

Querido…!!

 

***

 

— Querido… Querido!… Aff! GUTO!!

O homem sonolento deu um salto de sua poltrona, o suor frio quase derreteu o rosto junto, mas cujos olhos resistiram o suficiente para encarar aquele rosto enraivecido logo à sua frente.

Uma mulher de característica marcante, cabelos prateados lisos que alcançavam a altura dos ombros. Os olhos refletiam o brilho de um diamante negro em contraste com a pele pouco amorenada.

Ela usava um vestido largo num tom bege, então ninguém além de seu próprio marido poderia saber que tipo de corpo se escondia ali.

Tinha uma feição pouco irritadiça, com direito a um beicinho que inflava ambas as bochechas rosadas. Fixava o homem numa fúria que aos poucos mostrou parcial falsidade, até que ele se levantasse da poltrona e se espreguiçasse demoradamente.

— Já tá na hora de eu sair?

Fora uma tarefa difícil levantar. A poltrona já tinha o formato perfeito de seu corpo, o tempo do lado de fora era frio, e a fogueira interna logo ao lado havia feito um ótimo trabalho lhe mantendo aquecido durante o sono.

— Não, seu maluco, hoje é sua folga. Você prometeu que iria visitar a Frieda comigo hoje!

Romanov tirou um pouco de sujeira dos olhos, fitando o rosto de sua esposa, Anastásia, por alguns segundos.

— Que foi? — questionou ela.

— Nada não. — Desviou o olhar com um notável sorriso de canto.

A mulher logo pareceu perceber no que ele pensava. Não deu outra. Um paft desceu sobre a cabeça de Guto no mesmo instante, junto de um resmungo envergonhado da garota.

— Você dormiu tanto que eu pensei que não acordava mais! Vamos sair antes que o horário de visita termine!!

Ela se arrumou rapidamente, colocando apenas um casaco por cima do vestido e nada mais. Guto, por outro lado, tomou um banho rápido e pôs a melhor roupa social-casual que tinha.

Quando ambos apresentaram-se prontos na sala de estar, concordaram com a cabeça por algum motivo desconhecido e saíram triunfantemente pela porta. Talvez um pouco de exagero, mas era o momento deles, então por que não?

Do lado de fora, Guto pegou a direção do carro e, assim que a esposa fechou a porta, a corrida mais segura desse planeta se iniciou.

Levaria pelo menos uma hora para chegar ao Hospital desejado, mas com o tempo apertado, Guto pegou alguns atalhos e tornou possível que chegassem a tempo.

Felizmente, o estacionamento estava praticamente vazio. Alguns homens de idade mais avançada até caminhavam por ali — a maioria com a ajuda de andadores e outros equipamentos —, mas não havia qualquer sinal de jovens. Nada fora do normal para o momento atual.

Aquela atmosfera era estranha, meio incômoda, efeito esse que aparentou maior efeito em Romanov, cujo cenho deu uma leve retorcida enquanto procurava ao redor por algo que sabia não existir ali. No entanto, o agarrar em seu braço trouxe a atenção para algo melhor.

Anastásia tinha um enorme sorriso enquanto encarava a porta do hospital se aproximar gradualmente. Era quase possível ver seu coração sobressair o peito.

Animada? Ele perguntou, ainda que a resposta estivesse em sua cara. Talvez a razão para tal fosse apenas para ver o sorriso crescer ainda mais no rosto da esposa, tão contagiante que fez um surgir em seu próprio semblante que já não apresentava qualquer cansaço.

Então, após uma curta caminhada eles entraram no local. Foram atendidos na mesma hora, apesar de que fora apenas para guiá-los até um assento onde poderiam aguardar pelo atendimento de verdade (Tinha motivo pra isso? Era evidente que o local estava vazio!!).

Infelizmente, o tempo passou devagar. A enfermeira disse que deixaria ambos passar, ainda que o horário de visita acabasse passando. Por causa disso, Anastásia acabou capotando no ombro de seu marido, este que manteve os olhos e ouvidos bem atentos na televisão de parede alguns metros de seu banco.

12/11/1997, 11:30 da manhã…

O índice de Mortalidade de Sarmatianos no exterior do último mês foi a maior registrada em toda a história! Especialistas apontam que, além de conflitos políticos, a maior causa seria a falta de informação ainda existente sobre o Instinto de Sarmatia.

Mais informações após a nevasca da tarde.

O homem arqueou as sobrancelhas, encarando o rosto sonolento da esposa após um longo suspiro ansioso.

Aquele índice havia realmente subido, mas de maneira até mesmo anormal, parecia que o mundo focava apenas naquele objetivo em específico (aumentar os números daquele gráfico), ao invés daquilo que deveria realmente importar para eles no momento.

Porém, aquilo estava longe de ser um problema seu, e provavelmente não haveria momento que acolheria aquele dragão de sete cabeças em seu colo, não quando estava prestes a segurar algo muito mais precioso pela primeira vez.

— Guto e Anastásia — Chamou a enfermeira ao aparecer numa porta. —, já podem vir.

Romanov nem precisou acordar a esposa, pois a voz e aquele chamado foram mais que o suficiente para que ela se levantasse mais rápido que a própria luz, arrastando o marido pelo braço antes que ele pudesse sequer perceber sofrer o ato.

A profissional então os guiou pelos corredores vazios do hospital, uma caminhada que não demorou mais do que um minuto.

Aqui! Com um sorriso no rosto, ela apontou para uma parede que possuia um painel de vidro, permitindo a visualização do que tinha do outro lado.

— Qual? Qual é!??

Guto colou o rosto no vidro e procurou freneticamente, encontrando uma pista no olhar de Anastásia, este que já havia se fixado num ponto em específico. Dessa forma, ele seguiu a linha invisível.

Passeou calmamente pelos outras pequenas camas, cada uma delas tapada por uma camada de vidro que, além de manter o interior devidamente aquecido, também poupava aqueles que dividiam o mesmo espaço do barulho produzido pelos colegas, ao mesmo tempo que permitia aos médicos ainda serem capazes de ouvir qualquer alerta provindo desse mesmo esperneio.

A cápsula que Anastásia encarava estava bem no meio da sala, mas não fora de sua visão. Lá havia uma joia que, apesar de ser inicialmente igual às outras ali protegidas, tinha um valor especial, este que foi a peça chave para trazer o foco da mulher de cabelos prateados até si.

— Aguardem só um instante, eu vou buscá-la — disse a enfermeira antes de entrar na sala.

Guto endireitou a postura no instante que ouviu aquelas palavras, enquanto Anastásia permaneceu tão calma quanto uma lagoa num dia sem vento. Suor frio escorreu pelo rosto dele, desmanchando aquela figura maneira que construiu com a roupa. Já ela não parecia existir de tão serena.

Logo aquela mulher saiu da sala com algo nos braços; envolvido em panos grossos o bastante para compensar o calor daquela cápsula. Com cuidado, ela passou os cuidados para o casal.

Anastásia estendeu os braços e segurou aquela pequena figura. Apenas seu rosto estava parcialmente exposto, mas era possível ver os braços e pernas tentando quebrar as defesas da coberta que lhe limitava.

A pele, diferente do pai e da mãe, era amorenada, então foi praticamente um meio termo entre os dois. Era um bebê que ainda não tinha cabelo e nem abriu os olhos, parecia que suas pálpebras usavam uma pouca força ainda existente naquele corpo para não ceder passagem à luz.

Assim como o esperado, Guto ficou simplesmente estérico, encarando aquela pessoinha com uma fascinação de outro mundo. Foi simplesmente impossível entender quais sentimentos se misturavam naquele rosto corado.

Para a sua esposa, mais ainda. Mesmo com a criança ali, em seus braços, a única coisa que surgiu no rosto foi um pequeno sorriso. E por que o motivo dela não estar saltando até o teto como seu marido? Era bem simples entender, pelo menos para qualquer um ao redor que não fosse Romanov.

Ele teve de encarar sua esposa por longos segundos, tempo esse necessário para que as paranoias saíssem de sua cabeça e o cérebro conseguisse focar em desvendar aquele semblante. Aquela felicidade ultrapassava uma barreira conhecida como Físico. Sendo o pai, e não a mãe da criança, Romanov percebeu que, por mais esforço que colocasse, seria incapaz de compreender aquela situação tão bem quanto a enfermeira entendia. Portanto, tratou de se recuperar e, por fim, levar um sorriso gentil na direção de sua filha.

— Se me permitem, eu tenho que devolvê-la para a cápsula. — Com certo pesar e hesitação, a profissional pegou o bebê. — Acredito que terão permissão para levá-la para casa até o dia de amanhã.

Se surpreendendo, Guto viu Anastásia assentir sem qualquer problema, ao contrário da ansiedade que dominava-lhe o rosto.

Eles então saíram do hospital, com o homem mirando o céu por alguns instantes, por motivos que desconhecia. Aquele arrepio repentino fora como um instinto. Afinal, por que homens paravam qualquer coisa que estavam fazendo apenas para ver um avião passar?

Anastásia chegou primeiro ao carro e, antes de abrir a porta, levou um grande sorriso para o marido.

— Ela é bem a sua cara, não é?

Risonho, retrucou: — Quanta modéstia. Tá querendo me consolar por não ser um menino?

Ela continuou com a brincadeira por alguns minutos, logo sendo capaz de dissolver por completo a ansiedade que impregnava o rosto do marido.

Porém, todo aquele esforço se mostraria ter sido completamente em vão.

— Hum? Ei, o exército disse que ia fazer algum show aéreo? — disse, apontando para o céu.

Romanov seguiu o apontar da esposa, vendo uma cena bastante incomum.

Alguns aviões — cujo número não se deu ao trabalho de contar — sobrevoava os céus na formação de V, como patos migrando. O que mais fez o coração do homem apertar, no entanto, não fora a presença deles em si, mas sim as cores que aquele na frente apresentava.

Os Caças de Sarmatia eram decorados nas cores preto e amarelo, não atoa eram chamados de Abelhões. Aqueles, entretanto, tinham o azul como chamariz principal. Não qualquer tom, era chamativo, como uma água cristalina. Parecia que a intenção era atrair olhares daqueles abaixo.

Seu peito apertou mais, e um instinto fez-lhe dar a volta no carro imediatamente. GU-GUTO!? Ele ignorou o susto que deu em Anastásia ao abraçá-la e forçá-la a agachar junto de si. Sua atenção foi totalmente focada naquelas aeronaves, e, fosse bom ou ruim, foi recompensado por isso — se bem que isso não poderia ser chamado exatamente de recompensa.

Do líder, algo que no horizonte não passava de um ponto preto foi liberado. E numa velocidade crescente, ele foi puxado em direção ao chão, mirando o que deveria ser o centro da cidade.

Anastásia tentou, mas a força de Guto era demais para conseguir espiar por cima do capô do carro como ele fazia.

Aquilo é!! Ele quis negar, mas como? Diante de um cenário tão óbvio, implantar a ignorância em seu cérebro se tornou a mais difícil das tarefas. E o mais engraçado sobre tudo isso, foi que tudo passou lentamente. Era isso que chamavam de “lentidão pré-catástrofe”? Bem, no fim das contas, não passava de um nome mais chique para Premonição da Morte.

TUM!!

Guto não conseguiu dizer se o som fora abafado por estar longe ou por seus ouvidos terem começado a sangrar. Mas o que queria mesmo — um desejo no fundo de seu coração — era ter ficado cego naquele instante.

O cogumelo de fumaça se ergueu até alcançar as nuvens, e após ele, a única coisa que Guto viu fora uma massa destoante vir em sua direção. Não era calor, era simplesmente a potência do próprio ar que se distorceu em velocidade tão grande que ultrapassou toda e qualquer reação.

Ele fez tudo que podia naquele momento, envolvendo seu bem mais precioso com os braços e, por fim, se deixando ser arrastado, assim como o chão, as plantas, os prédios e até mesmo as próprias nuvens.

 

 


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