Volume 2 – Arco 5: Laboratório
Relatório 46: Rogue pelo Objetivo
29/04/2002, 19:20 da noite…
Já dirigia por algumas horas, e quanto mais ao sul se locomovia, mais forte a atração daquele colar em seu pescoço se tornava.
“Pra onde isso tá me levando, exatamente?”, ponderou Isaac, procurando por algo no horizonte.
Não sabia em quais possibilidades pensar, literalmente estava apenas dirigindo na direção que parecia mais certa. E enquanto se afogava em pensamentos, ainda tinha que aturar as opiniões diversas que ecoavam dentro de sua cabeça.
Algumas personalidades se colocavam a favor da atitude do Paranoico, outras, contra. Não sabiam se havia alguém os esperando, muito menos que tipo de consequência tal curiosidade poderia gerar.
Isaac pensou que suas outras faces se acalmariam se saísse apenas durante a noite, onde ninguém seria capaz de vê-los claramente. Um grande engano. Brigavam como se estivessem travando a guerra final pela sobrevivência.
Aff~! O suspiro de Isaac não os fez parar, muito menos os acalmou. Tudo que ele queria naquele momento era (além do conforto de uma certa garota) chegar de uma vez ao local que o colar apontava.
***
Com pressa, Alex trouxe novos equipamentos e os pôs na mesa. Um conta gotas, um frasco com água, alguns panos e…?
— Isso… — murmurou Hector, apontando para a coisa. — Isso é um… pinto?
E o pintinho: Piu! Como se confirmasse. Penugem amarelada, bico, patas… Até onde as coisas indicavam, era realmente um pequeno pintinho como todos os outros (Mas não deveria esquecer que estava em um laboratório com dinossauros!!).
Obviamente, o cartola tratou de questionar as pretensões do cientista. Este, no entanto, persistiu com um simples “observe”, enquanto terminava de preparar a mesa.
O animal foi colocado numa caixa de vidro sem tampa, da qual seria incapaz de escapar sozinho. Em seguida, Alex reforçou a proteção de sua pele com uma segunda jaqueta de manga longa, luvas impermeáveis e uma máscara que cobria o rosto inteiro, item este que teve uma versão para Hector usar.
Com a garrafa em mãos, disse: — Essa é uma amostra feita, em suma, em laboratório. Nós usamos como base um pouco do material original que encontramos em espécies vivas que coletamos ao longo do caminho, mas ainda fomos incapazes de encontrar a fonte real.
Lá foi ele de novo com espécimes vivos, e com a apresentação daquele novo fator, não demorou para a mente de Hector fazer as associações.
“Ele usa cobaias pra testar os efeitos do que produz aqui? Então!! Foi aqui que surgiram os dinossauros e aquela criatura meio morcego?!?”
No fundo, ele tinha medo que aquele pintinho virasse algum tipo de Frangossauro ou algo do gênero, mas toda essa exaltação fora percebida e apaziguada por uma risada descontraída de Alex.
Seguindo o processo, Alex abriu a garrafa super bem lacrada e, com a ajuda do conta contas, coletou um pouco daquele mínimo quase inexistente de água que ainda havia naquele frasco. Enquanto isso, ele falava:
— Acreditamos que a origem verdadeira está dentro ou pelo menos próxima de Paradise. Coincidentemente, o Agente de Campo responsável pela coleta de informações acerca dessa origem também irá se beneficiar com a descoberta dela. Lucro pros dois lados! Tem coisa melhor que isso?
Ter com certeza tinha, na verdade, uma pontada de inveja acertou o detetive ao ver o quão justo a relação entre o cientista e o citado Agente de Campo parecia. Do seu lado, o que havia? Um demônio que lhe deu uma habilidade, não disse como usar, chutou-lhe de um penhasco e ainda riu de sua cara em todas as vezes que quase morreu.
Um brinquedinho! Yellow não o via de outra forma senão essa!!
Mas ao reinterpretar o termo Agente de Campo, Hector só faltou prender a cabeça no teto de tão alto que saltou. Rapidamente, sua boca cuspiu a pergunta:
— Esse Agente que você falou. Não é perigoso ele fazer uma missão tão importante estando desarmado?
Alex arqueou uma sobrancelha e murmurou, confuso. — Quem disse que ele tá desarmado? Aliás, esse assunto nem interessa agora, chega mais e vê isso aqui!
Para o cientista, um questionamento desses realmente não soava importante, mas para um detetive era uma declaração mais que suficiente.
“Um agente daqui provavelmente teria um Fator B, mas…” Lembrou-se do incidente no Dia do Tarche, onde “Albert” acabou transformou um alfinete numa faca e esfaqueou sua perna. “Aquele cara usava um Amuleto, e esses arrombados com certeza possuem alguns!!”
Poderia tentar encontrar e roubar para si alguns desses exemplares depois, apesar de que sequer tinha ideia de como os outros, além do Amuleto das Formas, se pareciam.
Mas enfim! Aqueles questionamentos logo deram espaço para que o cérebro fizesse as pernas se moverem. Ao se colocar ao lado de Alex, o detetive observou os movimentos cuidados do cientista com aquela água.
Ele movia o conta gotas lentamente através do espaço completamente vazio entre ele e a caixa com o pintinho. Parecia que estava sob um desafio de alta precisão.
— Essa é uma descoberta importantíssima! — disse Alex, finalmente parando o movimento do braço. — Nós observamos em quais alvos essa água faz efeito, e no momento descobrimos três! No entanto, apenas dois importam para você neste momento.
Ele aguardou até que o agitado animal ficasse minimamente parado, para que então pressionasse o utensílio em seus dedos para despejar uma única gota de água sobre o pequenino.
Um curto período em câmera lenta predominou na sala. Tanto Hector quanto Alex puderam ver com precisão o caminho da gota cristalina até que colidisse com o corpo do filhote. E então, quando o contato finalmente aconteceu, Alex recolheu suas mãos e fez sinal para que o cartola observasse com mais atenção.
Alguns poucos segundos se passaram, e a reação logo começou.
— Tiramos a sorte grande! Foi bem o efeito que eu queria!! — comemorou o cientista, aproximando o rosto.
O pequeno galináceo parou de se mover, não por paralisia, mas pelo corpo ter simplesmente perdido as forças e despencado ao chão! A penugem amarela começou a retrair em velocidade crescente, revelando a pele frágil e rosada em poucos segundos. Os pequenos olhos foram forçadamente fechados, o corpo gordo ficou mais esquelético, e os piados aumentaram momentaneamente, logo decaindo até que fossem inaudíveis e, por fim, inexistentes.
— O QUE É ISSO!??
Hector não pôde evitar a reação. Seu corpo moveu-se num movimento retrógrado, afastando-o daquele perigo mais que visível.
— É A CIÊNCIA! — respondeu Alex, de braços estendidos. — Ou melhor dizendo, é um MILAGRE!!
O corpo do animal logo parou de se debater, e mesmo mais afastado, Hector conseguiu analisar e reconhecer aquilo que substituiu o pintinho.
Uma versão mais jovial, por assim dizer. Ao contrário da forma normal, não havia uma casca que o protegesse. Dessa forma, a massa mole que deveria ser a pele se misturou aos fluídos que em breve iriam compor a carne, os nervos se dispersaram para longe do corpo, e uma pouco pulsação fez presença naquela massa inteira, até inevitavelmente cessar sua atividade.
Uma explicação de Alex era desnecessária, aquilo diante de seus olhos não poderia ser outra coisa.
— Alex!! De onde vocês tiraram algo assim!? Que bosta estão pretendendo fazer??
Sua boca não tinha mais travas, quem sabe até seu disfarce como Jonas já havia se desfeito. Tudo que exigia agora era uma razão para não levar uma rajada de tiros contra o cientista maluco à sua frente.
— É exatamente o que parece! — respondeu, alegremente. — Como eu havia dito, o efeito dessa água pode ser observado em três casos, mas eu vou lhe dizer os dois mais importantes no momento!
Ele se virou, já ignorando completamente o cadáver que acabara de criar. Todo seu semblante era ansioso, uma excitação contrastante com toda a gentileza que demonstrara até o momento.
E enquanto a situação se desenrolava no laboratório, Isaac também aproximava-se do que acreditava ser o fim de sua viagem. Dentro de sua cabeça, as personalidades agitaram-se ainda mais, exigindo um esforço do Paranoico para se manter no controle do corpo.
Estava em uma grande altitude, acreditando fielmente que seria capaz até mesmo de tocar a lua se esticasse seu braço. Porém, ao contrário da sua, a vontade do colar que carregava não era de ter contato com a lua, mas algo um pouco mais próximo naquele instante.
Vendo a direção apontada, Isaac entrou em conflito interno.
— Ele está apontado para o… Arco?
Arco de Pedra, o monumento histórico atualmente tido como um dos pontos turísticos mais misteriosos de Paradise. Beirando um penhasco, tinha uma passagem com ápice de pouco mais de três metros. Um verdadeiro portão que levaria para um mundo diferente, nesse caso; um destino!
Uma coisa capaz de produzir dois efeitos observados. Não parece ter efeitos diferentes para cada pessoa, consistindo então num sistema de escolha aleatória. Existem, no entanto, duas condições destacáveis para a “magia” funcionar.
O Paranoico começou a andar, praticamente guiado pela atração do próprio colar. Sequer percebera, mas o silêncio passou a imperar não somente no ambiente, como também em sua mente.
Sem mais qualquer impedimento, ele caminhou a passos curtos, uma figura praticamente hipnotizada. E então, quando menos percebeu, havia atravessado para o outro lado do Arco.
— Hum? Que estranho — murmurou, encarando o item no pescoço.
O objeto parou de se mover. Isaac se virou de volta ao Arco, e confirmou a inexistência daquela força atrativa de instantes atrás.
O indivíduo em questão deve ser um animal diferente do Homem. Contudo, este também pode ser afetado, isto é…
Estranhou, obviamente, chegando a se sentir enganado pelo próprio mundo. Qual fora o motivo de tanto trabalho para chegar até ali, então? Por outro lado, podia afirmar que as personalidades estavam satisfeitas com o resultado. Melhor do que alguma merda acontecer, certo?
Se ele for portador de um Fator B!!
Bem, eles provavelmente adorariam não ter pensado nisso, pois um pop, como uma bolha estourando, trouxe para a mão de Isaac uma inevitável e perfurante atenção.
Um calombo surgiu nas costas de sua mão. Era grande, pulsava como um segundo coração e, por mais louco que pudesse soar, Isaac poderia jurar pela própria vida que, naquela massa de carne, definitivamente, havia um rosto se formando!!
WOOAH!! Ele caiu de costas, balançando a mão freneticamente na vã tentativa de se livrar daquela coisa. Inútil! Todo aquele esforço fora jogado fora quando seus olhos notaram a proliferação daquela protuberância flácida.
Não sabemos como essa coisa surgiu, muito menos quando.
Primeiro foram seus braços, depois as pernas, o tronco e, por fim, seu rosto. Cada espaço foi preenchido pelos calombos de carne que não paravam de crescer, alguns já se comparavam com sua própria cabeça. Sua carne era lentamente rasgada, expondo seus músculos momentaneamente ao vento gélido e salgado da maré numa tortura que pareceu não ter fim.
Quantas bolas de carne surgiram? Era impossível contar, e mais ainda acreditar nos eventos que se seguiram. Felizmente, as feridas não continuaram expostos, tendo que a pele se restaurou completamente antes que pudesse sequer notar a ausência de dor.
Essa coisa, esse monumento secular e incompreensível que talvez tenha sido criado por algo ainda mais mítico…
Se com o ar rarefeito daquela altitude já estava difícil respirar, agora era capaz de jurar que estava na verdade se afogando no mar. Mesmo assim, a pouca força que ainda restava em seu corpo amolecido foi inteiramente entregue às suas pálpebras, as quais esforçaram-se para revelar o motivo de seu corpo parecer tão pesado.
Em cima, em baixo, nos lados, havia uma montanha viva e ofegante ao seu redor. Porém, antes que tentasse saltar e gritar por socorro, foi capaz de reconhecer aquelas formas familiares graças àquela logo diante de seus olhos.
cabelos longos e negros, uma roupa meio vulgar e um corpo esbelto. Entreabertos, revelava um par de joias tão azuis quanto o mais cristalino oceano.
— Lí-Lívia!!?
Errado. Elas de fato se pareciam, mas talvez o desespero e a confusão do momento tivessem alterado um pouco mais a aparência de sua outra persona, Melissa, na cabeça do Paranoico.
O nome desta bênção é apenas um, assim como ela, imaculado pelo tempo!
Finalmente compreendeu a situação. Melissa, que devia existir apenas dentro de si, estava agora diante de seus olhos, em carne e osso. Além disso, o cheiro crescente de cadáver que impregnava o ar antes límpido lhe trouxe uma confirmação não só de uma, mas de duas dúvidas.
Seu corpo estava fisicamente pesado, mas espiritualmente leve como uma pluma. Essa leveza e pureza que sentira pela primeira vez, unida ao cansaço de uma reação tão repentina em seu corpo, levou-o ao inevitável desmaio.
Quem visse aquela cena dos céus, com certeza estranharia e tiraria algumas fotografias antes até de chamar ajuda.
No alto do penhasco do Arco de Pedra, uma grande quantidade de pessoas estavam jogadas como uma pilha de folhas. Não sabia-se quantas estavam vivas ou não, muito menos como haviam parado ali.
Eu falo, obviamente, de nada menos que…
A Fonte
da Juventude!!!
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