Volume 2 – Arco 5: Laboratório
Relatório 45: Tola Suposição
A figura de olho dourado surgiu logo atrás de Alex. Os três fitaram os restos da estátua e, em seguida, recitaram juntos o que poderia facilmente ser considerado um ritual de invocação.
— A Encarnação do Poder, Dr. Yellow! — proclamou Alex, abrindo os braços. — A entidade misteriosa que assombra nosso mundo desde que o Caso Alamut foi solucionado e a mansão totalmente demolida!
— Sim, seria ótimo se esse demônio estivesse aqui pra responder nossas dúvidas…
Para o loiro, Hector encarava a parede. Uma suposição veio à sua mente, e definitivamente não seria facilmente esquecida. Até mesmo chegou a fitar a mesma direção, um ato que apenas confirmou a inexistência de outro indivíduo na cena.
Hector deu um longo suspiro. Yellow desapareceu novamente num piscar de olhos, parecendo temer que Alex acabasse sendo capaz de enxergá-lo. E, parando para pensar, será que ele realmente não conseguiria? O loiro teve a capacidade de ver Hector, que supostamente devia ter a presença ignorada por todos. Enxergar o demônio que lhe deu essa habilidade não deveria ser impossível, teoricamente.
Talvez pudesse até ser afirmada, pois ao invés de voltar a encarar o detetive normalmente, Alex expressava confusão em seu rosto. A sobrancelha arqueou, e logo em seguida os olhos se arregalaram num gesto de revelação.
— Jonas!! Eu já sei qual vai ser a última parada dessa sua visita! — Agarrou o braço do rapaz e arrastou-o para fora da sala. — Eu não pretendia, mas acho que vai ser útil te mostrar isso também! Quem sabe você pode alterar o fluxo das coisas!!
Sendo então arrastado pela correnteza que era o loiro, Hector viu-se num embate épico para dizer o que deveria ao mesmo tempo que continha seu verdadeiro eu.
— Do-do-do que vo-você está falando, Alex!? (Me solta, desgraça!!)
— Eu não vou te fazer perguntas, não se preocupe, apenas quero que me acompanhe e presencie uma última coisa!!
— Não sei se devíamos! (Eu tenho que dar um pé na bunda desse maluco e vazar!!)
Seu Fator B não aparentava ter mais qualquer utilidade contra o líder. De alguma forma, ele burlou as leis da habilidade que nem mesmo o próprio dono sabia como usar.
Ele então começou a se debater, e não foi difícil se libertar da mão que o prendia. Jonas!! O grito de Alex entrou por um ouvido e saiu pelo outro.
Hector não correu de volta para a sala do Anjo, sua única ação fora fechar os olhos e saltar contra a parede. A habilidade se ativou!! Ele sentiu o corpo colidir com a parede e—!!
Tuuuunk! O som da colisão faria qualquer um jurar que sua cabeça se partira ao meio, e talvez realmente tivesse, visto que um fino rastro de sangue fez presença no meio da testa.
“De-desgraça~!! Por quê? Eu não devia ter saído daqui!?? Não foi assim que eu cheguei na 17° Sessão?”
Sua suposição estava errada; como também era estúpida. Atravessar as paredes? (Pelo jeito estava achando que era outra pessoa.) Onde já se viu isso? Agora, além de sangue escorrendo pelo rosto, tinha uma outra face ao seu lado que exigia uma explicação mais que coerente para um ato tão sem noção e desesperado quanto aquele.
— A-a-ah~! Sa-sabe… é que eu…!
Viu Alex ter uma leve alteração em seu rosto. Ele franziu levemente. Porém, ao contrário do que poderia pensar inicialmente, ele não demonstrava raiva ou qualquer exigência. Talvez fora uma mera ilusão causada por seu próprio desespero no momento, pois aquele semblante era mais acolhedor do que qualquer outra coisa.
— Jonas — aproximou-se, cobrindo todo o campo de visão do rapaz. — Eu sei que é repentino, mas eu realmente preciso que você me acompanhe.
Seus braços tremiam, especificamente as mãos em punhos, cujos dedos pressionavam cada vez mais forte contra as palmas. Em breve, não seria apenas o sangue de Hector a manchar o metal branco.
— Não me faça desperdiçar a última chance da minha vida de poder compartilhar com alguém o que eu quero te mostrar.
Última chance da vida? Ah, sim, ele disse que não aguentaria liderar todo o laboratório por tempo que excedesse mais um ano. Será que pretendia se aposentar mesmo? Se sim, era uma razão lógica. Mesmo sendo o líder, a FESOL provavelmente não deixaria que ex-funcionários saíssem com informações cruciais para sua existência.
Haviam feito isso com dois soldados, então por qual motivo deixariam alguém de escalão tão alto escapar ileso?
“É tentador. Mas ainda assim é muito estranho! Por que ele age dessa forma?? Inocente demais pro meu gosto!!”
Considerou tentar de novo o avanço contra a parede, desistindo ao encarar o sangue que perdeu para o chão. Então, ao se levantar, se deu a permissão de fazer um questionamento:
— O que vai me mostrar? Quero que especifique com todas as palavras!
Alex baixou a cabeça, quase em reverência. — Não posso fazer isso aqui, e mesmo que fizesse, você provavelmente não acreditaria.
Depois de ver tanta coisa em menos de dois meses, poderia acreditar até que os dinossauros haviam voltado à vida. Ah, espera! Eles realmente voltaram, né? (Mas será que aqueles não eram apenas calangos modificados?)
— As salas de espécimes — continuou o loiro —, você visitou a Sessão dos Répteis e o Jardim de Éden. Eu acompanhei pelas câmeras.
Lá estava!! Fora realmente ele quem lhe observava até na sala dos mapas! Com isso, uma dúvida sobre o Fator B de Hector foi sanada. Ele não era invisível para as câmeras de vigilância. Essa sabedoria levou seu olhar apreensivo até uma delas, localizada na extremidade da sala.
— Ambas as salas, ou melhor, todos os espécimes vivos que se encontram nessa gigantesca instalação, cada um deles possui uma relação direta com o que eu desejo te mostrar!
Cada vez mais atraente. Será que ele estava falando dos métodos que foram usados para criar aquelas criaturas? Quem sabe o modo de produção de um certo veneno super corrosivo também estivesse incluído no pacote!!
Porém, um instinto desconhecido lhe afastava daquele anseio. Era capaz de sentir, ao fundo, à frente, abaixo e acima, aquele olhar eletrizante fitar-lhe com curiosidade e egoísmo.
“Você ainda está aí, filho da mãe?” Ele rangeu os dentes e forçou ambos os punhos.
Vendo aquela reação, Alex se viu isento de outra escolha a tomar senão utilizar o que deveria ser a sua carta na manga. Se aquela tivesse sido sua primeira pergunta do percurso inteiro, a atenção total de Hector estaria mais que garantida. Mesmo assim, não houvera outro momento que soasse melhor que aquele.
— Jonas, me responda. Houve alguma vez na sua vida, nem que fosse inconscientemente, por uma mera fração de segundo…
Engoliu seco, disfarçando o nervosismo com um curto sorriso arrogante e, estendendo a mão na direção do rapaz, perguntou:
Em que você ansiou…
pela Imortalidade?
— Imor…!! Do que tá falando assim do nada??
Sua vontade foi agarrar o loiro pela gola da jaqueta, não o fazendo por puro medo das câmeras. O loiro não se afastou ante o perigo iminente, muito pelo contrário, aproximou-se ainda mais com apenas um passo.
— Foi uma pergunta simples, logo, a resposta também é. Apenas me dê.
O detetive travou. Imortalidade? E… pergunta simples? Inicialmente poderia até parecer, mas haviam questões demais envolvidas para que respondesse com um Sim ou Não.
Entretanto, aqueles olhos azuis não queriam um “Depende” como resposta. Mesmo que de forma lenta, a desaceleração do passar de tempo facilitou para que o raciocínio de Hector trouxesse algumas lembranças e sentimentos à flor da pele.
Se já havia ansiado pela Imortalidade? Pensando daquela maneira, a resposta era óbvia para todo e qualquer ser humano.
Sim.
Uma palavra singela, agraciada com um sorriso equivalente.
— Ótimo! — Ele reafirmou a vontade de guiar ao aproximar a mão do rapaz. — Então, venha comigo.
Ao agarrar aquela mão amiga, um novo rumo foi selado (Uma mudança! Era possível ver as engrenagens se alterando no futuro!!). A informação que Alex queria tanto mostrar… o que exatamente ela era e, por qual razão parecia tão importante para ele? Bem, era isso que Hector iria descobrir.
Quando voltaram para o elevador, o destino foi a 20° Sessão. O ambiente inicial dispensava descrições, pois a atenção seria dada para algo mais à frente.
— É aqui! Não se preocupe, não tem nada aqui que possa te machucar, apenas não toque em nada e vai ficar tudo bem.
O aviso do loiro foi meio contraditório, mas passível de uma ignorância no momento.
A sala era mais escura que todas nas quais o detetive entrara até então. A única luz que deixava o ambiente minimamente observável provinha de uma lâmpada localizada numa longa mesa retangular, onde vários frascos e cadernos repousavam.
Alex tomou uma ação rápida quanto àquilo, usando seu braço curto para arrastar todos aqueles equipamentos para fora da mesa sem muito cuidado. Alguns vidros se quebraram e um pouco dos líquidos misteriosos inundaram o chão, mas sem nenhum sinal de corrosão.
“Pelo jeito eles não trabalham com venenos aqui. O que esse maluco vai me mostrar?”
O loiro era apressado, e mesmo assim parecia que demoraria para arrumar tudo o que queria. Com isso, Hector viu uma oportunidade de perguntar.
— Por que está me mostrando tantas coisas? Ainda não faz sentido pra mim.
Ainda que toda a missão pudesse ser arruinada com toda aquela dúvida que banhava o cientista, o cartola era incapaz de se manter quieto enquanto o inimigo revelava seus planos para um novato que, aparentemente, já esperava aparecer.
— Eu acredito que a confiança é a melhor maneira de se fazer uma amizade. Alguns governam pelo medo, muitos, na verdade. Mas eu penso diferente, e também não é como se fosse o único.
Confiança? Era realmente apenas por isso? Provavelmente devia achar que morava em algum tipo de utopia social para pensar daquele jeito. E como se o motivo não bastasse, continuou falando:
— Quando grandes desastres acontecem, as pessoas perdem a confiança umas nas outras. Normalmente, elas recuperam esse sentimento quando ganham uma ajuda verdadeira, no entanto, um fator externo pode acabar fazendo tudo desmoronar novamente.
Ele pareceu terminar de reunir os equipamentos necessários. Nisso, virou-se para o cartola e, com um olhar determinado, alertou:
— O que você vai ver agora deve permanecer apenas com você. — Tinha uma mistura de esperança e ansiedade naqueles olhos. Uma vontade de ver o futuro que nunca seria alcançada enquanto não saísse do presente. — Se há alguém que pode tomar um destino diferente para as coisas, eu acho que esse alguém deva ser você!!
Aquelas palavras foram além das paredes, alcançando todo o laboratório. Porém, muito mais importante que isso, elas atravessaram Jonas por completo, sendo então capazes de chegar aos ouvidos de Hector Wanderlust.
***
Si-silêncio? Por que todos estavam tão calados?
Cambaleando com dificuldade, Lucas deu seus últimos passos naquela rua asfaltada antes de cair em direção ao chão. Estava em uma cidade pequena, mas isso não era motivo para que ninguém lhe prestasse socorro.
Sua situação deplorável fora resultado de uma viagem exaustiva. Água e comida seria a melhor das recompensações naquele momento, no entanto, parecia que não havia pessoa disposta sequer a se aproximar daquele mendigo estrangeiro.
“Me ajudem, porra! Não dá pra ver que eu tô morrendo aqui?!? Eu pensei que Sarmatia fosse mais hospitaleira!!”
Seus olhos fitavam apenas o chão, e ainda assim era capaz de sentir olhares sobre si. Distantes e fixos, como se o xingassem sem razão.
Me ajudem!! Suplicou aos céus, usando suas forças restantes para girar o corpo e encarar a vastidão azul.
“Por quê? Por que ninguém vem me ajudar!??”
Talvez pela falta de nutrientes em seu corpo, mas demorou para obter a resposta da pergunta. Observação, ele já tinha ela, havia apenas esquecido. A razão? Quem sabe fosse a mais pura descrença.
Ninguém o ajudava, pois era exatamente isso que havia naquela cidade… ninguém.
O sol escaldante iludira seus olhos e sua mente. Aqueles prédios altos, as casas baixas e até mesmo a própria rua, haviam pedaços faltando em tudo isso. De dentro das fissuras no concreto saía um som, provavelmente lamentos daqueles que já foram engolidos pela terra.
Aqueles olhares realmente o xingavam. “Por que não chegou mais cedo??”, “Está atrasado, idiota!!”. Uma pena que, mesmo os olhos arregalados, eram incapazes de exprimir aqueles sentimentos. Não havia mais o brilho necessário ali, apenas uma tintura avermelhada — parcialmente enegrecida — por todo o ambiente.
Socorro? Isso não existia ali, na verdade, Lucas tentou ele mesmo prestar socorro para aqueles ao seu redor, na vaga esperança de que, caso encontrasse e ajudasse esse alguém, receberia compaixão em troca.
Uma pena. Tudo que pôde fazer foi permanecer caído ali mesmo, isento de escolha para ter um destino diferente daqueles que gostariam de tê-lo encontrado alguns meses antes.
Sim, tudo que lhe restara ao seu lado, que decaiu juntamente ao seu corpo e mente, fora nada menos que aquilo. Um anseio, uma esperança mascarada de verdade e que, no fim, ainda não passava de uma simples e tola suposição.
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