Volume 2 – Arco 5: Laboratório
Relatório 40: Bem-Vindo de Volta
29/04/2002, 18:25 da noite…
O fim do primeiro dia após o caos do feriado estava próximo, mas tal evento nem de longe seria capaz de diminuir a energia que cada um dos protestantes tinha. Suas vozes, ainda que em maioria roucas, continuavam exigindo respostas por toda a cidade.
Lívia, por sua vez, não tinha tempo para ficar desperdiçando saliva gritando para um grande portão fechado. Todo seu esforço concentrou-se na subida daquele morro que há muito não tinha sua presença ali.
Logo atrás dela estava Igor, em condições muito melhores que a médica. Enquanto um nem dava sinal de cansaço, a outra talvez já estivesse morta.
— Che-chegamos! — disse ela, se recompondo.
— Mas… Quem é essa galera toda?
A questão vinda do bombado levou seu olhar para a casa de Hector, que estava logo adiante.
Um amontoado de homens muito bem vestidos saía pelo portão da frente, esse que não se importaram de deixar óbvio que havia sido arrombado.
Ela logo se aproximou a passos pesados: — Quem são vocês!? O que estão fazendo na casa do Hector??
Aquele que deveria ser o líder a encarou. Com uma breve análise, pareceu reconhecê-la, o mesmo com Igor.
— Vocês são colegas de Hector Wanderlust, certo? Sei que pode parecer estranho, mas nos foi dado ordens para recolher os pertences dele em prol de uma investigação.
Os dois tombaram o corpo para trás. Investigá-lo? E onde já se viu um detetive ser alvo de investigação!? Tudo bem, ele era de um cunho extremamente duvidoso (até demais, na verdade), mas nenhum dos dois era desinformado ao ponto de não saber que eles não tinham permissão pra fazer isso.
Porém, do que adiantaria saber disso? Até parece que uma médica e um bombado poderiam fazer alguma coisa contra um monte de caras provavelmente armados. E considerando ainda a calamidade que a cidade já estava, envolver-se em tais problemas não era uma escolha sábia.
Aff~! Seu suspiro demonstrava a frustração acumulada por sua constante impotência. O aperto no peito poderia facilmente ser um ataque cardíaco, e o único remédio para tal dor havia fugido (com o seu carro, ainda por cima!!) para algum lugar desconhecido.
“Pra onde esse maluco foi!?!” Mordeu o lábio inferior e mirou o chão, enraivecida. “Nem pra mandar uma mensagem sequer…!”
Plim! Um toquezinho tosco do celular caiu como uma luva naquele momento. A mão desceu numa velocidade tão absurda em direção ao bolso que alguns poderiam dizer que ultrapassou a luz.
Alô!? Sequer era uma ligação! O rosto se avermelhou ao perceber o erro, e o dedo então se pôs a deslizar sobre a tela rapidamente. Entre as várias mensagens não lidas, a mais recente com toda a certeza se destacava do resto.
HECTOR!! O grito interno pareceu alcançar Igor, que se colocou ao lado da colega para se intrometer silenciosamente. Ambos encararam a tela, onde havia uma curta e rápida mensagem de visualização única.
Vou visitar um velho conhecido. Não sei quando volto.
Ao ler aquela mensagem, Igor se afastou num único salto, avisado principalmente pelas veias que saltaram na testa de Lívia.
A atenção dos homens que confiscavam a casa de Hector também caiu sobre ela. Grande erro. Igor foi o primeiro a tapar os ouvidos, e se aqueles homens tivessem imitado a ação, talvez seus tímpanos conseguissem escapar ilesos.
HECTOOOOOOOOOOOOORR!!!
Naquele momento, um monstro nasceu.
***
Aquele grito fora mais do que potente, era algo pronunciado pela própria terra, ultrapassando os limites da cidade e percorrendo um caminho direto aos ouvidos daquele ao qual se referia em bravejo.
!! Escondido atrás de uma grande rocha, Hector se virou na direção da cidade. Infelizmente, só pôde aguentar aquela estranha sensação. Tudo que enxergava atrás de si era uma estrada completamente vazia. Ao longe, uma elevação de rochas e terra bloqueava a vista, não que ele fosse capaz de avistar Paradise de onde estava agora.
— Essa habilidade — murmurou, encarando as próprias pernas. —, o que diabos é essa porra!??
Estava mesmo naquele lugar? Tipo, milhares de quilômetros de distância? E para deixar tudo ainda mais sem sentido… havia realmente chegado ali A PÉ!???
Federação de Solum (FESOL), 29/04/2002, 18:26 da noite…
Yellow! Ele tentou chamar, mas um suspiro insatisfeito foi o que ressoou de fundo dentro de seu cérebro. Chamou de novo, e então nem mesmo aquela arfada entendiada se fez presente. Então essa era a sensação de ser abandonado, ein.
Desde que acordara após o desenrolar daquela estranha situação no Trono de Deus, sentia algo extremamente diferente em seu corpo. Para piorar seu estado mental, não fazia ideia do que era, muito menos como descrevê-la se alguém lhe perguntasse.
Havia apenas uma certeza. — Eu sou… poderoso.
Victor tinha um Fator B, será então que ele sentia aquele formigamento constantemente? Se sim, deveria ganhar elogios pelo resto da vida. Uma sensação viciante como aquela, a de ser capaz de realizar qualquer feito que quisesse! Que tipo de humano não sucumbiria aos próprios desejos ao sentir isso?
Após acordar, aquela Entidade havia feito apenas um rápido contato com o detetive. Sua explicação, como esperava, não fora das mais incríveis. Era como se tivesse dito: “Tu é foda, voa moleque!” E então ido embora como se fosse o maior tutor que já existiu.
“Desgraça! Que se foda também! Contanto que eu siga do jeito que estou, vai ser fácil invadir!”
Poderia até dizer isso, mas realizar a ação era uma história extremamente diferente. Chegar naquele local já era uma grande surpresa, agora, andar sem ser percebido estava além do que seu cérebro era atualmente capaz de processar. Talvez fosse um efeito por recobrar tantas memórias de uma só vez.
Não havia como saber se a habilidade — que sequer sabia qual era — estava ou não ativa. Mesmo quando atravessou milhares de quilômetros andando e chegou na FESOL em menos de cinco minutos, tudo que Hector viu foi um mar de lentidão, apenas ele andando sem rumo por longas e longas horas. O tempo poderia, de alguma maneira, até não ter passado nos relógios, mas para ele…
“Hora de ir!!” Ele cerrou os punhos, saindo de trás da grande pedra antes que hesitasse.
— OH! Bom dia! Como é que cê tá? — perguntou um dos soldados.
— Hum!? Ah, tranquilo. Só pratulhando de novo — disse e olhou ao redor. — E você?
Dois soldados. Aparentavam serem conhecidos de longa data, e se encaravam com uma familiaridade impressionante.
Bem, mas naquele momento ele deveriam ser incapazes de se encararem, pois havia um obstáculo na frente, pelo menos na teoria.
“Eles realmente… não me enxergam?!”
Colocando-se exatamente entre os dois, Hector trocou olhares com cada um, conferindo mais de dez vezes que estava no meio da conversa. Podia até mesmo sentir as palavras colidindo em seu rosto (ou talvez fosse apenas cuspe).
Olhavam e falavam um com o outro sem qualquer preocupação, até mesmo um pássaro que levantou voo de repente atraiu a atenção de seus fuzis, mas não a presença de um homem com uma chamativa cartola.
Ante aquela situação, Hector engoliu seco e deu outro passo adiante. Ao realizá-lo, conferiu, e nenhuma reação veio da dupla.
Invisível? Ele pensou, mas desconsiderou em seguida. Será que ele conseguiria enxergar a si mesmo se ficasse invisível? Ah~! Que dúvida! Até gostaria de gritar “Ei, seus puto! Tão me enxergando??”, mas mesmo que quisesse, não era como se soubesse como encerrar a habilidade.
Ele então estreitou o olhar, apontando aquelas duas adagas verde esmeralda para cada um que ultrapassava em direção ao portão. Não sabia mais quantos soldados vira, muito menos carros que começaram a sair da instalação.
A passos lerdos, o cartola seguiu até o portão, aproveitando uma das brechas para se meter ainda mais dentro do perímetro. E ao atravessar aquela barreira de metal, não foi capaz de evitar o choque que levou sua mente de volta ao passado.
Os grupos marchando, os aviões decolando, os recrutas reclamando. Simplesmente…
— Nostalgia. — As palavras escaparam, e o medo emergiu.
Novamente, ninguém notou, mesmo aqueles que estavam ao seu lado.
— Ei! Disse alguma coisa? — perguntou um soldado ao outro.
Ou não!! Hector se afastou num salto, prestes a sacar a pistola e atirar. No entanto, fora rápido em perceber que eles não o encaravam.
Haviam realmente o escutado? Pelo jeito conversar estava fora de cogitação. Sua presença podia estar “anulada” ou seja lá que palavra pudesse usar, mas a sua voz e sons produzidos normalmente não pareciam estar no mesmo saco.
“Melhor seguir em silêncio.” Uma decisão sábia. Se prestasse atenção, poderia até mesmo ouvir os gemidos surpresos de Yellow ao fundo.
E então, um certo tempo se passou, novamente, não tanto quanto a longa caminhada fez parecer.
18:30 da noite…
Aquela sensação… de quando você retorna de uma viagem longa e, quando chega o final do dia, parece que você estava em casa desde de manhã e que nem tinha viajado.
“Mas que bosta!” Aquela habilidade o faria perder o senso de horário mais do que qualquer outra coisa.
Lá estava ele, parado no meio da pista de aterrissagem. Ainda que estivesse escuro, toda aquela iluminação fazia seus olhos arderem. Estranhamente, o ambiente parecia mais silencioso do que em sua época. Sem homens marchando loucamente, aviões chegando e saindo, muito menos membros do alto escalão gritando na sua orelha. E também, por último mas não menos importante…
“Não tem mais aquelas crianças andando por aí. Será que elas tem um toque de recolher agora? Hunf! Sorte a delas!”
Mergulhou em algumas memórias. As vigias de 72h (sem pausa), as patrulhas no perímetro infindável da base, as missões especiais. Bons tempos, ou gostaria de dizer isso. Era complicado saber se algo foi bom ou ruim no passado quando se sofria de manipulação das memórias.
De um jeito ou de outro, não havia razões para ficar sentimental naquela situação! Ele encarou o prédio em que se hospedava com Victor. Sim! Nada de ficar sentimental! Nostalgia, foda-se!
Com os mesmos passos (e passar de tempo) desacelerados, ele seguiu naquela fatídica direção. Como esperava, não demorou até que encontrasse o canto que tanto almejou desde o início da jornada.
A porta de metal parecia tão nova quanto aquela época, e até mesmo os arrepios causados pela aura irradiada através das frestas do metal permaneciam idênticos, talvez um pouco mais fortes.
“É agora!! Se bem me lembro, basta um toque. Quando atenderem, é só eu me enfiar aí dentro enquanto o otário estiver olhando o nada!”
Com esse plano infalível em mente, ele deu três toques na porta. Como se lembrava do código? Era um mistério que nunca seria resolvido. Mas também, isso importava? Claro que não! A única coisa na qual sua mente focava naquele instante era nada menos que os passos cujo som agravava lentamente, até que cessassem e fossem substituídos pelo lento e prolongado ranger do metal.
Bora!! O cartola disse para si mesmo, precipitando-se na direção da brecha que já se abrira. Porém, uma pequena figura bloqueara sua passagem. Com o risco de ser revelado pela colisão, parou abruptamente, e então se pôs a analisar aquele rosto familiar.
Cabelo curto e loiro, olhos azuis e uma pele clara. No pescoço, uma gravata amarelada descia como um trovão sobre o terno feito de nuvens. Um uniforme simplesmente impecável, utilizado por alguém que ultrapassava a pressão exercida por qualquer sinônimo daquela mesma palavra.
— AH…!! — A figura hesitou brevemente, com um olhar extremamente surpreso em seu rosto. — Que pra-pra-prazer vê-lo! Foi… bem cedo, eh~… Jonas!!
!! Hector olhou para trás. Ninguém, um completo breu vazio. Voltou o olhar para o pequeno homem e confirmou, os olhos azuis fitavam os seus intensamente. De sua boca, nada além de um gaguejo saiu (ao contrário dos gritos emitidos pelos olhos que já saltavam às órbitas).
— Olá… Sr. Alex!!
O homem que menos queria encontrar fora o seu primeiro obstáculo real na aventura que acabara de iniciar. Alex ThunderGold!! O vice-líder de toda a FESOL se colocou como barreira ante a última e única porta que separava Hector de suas respostas. Para piorar, ele estava realmente… o vendo!??
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