A Mansão de Alamut Brasileira

Autor(a): Safe_Project


Volume 2 – Arco 3: Dia do Tarche

Relatório 30: Sombra

No que parecia ser a cartada definitiva de Romantusk, um Tigre Dente-de-Sabre surgiu após vários gatos de rua se unirem numa imensa massa de carne e vísceras. Em contrapartida, Yellow invocou a misteriosa sombra de um espadachim.

Deus da Espada. Pode chamá-lo assim.

Deus?, questionou Victor. Nunca ouvira falar de tal entidade, incapaz até de imaginar de qual crença poderia ter vindo. Bem, considerando que veio de Yellow, era de longe a informação menos confiável de toda a confusão.

— Certo, mas… o que exatamente eu deveria fazer agora que você invocou esse cara aí? Ainda tem um tigre gigante querendo minha garganta!

Foque no da máscara. É tudo que vou dizer. —

Num novo avanço digno de um lançamento de foguete, o espadachim foi contra a grande boca da criatura. O som de metal raspando rasgou os tímpanos do detetive, criando uma dúvida ainda maior acerca do material que aquelas presas eram feitas.

O guerreiro escuro isolou o animal para a lateral, abrindo caminho. Victor não perdeu tempo. Ergueu a mira da pistola novamente e atirou! Dois disparos mirando a cabeça do mendigo.

As mãos foram levadas à frente do rosto, protegendo-o.

Treck! As balas foram evitadas, praticamente escorrendo ao invés de penetrar a pele do homem.

Victor então imitou o das espadas. Avançou como se não houvesse amanhã. Sem os gatos, Romantusk não deveria ter formas de se defender.

S L A S H!!

Era o que pensava. As unhas amareladas tornaram em verdadeiras lanças, não cortando o investigador ao meio graças ao rápido recuo deste.

Encare-me como um homem!, ele gritou, mesmo tendo acabado de se tornar algo não-humano.

Uma estocada veio! A ponta das lanças que empunhava em cada dedo mirando o estômago do oponente. Contudo, assim como a lâmina de Alpina que tentou o mesmo movimento, a corrente elétrica emergente impediu qualquer mínima penetração.

Ao mero contato com o corpo de Victor, as longas unhas tão duras quanto metal se dobraram como se fossem de borracha. Romantusk se afastou com dois saltos.

Com toda a movimentação, um pouco de seu cabelo escapou pelos trapos que chamava de roupa. Dreads negros e duros, mais pareciam cipós de pedra. Impregnados. Um tipo de poluição nada convencional tornava parte dos fios num cinza carvão.

O detetive quase perguntou há quanto tempo ele não tomava banho, impedido por uma dúvida maior.

— Então você e sua organização descobriram a existência dos Amuletos? Qual era mesmo o nome daquele que seu colega tava usando?

O sem-teto riu curtamente. — Você sabe sobre os Amuletos do Poder? Não esperava menos de alguém que trabalhou na FESOL.

— É, na verdade eu não me lembrava o que eles eram, só ouvi o termo por aí. Fingi pra ver se conseguia te fazer falar.

— HAHAHAHA! Entendi, valeu a tentativa. Eu gosto de pessoas como você, realmente uma pena que seja meu alvo.

— Eu digo o mesmo sobre a última parte. — Apontou a pistola novamente, adicionando num murmuro: — Yellow, não vai querer me ferrar agora!

Bang! Bang! Ambos disparos evitados pela fera humanoide, que em seguida saltou contra o detetive.

Antes que alcançasse, uma descarga elétrica bloqueou o caminho, também evitada com sucesso.

— O que querem aqui em Paradise? É mais do que óbvio que não está trabalhando sozinho. Governo, Polícia, Exército… Quem é seu chefe?

Nada além de rosnados vinham do homem. Nada, exceto também por mais perguntas.

— E vai fazer o que, me torturar? É algo típico de vocês, não é!?

Quê?? De um jeito ou de outro, esse cara provavelmente não abriria a boca nem na base da tortura, não que isto fosse de fato uma opção.

— Que tipo de afirmação é essa? Quem pensa que é pra falar assim do meu país?? — A fúria em seu tom de voz fora respondido com um sorriso torto.

— Eu tive tempo mais que suficiente para entender como esse lugar e as pessoas funcionam!

Não adiantava correr para detrás dos carros, mesmo o metal era cortado como manteiga ante a faca quente que eram aquelas lâminas que o mendigo empunhava em cada dedo.

— Amuletos, território — continuou —, essa nação de merda faz qualquer coisa por poder! Não é muito diferente dos outros países de Solum, mas hoje em dia é fácil notar o quanto vocês passaram da cota, isso se ainda tiver restado alguém pra perceber!!

CRRAAWSH!! Com apenas uma das mãos, ergueu o carro que cortou ao meio e arremessou. Outra faísca. As pernas de Victor saltaram e quase deixaram o corpo para trás, alcançando o telhado de um dos prédios baixos logo atrás.

— De que porra tá falando, guri!? Apenas responda a pergunta de uma vez!

Ele riu novamente, tossindo no meio do processo. — Sim, é sempre assim! Gente do seu tipo não deve saber o significado da palavra “mudança”!

Uma outra reclamação travou na garganta do investigador. Romantusk ofegava sem parar. Era de se esperar, um mendigo que passava o dia inteiro sentado acariciando gatos não deveria ter muita energia. Pelo menos, falar era algo que nada parecia capaz de pará-lo de fazer.

— Os Amuletos? Eu honestamente não me importo com quem ou para o que eles vão ser usados!

As unhas retraíram ao passo que a tosse fazia mais presença. Ainda que nenhuma ferida ou golpe tivesse acertado um ponto crítico de seu corpo, a saliva passou a ganhar um tom avermelhado conforme o homem falava.

— Se pessoas vão morrer por causa disso, EU TAMBÉM NÃO LIGO!! Pode me chamar de assassino, eu NÃO LIGO!! — A mão foi até a máscara, desprendendo-a do rosto. Ele então apontou para si. — Nenhum de nós liga!

Olhos escuros, com pupilas finas e cinzentas, um olhar alterado não pela modificação de sua aparência devido às habilidades, mas por algo mais enrustido; abissal em sua alma.

— Você…! E-Entendo. Agora eu entendi tudo.

A voz falha contrastou com o aumento de voz. Foi para que o mendigo pudesse lhe ouvir ou por outra razão? Não conseguia dizer por si mesmo.

Hunf! Foi fácil notar, né? Tenho certeza de que “lidou” muito bem com meus semelhantes enquanto trabalhava na FESOL. COF! COF!

O detetive paralisou, parecia ter finalmente sofrido o efeito de tanta eletricidade percorrendo seu corpo continuamente. Ao passar do efeito de tanta adrenalina, suas pernas cederam e os joelhos encontraram a beirada do terraço do prédio. Estava à mercê da brisa.

— Victor White, ou eu deveria te chamar de… Fantoche de Inquisição?

Seus olhos por pouco não saltaram das órbitas. Um termo enterrado metros abaixo da terra, retirado com uma escavadeira sem a menor delicadeza e rudemente arremessado contra seu rosto, impregnando a língua com o gosto dos vermes que um dia chamou de colegas.

— O que foi? Esse nome não deveria ser motivo de orgulho por aqui? QUAL O PROBLEMA, VICTOR!

Blueerg!! Foi a vez de Romantusk cair de joelhos. A roupa branca foi manchada, igualando-se ao interior daquele que a usava. A poça vermelha formada logo abaixo não afetava em nada, sua garganta ainda continuaria proferindo mais e mais. Independente de dor, o mais importante agora era falar.

— Não importa o quanto tente me ignorar; nos ignorar… Sempre estarei lá, te olhando…

Ergueu a cabeça o máximo que pôde. Naquela situação, era um inseto esmagado encarando o homem que lhe atingiu, ainda assim, capaz de proferir facas.

Nem que seja do profundo abismo  que existe na sua sombra!

Olhares refletidos um no outro, ambos beirando a morte. Ou será que o nome adequado no momento seria Salvação? Talvez para um, mas de jeito nenhum para outro.

Bem dramático, mas não me fez chorar.

O demônio soou na cabeça mais que perturbada de Victor. Como se os seus próprios já não bastassem, Yellow surgiu mais uma vez para marcar presença no jantar na mente do detetive, onde nada além de sua sanidade era servida aos poucos para os inacabáveis convidados.

Você deu sorte, aquele cara não devia ser muito atlético. Alá, tá todo estourado na calçada. —

Entre tosses e soluços — ambos vermelhos —, uma pergunta veio através dos lábios trêmulos.

— O que vai acontecer com ele?

Yellow deu um curto riso, guiando o olhar de seu jarro de barro na direção que queria.

Vindo mais acima da avenida em alta velocidade, o enorme corpo do Tigre gigante colidiu e arrastou Romantusk junto de si alguns metros pelo concreto. O rastro ficou mais que notável na pista, decorado com órgãos alheios.

O grande e inicialmente imponente felino, agora parecia muito mais com os animais que o tornaram no que era.

Os miados curtos tinham menos voz, essa tomada pelos cortes abertos em cada centímetro de seu corpo. O pelo, antes cinzento, tomava agora um forte rubro como capa protetora, a qual gritava contra o oponente ainda intacto.

A sombra desceu calma pela rua. Se colocando a menos de dez metros do alvo, levantou as duas lâminas na altura dos ombros, mirando as pontas afiadas para a presa.

— O que… o que vai fazer?

Hã? Não é óbvio, besta? A noite ainda não acabou. E não vai dar pra seguir seu verdadeiro alvo com uma coisa dessas sendo seu encosto. Apenas observe. —

Como se obedecesse uma ordem, a figura sombria saltou. Muito mais do que um humano conseguiria, parecia voar, usando asas de metal para tal.

Victor nada fez além de (tentar) apreciar. A voz não saía, e uma tentativa que nada expeliu além de sangue foi o suficiente para fazê-lo desistir da persistência.

O espadachim pairou acima do tigre e seu dono. Sem escapatória. Uma verdadeira armadilha que necessitava apenas dele para funcionar. A prova de que as armas do passado podiam facilmente superar qualquer força do futuro.

Contemple! O poder da mais bela sinfonia que esse mundo já criou!

S               S

L               L

A               A

S                S

H               H

!!                !!

A Avenida, o bairro, talvez a cidade inteira fora tomada pelo tremor que se seguiu. Um corte tão perfeito que podia ser visto à olho nu, atravessando o concreto como se este não existisse e, claro, rasgando junto todo e qualquer pedaço de carne que estivesse em seu caminho.

A rua se partiu ao meio. Uma bifurcação profunda o bastante para alcançar as origens do Demônio de olho dourado.

— Aquilo… O QUE É AQUILO!?

Engolindo os cadáveres sobre o asfalto, uma construção curiosa se revelou, acompanhada por um terceiro invasor de cena, que fugiu antes de ser identificado.

De forma geral, era uma grande cápsula esférica, cujo interior antes brilhante perdeu rapidamente as mil e uma cores que o decorava.

Não se importe com aquilo. Vá atrás do fugitivo. —

Outra descarga elétrica impulsionou o corpo de Victor para cima. Novamente de pé, ofegou na direção daquela calamidade.

Não fora mais pela incapacidade de falar, simplesmente não encontrava palavras para aquela situação. Romantusk, tanto o homem quanto a rua em si, foram cortados ao meio facilmente pelo Deus da Espada, cujo desvaneceu em névoa segundos depois.

Havia realmente forma, ou melhor, mente capaz de seguir caminho depois de tal situação? Uma normal, com certeza não.

Victor não sabia mais se era sua própria vontade ou daquele que havia lhe parasitado. Sem motivos ou força própria para olhar para trás, o detetive apenas avançou.

 

 


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