A Mansão de Alamut Brasileira

Autor(a): Safe_Project


Volume 2 – Arco 3: Dia do Tarche

Relatório 29: [Stray Cat]

                                                                                                    

28 de Abril, 9:37 da noite

                                                                                                    

A multidão se dispersou de repente, mas a pequena confusão não foi o suficiente para generalizar o caos apaziguado pela música e o cheiro forte de comida apimentada.

Carregando Hector em seus braços, Igor passava por cima de todos que de alguma forma tentavam segurar o homem que até dois momentos atrás apontava uma arma para a cabeça de uma criança — ainda que esta tivesse esfaqueado-o.

— Porra! Logo quando eu encontro o arrombado acontece isso!! — reclamou o detetive, pressionando a perna fortemente.

Seus colegas não retrucaram, concentrados em tirar o cartola do local o mais rápido possível. E assim como eles, outras pessoas buscaram suas próprias saídas.

Puxando Lucas pelo braço, Enry arrastou seu protegido pela multidão. — Agora é a melhor hora! Bora sair daqui, soldado!

O Intangível assentiu, focado agora em vigiar seus próprios arredores. No entanto, havia algo que mesmo seus instintos ainda afetados pela batalha não eram capazes de captar.

No alto de um pequeno prédio, a figura encapuzada do Informante se distanciou rapidamente. No céu, os enormes mosquitos de metal guiaram seu caminho para o destino que há tanto tempo perseguiu.

— Eu queria ver o fim da luta. Fazer o que, né…

 

***

 

Agora, ao sul da Avenida Romantusk, uma situação no mínimo inesperada aos olhos comuns se desenrolava — mesmo que tais olhares fossem atualmente incapazes de observar tal evento.

Cercados por incontáveis gatos de rua, as três figuras tiveram uma intensa troca de olhares, mas a primeira fala partiu de Romanov.

— ROMANTUSK! MATE ESSE CARA!!

O mendigo de face oculta fitou Victor, cujo rosto era maculado pelo semblante eletrizante de um verdadeiro demônio.

A eletricidade percorria todo o seu corpo a partir do olho esquerdo. Uma bomba de adrenalina. Seu sorriso aumentava a cada nova carga, acompanhando aquele o ar pesado que surgia na área ao seu redor.

O mendigo passou entre os gatos. — Quem… Não, o que é você? É humano, pelo menos?

Nem o próprio detetive sabia mais responder, seu corpo já estava tão fraco que, se abandonado agora, apenas despencaria como um fantoche sem ventrículo.

Com uma breve análise, Romantusk entendeu. O Demônio de olho Dourado! Exclamou, tomando distância novamente.

— Então ele realmente existe? Ver ao vivo é bem diferente. Como que você consegue dividir o corpo com uma criatura dessas?

— Eu que faço as perguntas aqui! Quem são vocês e o que buscam em Paradise? — Sacou a arma e colocou contra a cabeça de seu refém. — Eu sei que vocês estão envolvidos com a série de assassinatos! Me expliquem o que querem com isso!

Como não era obrigado, o mendigo apenas apontou com o dedo e disse:. — Romanov, não se mexa!

O próprio já estava paralisado, de qualquer forma, mas valeu pela intenção.

Cada um dos felinos avançou para o ataque, um cerco de todas as direções. As garras e presas foram expostas. Não pareciam estar sendo controlados, ao menos era impossível perceber qualquer sinal apenas olhando.

As pernas do detetive se moveram sozinhas, saltando para trás como uma pulga. Uma sequência de mordidas e arranhões atingiu seus membros inferiores, mas nada de sangue podia ser visto escorrendo.

O ataque cessou assim que seu corpo transpassou a onda de animais. Momento de quase morte? Havia passado por tantas até agora que alguns gatinhos enraivecidos não lhe faziam nem hesitar em avançar de novo.

Vendo a oportunidade, Romanov finalmente se levantou e correu até seu ponto seguro.

— Por que não o matou? Era sua chance!

— As ordens são para capturá-lo, certo? Então é isso que farei. Parece que querem investigar o corpo dele. — Os gatos se reuniram ao redor outra vez. Uma verdadeira cerca viva. Por debaixo da máscara, ele fitou o demônio. — Mas sabe… acidentes acontecem.

Afinal, quem estava no controle daquele corpo? Se chutasse, definitivamente apostaria em Yellow. As pernas do homem estavam bambas, as olheiras alcançavam praticamente todo o rosto e a respiração quase não existia. Ao considerar então a inexistência de sangue escorrendo pelas feridas, poderia dizer até que lutava contra um cadáver. Os pesquisadores provavelmente estavam interessados nessa relação de parasita e hospedeiro.

Fitando o olho dourado em específico, o mendigo continuou: — Você usa o corpo deste homem apenas para seu próprio entretenimento, não é? Digno de alguém chamado de Demônio.

Você e eu nem somos tão diferentes assim, rapaz. Acha que eu não sei?

Victor conseguiu sentir um crescente peso na atmosfera da área. Ainda que a máscara cobrisse o rosto, a ameaça transmitida por seus olhos ultrapassava qualquer barreira.

“Yellow… O que caralhos você falou pra ele?” Não teve resposta.

Romantusk estendeu o braço para o lado. — Romanov, saia daqui. Eu vou eliminar esse homem!

A boca do outro se abriu, pronta para contestar, travada pela encarada que partiu do olho dourado. Engoliu seco e, ainda hesitante, reiniciou sua corrida em direção ao sul da avenida, em breve desaparecendo em uma das ruas.

Porra! Exclamou Victor, atirando contra o fugitivo. No entanto, o bang ecoou por mais tempo do que o projétil em si fora capaz de rasgar o ar.

Antes que ultrapassasse Romantusk, um dos vários felinos saltou contra a trajetória do tiro, tendo seu rosto explodido em consequência.

O investigador arregalou os olhos e recuou alguns passos. Ele tem controle sobre os gatos? Novamente, sua pergunta não foi esclarecida.

O sem-teto não parecia lhe encarar, mas sim aquela outra presença em seu corpo. Ignorável. Um humano, ainda que com um Fator B, passava totalmente despercebido quando ao lado deste Ser.

“Não acho que adiantaria atacar o corpo”, pensou o mendigo, se preparando como um tigre. “Se de alguma for possível cancelar essa possessão, o detetive vai ser fácil de matar!”

O olhar de predador encarou o olho de ouro ainda mais intensamente. Erro dele. Não demorou muito para que esta ação fosse respondida, ao contrário de todas as perguntas feitas pelo receptáculo do Deus do Abismo.

Seus arredores foram engolidos por uma névoa avermelhada, um calor desértico invadiu cada poro de sua pele e, em uma profundidade inalcançável, lamentos ecoavam. Gemidos dos mortos, clamores daqueles que desejavam alcançar o pós-vida, mas que eram obrigados a permanecer no limiar da própria existência física.

O responsável estava longe de ser Yellow. Era maior, disforme e risonho. Exceto pelo largo sorriso, todo o resto do corpo não passava de uma sombra inigualável. Difícil imaginá-la curvando-se à imagem de alguém senão à sua própria.

Por todos os lados, vozes invadiram sua cabeça. O receptáculo não era notável neste ambiente. Quem falava era a própria névoa. Os olhos do ser onipresente.

Se quer me enfrentar, pare de ficar apenas encarando e me alcance de uma vez.

Quero ver você tentar.

O ambiente infernal se desfez num piscar de olhos. Victor ainda apontava a arma, e seu recuo após a falha em acertar o tiro se fez novamente.

Com uma curta paralisia, Romantusk rangeu os dentes e abriu ambos os braços.

— USA-ME, IMPERADOR DAS FERAS!!

A surpresa veio de ambas as almas no corpo de Victor. Familiar e sem sentido, isso era a reação às palavras do homem. Os gatos começaram a se acumular ao redor de um ponto em comum, o cadáver do felino recém-baleado!!

Eles foram, muitos ao mesmo tempo, entrando em contato com o desfalecido. Garras, dentes, a carne em si. Como num triturador (envolvidos por uma massa assimiladora), as cores e miados se mesclaram num só corpo.

O defunto, por sua vez, aumentou de tamanho exponencialmente. Seus olhos abriram uma segunda vez. Um acumulado de criaturas, ditas terem sete vidas cada. Uma existência talvez imortal. De fato, transcendendo o tempo e retornando à vida nesta época distante.

Um felino de grande porte, pardo de olhos equivalentes à neve. Porte dos ancestrais dos elefantes, levando consigo as presas destes e os rugidos de um leão.

Uma encarada que só não levou os joelhos do detetive ao chão graças ao poder equivalente ao da fera que emanava de seu olho esquerdo, força esta carregada por faíscas elétricas de excitação.

Victor gaguejou: Um tigre…!?

Um Dente-de-Sabre, mas por mais óbvio que fosse, o medo lhe impediu de completar a relação. Enquanto isso, sua outra voz dizia:

Haha!! As coisas vão ficar interessantes!! —

O CARALHO!! Victor gritou em seu coração. Aquilo era o poder de apenas UM Fator B? Num nível deste, considerar tal possibilidade era o mesmo que apostar na vitória de uma espada contra um fuzil.

A fera rosnou na direção do detetive, ameaças praticamente traduzidas pelos pensamentos do sem-teto.

“Vou apostar tudo atacando o corpo. A possessão provavelmente vai se desfazer se eu transformar esse cara em carne moída!!!”

O avanço que se seguiu por parte do tigre pré-histórico poderia muito bem ser trocado por uma simples patada. Aquelas garras do tamanho de um braço parrudo seriam mais que suficientes para cortar um homem ao meio, e mesmo assim foram as duas presas a partir pra cima de Victor.

Este se protegeu com seus braços. Idiota, seria chamado por outros. Porém, aquele que estava ao seu lado tinha culhão suficiente para, além de chamá-lo de idiota, oferecer uma solução.

Tlink!! O raspar de metal trouxe o animal e Romantusk de volta para a realidade. Aquele não era um homem normal, muito longe disso.

Ye-Yellow!? Chamar pelo demônio tornou-se um novo instinto de Victor, mas tal ação era desnecessária àquela altura.

Um braço negro se estendia das sombras, empunhando uma espada levemente curvada. Com um empurrão, afastou o grande felino.

— Uma sombra? Que tipo de habilidade é essa!? — questionou o mendigo.

Ao invés de avançar novamente, o Dente-de-Sabre recuou ao passo que a figura emergia da escuridão.

— Yellow, que tipo de monstro você invocou!??

Não é um monstro, digo, de certa forma. —

Era a silhueta de um homem. Apesar de ondulosa e a falta de rosto sólido, as espadas que empunhava em cada mão denunciavam a alcunha de espadachim. Um bastante habilidoso. Podia-se dizer isso tanto pela forma que empunhava suas lâminas quanto pela tranquilidade em sua posição.

Essa não é uma simples sombra. Mas também não é como se eu fosse te dizer quem é. Se quiser, pode chamá-lo de… —

Deus da Espada!!

 

 


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