A Mansão de Alamut Brasileira

Autor(a): Safe_Project


Volume 2 – Arco 3: Dia do Tarche

Relatório 26: Força Histórica

Terra. Nada além de terra aparecia na frente de Lucas. Era diferente da que estava acostumado, era mais que óbvio. Esta tinha uma aparência e textura áspera como pedra, ainda assim, a maleabilidade era idêntica ao produto original. Não havia sedimentos, raízes da grama ou qualquer outra coisa do tipo, apenas uma massa marrom completamente lisa.

Para sair deste mar sem fim, bastou apenas um salto. De um instante para o outro, a luz do sol o cegou. Acostumando-se, presenciou uma raiz de árvore atravessar o peito intangível, enquanto outros vários eram defendidos pelos tentáculos negros da [Dark Wave].

— Nada mal — disse Xeps, fitando Lucas. — Eu sempre me perguntei se o tal “instinto de batalha” era algo real. Eu consigo ver a sede de sangue nos seus olhos!!!

No instante em que seus pés tocaram o chão, estacas de pedra emergiram em direção ao pescoço. Atravessaram. Lucas permaneceu dentro das estruturas agora estáticas, colocando parte da cabeça para fora, de forma que seria capaz de observar.

Xeps reclamou, mas num tom estranhamente empolgado: — Vocês do Fator B são cheios de truquezinhos! Mas é isso que deixa a batalha mais interessante!!

Uma rajada de tiros seguiu na direção de Alexandre, obrigado a se esconder atrás dos grandes tentáculos da criatura sem face.

No lugar que considerava seguro, Lucas refletiu quase ao mesmo tempo que Xeps.

Afinal, como exatamente aquilo aconteceu? A [Dark Wave] era capaz de uma alteração daquele nível? Antes que percebesse, lembrou das instruções que lhe foram passadas.

                                                                                                    

Os tentáculos abriram caminho na carne de Lucas, penetrando sua caixa torácica. Ao alcançarem um órgão em específico, um forte pulsar foi escutado.

— O-O que você fez!?

— Apenas tente usar sua Intangibilidade dentro da terra. Se não funcionar, o resultado seria o mesmo que eu nem ter tentado essa merda de técnica. — Alexandre roeu as unhas. — Aquele Isaac… Por que ele escondeu isso de mim?

                                                                                                    

A batalha reiniciou a partir dali. Xeps percebeu a dificuldade crescente contra os dois, e sua variedade de ataques aumentou, assim como o brilho do colar pendendo em seu pescoço.

“Aquele item… Que desgraça é aquela?”, perguntou-se, se colocando por completo dentro da terra. “Ele não consegue me localizar mesmo controlando todo o terreno. O Alexandre percebeu isso?”

Admiração? Estava longe de ter isso pelo homem que quase lhe matou de susto no primeiro encontro que tiveram. O mínimo de respeito, pelo menos. Por mais esquentado que o homem fosse, era inegável o fato de que não era um principiante em batalhas. Nada surpreendente vindo de uma pessoa que guarda uma escopeta embaixo da mesa da cozinha.

“Eu não sei o que ele fez, mas eu de alguma forma consigo me mover mesmo dentro da terra. É como se eu saltasse no completo vácuo! Minha habilidade melhorou pra porra!!”

O gosto doce da liberdade encheu sua boca. Será que ainda havia alguém capaz de atingi-lo? Ah~! A vontade de ir aos esgotos só para testar atiçou seu instinto outra vez, mas a dor que eclodiu das feridas nos braços e pernas lhe fizeram recuar com a ideia.

“Certo! Eu só preciso me aproximar e puxar o Xeps pra baixo! Ele vai morrer na hora!"

Seu avanço acelerou, com saltos constantes para a superfície para localizar o inimigo — como uma toupeira. O General estava distraído até demais com Alexandre. Havia se esquecido do outro? Uma pontada de raiva acertou o Intangível.

Ora! Tudo bem que a [Dark Wave] fosse um Fator B lendário ou coisa do tipo, mas sério que um General de exército estava ignorando um homem que poderia matá-lo num simples puxão de pé?

Lucas se decidiu na mesma hora, se fosse pra bancar o “monstro debaixo da cama”, faria com que aquele homem não se esquecesse da morte nem no pós-vida!

Numa última conferida, teve certeza da proximidade com o inimigo. Saltou mais por uma questão de honra do que de vida!

Ao emergir como um tubarão, apenas alguns centímetros separaram sua mão da perna do fardado.

Xeps o fitou de canto, um piscar de olhos que foi suficiente para ele reagir. No instante seguinte, a face incrédula de Lucas caiu sobre Alexandre, que esboçava um sorriso cínico. Como? O Intangível se perguntava.

“E-ESSE PUTO TÁ VOANDO!!!”

Com uma melhor análise, o segredo daquele voo foi revelado. Uma fraca distorção da imagem de Xeps e o movimento contínuo de suas roupas deu o sinal necessário para a constatação de uma intensa força do vento ao seu redor. Este, inclusive, passou a se concentrar ao ponto de formar uma plataforma tangível logo abaixo de seus pés.

De pé numa rajada de vento… Nem mesmo o homem capaz de atravessar paredes acreditava no que seus olhos viam.

TRUM! Uma nova fossa revelou seu corpo intangível por completo. As partes da criatura já estavam à postos para salvá-lo da queda, mas outra “ajuda” agiu primeiro.

Seu corpo não caiu, muito pelo contrário, estava flutuando como o General.

“PORRA! Isso é ruim, MUITO RUIM!!”, pensou Lucas, mirando Alexandre com o olhar, que fitou de volta, de olhos arregalados e testa franzida.

Completamente fora de controle, o corpo do fugitivo foi arremessado pelo furacão invisível que acabara de lhe capturar. Na visão de seu protetor ainda em terra, não passava de um inseto sendo balançado dentro de uma caixa por uma criança maligna.

Hahaha! Então aqueles cientistas estavam realmente certos! — exclamou Xeps, mais animado. — Você não é completamente intangível, Lucas Silva!!

O próprio ficou estático com tais palavras. Teoricamente era impossível alguém saber mais sobre uma pessoa do que a própria, mas pelo visto era mentira.

Xeps adicionou: — Coisas naturalmente intangíveis, você não é capaz de evitá-las. Desde o início eu considerei a possibilidade de você não ser capaz de evitar o vento, e pude confirmar por causa do movimento das suas roupas.

Lucas foi incapaz de refutar a acusação, encurralado tanto mental quanto fisicamente. Por mais que tentasse, seu corpo era, de fato, incapaz de evitar uma fenômeno naturalmente intangível.

E ao surgir de uma nova ideia na cabeça do General, aquela face curiosa de um homem sem medos caiu sobre o rapaz incapacitado.

Com um simples movimento de mão, trouxe sua vítima indefesa para o seu lado em pleno céu aberto.

— Agora eu pergunto: Será que você também é capaz de ignorar sua própria respiração? Eu só conheço um homem capaz disso. Será que você consegue imitá-lo?

Expressões completamente opostas nasceram em ambos os rostos. Desespero e curiosidade doentia. Esta última que seria sanada com uma ação tão simples quanto respirar.

A mão de Xeps preparou o comando com o dedo indicador, elevando este na direção do céu limpo e, consequentemente, para o vácuo do espaço, o qual todos ainda tinham dúvidas acerca de sua existência neste ambiente artificial.

O vento se intensificou ao redor de Lucas, direcionando seu corpo para um rumo retilíneo. Um arremesso perfeito para a primeira vitória de Xeps, um jogo que estaria ganho se não fosse por sua memória falha.

Um dos tentáculos maiores elevou-se no céu ao ponto de alcançar e golpear o General como uma cauda de baleia contra um nadador.

— Não se esqueça de mim, filho da mãe! — vociferou Alexandre, que continuou o ataque.

Xeps evitou o impacto fatal com o chão facilmente, criando um túnel na terra com a qual colidiria até que o vento interrompesse por completo seu movimento.

Dentro do túnel, viu os tentáculos da criatura lhe cercar antes mesmo que o sol iluminasse por completo aquele largo espaço. Inútil!! Uma explosão de chamas queimou cada um dos membros ondulosos, fazendo um esperneio agudo ecoar pela paisagem.

Emergindo do chão na bola de fogo, Xeps se colocou de pé novamente, vendo o homem intangível pousar ao lado de seu protetor.

— Eu não me esqueci, apenas pensei que não precisava me importar com você — disse em alto e bom som. — Você se acha demais para alguém tão inútil, Isaac Mon D’arc.

— É cego por acaso? Aquele Isaac já saiu da parada tem muito tempo! Meu nome é Alexandre! Lembre-se bem disso!!

— Tanto faz, não muda o fator inutilidade.

Xeps assumiu uma posição nova. Parecia um samurai prestes a avançar com tudo, a diferença era a troca da espada pela pistola que sacou da cintura após se livrar do fuzil.

Lucas deu alguns passos para trás, notando o emergir de alguns tentáculos da criatura ao redor do companheiro, este que tomou uma forma mais recolhida, protegendo o corpo ao colocar os braços à frente.

“Inútil? Como que um Fator B capaz de espantar um exército somente com sua presença é algo inútil? Será que esse doido realmente sabe com quem tá lutando!?” Sua mente pareceu ser lida.

Xeps sorriu. — A força da [Dark Wave]… Ela não passa de uma falácia, aquilo que devia ser temido já se perdeu com a versão original desse Fator há séculos atrás!

Trum! O General avançou num salto único, se colocando alguns centímetros de Alexandre antes que os olhos deste pudessem reagir.

— Numa batalha real, esse Fator B é simplesmente um dos mais fracos que eu já vi!

BANG!

Certeiro. Um disparo que partiu de baixo, traçando um rastro de chamas da boca da pistola até literalmente arrombar a linha de chegada.

Lucas viu um desenrolar em milésimos de segundo. Agora, o rastro de fogo tomado por um vermelho forte atravessava a cabeça de Alexandre, revelando o ponto de invasão na testa desse quando o corpo tombou para trás.

A expressão no rosto do baleado não mudou. Não teve tempo para alterar a raiva que, com dificuldade, disfarçava o medo. Agora, tais expressões foram transferidas à face de Lucas, que caiu de joelhos ante a derrota de sua única salvação.

— Caramba, é até mais fraco do que imaginei. — Xeps guardou a pistola na cintura e encarou Lucas. — Bem, onde foi que paramos?

O Intangível fixou seu olhar no corpo de Alexandre. O General, por sua vez, caminhou em sua direção. O rapaz estava estático, com apenas uma leve tremulação em seu olhar.

— E então? Quer continuar ou vai finalmente facilitar minha vida? — perguntou ele, se permitindo analisar o cemitério que este mundo havia se tornado.

— Porra… — sussurrou o fugitivo. — Esse cara é maluco.

Realmente, isso Xeps tinha que concordar. Isaac parecia ter noção dos limites de seu Fator, tanto ele quanto o tal Alexandre, e ainda assim lutaram melhor do que o esperado. Durante toda a batalha, não soube distinguir se aquela astúcia toda era inteligência ou realmente maluquice de alguém que sabia que iria perder.

Mas isso era águas passadas. Ele estava morto, e mesmo que o objetivo inicial fosse capturá-lo com vida, todos no QG e na missão sabiam que isso seria mais do que impossível, até para os mais habilidosos soldados.

O colar no pescoço do General brilhou novamente, agora destacando um azul profundo. Uma corrente de água emergiu da terra, serpenteando pelo ar até formar algemas inquebráveis e intransponíveis, enroladas nos pulsos e pernas do fugitivo.

— Certo. Vamos embora daqui de uma vez. — Com o indicador, ele apontou para o céu e lá surgiu uma porta em pleno ar, revelando a saída daquele realidade e o ponto de retorno para o mundo real. — Tem mais alguma coisa pra me dizer, Lucas Silva?

Os olhos do rapaz se arregalaram. — Você é imortal ou algo do tipo?

Xeps arqueou uma sobrancelha. Não respondeu. Deu de ombros e suspirou decepcionado. Tudo bem que era possível imaginar isso, dado a quantidade de habilidades que demonstrou, mas sério que não tinha nada melhor?

Sem mais se importar, ordenou uma rajada de vento a erguer a si, Lucas e o cadáver.

Erguendo todos em direção à porta no céu, tentou comunicação com os companheiros uma segunda vez. Talvez por causa da saída da paisagem, a interferência desapareceu.

— Aqui é o Xeps. Estou levando Lucas Silva e o cadáver de Isaac. Repito, estou levando Lucas Silva e o cadáver de Isaac. Câmbio.

Guardou o rádio na cintura, fitando o céu noturno através da porta flutuante. E nesta tranquilidade pós-batalha, fitou Lucas que permanecia de cabeça baixa.

— Diga, moleque. Qual foi o motivo da pergunta sobre ser imortal? — Não podia negar, o assunto lhe interessava bem mais do que parecia.

Lucas mostrou descrença no semblante, respondendo: — Só fiquei curioso, seria loucura se existisse mais alguém que nem esse cara.

Um sinal atingiu todos os seus instintos e sentidos naquele mesmo instante, mas a reação fora mais do que tardia.

De repente, as plataformas de vento se desfizeram, e exceto por Xeps, todos permaneceram no ar, agarrados pelos tentáculos negros que outra vez se moviam.

Filho da…!! O General gritou, interrompido por uma bolha de sangue que travou as palavras ao tomar o espaço de sua boca. Levou tanto a mão quanto o olhar ao lado direito de seu abdômen. Lá estava ele, um dos membros da criatura sem rosto, atravessando seu corpo como uma lança.

— Você é bem esperto pra um General, muito mais do que eu esperava.

Uma voz nova!? Sua atenção foi tirada da dor que seu cérebro mal era capaz de processar e levada até o dono do tom zombeteiro.

Puxados para cima pelos tentáculos e em direção à saída daquele mundo, havia um homem trajando a farda do exército. Cabelo raspado, boné camuflado, pele alva e olhos castanhos. Se não soubesse que era filho único, Xeps diria que aquele era seu irmão.

— Talvez eu pegue seu cargo no exército a partir da amanhã, Sr. Xeps. — A figura sorriu, exibindo Lucas em seus braços como se fosse um prêmio.

Porém, a determinação do fardado estava longe de ser derrotada por um golpe daqueles. Maldito! Bravejou na direção dos dois, e um brilho fundindo quatro cores diferentes emanou de seu colar.

Lucas tapou os olhos, decidido a não ver mais nada a partir dali.

E assumindo ação oposta, a nova personalidade que acabava de fazer presença no acumulado de pessoas que era a [Dark Wave] se apresentou, em tom entusiasmado.

Enry! Esse era o seu nome, um desconhecido tanto para o General quanto para Lucas, mas que agia como se fosse o melhor amigo do último.

A luta pela supremacia havia de continuar, e o ápice se aproximava numa velocidade insana, superando até mesmo a capacidade de percepção do olho dourado que observava de todos os cantos.

 

 


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