Volume 2 – Arco 3: Dia do Tarche
Relatório 24: Jargão do Demônio
Alpina, a reconhecida Comandante do exército de Utopia estava diante dos olhos do detetive. E… demoniozinho? Victor não precisou nem de um segundo para entender, e se levasse, a morte era quase garantida.
Blam! A mulher disparou para cima, mirando a espada em sua barriga. Para seu azar, nenhum dos cinco cortes atingiu o alvo.
— Então… vocês também sabem do Yellow!? — Um aperto atingiu seu peito, como se traído pela namorada.
— É claro que eu conheço! Acha que eu sou algum tipo de idiota? — A espada mais parecia um galho em sua mão. — Qualquer um com um Fator B já pelo menos ouviu falar dele!
O olhar sagaz de Alpina desceu até a cintura do detetive. Sua mão colocada sobre a arma que pensava estar escondida na cintura.
"Ela…!!!" Estalou a língua. — Eu, um Fator B? Acho que você tá delirando, guria.
Conteve um riso, usando a espada para apontar novamente.
— Victor White, bisneto do casal de detetives Jessie e James. Quer que eu continue?
Um "Não" mais que satisfeito foi a sua resposta. Por um momento se esqueceu com quem falava. Gente do governo… Se tinha uma coisa que não lhes faltava era informação.
— [Precisão], este é o seu Fator B — continuou a Comandante —, é algo bem interessante. Você consegue acertar alguma coisa mesmo sem enxergá-la, basta saber mais ou menos o rumo em que deve atirar. Tirou a sorte grande no jogo da vida.
— Você acha? Então que tal me deixar ir embora e fingir que nunca me viu? Acho que já nos encontramos na FESOL, não é? Somos meio que colegas de trabalho.
— Sonhe o quanto quiser. O tempo passa e as coisas mudam, se nos conhecemos ou não, já não importa agora! Águas passadas não movem moinhos, meu bem.
Um tique acendeu na cabeça de Victor. Murmurou a última frase dita, ação notada pela Comandante de sobrancelha arqueada.
— Esse tipo de fala, ou melhor, essa gíria que você usou… — Enigmático, fitou a mulher nos olhos. — Você reconhece o termo Jargão Demoníaco?
Uma nova investida ocorreu, tão rápida que por pura sorte escapou somente com um rasgo na roupa.
Morra!! Ela avançou, Victor deu três tiros em resposta. O grito de seu coração superou o barulho de toda uma multidão, e seu seguinte silêncio o vácuo do espaço.
Num único balançar da espada rubra, os projéteis foram defletidos. Um corte rápido emergiu no movimento seguinte, cortando diagonalmente o tronco de Victor num golpe mais profundo.
Alpina riu, vitoriosa. Aguardando o despencar do cadáver. Contudo, os olhos da vítima permaneciam mirados na mulher. O chiado característico provindo deste mesmo órgão deu o alerta.
Ouviu-se um trovão, os gritos da Comandante então abafados pela descarga elétrica que acertou-lhe em cheio, saída diretamente do detetive.
Ela enfim despencou de joelhos, o cheiro de carne queimada a dominar o ambiente.
Nenhum questionamento veio de Victor, cuja primeira ação foi sair do local na mesma hora, sequer percebendo que o sangue não escorria pela ferida em sua barriga.
Sem olhar para trás, mancou em velocidade máxima para uma direção aleatória. Um plano? Alguém tão ferido não seria capaz de bolar ou lembrar de um.
Certa desse desespero emergente, Alpina agiu como uma nova fonte deste ao se levantar. Agora repleta de queimaduras, ela mirou a rota de fuga do alvo.
O ranger dos dentes roubou o solo dos tambores que prenunciavam o conflito secular, anunciando junto a breve chegada do ponto alto do festival.
— Demônio de merda! — Um forte brilho vermelho emanou, tornando visível a silhueta de seu coração. — Eu vou te levar… mesmo que seja só o seu cérebro!!
***
— A-Acho que meu cérebro pifou… — disse Lucas, vagando o olhar. — Que lugar é esse?! A gente estava na cidade um segundo atrás!
De um festival numa cidade para um vasta planície — com o "plano" ao pé da letra.
Apesar da grama verde e um limpo céu azul, era impossível sentir qualquer calma dentro da paisagem desconhecida. Pelo contrário, de cada direção, uma faca invisível mirava a garganta da dupla de fugitivos.
— Lucas… não desative sua habilidade por nada! — Isaac apertou firme a mão do colega.
Em resposta ao ato, uma risada veio de alguns metros à frente. Menos de dez, o que seria considerado uma baita ousadia, isso se essa pessoa e as outras dezenas não apontassem um fuzil cada na direção dos dois.
— O que foi? Eu ouvi tanto sobre vocês dois — disse Xeps, decepcionado. — Esperava uma batalha épica, tipo nos filmes de ação, mas parece que me enganei.
Levou uma das mãos ao alto. Os soldados ao redor marchando até fecharem um círculo ao redor dos alvos. Enquanto isso, o General puxou um rádio da cintura. “Xeps aqui, precisamos recolher o corpo da Contenção de Pragas. Câmbio!”
O rádio dava uma constante e audível interferência. O semblante de insatisfação se fez presente, seguido de um “tanto faz” e um rápido movimento de mão que guardou o item na cintura novamente.
Voltando ao foco da situação, o General adicionou. — Desistam. Nossa missão é capturá-los. Se vai ser com ou sem vida, aí já depende de vocês.
Um baita calmante, mas pirateado. Uma fala dessas não adiantaria enquanto as dezenas de armas estivessem prontas para atirar.
Por um momento, Lucas fitou o chão. Um olhar cerrado que fora notado de longe pelo inimigo.
Xeps sorriu, mais confiante que antes. — Tá com medo de mergulhar no chão, rapaz? Pelo jeito minha teoria estava certa.
Sem base para se manter, um homem que não era afetado pela colisão dos corpos seria sugado em direção ao centro da terra sem qualquer chance de reação. Agora se esta "realidade", se assim pudesse chamar aquele lugar, tinha um núcleo ou coisa parecida, já era uma outra história.
— I-Isaac — sussurrou o Intangível. —, invoca a sua criatura de uma vez! Eles já cercaram a gente!
Ele sequer encarou de canto. A atenção estava 100% no General, cujo espelhava a ação.
Os soldados armados apenas aguardavam a única palavra que precisavam para abrir fogo. Xeps, no entanto, aguardava uma outra coisa.
— Isaac… — Lucas foi respondido com um olhar cansado. — Por que ele não ataca?
Sua vontade era gritar "como vou saber disso!?", mas a pequena sugestão que o cérebro insistia em ignorar impediu tais palavras.
No pescoço de Xeps havia um cordão mais do que peculiar. Uma corda que, apesar de ser feita de galhos, era tão maleável como borracha. Pendurado neste cordão estava um item este cuja forma arredondada lembrava um relógio de bolso.
"Que diabos é aquele colar? Dá pra sentir algo parecido com um Fator B só que… diferente."
No lugar de números e ponteiros, uma cruz dividia o círculo em quatro quadrantes, cada um apresentando uma cor diferente e um padrão desenhado, mas não reconhecível àquela distância. Laranja, azul, verde e cinza.
Uma pontada fez presença na cabeça de Isaac, um aviso de seus próprios instintos. — Lucas, o chão!
Nem meio segundo o rapaz recebeu para reagir. Uma cratera se abriu num piscar de olhos logo abaixo da dupla, de fundo inalcançável e quiçá inexistente.
E tão rápido quanto o surgir do poço, pares de tentáculos negros brotaram do chão e impediram a queda.
FOGO!! O comando do General foi ligeiro. A chance perfeita foi encontrada!
Uma rajada de todas as direções foi contra os fugitivos, impedida por uma parede viva formada pelos tentáculos maiores.
DE NOVO!! Xeps se juntou ao esquadrão, apontando com o fuzil. Porém, sua ordem foi abafada pelos gritos dos soldados ao redor. Alguns começaram a espumar pela boca e eventualmente desmaiaram, ao mesmo tempo, a parede de tentáculos reagia.
Lucas finalmente descobriu o motivo do Fator B de Isaac se chamar [Dark Wave], até então pensava que era só uma referência ao gênero musical. Partindo da fonte, uma pequena onda negra, como a propagada quando uma gota cai em água parada, propagou-se em todas as direções, atingindo tanto os soldados quanto o líder.
Os braços foram à frente por instinto, mas nada além de uma rajada de vento foi sentida após o colidir da onda.
Exceto por Xeps, todos recuaram alguns passos.
— O que foi isso? — A pergunta de Lucas valia por todos ali. Um breve "Observe!" foi o que o rapaz lhe respondeu.
A paisagem foi tomada por um intenso terremoto, causado por algo supostamente mais forte que a própria natureza. Ante a situação, as palavras derraparam pela língua de Xeps, ainda assim incapazes de dar as ordens antes do ataque inimigo.
A verdadeira onda negra surgiu. Cada um dos soldados foi engolido por uma coluna negra que surgiu a partir de seus pés e cobrindo uma área de 1 metro ao redor de cada um. Uma massa tão densa quanto um buraco negro, apesar de não possuir qualquer poder gravitacional, ainda assim, nem mesmo os gritos das vítimas conseguiram escapar.
Incrível! LFoi um instinto para Lucas falar isso, como se quisesse apenas confirmar para Isaac que não era um inimigo. Seu corpo, ao contrário da mente, se controlava para não sair correndo deste ser humano comparável à uma arma de destruição em massa.
Assim como o General, o rapaz tentou parabenizar seu protetor, tendo as palavras interrompidas antes de saírem.
— O resto é contigo — sussurrou Isaac antes de desmaiar.
Lucas segurou o corpo mole da maneira que pôde, obrigado a sair da segurança dos braços da criatura e saltar para terra firme ao notar o seu lento desvanecer.
Quando no chão, avaliou brevemente Isaac. Ainda de olhos abertos, mas sem pupilas. A alma fora sugada para um lugar desconhecido e apenas uma casca restou no plano físico.
Apesar da queda de seu protetor, alguns segundos de paz alcançaram seu coração. O aviso dado anteriormente, no entanto, mostrou a razão de sua presença.
Um corte. Tal som rasgou os ouvidos de Lucas e atraiu seu olhar para aquilo que deteve o golpe.
De uma das colunas negras emergiu a enfurecida silhueta de Xeps. Uma luz destacada em seu peito trouxe curiosidade e pavor à todo o corpo do Intangível. Xeps encarou seu alvo e disse:
— Um ataque interessante, mas muito fraco. — Recarregou o fuzil, mas manteve a mira baixa. — Pelo menos facilitou o meu trabalho.
Ao brilho terroso do objeto estranho em seu pescoço, uma outra cratera surgiu. Sem chances de reação, ambos foram engolidos pela fossa.
Lucas procurou e procurou, mas nem mesmo a mais criativa mente conseguiria escapar disto com apenas intangibilidade. Porém, em plena queda, sentiu uma mão lhe agarrar. Em seguida, os tentáculos da [Dark Wave] fizeram sua notória presença mais uma vez.
— Isaac, você tá bem!?
— Tá me tirando, porra? Eu lá pareço aquele idiota?
O rosto, a voz e a maneira agressiva de se comunicar!! Se tudo estivesse em breu, juraria ser o Hector, e seria ótimo na verdade, principalmente quando comparado com este homem em questão.
Alexandre!? O ruivo reagiu ao grito com um franzir de testa. O olhar furioso mirava a saída da fossa, e a sede de sangue; aquele que jogou-lhe lá.
— Um General, é? Agora o negócio ficou bom! — Deu sorriso cínico, dando uma vontade a Lucas de saltar de volta ao poço.
Com a ajuda da criatura, foram novamente levados para fora.
— Cacete, pessoas insistentes são as piores — comentou Xeps num suspiro.
Alexandre encarou o militar e bateu os punhos. Um interesse era levado ao fuzil que ele carregava, e o cortar de seus olhos causava coceira no pescoço do inimigo.
Lucas deu alguns passos para trás, se colocando à uma distância que considerou segura. Com a troca de personalidades, a batalha tendeu a ficar ainda mais violenta ao cair nas mãos de Alexandre. Mas, se fosse para o potencial máximo de um Fator B ser mostrado, seria agora!
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